sábado, 30 de outubro de 2010

DIVULGAÇÃO: Partido Alto sobre a bolinha de papel

No samba, o Partido Alto sobre a bolinha de papel (um novo armamento de guerra!)

Em: http://www.cartacapital.com.br/destaques_carta_capital/sambistas-fazem-partido-alto-sobre-a-bolinha-de-papel

DIVULGAÇÃO: Site oficial de Serra patrocina terrorismo eleitoral

Quando vi esse vídeo, imediatamente recorde do filme "Nós que aqui estamos por vós esperamos" (de Marcelo Masagão), que pinta na tela, uma perspectiva de "Era dos Extremos", de Eric Hobsbawm, e mostra como, para além dos personagens publicamente conhecidos, os personagens comuns produzem a história cotidianamente - fazendo, inclusive e, principalmente, a guerra e as ferramentas da guerra.
O prenúncio desse apocalipse mostra as escolhas da direita para tentar desenhar no imaginário das gentes, o terror - o terror que estaria do outro lado do seu balcão, maquiando o fato de que o terror, a guerrilha fascista (e não a revolucionária) e a barbárie estejam do seu próprio lado!
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Site oficial de Serra patrocina terrorismo eleitoral
Vídeo fez desta a campanha eleitoral mais suja que já assistimos.
Por Brizola Neto*
A colunista Eliane Catenhede referiu-se aos blogs pró-Dilma como “os cães da internet”.
José Serra chama-os de “blogs sujos”.
Quero saber o que irão falar do que a campanha de Serra – sim, a campanha de Serra, que colocava este blog “Vou de Serra 45″ na sua capa de seu site oficial – publica com o mais nítido sentido de terrorismo eleitoral, com uma produção que é evidentemente eleitoral.
Um vídeo chamado “2012, o fim está próximo” é um crime, sob todos os aspectos.
Figura o Brasil sob uma ditadura, até com ameaça de invasão de tropas estrangeiras.
Coisa de canalhas. Quem age assim, sob um regime democrático e às vésperas de uma eleição livre e democrática.
Pessoas assim, sim, são terroristas. Porque não estão lutando contra a tirania, estão lutando contra o voto livre da população, usando como arma o medo, a mentira e, sobretudo, a covardia.
Vou colocar o vídeo, repugnado. Porque ele está sendo publicado por dois dos grandes veículos de comunicação, O Globo e o Estadão, em seus portais, nas colunas Radar Online e no Noblat. E sem uma palavra de condenação. (atualização: postado também no corpo de O Globo).
Por isso publico, porque é necessário reagir, e não fingir que isso não é nada.
Foi por “não ser nada” que o nazismo se desenvolveu até ir ao poder.
Eu desconsideraria, se não tivesse sido publicado, como disse, sem uma palavra de condenação por dois órgãos de imprensa gigantescos, que, ao faze-lo, difundiram a centenas de milhares de pessoas o conteúdo do esgoto.
Sei que o assunto está no setor jurídico do PT.
Em nome da democracia, suplico que tomem uma atitude, já que se tornou inútil esperar que o Ministério Público Eleitoral aja.
Tem que haver limites para a baixaria e a sordidez.
Não se trata de reprimir a liberdade e o direito de crítica, consagrados na Constituição, vedado o anonimato.
O blog, mesmo sendo anônimo, encontrou abrigo na página da campanha de José Serra.
Assim, juridicamente, ele o subscreveu.
Não é um comentarista ou alguém que, informalmente, diz ali coisas exageradas.
É um trabalho profissional, não obra de amador. Foi postado num canal do youtube criado especialmente para isso, na quarta-feira.
Nunca pedimos ações contra garotos que fazem baixarias.
Coisa bem diferente é isso ser patrocinado pela campanha tucana.
Que fez, lamentavelmente, desta a campanha eleitoral mais suja que já assistimos.

