quarta-feira, 30 de junho de 2010

As lentes embaçadas da RBS

Estou com uma anotação feita desde o último sábado, sobre as pulseiras do crack, da RBS, quando aconteceu a mobilização alusiva ao combate às drogas. Isso se somou hoje, a uma anotação sobre uma fala que ouvi, de passagem, ao meio dia, vinda do Lasier Martins, exaltando uma tal de radiografia da economia da região de Cruz Alta que seria feita a partir de um debate mediado pelo referido jornalista e representantes da economia local – evento que acontece numa promoção do Grupo RBS e da Rede Gaúcha- Gaúcha Sat, chama-se: Gaúcha Debates do Rio Grande, tendo como objetivo buscar soluções para o desenvolvimento das regiões do Estado.
Ponto 1: O jogo das pulseiras da RBS! Até vi algumas coisas sobre a febre das pulseiras do sexo e a febre de leis proibindo a sua comercialização (inclusive aqui em Cruz Alta), mas não atentei muito para a questão e nem formei uma noção mais objetiva sobre a mesma. Contudo, tomo-a por seu propósito, ou seja, o jogo das pulseiras é uma brincadeira boba que define códigos entre os adolescentes para publicizar questões sexuais... coisa banal se não tivesse tomado outra dimensão a partir da ação exacerbada de alguns jovens (talvez os mesmos que se enquadram no tal do bullying) que, encontrando uma menina que usava as tais pulseiras, a violentaram, obrigando-lhe a cumprir o exposto nas cores das pulseiras que usava. Com a proibição da comercialização na cidade em que esse fato ocorreu, várias outras comunidades correram a copiar a lei, passando ao largo, como sói acontecer, da discussão das questões de ordem pessoal e social, no que se refere ao corpo, à sexualidade e ao exercício dos movimentos próprios da adolescência com relação a isso.
Bueno! O que tem isso com as pulseiras da RBS? No meio de todo esse rebordeio sobre as pulseiras do sexo (proíbe ou não proíbe, discute ou não discute, onde a coisa escorreu pelo meio dos dedos, quem deixou escorrer, etc), me aparece a RBS com uma singela pulseirinha (acho que é de borracha), com uma inscrição em baixo-relevo: “CRACK NEM PENSAR” (a amiga que me anunciou as pulseiras e me trouxe a idéia de abordar o assunto, recebeu-as num evento que as alardeou!)... remeto a questão ao código das pulseiras (cada cor dá o sinal de como, quem e até onde a situação pode ir... as pulseiras da RBS, nas cores que me chegaram às mãos, tem o preto, o vermelho e o cinza - não sei se tem outras cores)... o que se quer com isso? Ora se proíbe as pulseiras, ora se usa a idéia para outras coisas... como ficam os referenciais para os adolescentes? Além disso, essa situação esclarece o ponto alto da campanha do crack nem pensar: primeiro, o NEM PENSAR, ou seja, não é para fomentar a evitação à droga, mas é feita pra não se pensar na questão; segundo, é uma campanha fascista e terrorista que coloca como único foco da questão social e da drogadição, o usuário e o crak; terceiro, e assim, não discute o sistema dominante que a RBS tanto fomenta e nas tetas do qual mama eternamente, assim como, não discute a publicidade de outras drogas, que é feita em todos os seus canais de comunicação (álcool, fumo, cigarro, capitalismo, exploração social, humana, política e econômica, tráfico de drogas, etc).
As pulseiras são claras no baixo-relevo: CRACK NEM PENSAR... nas cores, eu não sei... no mais, NEM PENSAR naquilo que é do interesse capitalístico da RBS!
Ponto 2: A radiografia econômica da região! Veio-me o Lasier (nem pensar!) dizendo mais ou menos assim: que já havia observado que a economia da região estava tomando um rumo e que agora a coisa vai, mas, com isso, só exaltou as ações macroeconômicas inseridas no traçado definido pelo modelo econômico dominante, que pouco fazem pelas gentes e muito insistem na retroalimentação ao capital (um exemplo: um produtor de leite que entra nesse sistema fica atrelado à aquisição de equipamentos, máquinas, insumos, etc, dentro de critérios e condições aos quais não pode fugir... acaba trabalhando muito mais para atender essas condições... e além disso, leite para todos, aqui em nossa comunidade, a custo reduzido, não temos!)!
Mas enfim, isso não aparece em radiografia... isso só apareceria em cartografias... e é por isso que a RBS faz radiografias, que é para mostrar só o que lhes interessa... bate a chapa e depois sai dizendo que esse é o retrato do Rio Grande! O que aparece no retrato, é o que não interessa efetivamente às gentes, só ao sistema dominante... esse mesmo do qual a RBS se alimenta!
PS: Hoje só falei de drogas, porque ocorreu de os assuntos se juntarem!

terça-feira, 29 de junho de 2010

DIVULGAÇÃO: Commonwealth: amor e pós-capitalismo

Por Bruno Cava
Imagem: Odalisca, de Henri Matisse (detalhe)
Déjeme decirle, a riesgo de parecer ridículo,
que el revolucionário verdadero está guiado
por grandes sentimientos de amor
Ernesto Guevara

