sexta-feira, 27 de abril de 2012

Deleuze e a questão da literalidade: uma via alternativa



Deleuze e a questão da literalidade: uma via alternativa

Deleuze and the question of literality: an alternative path


Tomaz Tadeu
Doutor em Educação pela Stanford University (EUA) e professor da Universidade Federal de Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: qorpo100orgaos@yahoo.com



RESUMO
Discuto algumas das questões propostas por François Zourabichvili em "Deleuze e a questão da literalidade", publicado neste mesmo dossiê. Argumento que: a) a literalidade, tal como apresentada por Zourabichvili, deixa igualmente inexplicadas as relações metafóricas de que pretende dar conta; b) a metáfora e a literalidade não são equiparáveis: a primeira, enquanto operação lingüística supõe uma equivalência semântica; a segunda, enquanto operação material supõe uma equivalência pragmática; c) Deleuze e Guattari oferecem uma visão da literalidade muito mais simples e direta do a que propõe Zourabichvili.

Deleuze e a questão da literaridade


 


Deleuze e a questão da literaridade*

Deleuze and the question of literality


François Zourabichvili
Doutor em Filosofia e professor da Université Paul Valery – Montpellier III. E-mail: afz@club-internet.fr



RESUMO
Podemos organizar uma teoria de ensino a partir da obra e da prática pedagógica de Gilles Deleuze em torno de três temas: 1. a aula tem a ver com o que buscamos e não com o que sabemos. 2. Não sabemos por quais signos um estudante aprende ou torna-se bom em alguma coisa. 3. A atividade de pensar, e também o verdadeiro e o falso relativamente a essa atividade, começam quando traçamos os problemas mesmos. Um outro aspecto, menos visível, implica os outros três, já que se joga aí o destino mesmo do discurso de Deleuze, nossa capacidade de entendê-lo, assim como a sua própria capacidade de se fazer entender. Trata-se da insistência sobre uma compreensão ao pé da letra. A literalidade é o motivo de uma pedagogia interna à filosofia, de uma pedagogia propriamente filosófica.

Aprender com Deleuze


 

Aprender com Deleuze*

Learning with Deleuze


René Schérer
Doutor em Filosofia e professor emérito da Universidade Paris VIII. E-mail: rene.scherer@wanadoo.fr



RESUMO
O aprender ocupa, na filosofia de Gilles Deleuze, um lugar de destaque. É um ato de adaptação e de criação, um agenciamento complexo, que concerne às condições de possibilidade do próprio pensamento: formação da Idéia e formulação do problema. O aprender vai além do saber, esposando a vida toda, inteira, em seu curso apaixonado e imprevisível.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

BERGSON, 1859-1941


BERGSON, 1859-1941 DL - POR GILLES DELEUZE
[1956]

Um grande filósofo é aquele que cria novos conceitos: esses conceitos ultrapassam as dualidades do pensamento ordinário e, ao mesmo tempo, dão às coisas uma verdade nova, uma distribuição nova, um recorte extraordinário. O nome de Bergson permanece ligado às noções de duração, memória, impulso vital, intuição. Sua influência e seu gênio se avaliam graças à maneira pela qual tais conceitos se impuseram, foram utilizados, entraram e permaneceram no mundo filosófico. Desde Os dados imediatos, o conceito original de duração estava formado; em Matéria e memória, um conceito de memória; em A evolução criadora, o de impulso vital. A relação das três noções vizinhas deve indicar-nos o desenvolvimento e o progresso da filosofia bergsoniana. Qual é, pois, essa relação?

Para uma definição do conceito de “bio-política”


por Maurizio Lazzarato

Une vie ne contient que des virtuels” (Deleuze)

1. Nossa hipótese central é de que a economia da informação capta e coloca no trabalho não mais o “tempo de trabalho”, mas o “tempo da vida”. Mas vamos dar um passo à frente e tentar definir o conceito de vida[1]. Foucault já havia dito que o capitalismo se caracteriza pela instituição de técnicas de poder que ele definia como “disciplinares” e “bio-políticas”. Enquanto as primeiras tinham como objeto o “homem-corpo”, as últimas investiam no “homem-espécie”. Todas as duas se referiam à “multiplicidade dos homens”, mas enquanto as primeiras resolviam a multiplicidade em corpos, as últimas aludiam à “massa global investida de processos de conjunto que são específicos da vida, como a morte, o nascimento, a produção, a doença.”[2] A técnica bio-política “recoloca os corpos no interior dos processos biológicos de conjunto.”[3]
O que o tempo da vida implicado no pós-fordismo introduz de novo em relação ao conceito de vida foucaultiano? Parece que só se pode responder que introduz não apenas o inorgânico, como já foi sublinhado, mas também, e sobretudo, uma vida “a-orgânica”. E por vida “a-orgânica”, entendo fundamentalmente “o tempo e suas virtualidades”. Não o tempo abstrato, o tempo medida, mas o tempo-potência, o tempo como “fonte de criação contínua de imprevisíveis novidades”, “aquilo que faz com que tudo se faça”, segundo expressões de Bergson.

domingo, 22 de abril de 2012

FOUCAULT COMO O IMAGINO


por Maurice Blanchot 

O leitor que avançar desprevenidamente nas primeiras linhas deste curto texto de Maurice Blanchot poderá muito depressa aperceber-se do essencial. E o essencial é: que há um mistério (não diria tanto: uma prega, uma dobra, uma ruga, um estremecimento, uma convulsão) nesta escrita. Não se trata de coisas escondidas, e por uma razão demasiado simples: não há onde esconder. Isto é, aparentemente esta escrita não tem qualquer interioridade, não há nela um dentro dela (nenhuma caverna, nenhum nicho, nenhum fundo falso, nenhuma cripta, nenhum mapa da ilha) para ocultar seja o que for. Desenrola-se aos nossos olhos numa transparência irrepreensível - e alguns foram ao ponto de fazer ouvir através de um nome (Blanchot, blanche eau) a brancura sem cor de uma água inverossimilmente pura. O mistério vem do modo como se desenrola - demasiado claro, quase inocente, para ser verdade. Tão claro, tão dócil, tão neutro, tão distraído de si mesmo, que por vezes nos assusta. Não há drama nesta escrita. Ela é serena, de uma estranha serenidade, porque parece dizer que atravessou a morte. E é talvez isso mesmo que se inscreve no admirável título de uma das mais belas narrativas (mas: « Uma narrativa? Não, nada de narrativas, nunca mais») deste século: La folie du jour. Por outras palavras, a clareza do dia é de tal modo clara que essa claridade se aproxima, excessiva, transbordante, imensa, da loucura. Porque esse texto começa num depois da
[9]
morte (que é também, reparem, um depois da vida): «Não sou nem sábio nem ignorante. Conheci algumas alegrias. É muito pouco dizer: vivo, e esta vida dá-me um grande prazer. Então, a morte? Quando morrer (talvez daqui a nada) conhecerei um prazer imenso. Não falo do ante-gosto da morte, que é insulso e muitas vezes desagradável. Sofrer é embrutecedor. Mas tal é a verdade notável de que estou certo: sinto em viver um prazer sem limites e terei ao morrer uma satisfação sem limites.» Atravessar a morte é isto: suspender, no equilíbrio lúcido do dia, o prazer que fica, entre a morte e a vida, no exterior impensável da sua conjunção.

TRES ENCUENTROS CON MICHEL FOUCAULT


             Coincidindo com o 15º cabo de ano da morte do pensador francês Michel Foucault, passo a transcrever a seguinte semblança publicada por Toni Negri no periódico espanhol “Liberación” num suplemento homenagem que saiu à rua o dia 30 de Dezembro de 1984.