Sobre o assunto, ver também:
Apocalipse tucano - Por Alberto Oliveira
O "fim do mundo" marca a mais nova peça da propaganda tucana usada nesta reta final de campanha. Sob o título “Dilma 2012 – O fim está próximo”, um vídeo de seis minutos, publicado no blog “Vou de Serra”, que dá apoio à candidatura do PSDB, ultrapassa – e muito – o tom alarmista que Regina Duarte imprimiu à campanha do ex-governador paulista em 2002.
Derrotada por Lula naquele ano, a campanha Serra ficou marcada por utilizar uma aparição da atriz, que disse na ocasião ter “medo” de um governo petista. A fala dela teve um impacto tão grande que os petistas recorreram a um antídoto publicitário, com o bordão “a esperança venceu o medo”.
Desta vez, o medo da campanha tucana deu lugar ao pavor. O pessoal do "Vou de Serra" caprichou na falta de bom senso, ao compilar todos os boatos contra Dilma que correm soltos na internet. Tirem as crianças da sala!
Em tempo: Diante da repercussão negativa do vídeo, o site oficial de José Serra tirou o blog "Eu Vou de Serra 45" da lista de sites parceiros. Logo depois, o vídeo foi tirado do próprio blog "Eu Vou de Serra 45".

DIVULGAÇÃO: Curso Introdução ao Pensamento de Michel Foucault

Apresentação - Este curso será dividido em diferentes módulos organizados em formato de grupo de discussão, a partir de leituras prévias de textos indicados, de modo a possibilitar o debate das idéias deste pensador e algumas de suas possíveis contribuições a diferentes campos do saber. Este primeiro módulo terá o objetivo de promover uma iniciação ao pensamento e a leitura de Foucault, através da discussão de como as noções de sujeito, subjetividade e verdade podem colaborar com as práticas de pesquisa no âmbito das ciências sociais, psicologia, educação, etc.
Dias 12, 19, 26 de nov. e 03 de dez.
Horário: Das 19h as 21h30min
Local: Sala 2243 do Prédio 74 – CCSH Campus
Carga Horária: 20 horas aula
Inscrições:
De 25 de out. a 05 de nov.
Informações sobre as inscrições pelo e-mail gepacsufsm@yahoo.com.br
Investimento: R$ 5,00
Programa
12 de nov. (sexta-feira) - A difícil sistematização – os três Foucault?
Domínios foucaultianos: O ser-saber, O ser-poder e O ser-consigo
19 de nov. (sexta-feira) - Domínios foucaultianos: O ser-poder
26 de nov. (sexta-feira) - Domínios foucaultianos: O ser-consigo
03 de dez. (sexta-feira) - Usos das idéias de Foucault na pesquisa