Antônio Negri esteve no Brasil em 2003, na sua primeira viagem internacional depois de ser libertado da prisão, após cumprir pena na Itália por sua militância nos anos 1970. Durante a década, fez outras viagens à América do Sul, para conhecer de perto os movimentos de transformação catalisados pelos governos de esquerda no Brasil, na Argentina e na Bolívia. Nessas ocasiões, ofereceu palestras, participou de congressos, foi entrevistado pelo programa Roda Viva, dividiu mesa de debates com Gilberto Gil, defendeu sem papas na língua o governo Lula e lançou um livro em que discute diretamente a realidade social latino-americana (“Global: biopoder e lutas em uma América Latina globalizada”, 2005, em co-autoria com Giuseppe Cocco).
Não me esqueço de uma passagem marcante de uma dessas vindas. À noite, no bairro de Santa Teresa (Rio de Janeiro), fora do circuito oficial de eventos acadêmicos, Negri prelecionava para um círculo de conhecidos sobre as nuances políticas de seu sistema-mundo. Lá pelas tantas, um artista performático presente interrompeu-o com impaciência: “Tá bom, Toni, mas agora fala um pouco do amor! Do amor!”. Tinha tudo pra resultar em saia-justa, mas o filósofo italiano prontamente passou a discorrer sobre o conceito de amor e sua importância capital dentro do pensamento de esquerda. Impressionou os presentes.
Tomando a sua obra, chega-se à conclusão de que não poderia ser diferente, pois o amor atravessa-a de ponta a ponta. Bebendo da inesgotável filosofia de Spinoza, em “Anomalia Selvagem” (1981) o amor já aparece como constituinte da potência revolucionária, a partir da multiplicação do desejo (cupiditas) e da força em desenvolvê-lo (vis). Tema desenvolvido posteriormente em dezenas de livros, muitos dos quais traduzidos para o português, como O Poder Constituinte, De volta, Kairós, Alma Vênus, Multitudo, O Trabalho de Dioniso, Adeus Sr. Socialismo, entre outros.
Nesse projeto, Commonwealth se propõe a inventar um novo amor.
Último livro da trilogia escrita a quatro mãos com Michael Hardt, – seqüenciando Império (2000) e Multidão (2004), – o livro saiu pela Harvard University Press no ano passado e ainda aguarda versão em português. O título não deve ser traduzido por Comunidade, mas por Comum– mas bem poderia ficar Amor e Comum. De fato, os autores declaram que o amor é essencial para a filosofia e a política. Sem ele, e sem a arte dos bons encontros que o favorece, não se pode falar em libertação e democracia. Constituir um novo homem e uma nova sociedade implica radicalizar o amor – no comum de formas de vida, bens, afetos, imagens e conhecimentos. “O amor é uma força econômica.” O amor não tem medida, é só excesso, vence a morte e opera a revolução, como princípio da organização (política) da produção. Eis aí síntese cúpida do livro de 433 páginas.
Para fazer bom proveito de Commonwealth, não é preciso recorrer à obra pregressa da parceria Negri e Hardt. O livro arremata os dois anteriores e amadurece as suas questões, problemas e conceitos. Se o robusto estofo filosófico é assegurado pelo intelectual padovano de 76 anos, a prosa fluida, simples e atlética é tributária de Michael Hardt – professor de literatura de língua inglesa. Indicado, portanto, para quem desgosta de penosos e herméticos livros de filosofia e concorda com Ortega y Gasset: “a clareza é a cortesia do filósofo.” Hardt, por sinal, é autor de uma das mais límpidas introduções ao pós-estruturalismo francês (Gilles Deleuze: um aprendizado em filosofia, 1993).
Um amor que mobiliza a cidade dos homens,
é combinação produtiva de desejos e afetos,
passa longe da família, carreira profissional e nação
Voltando ao texto, Commonwealth resgata Dante e sua noção de vita nuova. Esta se realiza na comunhão de amor que mobiliza a cidade dos homens em busca da autonomia, da riqueza e da igualdade. Amor nada sentimental, que se desdobra ética, estética e politicamente. Cupidez que é causa e consequência, em ciclo virtuoso, da liberdade e potência de cada um, na sua combinação produtiva de desejos e afetos. Portanto, amor que passa longe da família, da carreira profissional e da nação – três vilões a bloquear o comum e expropriá-lo em nome de felicidades atrofiadas, impotentes e socialmente desiguais. A família corrompe-o pela exclusividade afetiva, hierarquia paternal, narcisismo filial e mecanismos de transferência de propriedade. A carreira profissional compromete-o pela alienação do trabalho, o individualismo, o controle patronal e a concepção unidimensional de tempo. E a nação pela homogeneização das diferenças, a imposição das maiorias, a xenofobia intrínseca e os ideais abstratos de glória, sacrifício e destino coletivo.
Com efeito, todo o último livro da trilogia pode ser lido como uma sinfonia, pautada pela repetição de motivos rítmicos e melódicos, ao redor do tema do amor revolucionário. Isto é, do comum. Commonwealth consiste assim num tratado de democracia radical, numa reedição contemporânea da Política arquetípica, dividida em seis partes densamente discursivas, entremeadas por seis ensaios mais leves e de imaginação livre (De Corpore, De Homine e De Singularitate, cada qual subdividido em dois capítulos). A orquestração retorna muitas vezes às mesmas cadeias argumentativas, porém sobre territórios discursivos diferentes, que vão da ontologia à antropologia, da filosofia da história à geopolítica, da ética à economia política. Logo, corta em diagonal os campos do conhecimento, em total transdisciplinariedade.
É impróprio falar em influências teóricas do livro, uma vez que não há compromisso com rigor exegético. Deliberadamente. Na realidade, perspectivista, o texto mobiliza autores amiúde contra eles mesmos. Trata-se de achar o devir minoritário do pensador que serve de referência. Esse conceito de Gilles Deleuze designa o procedimento de seleção de linhas conceituais periféricas, ocultas, menores no sistema de outro autor – o ponto de fuga é então, por assim dizer, repatriado em nova perspectiva.
Por isso, comparece em Commonwealth um Karl Marx minoritário, extraído não da vasta ortodoxia socialista, mas dos marxianos Grundrisse – cadernos manuscritos, volumosos e não-publicados em vida, onde o autor aponta outras direções a seu pensamento. Daí a sintonia da obra com o materialismo transformador, a análise fina do estatuto do trabalho (atualmente pós-industrial) e a recusa à república da propriedade e aos direitos burgueses. Mas, ao mesmo tempo, a dissintonia com a dialética histórica, a teleologia da ditadura do proletariado e teorias do colapso do capitalismo como evento transcendente, que vem de fora para abolir as classes por decreto.
Estas teorias, aliás, são enfrentadas logo na primeira parte, sob a legenda discurso apocalíptico. Os autores têm como alvo principal o filósofo Giorgio Agamben – autor dos hits acadêmicos Homo sacer: o poder soberano e a vida nua (1995) e Estado de exceção (2003), – para quem somente uma ruptura radical, ontológica e messiânica poderia salvar a civilização ocidental de sua falência política. Negri e Hardt chegam a convocar o mitólogo Evêmero (IV a.C). No evemerismo, o foco em teorias escatológicas “eclipsa e mistifica as formas dominantes de poder que continuam a reinar hoje – poder da propriedade e do capital, poder respaldado pela lei”.
Também onipresente no texto negri-hardtiano um Michel Foucault minoritário, abduzido de seus livros e cursos do final da década de 1970. Neles, o professor do Colégio da França discorre sobre a matriz biopolítica do poder (ou biopoder). Ou seja, um governo instaurado sobre os viventes e as populações, com base em saberes biológicos, médicos, psicológicos, estatísticos. Na esteira de outro intelectual, Gilles Deleuze, Commonwealth insiste no duplo sentido do poder na filosofia de Foucault. Se por um lado, a partir do vivente, o biopoder expõe, esquadrinha, controla e assim constitui o sujeito; por outro lado, a vida possui um rendimento positivo que independe daquele. Em síntese, a resistência biopolítica não aparece a posteriori do exercício do poder e não está enclausurada irremediavelmente em sua operação de captura. A resistência precede o poder, como a sua condição. Logo, o biopoder (opressão) não se confunde com a biopolítica (resistência). A resistência é primeira. Ontologicamente.
Para produzir, o capitalismo precisa agora
conceder liberdade. Mas ela, potencializada pelo desejo,
pode dispensar o sistema – violentamente, se preciso
Em termos práticos: pode existir enfim uma saída, para contornar e subverter as malhas cada vez mais cerradas e abrangentes das sociedades de controle. Existe uma escapatória para o pensamento e a ação de esquerda, que não finde recodificada e domesticada pelo capitalismo. Existe uma alternativa para a modernidade capitalista – a altermodernidade analisada ao longo do livro. E essa saída não é ex machina, como o deus de mentira que irrompia no palco para salvar o dia, ao final das peças gregas. Para Negri e Hardt, não adianta reinventar a roda. Os movimentos de libertação já trabalham na construção do comum, num fazer multidão baseado em redes colaborativas, no trabalho imaterial, na militância glocal (global + local), na produção de renda por fora dos circuitos capitalistas de fixação/exploração do trabalho. A análise de Negri e Hardt não opera pelo lado do poder, mas sob a espécie da resistência: “As lutas pela liberdade determinam todo o desenvolvimento das estruturas de poder”.
Se para os apocalípticos e pessimistas de esquerda, há um buraco negro no horizonte, uma sociedade inteiramente submetida a dispositivos difusos e perversos de controle, para os autores de Commonwealth a sociedade contemporânea vaza por todos os lados e é o poder capitalista quem padece de um impasse. Para produzir numa sociedade pós-industrial, o capitalismo precisa conceder liberdade e promover a produtividade imanente à vida. Mas essa mesma liberdade, potencializada pelo desejo, constituída no comum, articulada em multidão, inebriada de amor, pode dispensá-lo – violentamente, se preciso. É o drama de conter um lobo pelas orelhas: se soltá-lo, ele foge; mas se continuar segurando-o, ele morde.
O novo amor de que fala Commonwealth não se traduz por otimismos poliânicos ou entusiasmos ingênuos. Não é tampouco uma nova aposta pascalina: como se fosse preciso resistir porque não teríamos outra opção. Para os autores, o amor revolucionário significa que é preciso resistir porque é desejável. Porque queremos. E se não há garantias de que, resistindo, o amanhã será melhor, podemos “reconhecer que essa contingência não deve levar a conclusões cínicas, a ignorar o fato que sim, é possível mudar a sociedade e a nós mesmos”. Afinal, a grande felicidade, fazer tudo aquilo que somos capazes em comum, a beatitude de Spinoza, conquista-se politicamente na multiplicação de vida que é a própria revolução democrática.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Devastação no Nordeste

Li em algum lugar que Lula diz que as cidades que forram afetadas pelas chuvas na região nordeste do Brasil, serão reconstruídas em outro lugar, pois não se pode gastar em dinheiro em reconstrução. Não fui conferir se seja isso ou não seja. Basta-me o gancho que enroscou em meus pensamentos, trazendo de antanho, algumas coisas anotadas em meus papéis de embrulho.
Relembro, com isso, as discussões sobre os efeitos ambientais decorrentes das construções de barragens para contenção de água destinada à geração de energia elétrica. E tomo, aqui, os efeitos sobre as subjetividades e, por assim dizer, sobre as gentes.
Tanto numa condição, quanto noutra, seja num evento resultante dos movimentos da natureza em resposta à degradação ambiental, seja num evento decorrente da ação humana planejada, a alteração, a afetação causada não é apenas de ordem material, nunca será apenas de ordem material.
A vida das pessoas e suas condições de subjetivação se dão a partir de elementos práticos-materiais e, principalmente, a partir dos elementos humanos; portanto, a história de vida das gentes, se dá nas teias e nas relações que são construídas, seja no plano imaginário, seja no plano físico.
Assim, não se trata de meramente reconstruir as condições físicas e materiais dessas comunidades que foram, literalmente, arrastadas pelas águas, resgatando o que é possível resgatar materialmente e passando o rolo compressor sobre o que passa ao estatuto de entulho.
A vida não é entulho – por mais estranha que seja aos olhos dos burocratas, dos técnicos e do olhar dominante -; a existência não se reterritorializa a partir dessas condições; a história de vida não é uma planta baixa que pode ser refeita em qualquer outro lugar; os elementos subjetivos e existenciais que são ancorados em elementos ambientais, não se reacomodam na medida da reorganização material.
Os acidentes, as tragédias, as devastações não dissolvem as singularidades e as singularizações. A vida não fecha as cortinas, para depois apresentar um novo ato. Como nos mostra Guattari*, é necessário tecer uma articulação ético-política que contemple os fios do meio ambiente, das relações sociais e da subjetividade humana, contemplando assim, a questão de como se viver daí em diante. Aqui, duas questões que se juntam, uma relacionada à devastação ambiental e outra, à devastação de cidades.
* Ver: GUATTARI, F. As três ecologias. Campinas, SP: Papirus, 1990.