            TRES ENCUENTROS CON MICHEL FOUCAULT

                        Toni Negri, 1984

            No conocí a Foucault personalmente. Me he encontrado con él tres veces, sin embargo. Siempre fueron encuentros muy importantes.

NATURALEZA HUMANA: JUSTICIA VERSUS PODER (Parte I)


Extracto de un diálogo entre Noam Chomsky y Michel Foucault en el año 1971
Moderado por Fons Elders
 
Elders: Bueno, haremos lugar ahora a la segunda parte de la discusión, la política. Primero de todo, me gustaría preguntarle al Sr. Foucault por qué está él tan interesado en política, ya que, él me dijo que de hecho, gusta más de la política que de la filosofía.
 
Foucault: Nunca me he referido, en cualquier caso, a la filosofía. Pero eso no es un problema. (risas de Foucault). Su pregunta es: Por qué estoy yo, tan interesado en política. Pero si yo le contestara muy simplemente, le diría esto: por qué no debo estar interesado? Esto es decir, qué ceguera, qué sordera, qué densidad de la ideología, habría de sobrecargarme para evitar que continúe interesado en el que es probablemente el tema más crucial de nuestra existencia, es decir, la sociedad en la cual vivimos, las relaciones económicas dentro de las cuales esto funciona y el sistema de poder que define las formas de regulación y los permisos y prohibiciones habituales de nuestra conducta? La esencia de nuestra vida consiste, después de todo, en el funcionamiento político de la sociedad en la cual nos encontramos. Entonces no puedo contestar su pregunta sobre por qué estoy interesado; puedo sólo contestar por la pregunta por qué no debería estar interesado?
 

sábado, 21 de abril de 2012

Drogas e situação de rua: o “Consultório de Rua” como estratégia


Por: Rita de Cássia Araújo AlmeidaTrabalhadora da Rede de Saúde Mental - SUS


Esta semana tive a grata satisfação de participar de uma reunião entre o Departamento de Saúde Mental de Juiz de Fora e a Secretaria de Assistência Social, cujo objetivo era apresentar o “Consultório de Rua”: modalidade de intervenção implantada no município há cerca de dois meses, com o propósito de ofertar ações de proteção, promoção, cuidado e prevenção em saúde para população em situação de rua.

O “Consultório de Rua” é uma experiência que surgiu no final da década de 90, em Salvador, com a finalidade de atender a pessoas em situação de risco e vulnerabilidade social, agravados pelo do uso ou dependência de drogas. A ideia é a de um consultório a céu aberto, itinerante, provido de equipe multiprofissional, que ofereça atendimento no contexto de vida do sujeito em situação de rua, promovendo acessibilidade a serviços de saúde e assistência, garantindo cidadania e exercício de direitos, e resgatando os laços familiares, comunitários e/ou sociais. Os princípios que norteiam tal estratégia são os mesmos do SUS – universalidade, equidade e integralidade – e outros não menos importantes: respeito ao modo de vida do sujeito, respeito aos direitos humanos e a utilização da estratégia de redução de danos.

Atender a demanda por cuidados a pessoas com problemas relacionados ao uso de drogas tem sido um grande desafio para as políticas públicas nos últimos tempos, especialmente nos casos onde estão associados a eles: situação de rua, miséria social, exclusão, abandono e marginalidade, invariavelmente resultando naquilo que têm se chamado genericamente de “cracolândia”. Muitos municípios estão optando por estratégias meramente higienistas para intervir nesses espaços, sendo que elas podem ser de dois tipos: as que espantam e as que recolhem. As que espantam, vão apenas fazer com que essas pessoas migrem para outro lugar, obviamente que para um lugar semelhante ao anterior. As que recolhem (compulsoriamente ou não) também acreditam que o problema é solucionado quando o levamos para outro local, só que dessa vez apostam em instituições de amparo social ou clínicas de recuperação.

Os resultados dessas estratégias higienistas são semelhantes àqueles que conseguimos ao limpar a sala de estar varrendo a sujeira pra debaixo do tapete, ou seja, maquiagem provisória. As intervenções baseadas no recolhimento se sustentam num princípio clássico do tratamento em saúde: é preciso isolar para tratar. É claro que tal princípio é bem adequado para tratar daquelas doenças onde a contaminação ou o contágio façam parte dos sintomas. Mas em se tratando de uma "doença" onde o isolamento e o prejuízo social já estão instalados, sendo tão nocivos quanto a própria doença, será que o “isolar para tratar” é tão eficaz?

Mais uma vez temos sido tentados a criar novos muros, muros que separem, delimitem e isolem, a primeira vista em nome do tratamento, mas também em nome daquilo que tememos, do que não compreendemos, não aceitamos e não sabemos como lidar. Fizemos assim com os doentes mentais, criamos muros que nos separavam deles, para depois de muitas décadas entendermos que, na verdade, deveríamos ter criado pontes. E afinal, concluímos que as pontes têm sido infinitamente mais eficazes para tratar que os muros. No caso das drogas, seria uma pena gastarmos tempo, material humano e recursos públicos com os muros que já sabemos, mais cedo ou mais tarde, demonstrarão seu fracasso (na verdade, já estão demonstrando).

Os “Consultórios de Rua”, por sua vez, apostam nas pontes. Pontes que acolhem ao invés de recolher e aproximam ao invés de espantar. Imagino que em termos arquitetônicos deva ser muito mais difícil construir pontes do que muros, assim como é muito mais difícil aproximar do que espantar. Acolher também é bem mais trabalhoso que recolher, porque leva em conta o querer de quem está sendo acolhido, ao passo que o recolher só leva em conta o querer de quem recolhe.

Mas, enfim, se estamos procurando as estratégias mais eficientes, estruturadas e duradouras não podemos recuar diante das dificuldades e fico feliz que meu município não tenha recuado. E espero, ansiosamente, que muito mais pontes como essa sejam construídas.
buscado em: http://ritadecassiadeaalmeida.blogspot.com.br/2012/04/drogas-e-situacao-de-rua-o-consultorio.html?spref=fb

quarta-feira, 18 de abril de 2012

TRABAJO AFECTIVO


por Michael hardt 
La preocupación con la producción de afectividad en el entorno laboral y social a menudo  ha servido como una buena base para desarrollar proyectos anticapitalistas dentro del discurso en torno a conceptos como deseo y valor y uso. El trabajo afectivo constituye directamente y en sí mismo la creación de comunidades y de subjetividad colectivas. El circuito productivo dentro del que se mueven los afectos y los valores se ha visto en gran medida como un circuito autónomo de creación de subjetividad, una alternativa al proceso de valoración capitalista. Sistemas de pensamiento que acercan a Marx y Freud asocian el concepto del trabajo afectivo con ideas como el trabajo dentro de la familia y el cuidado de otros. Cada uno de estos análisis revela procesos mediante los que, dentro de la actividad laboral, producimos subjtividades colectivas, socialidad y que, en último término, dan lugar a la sociedad en sí. 