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

DIVULGAÇÃO: Rompendo a fronteira entre o social e o subjetivo

A entrevista que reproduzo a seguir tem nove anos. Lembro que circulou num material do CRP-SP, no Fórum Social Mundial de 2002 (se não me falha a memória) e eu arrecadei, tendo utilizado-a, em discussões com meus alunos, em sala de aula, o que rendeu boas e produtivas discussões. Foi publicada no Jornal de Psicologia do CRP-SP - ano 19 - número 129 - julho / agosto 2001, cujo tema geral era "A Lógica da Vingança".
Hoje, procurando outro escrito, reencontro a entrevista no sítio do CRP-SP e, tendo recebido muitos vídeos e escritos fascistas-pró-Serra durante a semana, em função do momento precioso que estamos vivendo nesta semana eleitoral, reproduzo-a, aqui, para assinalar algumas coisas que acredito que seja importante darmos mais uma olhada por esses dias. Aí vai!
Diálogos - Rompendo a fronteira entre o social e o subjetivo
Ela suscita imagens inusitadas, como guerreira, bailarina ou uma pororoca em que diferentes águas se misturam em permanente turbulência.
Multidisciplinar, a psicanalista, psicóloga e cientista social Suely Rolnik vem se especializando em romper fronteiras estéticas e conceituais - além de geográficas.
Viveu na França por dez anos - de 1970 a 1979 - , quando trabalhou com Félix Guattari, psicanalista e ativista político falecido em 1992, e Gilles Deleuze, filósofo, morto em 1995. Nos últimos tempos, seu nome vem sendo cada vez mais vinculado ao território das artes plásticas, trabalho inaugurado com uma tese de mestrado sobre Lygia Clark, em 1978. De tudo isso ela relata nessa entrevista a Regina Favre, filósofa e psicoterapeuta corporal; Regina Neri, psicanalista; Carmela Gross, artista plástica e professora da Pós-graduação da ECA, e Peter Pelbart, filósofo e professor do Núcleo de Estudos da Subjetividade da PUC-SP.
Regina Neri - Nos encontramos em Paris, nos anos 60; o denominador comum entre a gente, naquele momento, era a recusa a uma espécie de clivagem entre dois discursos - o político e o subjetivo -, como sendo duas coisas separadas. Queria que você dissesse do seu encontro com o Gilles Deleuze e Félix Guattari, que lhe abre esse caminho e determina o seu percurso, nos anos 80, voltando ao Brasil...
Suely Rolnik - Essa relação entre a subjetividade e a política marcou a nossa geração. Naquela época, ainda no Brasil, eu fazia Ciências Sociais e então estava ligada ao marxismo, mas ao mesmo tempo vivia intensamente a contracultura. Sou de uma geração nascida da família "Papai Sabe Tudo", dos anos 50, apogeu de um certo tipo de subjetividade, o chamado "sujeito moderno", que se organizava à base da ilusão de que você pode controlar as turbulências da vida, submetê-la a um modelo, planejar o futuro... O preço para manter essa ilusão, essa alucinação metafísica, é deixar anestesiada uma dimensão da subjetividade na qual, efetivamente, você é tocado pelo outro, seja ele homem, animal, uma obra de arte, uma paisagem etc; enfim, uma dimensão na qual se dá toda a experiência essencial que a gente tem a partir de como somos afetados pelo outro. Nessa família burguesa, hollywoodiana, você não tinha possibilidade de viver essa dimensão, ela não respirava. Naquele momento, quando nos tornamos adolescentes, era intolerável viver daquele jeito, era a morte. Então, rompemos radicalmente, num movimento coletivo, amplo, planetário em que tínhamos toda uma rede de sustentação e de legitimação. Por um lado, uma parte da juventude investiu maciçamente na militância - em particular na América Latina, mas não só -, em movimentos de guerrilha. Outra parte da juventude partiu para a contracultura. Eu vivia na fronteira disso, não me encaixava totalmente em nenhum dos dois. No marxismo, encontrava a possibilidade de uma consciência política, contudo isso estava totalmente dissociado da experiência cotidiana: o modo de viver, de organizar as relações amorosas, a própria subjetividade. Pelo ponto de vista de uma política da subjetividade e dos modos de existência, a militância propunha uma vida inteiramente careta, com patrulha ideológica em cima de qualquer experimentação afetiva, erótica, existencial. Era pior do que a família "Papai Sabe Tudo". Já na contracultura se vivia essa experimentação intensamente, uma coragem que só se sustenta num movimento coletivo, era uma experiência tão radical que muitas vezes beirava a morte. Só que nessa experimentação não existia uma consciência política da realidade nem uma elaboração teórica a respeito do que se estava vivendo. Eu tinha uma convicção profunda de que não dava para separar uma coisa da outra, mas não tinha nenhum campo coletivo que legitimasse essa minha indagação. Aliás, tratei bastante disso em meu segundo livro, o "Cartografia Sentimantal", que foi minha tese de doutorado.
Peter Pelbart - Você para mim é como uma pororoca... Que águas são essas que se misturam em você e como é viver essa turbulência ao longo dos anos?
