por Juliana Machado
O alarmismo midiático em torno da droga abre espaço para um projeto de cidade que visa estabelecer a segregação — e esquece a saúde
Mais uma vez, o crack é pauta da mídia. O discurso alarmista que circula nos jornais e televisões difunde o problema da chamada “cracolândia” de São Paulo como questão urgente e de solução complexa. A droga é demonizada e seus consumidores são considerados população de segunda categoria. Há quem afirme haver uma epidemia relacionada ao uso desta substância no Brasil.
A solução mágica da internação compulsória de pessoas que fazem uso do crack – entre elas crianças e adolescentes – parece ser a panaceia para o grande mal que assola as cidades e aterroriza as famílias. Projetos de lei de iniciativa municipal e estadual, intervenções do Tribunal de Justiça de SP e um poderoso lobby que envolve a Associação Brasileira de Psiquiatria – ABP, a indústria famacêutica, os donos de clínicas de tratamento e comunidades terapêuticas com viés religioso (1) agem nesta direção, prometendo, cada qual na sua esfera, solucionar o problema.
De fato, existem situações de abuso do crack. Mas a campanha em favor da internação compulsória tem servido de biombo para dois movimentos articulados. Um, de roupagem moralista, procura restaurar o manicômio e reverter importantes avanços alcançados nas políticas de saúde mental, nas últimas décadas. Revela a face do saber médico que pretente retomar o monopólio sobre a loucura e seu tratamento. O outro atua na produção do espaço urbano e disputa as regras das cidades: quer acelerar a segregação nas grandes metrópoles e expulsar os pobres de algumas das suas regiões centrais — destinando-as ao capital imobiliário e financeiro transnacional.
MAIS:
(1) Comunidades terapêuticas não são dispositivos de saúde pública. São a versão moderna dos antigos manicômios, seja pela função social a elas endereçada, quanto pelas condições de uma suposta assistência ofertada. Elas reintroduzem o isolamento das instituições totais, propondo a internação e permanência involuntárias. Centram suas ações na temática religiosa, frequentemente desrespeitando tanto a liberdade de crença quanto o direito de ir e vir dos cidadãos. Rompem, portanto, com a estrutura de rede que vem sendo construída pelo SUS, não havendo qualquer justificativa técnica para seu financiamento público. (in: Manifesto do CFP: 13 razões para defender uma política para usuários de crack, disponível aqui).
Nenhum comentário:
Postar um comentário