os nomes dos afetos


São tantas as vezes em que somos tomados por sentimentos e não sabemos nomeá-los porque não cabem no riscado conhecido dos afetos que já conhecemos... são tantas as vezes em que ficamos irritados e não sabemos em que fomos incomodados para produzir tal irritação... ficamos tristes e não sabemos em que terreno brotou nossa tristeza... flagramo-nos em meio à melancolia e lá se vai nossa racionalidade sem nos dizer o que nos abateu em pleno vôo...  lançamos iscas ao mar e içamos nossas velas no alto topo das marés... andamos a esmo e nadamos rumo à terra pantanosa de nossa esperança... mas também, são tantas as vezes em que ficamos afetados por coisas boas e gostosas, e não sabemos o que fazer com isso... não sabemos nem como nomear os sentimentos e afetos que emergem disso... e na maioria das vezes, não sabemos como nomeá-los, porque aprendemos a reconhecer somente as formas prontas e padronizadas de sentimentos e afetamentos, e são essas as formas com que aprendemos a viver a vida, a sentir, a se deixar afetar, a olhar o outro, a nos dar a ver ao outro, a compor a existência, a paralisar... a vida pode ser outra coisa... a vida pode ser possibilidades... pode ser movimento-acontecimento e não paralisia... pode ser alegria e não tristeza... pode ser coragem e não medo... pode ser rizoma e não raiz... enfim, a vida pode ser tudo isso ao mesmo tempo e que, em todos os repentes, no amanhecer das manhãs, no recolhimento de todas as noites possamos ser protagonistas de nossos sentimentos e afetamentos, produzindo a partir disso, vitalismos e potências que nos façam estufar o peito e sair de si.
Dia desses uma pessoa, ao falar de um afetamento que estava sentindo em relação a uma outra pessoa, disse que o sentia, mas que não sabia como nomear isso... e ela está vivendo uma história de amor, mas isso lhe é tão estranho, que sente, fica ensimesmada, fica afetada, mas não consegue perceber que provocou no outro e com o outro uma história de amor! Os agenciamentos produzidos no encontro dispararam uma história de amor... ou melhor, a invenção de uma história de amor!
Foi essa situação que me fez buscar as referências dumas falas de Rubem Alves –que é uma das pessoas públicas que melhor diz dessas coisas simples da existência- quando fala um pouco da coisa de podermos exprimir aquilo que sentimos, dar voz aos nossos sentimentos, exercitar o direito de falar de nossos sentimentos... dizer para as pessoas aquilo que emerge de nosso contato com elas... dizer da beleza, da alegria, da poesia, da boniteza do existir, da generosidade, da solidariedade, do respeito, da dignidade, da singularidade... podemos aprender a sentir e a dizer dessas coisas boas e bonitas, na mesma modulação, intensidade e freqüência em que dizemos de nossas iras, de nossos desgostos, de nossas raivas, de nossas tristezas, de nossas decepções... mas, enfim, aprender a dizer e não a engolir, porque engolir alegria, poesia, vida, agenciamento, afetos, sentimentos, causa a mesma constipação existencial que sentimos quando engolimos as coisas ruins. Engolir as coisas boas e bonitas provoca ensimesmamento e melancolia... não que isso não seja necessário de quando em vez, mas não sempre!
Nossos referenciais clássicos para pensar e sentir o afetamento do amor, são os do amor-posse, amor-romântico, amor-idealizado, amor-completude, amor-paralisia, amor-estacamento-da-vida, entre outros quetais... por mais esquizos que sejamos, ainda somos atravessados por essas condições cada vez em que nos deparamos com a emergência do outro em nosso existir!
Gosto de uma entrevista de Foucault (“De l'amitié comme mode de vie”, ver aqui) em que ele aborda, entre outras coisas, essa questão da invenção das relações a partir de outras possibilidades que não as condições colocadas pelos modelos clássicos... gosto de viver de um jeito que permita sempre novas modulações... que permita existenciar a vida a partir de agenciamentos possíveis... gosto de estar aberta a atravessamentos inusitados e inesperados, descodificados e provocativos... gosto do viver descarado... gosto de poder falar das coisas que penso, que sinto, que me afetam, que me deformam do formado que há em mim, que me transgridem em minhas manias parasitas, que me atravessam sem chance de escapar... gosto de um viver largado que me faz modular a existência com os existires alheios...
Acho de uma boniteza imensurável essa possibilidade de estarmos andando por aí, sem pretensão alguma e, num repente, nos vermos capturados por um olhar que nos vê e dentro desse olhar que nos vê, podermos nos enxergar mais e melhor... acho que uma grandeza infinda, quando nos deixamos atravessar pela existência do outro e não fugirmos disso... e nesse atravessamento, poder aprender a respeitar o andar do outro, assim como o seu próprio andar... de não querer um amor-completude, daqueles em que os afetados esperam a abolição da falta e a eliminação da singularidade... de produzir um amor-libertário que provoque e produza vida, autonomia e os singulares cantares da diferença!
Enfim, acho de uma absoluta coragem poética o descaminho da invenção da vida a partir de nosso encontro com o outro... dessa coisa de poder me ver dentro do olhar do outro e de sair de mim, como quem nasce numa retina e se transforma num si do que já se é, mas que antes não se viu... acho de uma grandeza infinda esse amor que nos tira do prumo das coisas estancadas e nos coloca a olhar a vida... que nos coloca a aprender os existires (o nosso e o do outro)... que nos faz ir e voltar... que nos deixa ensimesmados... que nos faz querer ficar por perto e saber do outro (do outro que me habita e que se habita)... que nos provoca a compartilhar... que nos deixa tão largados ao ponto de querermos ficar simplesmente em silêncio ao lado do outro, presenciando a sua existência e a nossa própria existência enredada nesses nós do existir do outro... que nos deixa contentes com um simples agenciamento... que nos coloca em movimento... que nos faz produzir acontecimentos... que nos encoraja a olhar para nossa própria vida e a provocar desdobramentos de alegria, de novas modulações, de poesia, de musicalidade existencial... que nos faz compor jardins... que nos provoca densidade com leveza... que nos deixa inquietos, mas contentes... que dá cor aos amanheceres... que da fluidez aos anoiteceres... que nos encanta com alegrias pequenas (longe, muito longe de felicidades plenas)... que nos faz ver e entender que a vida seja possível!
Acho de uma coragem poética inigualável quem se permite inventar e viver uma história de amor... gosto dessa idéia de que alguém me provocou a sair de mim e querer viver uma história de amor... me sinto mais forte e corajosa com isso... me vejo inventando novos nomes para novos afetos... me sinto inventando a vida!

terça-feira, 17 de abril de 2012

Ensaio Geral: Conceito e Desejo na Filosofia de Gilles Deleuze e Félix Guattari


por Alexandre Fernandes B. Costa Leite
Introdução
O atual ensaio carrega em si o ímpeto de delinear as linhas que efetuam o labor realizado por dois pensadores franceses contemporâneos, Gilles Deleuze e Félix Guattari, mostrando em sentido geral as concepções que os mesmos têm da filosofia e do desejo. A primeira parte centra-se na maneira que a filosofia é focalizada, a atitude filosófica realizando-se na ação  criadora de conceitos, na auto-referencialidade dos mesmos; tal postura sobre o que é a filosofia produz, inevitavelmente, o solilóquio do conceito e do filósofo.  E a segunda parte localiza-se na tentativa de mostrar que o desejo impera sua existência como  força que atua no centro dos investimentos sociais tendo um pólo paranoico e o outro esquizofrênico. Na observação do desejo, é imprescindível mostrar como se dá a formação do poder e das massas humanas, ou seja, como acontece a incidência direta da libido no campo social e como evitar o extremo paranóico em detrimento de um esquizo-desejo revolucionário e nômade que trabalha a existência, como disse Foucault, com um aspecto "não-fascista", e como disse Deleuze "A vitalidade não-orgânica"; para esse empreendimento o autor que serviu de fulcro e forneceu exemplos foi búlgaro Elias Canetti.

compondo escritos sobre a atenção básica no SUAS

estou postando aqui, cinco escritos em estado bruto, sobre a questão da produção do trabalho da psicologia no campo da atenção básica na política de assistência social... são escritos tessidos na sonoridade do trabalho cotidiano... somente o primeiro deles foi publicado (no Jornal Entrelinhas - Ano XII - N.º 57 - Jan/Fev/Mar 2012) e os demais, ainda sem edição, se imitam entre si, numa ou noutra parte... como vou demorar a passar a tesoura neles, largo aí ao dispor de quem queira ler... acho que servem para pensar uma ou outra coisa (não só no campo da assistência social, mas também da saúde e da educação)... assimassim, é a vida escorrendo do grafite que me habita!