Suely - Desde sempre foi assim. Acho que é uma inquietação que vem do modo como vivo as coisas. O outro para mim não é só alguém que você respeita, numa atitude politicamente correta de democrata. O outro é alguém que lhe tira do lugar, que lhe faz viver algo que não se encaixa no que você dispõe como mapa e lhe leva a criar sentido, a se recriar. Essa exposição afetiva ao outro e essa necessidade de criar para dar conta do que acontece como experiência com o outro precisa de uma rede de sustentação, porque ninguém cria mundos sozinho. Muita gente pirou naquele tempo porque não encontrou essa rede. Tive a sorte de encontrar esses seres estranhos que insistem em estar o mais vivos possível e que são sempre minoritários. Encontrei uma rede de ressonância logo que cheguei a Paris, pois o movimento de maio de 68 na época ainda pulsava intensamente nas pessoas de minha geração e não só. Depois houve também os encontros que fui fazendo desde o início com a filosofia de Deleuze, de Foucault, a clínica de Guattari, a antropologia de Pierre Clastres, a arte de Lygia Clark, e o privilégio de conviver com eles todos, com exceção de Foucault que não conheci pessoalmente.
Fui circulando pelos vários campos, mas não como quem quer constituir um arquivo de erudição, e sim como quem quer encontrar uma rede de aliados para sustentar uma atitude. Encontrava e continuo encontrando operadores conceituais e práticos em cada um desses campos, para ir avançando nessa história. É uma pororoca, porque muitas linhas se cruzam para tecer essa rede de sentido e isso me dá muito tesão. Hoje estou querendo criar um ritmo entre essa turbinação incansável e o aconchego do repouso. Mas é mais um desses enigmas sensíveis que me sinto compelida a destrinchar, um desejo para o qual tenho de dar corpo, e de novo me vejo lançada à busca dos aliados com os quais criarei esse corpo...
Carmela Gross - Você faz uma ponte entre filosofia, psicanálise e artes plásticas em seu trabalho, principalmente - pelo menos no começo - naquele sobre a Lygia Clark. Eu queria que você contasse um pouco desse seu modo híbrido de pensar a arte.
Suely - Quando eu cheguei a Paris, fragilizada, quase morta, conheci Lygia Clark, que estava morando lá naquela época e eu nem sabia quem ela era, até então. Ela tinha sido a prima-dona da arte brasileira, enquanto artista moderna. Ficou conhecidíssima, foi uma das primeiras artistas brasileiras com um reconhecimento internacional. Em 1963, deu uma guinada e começou uma experimentação radical, que a deixou muito isolada. Quando em 1968 fui fazer a minha tese em Ciências Humanas Clínicas, em Paris VII, Lygia me pediu que fizesse sobre seus últimos trabalhos. Ela tinha a idade que eu tenho hoje, 53 anos; eu tinha vinte e poucos, e ela intuiu que pelo fato de eu estar envolvida com o pensamento de Deleuze e Guattari, e ao mesmo tempo trabalhar com psicóticos, haveria uma possibilidade de elaboração teórica do que ela estava fazendo. Mergulhei nessa história e fiz a tese, mas não quis publicar esse trabalho e fiquei muitos anos sem mexer com isso depois.
Voltei a reencontar a arte em 1994. O que tem-se passado entre a arte e mim é que encontro no trabalho de certos artistas a convocação de uma região da minha alma que está ali, insipiente, pedindo crescimento e que, ao compor-se com aquela obra, ganha uma oportunidade de tomar consistência. Quando me ponho a escrever, aquilo que aquele encontro me proporcionou ganha corpo num trabalho conceitual. O artista proporcionou a abertura dessa região em mim e, quando eu transformo isso em texto, também estou devolvendo para o artista em conceito alguma coisa que está na obra dele, uma versão conceitual daquela mesma coisa que ele materializou na obra. Não é que o crítico ou aquele que escreve sobre arte pense pelo artista, como se ele não pensasse, não é isso. São companheiros de viagem, cada um traduzindo aquela região da alma em determinada mídia do pensamento: uma conceitual, outra visual. Na arte, o meu maior prazer, além de encontrar no artista algo de que estou precisando, é essa contrapartida de também lhe dar algo que lhe permita avançar, ou que permita avançar um terceiro, em outra direção ainda. É um diálogo invisível entre muitos, aquela rede de sentido que vai se tecendo. E o que tem acontecido de uns anos para cá é que eu tenho me concentrado completamente nesse campo, que não está desvinculado da Psicanálise, pelo contrário, no meu entender a cura consiste em legitimar na alma de quem está se tratando a abertura para esse exercício de escuta daquilo que está pedindo passagem no sensível. Eu continuo com consultório e trabalho com muito prazer. O que a gente, tradicionalmente, faz em psicoterapia é lidar apenas com a construção fantasmática, que é conseqüência dessa dissociação do sensível que se consolidou nos séculos XVII e XVIII, com a formação do tal sujeito moderno. Curar é desfazer essa dissociação, não só desconstruindo a fantasmática, mas, sobretudo, fazendo da relação terapêutica uma rede de sustentação dessa atitude, como aquelas redes de que falamos há pouco.