domingo, 27 de junho de 2010

A Experiência do Fora

O Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional e o Museu da UFRGS promoveram, de 22 a 24 de junho de 2010, o Seminário Vidas do Fora – habitantes do silêncio. Nó na teia que se formou a partir da pesquisa sobre as “vidas do fora” e seus registros no mundo e nas gentes (nas gentes loucas e nas não loucas – se é que as há!), o Seminário se junta à publicação do livro/coletânea de textos com o mesmo título, à Exposição EU SOU VOCÊ (que reúne a produção de quatro pacientes psiquiátricos, que faz parte do acervo da oficina de criatividade do Hospital; documentos históricos do Hospital; produções de artistas convidados) e à publicação do catálogo da exposição.
Não tive tempo de, durante o Seminário, ir ver a Exposição – a qual ainda verei -, mas em algumas falas do Seminário, muitas imagens, da mesma, foram apresentadas.
Do Seminário, trouxe, para leituras que já estou fazendo, o livro relacionado ao evento e o livro da Rosane Preciosa – Rumores Discretos da Subjetividade – sobre os quais ainda hei de tecer escrituras específicas. Além disso, trouxe muitas anotações e pensaduras, sobre as quais escreverei aqui... alguma coisa, agora e, outras, depois.
Uma das coisas que sempre me coloco como ponto de nó no pensamento, é: O que você faria se sua loucura fosse vista somente como incondicional, absoluta e radical loucura? Talvez essa seja a condição histórica em que os ditos loucos foram colocados e, por isso, a clausura foi mais forte do que qualquer possibilidade de resistência... o poder da clausura e da sociedade de controle é mais forte do que qualquer marreta que possa tentar arrebentar seus cadeados.
Eu, na verdade, escolho definir a loucura como uma das experiências do fora... é do fora, toda a experiência que não se fixe aos esquadros normalizadores do sistema dominante, com suas teorias feitas para definir o riscado em que cada um pode compor sua vida. O sofrimento psíquico é uma derrapada brusca na organização psíquica, subjetiva, familiar, institucional e social que joga o sujeito para fora dos liames das regularidades... não há espaço, entre a derrapada e o limbo do sofrimento, para ocorrer um movimento de desassujeitamento e de produção de uma outra possibilidade de vida... isso tudo se dá sobre uma linha muito estreita, muito tênue, em que salva-se aquele que corre até o fim dela sem cair... quem cair, outrora ia para internação, hoje deambula em meio a arremedos de produção de novos modos de fazer as políticas públicas de saúde mental e produções efetivamente sérias... nesse entrevero conta ainda, a produção da discussão e de um novo entendimento da sociedade sobre essas situações e questões, assim como, a produção efetiva de novas práticas para a construção do espaço do fora da loucura ou do sofrimento mental.
No Seminário, com a fala de Eugénia Vilela(1), a beleza generosa de suas palavras e de seu escrito provocou-me a colocar outra imagem na contraluz do testemunho e colocar-me brevemente numa linguagem entre a surdez e o corpo.
Disponho de 50% de capacidade auditiva nos dois ouvidos. Ao começo de sua fala no “Vidas do Fora”, neste 22.06.10, esforcei-me por ouvi-la. Adiei minha aproximação, esperando que a sonorização pudesse melhorar. Não melhorou. Pensei: depois leio o texto no livro. Desisti de me aproximar fisicamente, em prol de um exercício que então me propus fazer. Capturada pela magia do texto brotando dela, em minha surdez física fui ouvindo um pouco das palavras e escutando seu corpo... os movimentos do seu corpo... foi fascinante acompanhar o movimento do texto emergindo dela... brotando do corpo, na boca, nas mãos, no tronco, nos pensamentos, nela inteira... é como diz Gregório Baremblitt, ao falar de Deleuze e Guattari: “Não é um pensamento discursivo, mas segundo a própria definição deles, é uma máquina fundamentalmente energética, destinada a vibrar e a fazer vibrar aqueles que dela se aproximam e a engajá-los em um movimento produtivo, que não passa exatamente pelas idéias nem pelas palavras, passa pelos afetos. Por afetar e ser afetado. Passa pela capacidade de vibrar em consonância, passa pela capacidade de despertar o entusiasmo, a vontade de viver, a vontade de criar”(2). Para mim, é a experiência da surdez, surdez que ouve com os olhos. No mais, Eugénia vive o que diz... ela é o que diz!
Da mostra de fala de Regina Jaeger(3), entre ditos e imagens, trouxe muito de Manoel de Barros. Há muitos anos que sou encantada por ele. E não sei exatamente se é pelo que ele faz com as palavras e com as imagens, ou se é pelo que ele faz com sua loucura. Manoel é um louco que parece não criar... são as palavras que saem dele e tomam as formas despudoradas com que ele as apresenta... as palavras é que são loucas e transmutam o seu ser! Mas também, ele deixa sair o que quer, pensa o que quer e desenha a vida com traços que só ele enxerga. Escreve com lápis. Gosta da invencionática e não da informática. Não se importa se levam a sério suas palavras. Lambe as palavras como quem lambe algo gostoso.
Regina, entre muitas outras coisas, me fez pensar essas coisas: que Manoel de Barros é um louco que conduz sua loucura. Lambe as palavras e faz delas o que bem quer e subverte as imagens como bem entende. Da mesma forma que Deleuze viveu sua loucura. Ou Guattari viveu sua loucura. Ou Foucault viveu sua loucura. Ou Nietzsche viveu sua loucura. Eles e muitos outros viveram suas loucuras. Todos fizeram a criação no fora. No fora do sistema normalizador. O fora-devir. O fora-criação.
A loucura talvez seja o lugar em que se possa dizer a verdade/ toda a verdade, sem esquadros do ideário dominante.
Usamos as palavras do fora para falar de nossas teorias do fora. A loucura é o fora. O fora é a loucura... o fora é (des)normalizador. A exemplo de Nietzsche, Foucault, Deleuze e Gauttari, pensar o fora como um lugar de subjetivação... como a criação de novos modos de vida (no fora)... como estética da existência... como arte... enfim, como criação mesmo.
Quando Paola Zordan(4) fala da “Derme pictórica” do Hospital São Pedro, traz Fotografias da história marcada nas paredes/ no prédio físico do São Pedro, mostra como o musgo só nasce em lugar que lhe é próprio, ou como a rachadura, a fissura racha a norma e mostra o que a engenharia descuidou ou o que o tempo elaborou... ela mostra, também, que não se trata de pensar se é arte ou não... pois, pensar o fora, implica em pensar o estético e a criação, em pensar na produção que brota da criação nas situações mais adversas, que não aquelas de que a maioria espera que brote.
Não podemos esquecer que o MUSEU DO MUNDO é feito para guardar toda e qualquer arte, de toda e qualquer gente, enquanto o MUSEU DO CONSUMO é feito para guardar e fomentar qualquer coisa que possa gerar dinheiro... para gerar o reconhecimento daquilo que interessa ao sistema dominante!
Por isso, não nos interessa a pergunta sobre se a produção dos pacientes psiquiátricos seja ou não seja arte... essa é a pergunta do ideário dominante do DENTRO, que quer que as coisas sejam feitas para o consumo e para o lucro (o extremo lucro... lucro financeiro, material, subjetivo, político, econômico, social, etc.). Não nos interessa, também, o reconhecimento da produção/criação nas condições colocadas pelo DENTRO, pois esse reconhecimento é injusto, seletivo, interesseiro, falcatruento. Na horizontalidade do FORA, a condição de produção e reconhecimento é de todos e de qualquer um.
Pensar a loucura do outro e tergiversar sobre ela, permite dar a ver a nossa e a loucura dos loucos... vemos a loucura-pontual/ a loucura-sofrimento-psíquico para falar de nossa loucura anti-sistema-dominante... a arte-conceito/ arte-sistema/ arte-mercado X arte-criação é uma dicotomia que não existe, pois são dois mundos distintos: o de dentro e o de fora... o mundo de dentro do sistema dominante tem suas coordenadas que tão bem conhecemos... já, o mundo de fora refere-se à arte-criação/ arte-devir/ arte de todos e de qualquer um/ arte que não é feita para o consumo... o fora, trata-se da horizontalidade que aponta a possibilidade de produção de singularidades... ou como escreve Deleuze, ao falar da terceira dimensão traçada por Foucault em seu pensamento: “E do que se trata? Trata-se de uma relação de força consigo (ao passo que o poder era a relação da força com outras forças), trata-se de uma ‘dobra’ de força. Segundo a maneira de dobrar a linha de força, trata-se da constituição de modos de existência,ou da invenção de possibilidades de vida que também dizem respeito à morte, a nossas relações com a morte; não a existência como sujeito, mas como obra de arte. Trata-se de inventar modos de existência, segundo regras facultativas, capazes de resistir ao poder bem como se furtar ao saber, mesmo se o saber tenta penetrá-los e o poder tenta apropriar-se deles. Mas os modos de existência ou possibilidades de vida não cessam de se recriar, e surgem novos”(5).
Eu sou do fora. Eu escolhi e prefiro o fora (apesar de, em muitos aspectos, viver no dentro). Eu não vejo o dentro como um lugar possível para a maioria das gentes. Eu penso as condições rizomaticas do fora e não condições de inclusão no dentro.
Entre muitas coisas importantes produzidas por essa série de pontos-de-nó que se fizeram eventos, talvez a principal delas seja essa possibilidade de pensarmos o fora como esse outro lugar, como essa outra possibilidade de vida e de mundo que, dentre outros, Deleuze, Guattari, Foucault e Nietzsche tão bem desenharam.
1 Eugénia proferiu a Conferência de Abertura: A sombra da ferida. Corpo, silêncio e testemunho. Ela vem da Universidade do Porto, de Portugal. (PS: O título de seu escrito, no Livro, é: “À contraluz, o testemunho. Uma linguagem entre o silêncio e o corpo” – Em: Vidas do Fora – habitantes do silêncio, Org. Tânia Mara Galli Fonseca e Luciano Bedin da Costa, Ed. UFRGS).
2 Em: BAREMBLIT, G. Introdução à Esquizoanálise. Coleção Esquizoanálise e Esquizodrama.Belo Horizonte: Biblioteca Instituto Félix Guattari, 1998.
3 Regina Jaeger falou sob o título “A Escrita fora de si entre as forças da clausura”, em 23.06.10.
4 Paola Zordan falou sob o título “Hospital São Pedro: uma derme pictórica”, em 24.06.10.
5 DELEUZE, G. Conversações. São Paulo: Ed.34, 1992.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Brevíssimo Conto

LOUCURA - O registro do último lampejo de lucidez vem do dia em que viajava em um ônibus e sentiu o que poderia chamar de grau máximo de intimidade com alguém, quando, ao dormir atravessado nos bancos, seus pés atrapalharam a passagem no corredor. Alguns ficaram irritados, mas outros afastaram delicadamente as suas pernas. Acordou exaltado por essa alegria incontrolável. Depois disso, só lembra-se de seus olhos terem sido cegados pela luz da ambulância. Assim, extenuado, ficou preso, ainda, a uma única lembrança que o jogara definitivamente para o fora da vida. Ela vem do momento em chega em um velho prédio descascado, cujos ladrilhos encantaram seu olhar que só se ergueu para encontrar outro olhar. Era o olhar de uma mulher que correspondia exatamente ao daquela descrita por sua avó paterna como sendo sua mãe: A LOUCA. Desde então, nunca mais quis ver nada, nem sentir ninguém. Mas o olhar daquela mulher o perseguia todos os dias. Incomodava, mas mesmo assim causava um certo grau de intimidade, aconchego e conforto.