1. PSI: COMPONDO O CRAS

sexta-feira, 13 de abril de 2012

ENSAIO SOBRE A LUCIDEZ - JOSÉ SARAMAGO


A Pilar, os dias todos
A Manuel Vázquez Montalbán, vivo

Uivemos, disse o cão.
Livro das Vozes

 Mau tempo para votar, queixou-se o presidente da mesa da assembleia eleitoral número catorze depois de fechar com violência o guarda-chuva empapado e despir uma gabardina que de pouco lhe havia servido durante o esbaforido trote de quarenta metros desde o lugar onde havia deixado o carro até à porta por onde, com o coração a saltar-lhe da boca, acabava de entrar. Espero não ter sido o último, disse para o secretário que o aguardava um pouco recolhido, a salvo das bátegas que, atiradas pelo vento, alagavam o chão. Ainda falta o seu suplente, mas estamos dentro do horário, tranquilizou o secretário, A chover desta maneira será uma autêntica proeza se cá chegarmos todos, disse o presidente enquanto passavam à sala onde se realizaria a votação. Cumprimentou primeiro os colegas da mesa que actuariam como escrutinadores, depois os delegados dos partidos e seus respectivos suplentes. Teve o cuidado de usar para todos as mesmas palavras, não deixando transparecer na cara nem no tom de voz quaisquer indícios que permitissem perceber as suas próprias inclinações políticas e ideológicas. Um presidente, mesmo de uma assembleia eleitoral tão comum como esta, deverá guiar-se em todas as situações pelo mais estrito sentido de independência, ou, por outras palavras, guardar as aparências.

A sociedade contra o Estado


por Pierre Clastres 1974 - Artigo
As sociedades primitivas são sociedades sem Estado: esse julgamento­ de fato, em si mesmo correto, na verdade dissimula uma opinião, um juízo de valor, que prejudica então a possibilidade de constituir uma antropologia política como ciência rigorosa. O fato que se enuncia é que as sociedades primitivas estão privadas de alguma coisa –  o Estado – que lhes é, tal como a qualquer outra sociedade - a nossa, por exemplo - necessária. Essas sociedades são, portanto, incompletas. Não são exatamente verdadeiras sociedades - não são policiadas -, e subsistem na experiência talvez dolorosa de uma falta - falta do Estado - que elas tentariam, sempre em vão, suprir. De um modo mais ou menos confuso, é isso mesmo o que dizem as crônicas dos viajantes ou os trabalhos dos pesquisadores: não se pode imaginar a sociedade sem o Estado, o Estado é o destino de toda sociedade. Descobre-se nessa abordagem uma fixação etnocentrista tanto mais sólida quanto  é ela, o mais das vezes, inconsciente. A referência imediata, espontânea ­'é, se não aquilo que melhor se conhece, pelo menos o mais familiar. Cada um de nós traz efetivamente em si, interiorizada como a fé do crente, essa certeza de que a sociedade existe para o Estado. Como conceber então a própria existência das sociedades primitivas, a não ser como espécies à margem da história universal, sobrevivências anacrônicas de uma fase distante e, em todos os lugares há muito ultrapassada? Reconhece-se aqui a outra face do etnocentrismo, a convicção complementar de que a história tem um sentido único, de que toda sociedade está condenada a inscrever-se nessa história e a percorrer as suas etapas que, a partir da selvageria, conduzem à civilização “Todos os povos policiados foram selvagens”, escreve Raynal. Mas o registro de uma evolução evidente de forma alguma fundamenta uma doutrina que, relacionando arbitrariamente o estado de civilização com a civilização do Estado, designa este último como termo necessário atribuído a toda sociedade. Pode-se então indagar o que manteve os últimos povos ainda selvagens. 

A cidade policêntrica e o trabalho da multidão


por Giuseppe Cocco

         As economias periféricas produziram processos de urbanização e metropolização extremamente rápidos e violentos. Assim, nos maiores países da América Latina, os pesos relativos das populações rurais e urbanas inverteram-se em poucas décadas. Hoje em dia, México e Brasil dispõem de realidades metropolitanas que estão entre as mais importantes do Planeta. As grandes desigualdades sociais e segregações espaciais que nelas comparecem não impedem que porções consistentes de suas populações urbanas participem ativamente dos processos de integração mundial dos mercados e das culturas. Muito pelo contrário, em face destas realidades metropolitanas, o pós-fordismo pode, paradoxalmente, se desenvolver de maneira mais fácil do que nas economias avançadas. No Brasil, por exemplo, a fragmentação social e a segregação espacial jamais foram rearticuladas e reduzidas, nem pelas lutas igualitárias do operário taylorista massificado cuja hegemonia social marcou, nos Estados Unidos do final dos anos 30 e na Europa do segundo pós-guerra, uma universalização meritocrática do Welfare State e de seus direitos. Enquanto, nos países centrais (e sobretudo na Europa), as inércias institucionais de tipo fordista podem constituir instrumentos significativos de resistência social à flexibilização, nas economias periféricas, as políticas neoliberais encontram escassas forças sociais organizadas capazes de contê-las. Ao mesmo tempo, as grandes concentrações metropolitanas (Cidade do México, São Paulo, Rio de Janeiro, etc.) constituem espaços privilegiados de emergência das novas realidades produtivas.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

TRABALHO E EXCLUSÃO - Entre universalização da guerra e universalização dos direitos


por Giuseppe Cocco[1]

Na virada da década, os impasses sociais dos planos de estabilização econômica estão se traduzindo na volta poderosa das preocupações com as políticas públicas ativas de desenvolvimento. As reuniões das maiores instâncias de governo supranacional do mundo globalizado se tornaram, aos poucos, ocasiões de mobilização global de sujeitos novos e múltiplos, portadores de novas reivindicações e de novas práticas de luta. Entre Seattle e Gênova, um verdadeiro movimento dos movimentos se constituiu: em julho de 2001, dezenas e até centenas de milhares de manifestantes enfrentaram uma dura repressão policial para criticar a reunião do G8 e o governo bizantino[2] do Império[3]. No Brasil, as recentes eleições municipais foram um marco expressivo da vontade popular para uma “guinada social” da política econômica. O primeiro Fórum Social de Porto Alegre lhe forneceu um eco, uma visibilidade e articulação em níveis mundiais.
Mas, por trás dos horizontes novos que se abrem, os desafios que esta “inflexão social” enfrenta para se tornar espaço concreto de políticas públicas de desenvolvimento[4] constituem-se em enormes quebra-cabeças. Não poderíamos deixar de enfatizar as dimensões dramáticas desta fase e destes desafios.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

sim, somos anarquistas!