Neri - Ao religar a arte à vida, Ligia não estaria propondo igualmente fazer da vida uma obra de arte - Você não acha que a formulação de Deleuze, do pensamento como invenção de novas formas de vida, quebra as fronteiras entre o saber, a estética e a vida?A psicanálise pode ser vista como operadora de um devir criativo singular?
Suely - Sou psicanalista, continuo me chamando assim e tenho boas razões para isso... No fim do século XIX, Freud ouviu o que estava explodindo no corpo das histéricas; foi na mulher que aquele modo de viver dissociado passou a ser absolutamente intolerável, e essa experiência intensiva, sensível, explodiu por meio da histeria. Freud, que vinha da psiquiatria, mas ao mesmo tempo tinha toda uma formação cultural, filosófica, teve a coragem de ouvir aquele estouro, não como uma forma de explosão simplesmente neurológica, orgânica, mas como expressão de algo que deveria ser ouvido.
Para isso, inventou a psicanálise, porque até então não existia nada em medicina para tratar a doença da subjetividade propriamente dita que, na época, era decorrente da decadência do sujeito moderno, que não dava mais conta da experiência social que se vivia. Acontece que a psicanálise em sua história se esqueceu disso, que, para mim, é o que a define, e tomou as teorias criadas na época, que diziam respeito àquilo que estava sendo elaborado naquele momento, como a verdade sobre o sujeito. Quando digo que sou psicanalista, o digo como quem considera que a clínica é uma intervenção em processo histórico, social, cultural.Uma intervenção específica, que trabalha a engrenagem desse processo na própria subjetividade. Não existe mudança político-social se não se mudar a engrenagem na subjetividade.
Nossa função é abrir campo para aquilo que está rachando na subjetividade, aquilo que está lá em germe, para que ganhe consistência em palavras, corpo, modos de vida. Então concordo com você que a dimensão estética é intrínseca à clínica. Nesse sentido, chamo de estética a criação de uma forma - seja ela conceitual, visual, existencial - que dê conta, materialize aquilo que está em germe no sensível.
Neri - Você acha que a psicanálise - ou pelo menos certa psicanálise - já é defunta ou ela tem ainda possibilidade de intervir em relação ao processo de subjetivação contemporâneo?
Suely - O trabalho com a subjetividade permanece uma atividade humana fundamental nesse momento histórico. Talvez se dissolva em outros momentos históricos. Hoje, a subjetividade ainda está marcada pelo moderno, por essa dissociação que tem efeitos tão nefastos... essa forma de relação perversa em que o outro não existe enquanto outro e é um objeto a ser instrumentalizado que chegou a um grau extremo com o neoliberalismo. O outro não tem existência própria nenhuma, não há nenhuma relação afetiva, o outro não é alguém com quem se constrói o mundo; não existe nem mesmo respeito pela existência do outro, que é o mínimo que se poderia esperar.. Esse tipo de relação perversa está absolutamente alastrada, como um valor. No neoliberalismo, isso piorou tanto que ainda serão necessárias décadas, talvez séculos de trabalho com a subjetividade. Penso que o que prevalece na psicanálise é uma confusão entre teoria e atitude psicanalítica, que consiste naquilo que Freud fazia - escutar o que está pedindo passagem e criar as condições para que aquilo tome corpo; a teoria é um exercício de criação que acompanha essa tomada de consistência de um território como uma de suas ferramentas, sua cartografia conceitual. Essa é a atitude psicanalítica que Freud nos legou. Em vez disso, o que predomina não é uma identificação com essa atitude mas com a teoria que ele nos legou, então a prática psicanalítica vira uma "aplicação" de teoria sobre esse campo informe que se abre na experiência analítica, abafando seu poder de convocação da força criadora. Ora, a teoria tomada como um sistema fechado de verdade é uma traição àquilo que há de mais disruptivo na psicanálise, disruptivo em relação ao modo de lidar com os sintomas da Medicina, ao modo de fazer teoria da filosofia, à estratégia de gestão da subjetividade. Então, há uma militância política no campo da psicanálise que se faz necessária.
Regina Favre - A gente se conheceu em 1979, quando você retornava ao Brasil e, de repente, me revive mais uma vez a rebeldia. Aquele momento, com os encontros com Guattari que se seguiram, foi fervilhante como um novo 1968. Recorde essa fase...