DIVULGAÇÃO: De José Saramago para o Fórum Social Mundial

De José Saramago para o Fórum Social Mundial (Por José Saramago)
Começarei por vos contar em brevíssimas palavras um facto notável da vida camponesa ocorrido numa aldeia dos arredores de Florença há mais de quatrocentos anos. Permito-me pedir toda a vossa atenção para este importante acontecimento histórico porque, ao contrário do que é corrente, a lição moral extraível do episódio não terá de esperar o fim do relato, saltar-vos-á ao rosto não tarda.
Estavam os habitantes nas suas casas ou a trabalhar nos cultivos, entregue cada um aos seus afazeres e cuidados, quando de súbito se ouviu soar o sino da igreja. Naqueles piedosos tempos (estamos a falar de algo sucedido no século XVI), os sinos tocavam várias vezes ao longo do dia, e por esse lado não deveria haver motivo de estranheza, porém aquele sino dobrava melancolicamente a finados, e isso, sim, era surpreendente, uma vez que não constava que alguém da aldeia se encontrasse em vias de passamento. Saíram portanto as mulheres à rua, juntaram-se as crianças, deixaram os homens as lavouras e os mesteres, e em pouco tempo estavam todos reunidos no adro da igreja, à espera de que lhes dissessem a quem deveriam chorar. O sino ainda tocou por alguns minutos mais, finalmente calou-se. Instantes depois a porta abria-se e um camponês aparecia no limiar.
Ora, não sendo este o homem encarregado de tocar habitualmente o sino, compreende-se que os vizinhos lhe tenham perguntado onde se encontrava o sineiro e quem era o morto. “O sineiro não está aqui, eu é que toquei o sino”, foi a resposta do camponês. “Mas então não morreu ninguém?”, tornaram os vizinhos, e o camponês respondeu: “Ninguém que tivesse nome e figura de gente, toquei a finados pela Justiça, porque a Justiça está morta.”
Que acontecera? Acontecera que o ganancioso senhor do lugar (algum conde ou marquês sem escrúpulos) andava desde há tempos a mudar de sítio os marcos das extremas das suas terras, metendo-os para dentro da pequena parcela do camponês, mais e mais reduzida a cada avançada. O lesado tinha começado por protestar e reclamar, depois implorou compaixão, e finalmente resolveu queixar-se às autoridades e acolher-se à protecção da justiça. Tudo sem resultado, a espoliação continuou. Então, desesperado, decidiu anunciar urbi et orbi (uma aldeia tem o exacto tamanho do mundo para quem sempre nela viveu) a morte da Justiça.
Talvez pensasse que o seu gesto de exaltada indignação lograria comover e pôr a tocar todos os sinos do universo, sem diferença de raças, credos e costumes, que todos eles, sem excepção, o acompanhariam no dobre a finados pela morte da Justiça, e não se calariam até que ela fosse ressuscitada. Um clamor tal, voando de casa em casa, de aldeia em aldeia, de cidade em cidade, saltando por cima das fronteiras, lançando pontes sonoras sobre os rios e os mares, por força haveria de acordar o mundo adormecido… Não sei o que sucedeu depois, não sei se o braço popular foi ajudar o camponês a repor as extremas nos seus sítios, ou se os vizinhos, uma vez que a Justiça havia sido declarada defunta, regressaram resignados, de cabeça baixa e alma sucumbida, à triste vida de todos os dias. É bem certo que a História nunca nos conta tudo…
Esses sinos novos são os múltiplos movimentos de resistência e acção social que pugnam por uma nova justiça distributiva e comutativa
Suponho ter sido esta a única vez que, em qualquer parte do mundo, um sino, uma campânula de bronze inerte, depois de tanto haver dobrado pela morte de seres humanos, chorou a morte da Justiça. Nunca mais tornou a ouvir-se aquele fúnebre dobre da aldeia de Florença, mas a Justiça continuou e continua a morrer todos os dias. Agora mesmo, neste instante em que vos falo, longe ou aqui ao lado, à porta da nossa casa, alguém a está matando. De cada vez que morre, é como se afinal nunca tivesse existido para aqueles que nela tinham confiado, para aqueles que dela esperavam o que da Justiça todos temos o direito de esperar: justiça, simplesmente justiça. Não a que se envolve em túnicas de teatro e nos confunde com flores de vã retórica judicialista, não a que permitiu que lhe vendassem os olhos e viciassem os pesos da balança, não a da espada que sempre corta mais para um lado que para o outro, mas uma justiça pedestre, uma justiça companheira quotidiana dos homens, uma justiça para quem o justo seria o mais exacto e rigoroso sinónimo do ético, uma justiça que chegasse a ser tão indispensável à felicidade do espírito como indispensável à vida é o alimento do corpo. Uma justiça exercida pelos tribunais, sem dúvida, sempre que a isso os determinasse a lei, mas também, e sobretudo, uma justiça que fosse a emanação espontânea da própria sociedade em acção, uma justiça em que se manifestasse, como um iniludível imperativo moral, o respeito pelo direito a ser que a cada ser humano assiste.
Mas os sinos, felizmente, não tocavam apenas para planger aqueles que morriam. Tocavam também para assinalar as horas do dia e da noite, para chamar à festa ou à devoção dos crentes, e houve um tempo, não tão distante assim, em que o seu toque a rebate era o que convocava o povo para acudir às catástrofes, às cheias e aos incêndios, aos desastres, a qualquer perigo que ameaçasse a comunidade. Hoje, o papel social dos sinos encontra-se limitado ao cumprimento das obrigações rituais e o gesto iluminado do camponês de Florença seria visto como obra desatinada de um louco ou, pior ainda, como simples caso de polícia.
Outros e diferentes são os sinos que hoje defendem e afirmam a possibilidade, enfim, da implantação no mundo daquela justiça companheira dos homens, daquela justiça que é condição da felicidade do espírito e até, por mais surpreendente que possa parecer-nos, condição do próprio alimento do corpo. Houvesse essa justiça, e nem um só ser humano mais morreria de fome ou de tantas doenças que são curáveis para uns, mas não para outros. Houvesse essa justiça, e a existência não seria, para mais de metade da humanidade, a condenação terrível que objectivamente tem sido. Esses sinos novos cuja voz se vem espalhando, cada vez mais forte, por todo o mundo são os múltiplos movimentos de resistência e acção social que pugnam pelo estabelecimento de uma nova justiça distributiva e comutativa que todos os seres humanos possam chegar a reconhecer como intrinsecamente sua, uma justiça protectora da liberdade e do direito, não de nenhuma das suas negações.
Tenho dito que para essa justiça dispomos já de um código de aplicação prática ao alcance de qualquer compreensão, e que esse código se encontra consignado desde há cinquenta anos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, aqueles trinta direitos básicos e essenciais de que hoje só vagamente se fala, quando não sistematicamente se silencia, mais desprezados e conspurcados nestes dias do que o foram, há quatrocentos anos, a propriedade e a liberdade do camponês de Florença. E também tenho dito que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, tal qual se encontra redigida, e sem necessidade de lhe alterar sequer uma vírgula, poderia substituir com vantagem, no que respeita a rectidão de princípios e clareza de objectivos, os programas de todos os partidos políticos do orbe, nomeadamente os da denominada esquerda, anquilosados em fórmulas caducas, alheios ou impotentes para enfrentar as realidades brutais do mundo actual, fechando os olhos às já evidentes e temíveis ameaças que o futuro está a preparar contra aquela dignidade racional e sensível que imaginávamos ser a suprema aspiração dos seres humanos.
Acrescentarei que as mesmas razões que me levam a referir-me nestes termos aos partidos políticos em geral, as aplico por igual aos sindicatos locais, e, em consequência, ao movimento sindical internacional no seu conjunto. De um modo consciente ou inconsciente, o dócil e burocratizado sindicalismo que hoje nos resta é, em grande parte, responsável pelo adormecimento social decorrente do processo de globalização económica em curso. Não me alegra dizê-lo, mas não poderia calá-lo. E, ainda, se me autorizam a acrescentar algo da minha lavra particular às fábulas de La Fontaine, então direi que, se não interviermos a tempo, isto é, já, o rato dos direitos humanos acabará por ser implacavelmente devorado pelo gato da globalização económica.
Continuamos a falar de democracia como se se tratasse de algo vivo, quando dela pouco mais nos resta que um conjunto de formas ritualizadas, os inócuos passes e os gestos de uma espécie de missa laica
E a democracia, esse milenário invento de uns atenienses ingénuos para quem ela significaria, nas circunstâncias sociais e políticas específicas do tempo, e segundo a expressão consagrada, um governo do povo, pelo povo e para o povo? Ouço muitas vezes argumentar a pessoas sinceras, de boa fé comprovada, e a outras que essa aparência de benignidade têm interesse em simular, que, sendo embora uma evidência indesmentível o estado de catástrofe em que se encontra a maior parte do planeta, será precisamente no quadro de um sistema democrático geral que mais probabilidades teremos de chegar à consecução plena ou ao menos satisfatória dos direitos humanos. Nada mais certo, sob condição de que fosse efectivamente democrático o sistema de governo e de gestão da sociedade a que actualmente vimos chamando democracia. E não o é. É verdade que podemos votar, é verdade que podemos, por delegação da partícula de soberania que se nos reconhece como cidadãos eleitores e normalmente por via partidária, escolher os nossos representantes no parlamento, é verdade, enfim, que da relevância numérica de tais representações e das combinações políticas que a necessidade de uma maioria vier a impor sempre resultará um governo.
Tudo isto é verdade, mas é igualmente verdade que a possibilidade de acção democrática começa e acaba aí. O eleitor poderá tirar do poder um governo que não lhe agrade e pôr outro no seu lugar, mas o seu voto não teve, não tem, nem nunca terá qualquer efeito visível sobre a única e real força que governa o mundo, e portanto o seu país e a sua pessoa: refiro-me, obviamente, ao poder económico, em particular à parte dele, sempre em aumento, gerida pelas empresas multinacionais de acordo com estratégias de domínio que nada têm que ver com aquele bem comum a que, por definição, a democracia aspira. Todos sabemos que é assim, e contudo, por uma espécie de automatismo verbal e mental que não nos deixa ver a nudez crua dos factos, continuamos a falar de democracia como se se tratasse de algo vivo e actuante, quando dela pouco mais nos resta que um conjunto de formas ritualizadas, os inócuos passes e os gestos de uma espécie de missa laica.
E não nos apercebemos, como se para isso não bastasse ter olhos, de que os nossos governos, esses que para o bem ou para o mal elegemos e de que somos portanto os primeiros responsáveis, se vão tornando cada vez mais em meros “comissários políticos” do poder económico, com a objectiva missão de produzirem as leis que a esse poder convierem, para depois, envolvidas no açúcares da publicidade oficial e particular interessada, serem introduzidas no mercado social sem suscitar demasiados protestos, salvo certas conhecidas minorias eternamente descontentes…
Que fazer? Da literatura à ecologia, da fuga das galáxias ao efeito de estufa, do tratamento do lixo às congestões do tráfego, tudo se discute neste nosso mundo. Mas o sistema democrático, como se de um dado definitivamente adquirido se tratasse, intocável por natureza até à consumação dos séculos, esse não se discute. Ora, se não estou em erro, se não sou incapaz de somar dois e dois, então, entre tantas outras discussões necessárias ou indispensáveis, é urgente, antes que se nos torne demasiado tarde, promover um debate mundial sobre a democracia e as causas da sua decadência, sobre a intervenção dos cidadãos na vida política e social, sobre as relações entre os Estados e o poder económico e financeiro mundial, sobre aquilo que afirma e aquilo que nega a democracia, sobre o direito à felicidade e a uma existência digna, sobre as misérias e as esperanças da humanidade, ou, falando com menos retórica, dos simples seres humanos que a compõem, um por um e todos juntos. Não há pior engano do que o daquele que a si mesmo se engana. E assim é que estamos vivendo.
Não tenho mais que dizer. Ou sim, apenas uma palavra para pedir um instante de silêncio. O camponês de Florença acaba de subir uma vez mais à torre da igreja, o sino vai tocar. Ouçamo-lo, por favor.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