este é um escrito cuja extensão não cabe no espaço dos comentários no Blog, então, apesar de já ter publicado aqui a íntegra de texto, estou trazendo novamente essa parte que interessa neste momento, para elucidar uma mal colocada crítica de que nosso movimento de paralisação dos trabalhadores públicos municipais de cruz alta, tenha sido um "anarquismo"... assimassim, devo dizer que somos anarquistas, sim... e deixo um escrito sobre isso, pra ajudar a pensar no anarquismo e para que alguns apressados não saiam a dizer tantas bobagens... aí vai: 
"O anarquismo é para muitas pessoas algo inominável. É visto como sinônimo de bagunça, desorganização, irresponsabilidade, ausência de regras, convulsão, subversão, palavra que designa o mal. O anarquismo é também visto por muita gente como sendo sinônimo de antarquismo, oposição sistemática a qualquer governo. Mas o anarquismo não é avacalhação, desordem e muito menos oposição a qualquer governo. Anarquismo é um movimento social, uma forma de pensar criticamente a sociedade, um governo de si pautado na liberdade dos indivíduos que dispensa a entidade estatal.// O anarquismo expressa a verdade das sociedades sem soberanos; não pretende uma sociedade única mas uma miríade de sociedades. Volta-se para a crítica às relações que se estabelecem com base no poder centralizado, esteja ele na família, na escola, no Estado. Para ele é insuportável tolerar prisões, manicômios, internatos de qualquer gênero. Por isso estimula todas experiências que potencializem a liberdade e reduzam os exercícios de autoridade. Para o anarquismo está em jogo a presentificação na horizontalização das relações, com base na incomensurável gama de desejos a ser realizada como prazer pela vida, com generosidade, solidariedade e amizade, que se fazem sempre presentes.// Seria um equívoco afirmar que o anarquismo é uma única vertente política. Ao contrário, e por ser múltiplo, só podemos pensar em anarquismos com seus propósitos realizando-se mutuamente. A forma de expressão coletiva destas conformações chama-se federalismo.// A da liberdade anarquista se faz nas específicas circunstâncias e de modos diversos. A vida libertária pode advir tanto de resultados pacíficos como de produto de confrontos mais violentos, sabendo-se neste caso, os riscos que uma revolução pode trazer, distorcendo o ideal socialista libertário em algum autoritarismo. Muitas vezes, para que a liberdade se realize fora dos princípios da sociedade burguesa — ou seja, no mercado, e de sua repercussão na política, como democracia — o debate é insuficiente para se chegar ao fim da centralidade do poder.// A sociedade igualitária federalista não emerge de um ato voluntário num determinado momento; ela deve ser gestada no presente e as análises anarquistas nos mostram a importância de estarmos atentos ao local e ao regional, às diversidades culturais, ao inominável. O anarquismo supõe a revolta contra a ordem e para tal não se dispensa da memória das revoltas, de sua própria história como movimento social no planeta.// Os anarquismos são inomináveis; estão em sintonia com sua época; requerem raiva e paciência; dispensam-se dos intelectuais profetas; sabem conjugar saberes de todas grandezas; evitam a metafísica e dialogam entre si assimilando as críticas de seus parceiros no interior do debate anarquista. Não há como dizer que o anarquismo é isto ou aquilo. Ele é isto e aquilo como realização de supressão de poderes centralizados. É o federalismo que garante a pluralidade de expressões, propostas e soluções temporárias; que faz saber a todos os interessados a respeito de suas realizações.// Os anarquismos existem porque há uma amizade entre eles da mesma maneira que no interior de cada um deles se faz referência para a própria existência de todos. São escolhas repletas de sensibilidade política para com os diferentes que emergem e progridem, sob o signo de uma educação voltada para a realização do talento de cada um.// O anarquismo, neste final de século XX, é sinônimo de inominável porque não pode ser apanhado por uma definição universalista, generalizadora, como regra geral. Mas o é também por explicitar a revolta contra desigualdades, discriminações, segregações, exclusões, impedimentos à vida livre. Ele também é intolerável para pessoas que imaginam ser impossível viver sem uma autoridade superior, seja ela procedente do divino ou da razão.// Os anarquismos fazem parte do inominável para um planeta que se vê envolvido atualmente na crença na democracia como valor universal. Mas seria o caso de se perguntar, qual democracia? Os anarquismos organizados federativamente não desprezam mas valorizam a democracia direta; não se furtam ao debate político, porém separam-se dele quando norteado por mandatos fixos, assembléias permanentes, governos representativos. Para um anarquista a representação é desnecessária: cada um sabe de si porque realiza-se com os pares e nesta convivência nada é exigido para que ele ceda mais do que possa.// Inominável é a surpresa e os anarquistas estão disponíveis e atentos. Sabem que elas sempre aparecerão como os acasos; que não existe nada fixo, constante e imutável e que vivemos sob os riscos da profusão de novidades, uma pletora de bem-querer pela vida dos seres vivos. Com cooperação e ajuda mútua sabemos defender nossas vidas e o fazendo preservamos o planeta e o que o circunda. Somos poucos, talvez muito poucos, mas poderemos surpreender quando repararmos que anarquizar a vida é aquilo que trazem latente muitos parceiros desconhecidos até o momento.// Que sempre exista o inominável surpreendente e que cada vez menos tenhamos que olhar para os efeitos de dominação e designá-los como inomináveis. Mas se eles persistirem, que não nos refugiemos no desprezo, contidos em nós mesmos pela aversão. Que as tornemos públicas, compartilhadas com outros.// Os anarquismos serão sempre inomináveis porque não dão sossego a ninguém"! (Em: http://www.nu-sol.org/artigos/ArtigosView.php?id=3Autor: Edson Passetti  publicado em: Libertárias, São Paulo: Imaginário, 1999, 6 - 7 pp).

Identidade de nós mesmos - Win Wenders

"Você mora onde mora,
faz o seu trabalho,
você fala o que você fala,
come o que você come,
veste as roupas que veste,
olha para as imagens que vê.
Você vive como pode viver.
Você é quem você é.

"Identidade"...
de uma pessoa, de uma coisa, de um lugar.
"Identidade". Só a palavra já me dá calafrios.
Ela lembra calma, conforto, satisfação.
O que é identidade?
Conhecer o seu lugar?
Conhecer o seu valor?
Saber quem você é?
Como reconhecer a identidade?
Criamos uma imagem de nós mesmos e estamos tentando nos parecer com essa imagem.
É isso que chamamos de identidade? A reconciliação entre a imagem que criamos de nós mesmos e nós mesmos? Mas quem seria esse "nós mesmos"?
Nós moramos nas cidades,
as cidades moram em nós,
o tempo passa.
Mudamos de uma cidade para outra,
de um país para outro,
trocamos de idioma,
trocamos de hábito,
trocamos de opinião,
trocamos de roupa,
trocamos de tudo.
Tudo muda, e rápido.
Sobretudo as imagens.
Elas mudam cada vez mais rápido e se multiplicam num ritmo infernal desde a explosão que desencadeou as imagens eletrônicas, as mesmas imagens que agora estão substituindo a fotografia."*

*Texto de abertura do documentário Identidade de nós mesmos de Win Wenders onde o cineasta acompanha o processo de criação do estilista Yamamoto. É um filme que fala de identidade e moda, da relação entre as cidades e as identidades. É uma reflexão sobre os nossos tempos, sobre a produção de imagem e o cinema na era digital.
buscado em: http://entreumparadoxoeoutro.blogspot.com.br/search?updated-min=2009-01-01T00:00:00-04:00&updated-max=2010-01-01T00:00:00-04:00&max-results=3