Suely - Voltei para o Brasil, quando senti que algo voltava a ser possível aqui. Isso eu devo ao Tunga, a quem conheci em Paris, nessa época. Ele estava começando sua obra. Voltei sem preparar nada. Não programei, não pensei, não elaborei. E posso dizer que não houve nenhum minuto, nenhum segundo da minha vida em que tenha me arrependido de ter voltado, embora adore Paris. Imediatamente, fui contratada pela PUC. No começo eu dava aulas na pós de psicologia social e de psicologia clínica, encontrei um campo enorme de demanda para aquilo que eu trazia. Eu vinha de uma experiência ainda quente, que era a Rede Internacional de Alternativas à Psiquiatria, movimento que teve início nos anos 70, em Paris, que congregava inúmeras práticas de transformação radical da psiquiatria que estavam acontecendo naquele momento. Participavam dessa rede, Guattari e a experiência de La Borde, com todas as ramificações disso na França, Mony Elkaïm no campo da Terapia Familiar, Franco Basaglia e a experiência da Psiquiatria Democrática na Itália, Lang, Cooper, e as comunidades terapêuticas da Inglaterra, Robert Castel etc. Um novo tipo de atitude estava presente na psiquiatria da Europa inteira e, então, formamos uma rede de ligação dessas várias vivências, que virou um movimento importante e revolucionou a psiquiatria. Eu cheguei ao Brasil ainda a dez mil por hora e trouxe a notícia desse movimento para cá. Vim com um tal entusiasmo que acharam que, por trás de mim, havia um partido enorme e fizeram tudo para me seduzir, para que eu contasse qual era esse partido; e não havia nenhum partido. Eu era muito amiga do Guattari. No início, eu freqüentei o seminário de Deleuze, depois trabalhei com Guattari em La Borde e nos tornamos muito amigos. Então, cheguei ao Brasil e trouxe o Guattari logo na seqüência. Ele veio sete vezes ao Brasil naquela época. Foram os últimos quatorze anos de sua vida. O tesão da vida dele era estar nos lugares onde historicamente estivesse se processando uma revolução desse tipo, se aliar e dar sustentação a essa atitude, e evidentemente, avançar em suas elaborações nesses encontros. E estávamos vivendo aqui o processo de redemocratização. Ele veio em 1982, quando foi fundado o PT, uma coisa absolutamente inédita no mundo, porque congregava todas as forças criadoras da sociedade brasileira. Dali poderia sair alguma coisa. Organizei uma viagem a cinco estados do Brasil. E a gente viajou pelo Brasil, discutindo dia e noite com aqueles movimentos emergentes de toda espécie, os diferentes grupos de minorias, as rádios livres, diferentes núcleos do PT etc. Tudo foi gravado e rendeu 700 páginas com base nas quais escrevi nosso livro. Está na sexta edição e no ano que vem sai nos Estados Unidos. O que Guattari adorava, no Brasil, e que ele não encontrava em lugar algum, só aqui e no Japão, era uma subjetividade maleável para essa passagem, um modo de organização da subjetividade que desde minha tese, em 87, chamo de antropofágico.
Carmela - Se o que artista produz está em sintonia com esse viver estético, como é que fica o coletivo?
Suely - Durante muito tempo, eu ficava esperando o gran finale. No tempo em que eu era mais romântica, que eu era mais 68. Todos temos uma alma 1968 que nos une, uma experiência que marcou a todos nós, para sempre. Mas hoje consigo separar o bebê da água do banho. O bebê de 68 é esse profundo compromisso com a vida e essa alegria quando a maré sobe. A maré sobe quando o compromisso com a vida ganha de novo legitimidade no coletivo e está no poder, de alguma forma, mesmo que não seja no governo. Está no poder por estar legitimado amplamente no campo social. O ano de 1968 foi um desses momentos e por isso é uma experiência que a gente nunca vai esquecer, havia um lado romântico. A gente ainda acreditava no gran finale, que não era o Olimpo das formas puras de Platão, mas era a sociedade revolucionária do marxismo ou aquela comunidade dos irmãos da contracultura, em que tudo iria desembocar um dia e nunca mais as "forças do mal" iriam vencer. Ainda éramos muito metafísicos. Essa é a água do banho que tivemos de jogar fora. Hoje, penso diferente. Foi essa a lição que Nietzsche deixou, mas que demorou muito para entranhar. Acredito mesmo que a vida é um campo de forças como ele nos ajudou a ver, desde aquela vida mais grosseirinha até aquela mais reluzente. Grosseiro e reluzente não têm a ver nem com rico ou pobre, nem com culto e inculto. Têm a ver com atitude. Vida grosseira é a do homem que só se guia pelas representações, que quer conservar as formas vigentes e que não agüenta as mutações porque acha que a vida morre quando se transforma. Vida reluzente é essa que a gente traz de 1968, que se pauta no amor pela vida e, portanto, por suas turbulentas florações. Toda vez que a vida está explodindo, pedindo passagem, é preciso fazer passar, ser cavalo dessa passagem, como no Candomblé. Mas sempre há também os que se sentem ameaçados, que querem barrar essa passagem. A vida é essa belíssima guerra de forças infinitas. Então, não espero mais que um dia a maré vá subir para sempre.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