DIVULGAÇÃO: O Caos sobre Rodas

O caos sobre rodas - Por Camila Souza Ramos e Glauco Faria
O centro de São Paulo está vazio. Vazio não, um único carro de uma montadora estrangeira passeia tranquilamente por suas ruas ao som de “At Last”, enquanto Kiefer Sutherland, que interpreta Jack Bauer, no seriado televisivo “24 horas”, dirige o carro, surpreso com a situação. Assim que resolve parar e sair do veículo, o motorista se depara com trânsito, muito barulho, muitas pessoas, enfim, o caos urbano que acompanha a capital paulista todos os dias. Frente a isso, prefere voltar ao automóvel e, dentro dele, olhar novamente as ruas vazias da cidade.
Esse comercial foi transmitido na televisão entre 2007 e 2008. A promessa é a sensação de sossego e distanciamento do ambiente exterior, como se o automóvel fosse uma espécie de retiro sobre quatro rodas que, segundo outras campanhas publicitárias, ainda faz o motorista/dono se destacar entre seus pares, atraindo olhares do sexo oposto e atiçando a inveja alheia. Não à toa os veículos automotores são um dos primeiros itens de consumo identificados com a ascensão social. Porém, as conseqüências da opção rodoviarista adotada pela sociedade são bem diferentes dos idílicos comerciais de televisão.
Mas, o automóvel não é apenas um símbolo de ascensão social ou objeto de desejo da maioria das pessoas. Sua história está ligada de forma intrínseca ao próprio desenvolvimento econômico da maior parte dos países e do próprio capitalismo. Formas de organização da produção que se tornaram tradicionais como o fordismo e o toyotismo vieram da área automotiva e serviram de modelo para o restante da indústria. No Brasil, a produção de automóveis começou a se instalar no começo dos anos 20 com a vinda de representações comerciais de montadoras internacionais. No fim da década, com a Grande Depressão, as primeiras ações para a recuperação da economia foram os incentivos ao setor automobilístico. E, na época, o país abriu as primeiras fábricas de autopeças.
Simultaneamente, surge o primeiro presidente da República que iria defender abertamente a indústria: Washington Luis, cujo lema célebre era “governar é abrir estradas”. Nessa época, mais precisamente em 1927, o Brasil tinha 93.682 automóveis e 38.075 caminhões e a primeira rodovia asfaltada seria inaugurada pelo presidente, em 1928. “Ele foi o grande difusor das virtudes do automóvel como meio de transporte e objeto de desenvolvimento econômico e social. Agia sempre em conjunto com Silvio Álvares Penteado e Antonio Prado Júnior. Faziam excursões com a cobertura da imprensa, como a primeira viagem de carro de São Paulo até Santos e até o Rio, como se fosse parte de um movimento histórico e a motorização dos veículos se daria no momento seguinte”, conta o arquiteto e doutor pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP Marco Aurélio Lagonegro.
Além de organizar os primeiros departamentos que cuidavam da questão rodoviária no país, Washington Luis propagandeava o automóvel junto à população, mostrando as virtudes e as vantagens econômicas que estariam ao alcance de todos, estimulando o setor de autopeças de oficinas mecânicas, pequenos prestadores de serviços, repercutindo também em todas as elites regionais brasileiras. “Chega uma época em que ele diz que o transporte rodoviário precisa substituir as ferrovias. Como o transporte ferroviário é coletivo por natureza, faz certa apologia do individualismo burguês em que a própria sociabilidade se torna refém das iniciativas particulares. O Estado acaba se desincumbindo de realizar tarefas de caráter coletivo, como a manutenção do parque ferroviário que a partir da época dele passa a ser sucateada de forma acelerada”, explica Lagonegro.
Mesmo com a queda da República Velha, Vargas continua na mesma direção com uma serie de medidas legais de financiamento do setor automotivo, além de outras que também dão impulso o setor, como a criação da Petrobras. O avanço da indústria automobilística no país se solidifica no governo de Juscelino Kubitscheck, com a criação do Grupo Executivo da Indústria Automobilística (Geia), que concedeu benefícios para montadoras se instalarem em associação com empresas nacionais (por meio de joint ventures) como isenções, vantagens cambiais e incentivos de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Depois disso, tanto os governos da ditadura militar como os da Nova República continuaram dando generosa atenção ao setor automotivo. Não é para menos já que, em 50 anos, o número de montadoras cresceu de nove para 24, sendo que estas compram produtos das mais de 500 empresas de autopeças hoje atuantes no Brasil, segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). Dados de 2009 mostram que o setor responde por 23% do PIB industrial e 5,5% do PIB brasileiro, ou seja, é um dos carros-chefes da economia tanto que, após a eclosão da crise econômica de 2008, foi um dos primeiros setores beneficiados por medidas governamentais anticiclícas.
Houve isenção do imposto sobre produtos industrializados (IPI) para os carros populares e outros modelos tiveram redução, permitindo que a indústria recuperasse o fôlego em apenas três meses. Em outros países, como os EUA, a intervenção precisou ser ainda maior, pois o pedido de concordata feito pela General Motors (GM) em junho de 2009 – considerada a terceira maior quebra de uma empresa na história dos Estados Unidos – poderia causar efeitos catastróficos na economia nacional e de outros países.
Reféns do automóvel
“Imagine se fosse criado um meio de transporte não-poluidor, um capacete teletransportador, por exemplo. Com certeza todos ficariam felizes e premiariam o inventor. Mas, vamos supor ainda que, quando fosse receber a distinção, ele revelasse que a máquina é movida a carne humana, que consome dez pessoas por dia. Ele certamente seria preso. Mas o mesmo não ocorre com os carros, todo mundo aceita.” É assim que Paulo Saldiva, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), definia em entrevista à Agência FAPESP a utilização do automóvel e sua aceitação pela sociedade.
Hoje, não é mais preciso um esforço como o de Washington Luís para convencer a sociedade a consumir carros. Além de estar integrado solidamente na estrutura produtiva do país, o sucateamento do transporte público, o próprio desenho das grandes cidades e a propaganda massiva fazem do carro uma necessidade para uns e um fetiche para outros. A capital paulista, por exemplo, absorveu 5,2% mais carros em 2009, tendo como referência o ano anterior, mais 223 mil carros nas ruas. Isso se traduz em mais trânsito, mais emissão de poluentes, mais estresse para os cidadãos e a necessidade de investimentos públicos para “enxugar o gelo” das vias de tráfego lotadas.
As cidades também passaram a ser consideradas de acordo com a necessidades dos carros e de seus motoristas. Em entrevista concedida à Fórum nº 82, a professora da USP Raquel Rolnik lembra que, em Bogotá, capital colombiana que é tida como exemplo em termos de modelo urbano, as intervenções feitas pelo poder público dão prioridade para o transporte coletivo e para o pedestre, ao contrário do que ocorre em São Paulo e em outras cidades brasileiras. “Quando visitei a cidade, vi que a urbanização da periferia começava fazendo a calçada com árvore, arborizada, iluminada, linda, ciclovia na calçada, equipamentos públicos, escola, biblioteca, etc. e só depois pavimentava a via. Pavimentação é 50% do custo total de uma urbanização”, contou. “Ninguém fala, né? As coisas que realmente a gente precisa, calçada, escola, praça, árvore, custam menos que a pavimentação. Quem precisa de pavimentação é o carro, a maior parte do povo não precisa.”
No que diz respeito à poluição, algumas notícias podem até fazer parecer que o problema não é tão grave assim. Os últimos números divulgados pela Secretaria de Meio Ambiente do estado de São Paulo, por exemplo, apontam redução na emissão de monóxido de carbono e dióxido de enxofre, dois dos principais poluentes de veículos automotores na capital paulista. Maria Helena Martins, gerente da divisão de qualidade do ar da Companhia Ambiental Estadual do Estado de São Paulo (CETESB), explica que essa diminuição tem ocorrido há alguns anos e é conseqüência principalmente da renovação da frota de carros e dos programas de controle da qualidade do ar. Na década de 1980, um veículo novo emitia 30 gramas por quilômetro quadrado de monóxido de carbono (CO). Hoje um emite 0,3 grama.
Um deles é o Programa de Controle de Emissões Veiculares (Proconv), que obrigou a indústria automobilística a colocar catalisadores para filtrar as substâncias emitidas pela queima dos combustíveis. “Estamos em fase de estabilidade. Os ganhos são menores porque esse aumento da frota vai neutralizando [os resultados]”, diz Martins. Além dos ganhos tecnológicos, outros fatores como a inspeção veicular e o Programa de Controle da Poluição do Ar por Motociclos e Veículos Similares são citados como responsáveis pela melhora.
Mas, a perspectiva em relação à qualidade do ar já não é tão positiva. Na visão do médico Alfésio Braga, pesquisador do Laboratório Experimental da Poluição do Ar da Universidade de São Paulo (USP) essa queda no nível de poluentes pode ser revertida se mantido o ritmo de entrada de novos automóveis na metrópole paulistana. “Chegamos a uma quantidade impressionante de veículos e isso continua crescendo. Quando o nível de poluentes começou a cair, a velocidade de queda era muito maior, mas já temos projeções mostrando que se a frota continuar a aumentar a queda vai parar e vai voltar a subir. Nossa perspectiva nos cenários futuros é muito ruim”, acredita.