domingo, 8 de abril de 2012

Um olhar histórico

por Cláudio Everaldo dos Santos
Escorado em uma das laterais de uma janela, uma janela planejada, não uma janela qualquer, mas uma dessas que servem a um propósito -todas permitem ver- esta, no entanto, parece atender a outros propósitos. Talvez apontar, identificar, planejar e ate executar.
A janela não é de uma casa qualquer, em que vizinhos observam o vai e vem de pessoas muitas vezes amigas, outras vezes não tecendo comentários, em que a mãe vigia os filhos, e o jovem corteja a jovem caminhante. Esta é uma janela construída por Generais, e, para estes a vida comum, o bate papo na janela não tem sentido. Este espaço propositalmente deixado em meio às resistentes paredes é um observatório.
Quantos Generais ali estiveram? Naquela mesma parede, com o mesmo objetivo? Em algum desses livros de história, aquela cena já foi retratada. A pessoa escorada na lateral, tomando o cuidado de não ser vista, no entanto deseja ver e lança o olhar. É só um olhar, pois o momento político não é bom. Não é esta a hora de vestir o melhor terno e acenar para o povo. Esta é uma das funções da janela. Hoje a janela do segundo andar onde as grandes decisões são tomadas parece não cumprir com um de seus propósitos: o de se mostrar.
Escorado em uma das laterais do segundo andar, vê o povo abaixo. O povo molhado, o povo gritando e queimando bandeiras. O povo não pede por ele. Outro propósito da janela: jogar migalhas. Não aos pombos como fazem as senhoras ao baterem suas toalhas de mesa. Desta janela, nesta sala, joga-se migalhas para as pessoas -um pouquinho disso um pouquinho daquilo e sigam suas vidas. A janela é novamente fechada.
Escorado na lateral, o olhar grita, pois do segundo andar, na sala do poder, saem as determinações, as ordens, as regulamentações, o controle da vida comum vivida por pessoas comuns que circulam abaixo. Não há espaço e tempo para contemplações.
A frieza do olhar é revelador, é igual a tantos outros retratados naquela mesma sala. As paredes da sala são decoradas com retratos daqueles olhares, a pose altiva de quem olha de cima, a bela farda com suas medalhas, os belos ternos parecem exigir esse olhar. O olhar de quem manda!
Repensando o pensado, aquele olhar parecia meio perdido como quem tenta compreender algo que lhe é estranho, procurando organizar as idéias. Será que o que vi naquele rápido cruzar foi insegurança? Penso que sim! Mas havia mais, havia incredulidade e essa reorganização das idéias que vi, lançava o olhar da vingança. O que observei era, em verdade, o patético inconformismo com a perda do controle!
A sala do General tão cuidadosamente pensada, talvez nunca tenha vivido momento semelhante. Revoltas aconteceram ao longo da história. Revoltas populares, o consenso, no entanto, o resultado final de optar por nada, de recusar as migalhas abrindo mão de tudo, já houve antes?
O olhar confuso é vingativo, portanto fiquemos em alerta! Os retratos nas paredes exigem autoridade. O olhar que vi não é histórico por ser diferente, mas sim por ser igual aos que vi retratados nas paredes do Salão Nobre da Prefeitura.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

ATENÇÃO TRABALHADORES PÚBLICOS MUNICIPAIS DE CRUZ ALTA

caros colegas, na tarde de hoje (sexta-feira) o presidente do sindicato dos municipários de cruz alta foi contatado (via telefone) pelo presidente da mesa diretora da câmara de vereadores (vereador zé roberto) que buscava a conversação sobre o veto do prefeito à não aprovação do Projeto de reposição salarial que foi apreciado e rejeitado por unanimidade na manhã de ontem pelos vereadores. os vereadores estariam sendo convocados para uma sessão extraordinária para apreciar o reenvio do mesmo projeto.
outros vereadores também fizeram contato com o presidente do sindicato buscando saber a posição do mesmo. em nenhum momento o sindicato foi formalmente cientificado sobre os desdobramentos. o presidente chamou uma reunião da diretoria onde teria sido deliberado o seguinte:
- o projeto a ser enviado para a câmara, à priori, seria o mesmo que foi apreciado ontem;
- o processo de paralisação dos trabalhadores foi legítimo e tentou permanentemente a negociação, sendo que em nenhum momento o governo recuou em sua posição;
- a última proposta que apresentamos era de reposição baseada no IPCA, de 7,08%, para o básico, e, auxílio alimentação totalizado em 200,00, mas o governo manteve a sua proposta inicial;
- foi decidido em assembléia realizada ontem (quinta-feira), que os trabalhadores estavam rejeitando a proposta do governo (6,5% de reposição no básico -em duas vezes- e auxílio alimentação totalizado em 181,00).
isto posto, não há porque chamar a mobilização dos trabalhadores para pressionar os vereadores com relação à nova apreciação e votação do projeto, visto que a posição tirada na assembléia é clara e absoluta, portanto, é a posição que deve ser seguida se quiserem contemplar e respeitar o processo de mobilização, discussão, negociação e decisão dos trabalhadores.
se os vereadores, que rejeitaram unanimemente o projeto do executivo, fizerem uma votação diferente do que foi votado ontem, não estarão respeitando a decisão dos trabalhadores em assembleia.
diante os comentários que têm circulado sobre o fato de que a decisão da assembleia não contemplaria a vontade daqueles que gostariam de receber a reposição proposta, independente do índice e das condições, soe esclarecer aos colegas que têm esse entendimento, que a paralisação tinha propósitos claros e definidos, assim como, a participação nas assembleias era a condição primeira para poder expor as posições dos trabalhadores e decidir a posição do coletivo.
assim, se amanhã houver uma sessão extraordinária na câmara de vereadores (até o início da noite de hoje os vereadores ainda não tinham sido convocados) para apreciar e votar o projeto sobre a reposição salarial anual dos trabalhadores públicos municipais de cruz alta, a única posição legal e legítima com relação à decisão dos trabalhadores, é a que foi tirada na assembléia realizada ontem (quinta-feira).
se o executivo apresentar proposta que contemple o que foi solicitado pelos trabalhadores (7,08%, no mínimo), muda a situação!
para sublinhar: ainda não temos uma garantia formal do executivo com relação ao abono dos dias em que estivemos paralisados!
veremos como as coisas se desdobram, mas esperamos que não haja deliberações feitas na calada do feriadão ou a revelia da decisão legítima e soberana dos trabalhadores públicos municipais de cruz alta.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

apaga-se uma estrela e nasce uma chama!

é com muita tristeza que postarei aqui alguns retratos que eu não gostaria de ter presenciado acontecer! é com tristeza, porque para mim simbolizam a extinção de uma esperança que muito significou para nós trabalhadores públicos municipais de cruz alta!
em 2004, quando vivíamos o fechamento de um autoritário e opressor governo de direita, tecemos um grande e apaixonado movimento junto com a possibilidade de, enfim, elegermos um governo de esquerda em nossa comunidade! isso completou um ciclo e aqueles que demonstraram não ter pensamento e prática de esquerda, já mostraram a que vieram!
hoje, no encerramento do movimento de paralisação, os trabalhadores públicos municipais de cruz alta realizaram um ato simbólico de queima de um simulacro da bandeira do que foi o partido dos trabalhadores, como forma de mostrar que morreu a estrela que iluminava nossos passos... apaga-se uma estrela e nasce a chama do protagonismo dos trabalhadores!




o futuro é hoje e somos nós que o fazemos!

hoje está sendo um dia histórico, em meio a um processo e a um movimento também históricos. sempre bastante racional em minhas reações emocionais e afetivas, até mesmo nos momentos e nos acontecimentos mais poéticos, hoje eu engasguei e chorei. chorei de emoção e de alegria. chorei de poesia. chorei de movimento. chorei de acontecimento. chorei de estar ali em meio aos meus colegas de trabalho que também estavam lá presentemente e por completo. nunca vi tamanha força entre nós. nunca senti tamanha força nas andanças dos trabalhadores públicos municipais de cruz alta!
hoje o dia amanheceu conformado à previsão do tempo: fechado, nublado e chuvoso! mas mesmo assim os trabalhadores aos poucos foram tomando a praça e, na vinda do temporal, ocupamos o território da câmara de vereadores, onde também aconteceria a sessão extraordinária que votaria o projeto de reposição salarial, sendo que os vereadores se comprometeram em votar conforme ao que seria decidido pelos trabalhadores e assim o fizeram, unanimemente!
sempre é tão difícil produzir acontecimentos disparadores de movimento entre nós trabalhadores públicos e a paralisação anunciada há alguns dias parecia que não teria muito gás pra sair de si... mas ela foi tomando forma, foi tomando corpo, foi tomando ideia e se tornou um potenciamento, se tornou potência... vitalizados, todos os trabalhadores que estavam participando do movimento de paralisação estavam concentrados na praça pública em frente à prefeitura, também acompanhando os desdobramentos das negociações e produzindo as decisões que deveriam ser tomadas. a decisão final tomada foi fruto de todo esse processo!
ponderamos, avaliamos, propusemos negociação, apresentamos alternativas, mas infelizmente não restou outra alternativa a não ser recusar a proposta que nos foi apresentada!
colocamos na pauta de conversação e negociação, os seguintes pontos:
- foi proposto reposição de 6,5%, parcelada em duas vezes (abril e agosto) e auxílio alimentação totalizado em 181,00... propusemos reposição de no mínimo a inflação histórica, ou seja, 7,08% (IPCA) em abril + auxílio alimentação totalizado em 200,00;
- nomeação de uma comissão paritária (governo+trabalhadores) para analisar o orçamento e o quadro de pessoal, para propor cortes de despesas e de pessoal;
- efetiva implantação do Plano de Carreira, Cargos e Salários do Magistério Público Municipal;
- agregação dos educadores de escolas infantis ao Plano de Carreira, Cargos e Salários do Magistério Público Municipal;
- imediata contratação de empresa para assessorar a produção do Plano de Carreira, Cargos e Salários dos trabalhadores da Política de Saúde.
sobre a reposição, reconhecemos que o orçamento público municipal encontra-se no limite máximo de gastos com pessoal, portanto, de nada adiantaria fazer cortes de despesas em outros campos da estrutura pública, assim, restaria colocarmos na pauta de negociações a forma possível para ampliar a margem desse limite para assim ampliar a reposição. assim o fizemos e fomos solenemente chutados em nossa proposição. fomos chutados porque a única alternativa que vimos, seria o corte de CCs, de CCs disfarçados de Contratos Emergenciais, de Estagiários, de Convocações desnecessárias e a não concessão de reposição ao primeiro escalão. sobre isso nos foi dito que cruz alta nem tem tantos CCs quanto outras comunidades (sendo que nem estávamos discutindo a reposição dos trabalhadores públicos de outras comunidades) e que a maioria dos CCs recebe a remuneração mínima prevista! quem aventou isso, sequer considerou a não necessidade ou capacidade de grande parte das pessoas que ocupam esses cargos.
no mais, quando o presidente do sindicato colocou na mesa a exclusão do primeiro escalão da reposição, tivemos que ouvir a pergunta sobre se dormiríamos tranquilos, sabendo que todos os trabalhadores receberam "aumento", enquanto o prefeito e os demais que passaram dias e dias queimando pestana pra encontrar um índice viável de reposição, acabariam sem receber... bueno, nesse instante, com um argumento assim, não resta mais o que conversar e sim, só resta o que diversar... oraora! o que choca nisso? pessoas cuja totalização da reposição resultaria em valores situados entre 400 e 700 reais, estão bem à frente da grande maioria dos trabalhadores cuja totalização resultaria em pouco mais de 30 pilas! ou seja a totalização da reposição desses que não poderiam ficar sem ela, equivale ao valor total da remuneração da maior parte da patuléia! isso dói!
é claro que reconhecemos todos os avanços que tivemos ao longo das duas últimas administrações... o auxílio alimentação praticamente dobrou de valor... vínhamos recebendo pelo menos a reposição da inflação... o Piso Salarial do Magistério Municipal vem sendo gradativamente implantado... nosso salário nunca atrasou... recebemos o auxílio alimentação na metade do mês... mas também tivemos muitas perdas!
tivemos perdas que não são sanadas com reposição salarial e nem com aumento real dos salários! tivemos perdas em nossa dignidade! grande parte dos trabalhadores perdeu o apreço por si e vive na vala comum do esquecimento!
quando a administração se depara com a falta de qualificação de muitos trabalhadores concursados, em vez de viabilizar processos de formação e educação permanente no trabalho, investe na contratação de serviços privados!
a administração tem investido muito em formação para CCs e Contratos Emergenciais, enquanto os trabalhadores nomeados tem que ralar por conta própria!
vemos espaços de trabalho atravancados por pessoas que não tem ou não sabem o que fazer, ou que estão ali só pelo emprego (CCs e outros quetais), enquanto em muitos outros espaços falta trabalhadores para atuar!
vivenciamos um momento histórico em que estamos mostrando para o governo e para a comunidade toda que não é só o dinheiro que nos interessa (do qual muito necessitamos pra viver no sistema capitalístico), mas que queremos principalmente respeito e que, acima de tudo, estamos resgatando nossa voz, nossa luta e nossa dignidade!
é importante que todos os trabalhadores públicos municipais de cruz alta tenham presente, em suas caminhadas, que os movimentos sejam fundamentais para a produção de autonomia, de protagonismo e de práticas de liberdade... historicamente sempre recuamos em nossos passos, pois não nos acreditávamos capazes de produzir andanças... porque sempre nos convenceram de que os "funcionários públicos" sejam vagabundos (como foi largamente enunciado por alguns integrantes do Governo durante os dias de paralisação... os mesmos que sempre dependem de um cargo político pra terem renda... sim, renda, porque raramente trabalham).
sabemos que sempre teremos que lidar com as questões de poder e de governo ao longo de nossa atuação em espaços públicos... sabemos que, se estamos atuando numa instituição pública, temos que lidar com os afoitos por poder e empafiosos incorrigíveis... mas não queremos mais ter que lidar com arrogantes que se acham donos da prefeitura e que saem a dizer que continuarão ocupando o paço na próxima gestão, não tendo que se preocupar com as nossas reivindicações, pois "funcionário não faz ganhar eleição" e que quem o faz seja "o povão" (esse distinto senhor que disse essa estultice, se diz de esquerda!!!!!)... que saiba, então, esse senhor que propalou esse discurso, que se trabalhador público não faz ganhar eleição, pode fazer perder... pode, também, fazer anular uma eleição e isso é o mais provável que aconteça, pois estamos sem alternativas de candidaturas à prefeito, pois se não temos mais esquerda em que poderíamos votar, também jamais votaríamos na direita (pelo menos a maioria de nós não votaria!)!
assimassim, muitos colegas que escolheram não participar do movimento de paralisação, ao saberem da rejeição à proposta do governo, saíram a reclamar que queriam o dito "aumento"... ficaram pra trás, pois a luta não se faz de alienação... a luta não se faz com a bunda na cadeira... a luta não se faz de passividade... a luta não se faz de acomodação... a luta não se faz de silêncio... a luta é uma peleia que nunca cessa de acontecer e, no atual momento e nas atuais condições, aceitar a proposta de reposição feita pelo governo, seria dar o orçamento do custo de nossa dignidade! sabem agora, que nossa dignidade não tem preço e não está à venda!
agora estamos tecendo a pauta do movimento permanente dos trabalhadores públicos municipais e isso se faz fundamentalmente importante neste ano eleitoral, pois servirá para mostrar ao próximo gestor que não somos mais os acuados de antanho, que dependiam de "representantes" pra falar! temos nossa própria voz! temos nossas próprias pernas! temos nossas próprias ideias e ideais!
os trabalhadores que ainda não estão nessa toada, podem ir se agregando... porque viver e escolher os caminhos que queremos trilhar, é o que temos de mais bonito... porque a força que circulou entre nós nos últimos dias, é uma força que temos dentro de nós, em nossos pensamentos e nossos movimentos!
enfim, hoje eu vivi um dos momentos mais belos de todo o tempo em que venho trabalhando na prefeitura municipal de cruz alta... vendo a praça e a câmara de vereadores tomada pelos trabalhadores... sendo atravessada pela intensidade da energia que produzimos juntos, com nossa coragem, com nossa alegria e com nossa força... vendo a expressão de incredulidade estampada na cara daqueles que estavam habituados a nos verem como mendigos e que não acreditavam que estávamos recusando o "aumento"-migalha, o "aumento"-esmola que nos ofereciam... enfim, acabei por ficar feliz em ser vista como vagabunda... trabalhadora-pública-vagabunda-sem-direito-de-reinvindicar-meus-direitos... trabalhadora-pública-vagabunda-que-não-se-encaixa-nas-molduras-dos-loucos-por-poder... se ter dignidade é ser vagabundo, então eu sou uma vagabunda... aliás, sempre fui uma vagabunda nômade que consegue escapar ao riscado desenhado pelos arquitetos da opressão e da dominação! o futuro é hoje e somos nós que o fazemos!