O último relatório da Secretaria de Meio Ambiente aponta outro perigo ainda mais urgente: o aumento da concentração de ozônio e de partículas inaláveis no último ano. Diferentemente dos outros gases poluidores, esse é formado pela reação entre gases de óxido nitroso e compostos orgânicos voláteis, que, na presença da luz solar, combinam-se com o oxigênio presente no ar e formam o ozônio. Sua concentração aumenta em épocas mais ensolaradas e, apesar de ser formado principalmente nas áreas urbanas, é carregado para um raio de até 150 quilômetros de alcance. Por ser formado na presença de luz, o gás atinge também quem mora nos andares mais altos dos prédios “A concentração de ozônio tem aumentado mesmo com os outros poluentes em queda e o controle dele é bem mais complicado”, aponta Braga. “Contudo, o que temos que temer é a mistura de poluentes. Havia uma tentativa de dar ao material particulado o papel de vilão, mas se individualmente os gases fazem mal, em conjunto são piores ainda”.
Na verdade, tais poluentes têm efeito inflamatório, podendo afetar principalmente as vias aéreas, agravando doenças respiratórias pré-existentes e reduzindo a capacidade respiratória e a capacidade para fazer exercícios. Assim, a poluição dos carros leva cada vez mais pessoas a hospitais e pronto-socorros, o que fica evidente em períodos de greve no transporte público, por exemplo, quando mais carros saem às ruas. “Quando isso acontece há aumento no transporte individual e na emissão de poluentes, causando elevação de internações hospitalares e óbitos de pessoas suscetíveis, como crianças e idosos com doenças preexistentes. Além disso, o fato de você estar dentro do veículo faz com que também esteja exposto aos gases que o veículo produz, já que não há um isolamento perfeito”, explica Braga.
De acordo com Drauzio Varella, em artigo publicado na Folha de S. Paulo, de fevereiro de 2009, “inquéritos conduzidos em diversos países industrializados demonstraram que a concentração de poluentes no ar está diretamente associada à diminuição da expectativa de vida: redução média de 13 meses na Holanda, 15 meses na Finlândia e nove meses no Canadá”. Na cidade de São Paulo, segundo Paulo Saldiva, a poluição reduz em média dois anos a expectativa de vida da população local.
Síndrome de Estocolmo
Não só apenas as doenças causadas pela exposição à poluição que levam à morte. Apesar do histórico de queda nas mortes em acidentes de trânsito, o número ainda é elevado. Em 2009, a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) registrou – apenas na capital paulista – 1382 vítimas fatais, contra 1463 no ano anterior. São quase quatro vidas por dia tiradas pela imprudência e pelo caso do trânsito paulistano. Motoboys apressados pelo ritmo de trabalho, parte, aliás, da solução encontrada para que as entregas fugissem dos congestionamentos, sinalização precária, ausência de ciclovias e descaso dos motoristas de automóveis estão entre as estatísticas das mortes de motociclistas. Mais um dado trágico: somente em 2009 morreram 428, mais de uma morte por dia.
A velocidade prometida pelo sonho do automóvel, que contrasta com a situação real das vias da capital paulista, também gera outro resultado: o elevado número de infrações. A mais cometida pelos motoristas paulistanos é o excesso de velocidade. E não é só a infração mais recorrente como também das que mais cresce: em 2009, a CET multou mais de 1,5 milhão de apressadinhos, o que representou um aumento de nada menos que 70% dos enquadramentos relativos a 2008 e equivale a um quarto das multas aplicadas. Considerando que, hoje, em São Paulo, rodam em torno de 6,5 milhão de carros, e foram aplicadas, em um ano, 6,254 milhão de multas, é como se cada carro que anda na cidade cometesse uma infração por ano.
Os números fatais do trânsito e da saúde pública de um grande município – gerados pelo uso intensivo de automóveis – assusta. Como também é assustador e surpreendente outro item; a capacidade das pessoas se adaptarem e estarem praticamente insensíveis ao problema do excesso de carros. Uma pesquisa contratada pelo Movimento Nossa São Paulo junto ao Ibope, divulgada em setembro do ano passado, apontou que os paulistanos gastam em média 2h43 no trânsito. Ou seja, são 41 dias por ano em idas e vindas ao trabalho. No entanto, a maioria se posiciona de forma contrária a qualquer tipo de restrição à circulação de automóveis, apoiando apenas medidas contra caminhões.
A situação é curiosa, segundo o doutor em marketing Carlos Magno Gibrail. Em artigo publicado no Blog do Milton Jung, ele ressalta que o cidadão que vive em São Paulo é mais acomodado ao caos paulistano do que os moradores de Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Porto Alegre. “Pesquisa realizada pela fundação Dom Cabral do Núcleo de Estudo em Infra-estrutura e Logística constata que 61% dos paulistanos estão acomodados e conformados com a atual situação dos congestionamentos na cidade”, diz. “É a síndrome de Estocolmo adaptada ao trânsito. O raptado passa para o lado do raptor. Pelo menos no sentido do encarceramento, do cerceamento da liberdade. Dentro dos carros, 30% escutam notícias, 27% ouvem músicas, 16% estudam, 11% trabalham e 10% olham o trânsito.”
Soluções?
Em vista do cenário caótico de São Paulo e de outras grandes cidades, e em função de todas as suas implicações, muitas soluções ou pseudo-soluções são propostas e colocadas em prática. Uma das preocupações em voga é a questão dos danos ambientais e, por conta disso, as indústrias vêm procurando atenuar os impactos dos automóveis utilizando os avanços tecnológicos.
A nova vedete dos ambientalistas apaixonados por automóvel é o carro elétrico. Já à venda em algumas concessionárias brasileiras, o modelo não polui, é silencioso e mais econômico. Com designs futuristas, eles já somavam, em 2008, nos Estados Unidos, mais de 400 mil veículos. Governos europeus estão desenvolvendo postos de recarga de baterias nas ruas para os automóveis elétricos. Ao invés de parar nos postos e abastecer com combustíveis derivados de hidrocarbonetos, os motoristas poderão parar os carros e ligar a bateria na tomada. No Brasil, a cidade de Campo Largo (PR) se prepara para receber a primeira fábrica de elétricos, que apesar de inovadores prometem não custar em torno de R$ 7 mil. Parece ser a solução para as doenças respiratórias e o meio ambiente, mas não às questões relativas ao trânsito.
Enquanto eles não se tornam realidade, medidas paliativas, como inspeções veiculares, rodízio e até pedágio urbano são aplicados ao redor do mundo para minimizar os impactos ao ambiente e à saúde humana, que são cada vez menos eficazes com o aumento da produção e do consumo de automóveis. “Até 2014, a perspectiva de crescimento (do PIB) é de 5% ao ano. Com essa tendência, a venda de veículos vai aumentar muito”, acredita o pesquisador do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) Alexandre Gomide. “Isso tem dois lados: o direito das pessoas de melhorar de vida e comprar os bens que sempre foram desejados e, por outro lado, a sociedade toda começa a sofrer com esse excesso de veículos. Isso é o que os economistas chamam de externalidade negativa. É o ato de consumo que prejudica a sociedade.”
Para Gomide é preciso disciplinar o uso do automóvel. “Devem ser adotadas medidas restritivas, com locais onde os veículos podem circular ou não”, diz, defendendo o pedágio urbano. “Junto com isso, tem que melhorar o transporte coletivo”, propõe. Ele explica que apenas a melhora no transporte público não garante a diminuição da circulação de carros. “Por mais que o trânsito esteja ruim, as pessoas preferem usar transporte privado. Elas querem transporte público melhor para o outro usar e não para ela deixar o carro”, argumenta. Para que a pessoa tenha o direito de usar o carro e assim, inevitavelmente, prejudicar a saúde coletiva, ela deve pagar por isso, defende. “A solução ideal e mais democrática é dotar a cidade de transporte público. Se a pessoa quiser andar de carro, então vai pagar por isso, já que existiriam alternativas. Mas, se não for feito investimento em transporte coletivo é justo você exigir que alguém não use o seu carro?”, questiona Alfésio Braga.
Aliás, a melhora do transporte coletivo é apontada como solução entre todos os especialistas entrevistados. E as implicações da opção pelo veículo individual também geram efeitos pouco visíveis para o sistema de transportes. Gomide afirma que de 4% a 9% do aumento das tarifas dos coletivos são decorrentes do congestionamento gerado pelo excesso de automóveis particulares nas ruas. “Quem se prejudica com o aumento da frota particular é quem não tem carro, as classes D e E. E quem anda de ônibus”, observa.
Mas, alguns ambientalistas e militantes do uso da bicicleta têm insistido que a solução deve ser radical. A extinção do carro seria a única solução possível para o conjunto de problemas gerados pela cultura do automóvel. “O automóvel é o símbolo de tudo que o capital mais preza: individual, veloz, excludente e devastador. Temos em apontar o dedo e dizer: basta”, defende Tatiana Schor, economista e professora do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Amazonas. Ainda que muitos possam achar um exagero, o debate é mais do que necessário.
Vitrines da velocidade As corridas automobilísticas estão aí para provar que o automóvel não é apenas um meio de transporte e nem nasceu apenas para isso. O professor Ronai Pires da Rocha, do Departamento de Filosofia da UFSM, explica que as corridas surgiram de forma concomitante à própria tentativa de popularização do automóvel. “As provas automobilísticas começaram sendo espaços para as fabricantes provarem que seus produtos são viáveis mesmo sob condições extremas”, conta. “As corridas de resistência e velocidade foram concebidas como oportunidade de marketing e de mostrar que aquilo é uma coisa inteligente, interessante, responsável”, diz.
Atualmente, existem modalidades para os mais diversos veículos automotivos e as montadoras fornecem motores e possuem equipes próprias em diversas categorias automobilísticas desde a brasileira Fórmula Truck para caminhões, a Fórmula Indy (que prioriza a velocidade do carro) a Fórmula 1 (que prioriza a aerodinâmica) até o motocross (para motocicletas em circuitos sem asfalto).
Essa matéria é parte integrante da edição impressa da Fórum 86. Nas bancas.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

DIVULGAÇÃO: Estágio en la Clinica de La Borde‏

Por Liliana Giménez Santos - Publicado en 15 June 2010 - Revista TOPIA - Buenos Aires
Fueron casi tres meses durante los que compartí la vida cotidiana con pensionistas, pasantes y personal de la Clínica de la Borde. La incomprensión inicial la atribuí al escaso dominio del idioma, pero pronto comprobé que el modo de funcionamiento afectaba tanto a franceses como extranjeros, y que estas impresiones iban más allá de las limitaciones idiomáticas.
Añado a esto algo que descubrí más tarde, leyendo a Tosquelles, el psiquiatra catalán que creó la psicoterapia institucional, a mi entender por convicción y por la urgencia de los acontecimientos (refugiado en Francia tras su exilio por la guerra civil española)* y cuyos rastros es posible de identificar en el desenvolvimiento institucional de La Borde, como rasgos de su origen. Pude encontrarme con lo que él consideraba los beneficios de preservar la “función extranjera”* para favorecer otra posición en los pacientes y en general en todo el mundo. Esto en realidad sólo es hacer visible aquello que nos acontece con los demás pero que por lo general preferimos ignorar (podemos llamarle “cada uno en su burbuja”), que desde Freud, Lacan y hasta nuestros días se dice portamos bajo la forma del fantasma y cuyo efecto es que nos comprendemos bastante menos de lo que nos gusta creer, aunque hablemos el mismo idioma. Allí están las raíces de aquello que viene a continuación y que tiene que ver con una apertura a la aceptación de las diferencias, propias y ajenas.
Por una parte, entonces, de entrada me sorprendió la existencia de una cantidad de espacios colectivos, en donde todos teníamos derecho al acceso y al uso de la palabra. El otro aspecto que me conmovió y que no deja de estar relacionado con lo anterior, fue la posibilidad de encontrar un lugar para decir, para hacer, pues de hecho había un lugar ofrecido y posibilitado. El “accueil”*, eso que insiste en las conversaciones, en los nombres de los diferentes ámbitos grupales (reuniones de sector, ingreso de los pensionistas a la institución, llegada de visitantes, pasantes, grandes o pequeñas reuniones) no es una abstracción, es una hecho cotidiano, fuerte, transformador, es esa predisposición a abrirse al otro y dejar que éste despliegue su estilo, su modo de andar por el mundo y encuentre con su heterogeneidad esencial, si así lo quiere, un lugar posible y vivible. Circunstancia ésta que involucra tanto a pacientes como a los demás. De donde se comprueba una tercera cuestión y es que la psicoterapia institucional es una forma de funcionamiento que atañe y atraviesa a todos en la clínica. Por lo cual la delgada línea que procuramos nos separe de lo patológico se constata más tenue de lo que con nuestros reaseguros estamos dispuestos a confesar.
Jean Oury dice que se trata de una estrategia indirecta, en la que a través de diversos espacios grupales se posibilita el pasaje de un espacio al otro, y se instala el “espacio entre”. Dentro del tejido institucional (de reuniones de talleres, del club…), concebido como campo operatorio, este pasaje y la dimensión del encuentro posibilitan el acontecimiento, o sea, alguna transformación en relación al síntoma. Se hace necesario entonces remitirse a Lacan, cuando Oury menciona la necesidad de la heterogeneidad y de lo diacrítico pero también mencionar la concepción de transferencia que se sustenta, sobre todo en lo que concierne a la esquizofrenia: transferencia multirreferencial (modalidad enfatizada por Tosquelles). Particularmente considera al sujeto psicótico atenaceado por problemas graves respecto al campo transicional (pensable también desde la visión de Winnicot y de Gisela Pancow), constreñido por dificultades severas para “especializar”, para crear adentros y afueras. Dentro de la organización cotidiana, por consiguiente, se procura que existan áreas propicias para el advenimiento de lo insólito, lo azaroso, de la diferencia, que permita instalar una especialidad y una temporalidad diferente. Por ello lo institucional es un proceso de invención permanente que se construye entre y con los otros y que sería favorecido por la libertad de circulación.
Esta concepción entraña que dentro de las estructuras jerárquicas rígidas, los espacios suelen estar sumamente compartimentalizados, por lo cual el pasaje entre ellos se torna difícil, a veces imposible, en consecuencia hay una especie de homogeneización, de uniformización con escaso lugar para la invención, para el deseo, o al menos para la exploración y el encuentro.
Considera Oury al respecto que el colectivo es “la máquina abstracta” que permite tratar la alienación psicótica y la alienación social al mismo tiempo. La “institución”, o las instituciones que en ella conviven, se “cuidan” en estas dimensiones colectivas.
Sin embargo hay un “no todo”, no todo se puede decir, no todo obstáculo o malestar se puede sortear. Pero la propuesta es echarlo a andar, ponerlo a circular ofreciendo esta diversidad de espacios y brindar un decurso posible.
En este momento, la clínica se encuentra atenaceada por dos circunstancias. La avanzada edad de su director y fundador, el Dr. Jean Oury, que a pesar de su lucidez, su inteligencia, su dinamismo y la importancia de su figura en el campo de la Salud Mental de Francia, o precisamente por todo eso, plantea un impasse para el porvenir. Hoy por hoy ocupa un lugar a todas luces difícil de ocupar para cualquier otro. Junto a esto se hallan además, las adecuaciones que la institución habrá de realizar, y que ya han comenzado en algunos aspectos, para subsistir dentro del sistema de salud en los tiempos de Sarkozy.
Este año en su Seminario el Dr. Oury, trabajó bastante intensamente el tema de la decisión tomando algo del significado del vocablo griego “kairos”, como aquel acto que rompe la línea contínua del tiempo, momento oportuno. Es especialmente aplicable a la temporalidad esquizofrénica y las incidencias de la terapéutica en ella, pero, ¿ no lo es hoy quizás aplicable también a la temporalidad institucional como momento particularmente oportuno para afrontar las circunstancias mencionadas?*
Accueil: recibimiento
Tosquelles François: “La loi du déroulement surréaliste de la guerre, c’est qu’il y a toujours de l’imprévu, de l’inattendu, c’est-à-dire quelque chose qui, précisément, n’est pas susceptible d’être mis en science...La guerre civile comporte un changement de perspective sur le monde » (id. Page 71)
Tosquelles François: « J’ai toujours eu une théorie : un psiquiatre, pour être un bon psychiatre, doit être étranger ou faire semblant d’être étranger. Ainsi, ce n’est pas une coquetterie de ma part de parler si mal le français. Il fault que le malade – ou le type normal- fasse un effort certain pour me comprendre, ils sont donc obligés de traduire et prennent à mon égard une position active. » (« Une politique de la folies », diffusé 1990, page 67).
Tosquelles, François : « La psychiatrie comporte une anti-culture, c’est-à-dire une culture ayant une autre perspective que celle du sujet. » (id., page 72).
Se han utilizado además notas de las presentaciones del Dr. Oury en su Seminario de los días sábado en La Borde y de las reuniones de los pasantes con el Dr. Michel Le Carpentier en el período de desarrollo de la pasantía.

domingo, 20 de junho de 2010

DIVULGAÇÃO: lançamento da tradução do Curso DO GOVERNO DOS VIVOS - M. Foucault

CENTRO DE CULTURA SOCIAL & ROBSON ACHIAMÉ EDITOR convidam para o lançamento:
Michel Foucault. 'Do governo dos vivos. Curso no Collège de France, 1979-1980 (excertos)'. Tradução, transcrição e notas de Nildo Avelino. São Paulo: Centro de Cultura Social; Rio de Janeiro: Robson Achiamé, 2010, 132p. ISBN: 978-85-60945-67-2. R$ 28,00.
26 de junho de 2010, as 16h/ Centro de Cultura Social/ Rua Gal. Jardim nº 253 sala 22 (metrô República).

sexta-feira, 18 de junho de 2010

O escrevinhador morreu!