terça-feira, 3 de abril de 2012

uma luz azul baixou no ser!

ontem à noite os trabalhadores públicos municipais de cruz alta compareceram à sessão da câmara de vereadores para pressionar pela não aprovação do índice de aumento proposto (míseros 6,5%). Sabemos, todos, que a administração já chegou nos limites possíveis do orçamento e, dentro das condições atuais, acredita que 6,5% seja um alto índice. Mas sabemos todos, também, que há formas e condições de produzir margem para formular e conceder a reposição e o aumento, bastando haver planejamento e vontade política.
aliás, parece-nos que vontade política seja o que mais falta nessa toada. vimos isso na sessão da câmara de vereadores ontem, quando uma luz azul colocada no teto, em homenagem ao dia internacional do autismo, acabou produzindo efeitos devastadores em algumas figuras mais sensíveis.
além da manifestação de dois vereadores da oposição, apenas dois vereadores da situação disseram alguma coisa sobre a paralisação e as demandas dos trabalhadores públicos municipais. eximiram-se da contundência da palavra aberta e pública, o presidente da mesa diretora (PT) e o outro vereador petista que já foi anunciado como candidato à prefeito, representando a situação... esse foi o mais atingido pela luz azul... encarnou traços e características de um estado de autismo político grave. incomunicável, introspectivo, calado, sisudo, com o olhar fixado no curto horizonte do chão, com cara de poucos afetos, com expressão de acuamento frente à possibilidade de contato com outros humanos, ficou impassível nesse estado durante o tempo todo... impressionou a todos, principalmente aqueles acostumados com sua empáfia... impressionou também, pelo fato de que, sendo candidato a prefeito pela situação, deveria no mínimo demonstrar algum envolvimento, algum interesse, alguma implicação, alguma vontade humana -já que não demonstra vontade política-... mas enfim, se a sua candidatura e atuação já não contava com nossa confiança, somos gratos a esse momento simbólico que vivenciamos ontem, pois agora não resta dúvida de que o seu pouco vigor, energia e implicação, não motive ninguém mais a depositar nele o voto para encarregar-lhe de administrar a coisa pública em cruz alta... a menos que desejamos eleger o primeiro prefeito com autismo político do brasil (com todo o respeito ao autismo e aos sujeitos autistas)!

segunda-feira, 2 de abril de 2012

de onde pode sair dinheiro para reposição e aumento salarial?

o que vemos hoje, no que se refere à situação do orçamento público municipal em cruz alta, é decorrente de inúmeros fatores, os quais merecem uma criteriosa pesquisa de ordem quantitativa e, principalmente, qualitativa; portanto, não tendo feito esse estudo, faço apenas uma revoada empírica por sobre os seus aspectos deteriorantes e pinço os que me parecem mais primários e visíveis a qualquer olho nu e de vista curta como o meu!
começo pela protuberância do número de funcionários CC's: é claro que reconheço -como inúmeras vezes já o fiz publicamente- que muitas vezes é necessário contar com a atuação de um CC para a condução de algum trabalho, mas isso deve se dar quando se faz absolutamente necessário e, também, deve ser chamado um CC que demonstre capacidade para desempenhar devidamente o cargo e a função que ocupa... mas, enfim, o que é que acaba acontecendo com esse dispositivo legal chamado CC? é amplamente utilizado como cabide de empregos... serve para remunerar os companheiros de partido e de campanha que, na grande maioria, não tem outro emprego e que só tem uma remuneração quando podem contar com um cargo público! essa é uma prática corrente no brasil inteiro e que em cruz alta também é largamente utilizada!
passemos à protuberância das contratações emergenciais: basta a administração executar concurso público para o provimento de cargos, sem deixar de lado o cuidado na produção do edital e na contratação da empresa que opera o processo seletivo, para que viabilize o ingresso de trabalhadores públicos, evitando a contratação emergencial, cujos trabalhadores, por mais competentes e implicados que sejam com o trabalho, não poderão se manter nos espaços em que atuam, levando consigo, ao final de seus tempos de atuação, grande parte do conhecimento produzido nos seus espaços de trabalho.
enfim, se fizéssemos o levantamento dos nomes de figuras (CC's e CE's) que seriam absolutamente dispensáveis em nossos quadros, além daqueles que produziriam um ganho muito grande se fossem exonerados, já poderíamos juntar um rico dinheirinho pra colocar na conta da reposição salarial.
afora os recursos utilizados no pagamento desses quetais, poderíamos contabilizar, também, a protuberância dos recursos públicos desperdiçados pelo uso descuidado da coisa pública (energia elétrica, água, material de expediente, material de limpeza, material de higiene, combustível, veículos, etc.)... olhando pra essas poucas coisas, pode parecer raso, mas só quem vê o quanto é desperdiçado, sabe o quanto dá no somatório final.
outra questão fundamental refere-se à falta de planejamento, de uma forma geral, em todas as secretarias... hoje temos uma secretaria geral de governo que faz não se sabe exatamente o quê, mas sabemos que não faz o que o seu nome anuncia... no caso das secretarias que desenvolvem as políticas sociais, vemos cada secretaria como uma subprefeitura e, o que é mais grave: fazem questão de burocratizar os processos de trabalho! a falta de planejamento intersetorial faz com que tenhamos, em inúmeras situações, a repetição de ações em várias secretarias e nenhuma acaba sendo resolutiva (isso resulta num absurdo desperdício do dinheiro público)... além disso, vários gestores (das subprefeituras) acabam burocratizando as relações nos processos de trabalho, ou seja, não investem na produção do TRABALHO VIVO que atua com a vida-acontecimento, com a vida-movimento, mas dedicam todo o tempo e a energia possível para se comunicarem com a rede (setorial e intersetorial) através de ofícios e documentos paralisantes!
já, doutra banda, vemos algumas secretarias que simplesmente não justificam a existência, assim como, algumas coordenadorias (com status de secretaria adjunta) que também não se justificam, exceto pelo fato de  servir de cabide de emprego ou de cumprimento de acordos eleitoreiros.
afora isso tudo, podemos olhar para os vários eventos públicos e pseudo-populares que são realizados com altos investimentos de dinheiro público, mas que na verdade servem somente à diversão de uns poucos, sem contar que são eventos absolutamente pontuais e que não produzem outros movimentos subjetivos, humanos, políticos e sociais na comunidade... usemos o exemplo do carnaval, que utilizada vastos recursos públicos para uma festa de competição, que deixou de ser popular e, cujos recursos, são destinados sem a garantia da contrapartida de desenvolvimento de ações culturais, de lazer, etc. de cunho efetivamente popular... no mais, não sei se alguém consegue chamar de festa popular, um evento que coloca algumas escolas de samba em disputa, desfilando entre tapumes, dentro dos quais se encaixa só quem cabe na moldura! poderíamos trazer outros exemplos (coxílha, etc.), mas um ou dois já amparam a problematização!
assimassim, poderíamos seguir o levantamento empírico dos nós de que poderíamos retirar o dinheiro para a reposição e o aumento salarial, mas acho que esses que já consegui elencar de forma bem rasa, já dão o que pensar!