Coube a uma pessoa a quem, em cujo momento de absoluta dor existencial, mostrei O Conto da Ilha Desconhecida, de Saramago, noticiar-me sua expiração. Os escrevinhadores que me ensinaram a arredondar palavras e soltá-las quadradas, parecem-me, em minhas vãs fantasias, imortais. Calou-se o corpo, mas as letras de Saramago prosseguem fazendo pontos-de-nó-em-rede, nos pensamentos daqueles que o leem!
Escolhi, para este momento, dois recortes de seus escritos:
Um descanso no caminho - O viajante está feliz. Nunca na vida teve tão pouca pressa. Senta-se na beira de um destes túmulos, afaga com as pontas dos dedos a superfície da água, tão fria e tão viva, e, por um momento, acredita que vai decifrar todos os segredos do mundo. É uma ilusão que o assalta de longe em longe, não lho levem a mal. In Viagem a Portugal, Ed. Caminho, 21.ª ed., p. 137 (Selecção de Diego Mesa) - http://caderno.josesaramago.org/2010/06/07/um-descanso-no-caminho/

Que fazer? Da Literatura à ecologia, da fuga das galáxias ao efeito de estufa, do tratamento do lixo às congestões do tráfego, tudo se discute neste nosso mundo. Mas o sistema democrático, como se de um dado definitivamente adquirido se tratasse, intocável por natureza até à consumação dos séculos, esse não se discute. Ora, se não estou em erro, se não sou incapaz de somar dois e dois, então, entre tantas outras discussões necessárias ou indispensáveis, é urgente, antes que se nos torne demasiado tarde, promover um debate mundial sobre a democracia e as causas da sua decadência, sobre a intervenção dos cidadãos na vida política e social, sobre as relações entre os Estados e o poder económico e financeiro mundial, sobre aquilo que afirma e aquilo que nega a democracia, sobre o direito à felicidade e a uma existência digna, sobre as misérias e as esperanças da humanidade, ou, falando com menos retórica, dos simples seres humanos que a compõem, um por um e todos juntos. Não há pior engano do que o daquele que a si mesmo se engana. E assim é que estamos vivendo. (José Saramago, de algum escrito relacionado ao FSM)
A morte, habitualmente, não me arrebata, mas essa, arrebatou!

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Poetagens Alheias: Riobaldo: O Jagunço-Filósofo

Riobaldo: O Jagunço-Filósofo
"O senhor saiba: eu toda a minha vida pensei por mim, forro, sou nascido diferente. Eu sou é eu mesmo. Diverjo de todo o mundo... Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa. O senhor concedendo, eu digo: para pensar longe, sou cão mestre - o senhor solte em minha frente uma idéia ligeira, e eu rastreio essa por fundo de todos os matos. Amén!" pg. 8
"Como não ter Deus?! Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve. Mas, se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vai-vem, e a vida é burra. É oaberto perigo das grandes e pequenas horas, não se podendo facilitar - é todos contra os acasos. Tendo Deus, é menos grave se descuidar um pouquinho, pois no fim dá certo. (...) Deus existe mesmo quando não há. (...) Mas a gente quer Céu é porque quer um fim: mas um fim com depois dele a gente tudo vendo." pg. 48
"A gente vive repetido, o repetido, e, escorregável, num mim minuto, já está empurrado noutro galho. Acertasse eu com o que depois sabendo fiquei, para de lá de tantos assombros... Um está sempre no escuro, só no último derradeiro é que clareiam a sala. Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia." pg 52
"[U]m rio é sempre sem antiguidade." pg. 125
"[U]m amigo... é que a gente seja, mas sem precisar de saber o por quê é que é." pg. 155
"[E]u careço de que o bom seja bom e o rúim ruím, que dum lado esteja o preto e do outro o branco, que o feio fique bem apartado do bonito e a alegria longe da tristeza! Quero os todos pastos demarcados... Como é que posso com este mundo? A vida é ingrata no macio de si; mas transtraz a esperança mesmo do meio do fel do desespero. Ao que, este mundo é muito misturado..." pg. 191-2.
"Tudo o que já foi, é o começo do que vai vir, toda a hora a gente está num cômpito. Eu penso é assim, na paridade... Um sentir é o do sentente, mas outro é o do sentidor. O que eu quero, é na palma da minha mão." pg. 273
"Consegui o pensar direito: penso como um rio tanto anda: que as árvores das beiradas mal nem vejo... Quem me entende? O que eu queira. Os fatos passados obedecem à gente; os em vir, também. Só o poder do presente é que é furiável? Não. Esse obedece igual - e é o que é." pg. 301
"O senhor não pode estabelecer em sua idéia a minha tristeza quinhoã. Até os pássaros, consoante os lugares, vão sendo muito diferentes. Ou são os tempos, travessia da gente?" pg. 353
"Natureza da gente não cabe em nenhuma certeza." pg. 367
(excertos selecionados por Marco Antonio Frangiotti, de Rosa, J. G. (1988): Grande Sertão: Veredas, Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira). Disponível em: http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/riobaldo.htm

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Sonhei

Olhei seus olhos com o sentimento de que era a primeira vez que estava enxergando em minha vida. Acostumada a ser surda, num repente percebi que fora cega. Fora cega a vida toda e agora foi me dado ver. Meu coração ficou parado, com medo de disparar e nunca mais voltar ao compasso certo. Meu corpo ficou estático, com medo de desmanchar no ar, feito um orgasmo que se tem e que logo passa. Mas o meu sorriso se descontrolou e minha cara virou um enorme sol. Quando a noite chegou, o escuro não veio com ela, porque o sol que você trouxe para o meu sorriso ainda brilhava. Com esse sonho, acordei feliz!

DIVULGAÇÃO: EXPOSIÇÃO: "EU SOU VOCÊ"

DIVULGAÇÃO: Conexões: Saúde Coletiva e Políticas de Subjetividade

LIVRO - SAÚDE COLETIVA - EDITORA HUCITEC
Conexões: Saúde Coletiva e Políticas de Subjetividade
Autor: Sérgio Resende Carvalho, Sabrina Ferigato e Maria Elisabeth Barros (organizadores)
Esse livro se propõe a trabalhar temas relevantes no campo da Saúde Coletiva a partir d construção de textos ao mesmo tempo independentes entre si e inter-relacionados em seus enunciados. Fruto de um trabalho coletivo do Grupo Conexões e de seus intercessores, esse livro busca dar passagem a múltiplas vozes - vozes de trabalhadores da saúde, trabalhadores-pesquisadores e docentes-trabalhadores -que entendem que cuidar é também produzir outros modos de subjetivação e outras formas-subjetividade.
Entendemos que no território da Saúde Coletiva três linhas de subjetivação se revelam com maior visibilidade: Clínica, Gestão e Formação. Mergulhar nos agenciamentos que essas linhas produzem, em suas limitações, suas potências e movimentos foi o que buscamos fazer nas páginas que se seguem. Mergulho de superfície, com cilindro ou escafandro - nosso convite é para o mergulhar.
Sumário
Parte I - A clínica e a gestão mergulhadas nas intensidades de seu tempo
- Reflexões sobre o tema da cidadania e a produção de subjetividade no SUS - Sergio R. Carvalho
- O fora do Estado: considerações sobre movimentos sociais e saúde pública - Tadeu Souza
- O poder da gestão e a gestão do poder - Sabrina Ferigato e Sérgio Carvalho
- Intercessão arquitetura e saúde e um novo modo de produção do espaço físico na saúde - Mirella Pessati
- A vontade de compreender o meio; a fronteira clínica-prevenção - Juliana Pacheco e Sérgio Carvalho
- A psiquiatrização da vida na sociedade de controle. - Anderson Martins
- Territórios da clínica: redução de danos e os novos percursos éticos para a clínica das drogas- Silvia Tedesco e Tadeu Souza
- Eu bebo sim e estou vivendo: o alcool como um agregador de afetos - Ricardo Pena
Parte II - Territórios percorridos entre a formação, a pesquisa e a intervenção
- Breve percurso para a produção de uma cartografia: devir, intervir durar, cuidar, narrar, agenciar - ou devir cartógrafo e algumas interfaces com a Saúde Coletiva - Gustavo Nunes
- Redes de Atenção à Saúde: que nelas se vê e o que se diz - Altair Massaro
- O diário de campo como ferrramenta e dispositivo para o ensino, a gestão e a pesquisa. - Bruno mariani e Sérgio Carvalho
- Navegando no entre das instituições de ensino e serviços de saúde: uma carta náutica dos (des)encontros. - Rosana Garcia e Sérgio Carvalho
Parte III - Bons encontros - Sinais dos "estrangeiros"
- Considerações sobre a arte e a ciência da mudança: revolução das coisas e reforma das pessoas . O caso da saúde - Gastão W. Campos
- Enfrentar a lógica do processo de trabalho em saúde: um ensaio sobre a micropolítica do trabalho vivo em ato, no cuidado - Emerson Merhy
- Mapas analíticos: um olhar sobre: a organização e seus processos de trabalho - Tulio Franco e Emerson Merhy
- Novos perigos pó-desopitalização: controle a céu aberto nas práticas de atenção em saúde mental - Eduardo Passos e Joana Macedo
- Subjetividades contemporâneas, dispositivo grupal e saúde mental. - Regina Benevides
- O devir-criança e a cognição contemporânea - Virgínia Kastrup
- Pesquisa-intervenção como método, a formação como intervenção - Eduardo Passos e Ana Heckert
- Afirmando a potência de cirandar: cartografia dos processos de produção de saúde na docência - Maria Elizabeth Barros e Ana Paula Lousada
SABRINA FERIGATO
"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas que já têm a forma de nossos corpos e esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares.
É o tempo da travessia. E se não ousarmos fazê-la teremos ficado para sempre à margem de nós mesmos". (Fernando Pessoa)