DIVULGAÇÃO: Na era da psicocracia

Na era da psicocracia - Artigo de Roberto Esposito
Depressão, anorexia, estresse, insônia: doenças típicas dos países ricos, que agora o Ocidente começou a "exportar". O elenco dos sintomas se prolonga sempre mais. Todo comportamento individual é catalogado. Qualquer um pode ser reconhecido como afetado por uma patologia. E a indústria dos distúrbios mentais tem necessidade de novos "clientes". Com o risco de que o pensamento único sobre a psique normalize o mundo.
A análise é do filósofo italiano Roberto Esposito, em artigo para o jornal La Repubblica, 23-10-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Perguntaram ao que estava morrendo de sede se não lhe perturbava o gotejar da cela vizinha, e prometeram remediar"; "Complementares aos tecnocratas, os psicocratas". Quem sabe se, quando escreveu esses duros fragmentos, Paul Celan – de quem a editora Einaudi recém traduziu uma nova coleção de poesias com o título "Oscurato" (organizado por Dario Borso e com um ensaio de Giorgio Orelli) – teria imaginado uma rápida extensão planetária do que lhe cabia experimentar em primeira pessoa.
Porque é justamente um crescente poder sobre as mentes, complementar ao dos corpos, que sempre mais se afirmando por meio de processos geralmente referentes à categoria da biopolítica.
Ethan Watters, em um ensaio intitulado "Pazzi come noi. Depressione, anoressia, stress: malattie occidentali da esportazione" [Loucos como nós. Depressão, anorezia: doenças ocidentais de exportação], já indicado nestas páginas por Massimo Ammaniti, e agora traduzido ao italiano pela editora Bruno Mondadori, reconheceu a sua fenomenologia em uma espécie de globalização de distúrbios mentais inicialmente diagnosticados nos Estados Unidos e dali exportados ao resto do mundo com um efeito de contágio irrefreável.
Estudando a mudança da percepção de determinadas doenças da mente, em um primeiro momento catalogadas segundo os parâmetros culturais dos países interessados – da China à Tanzânia –, Watters observa como, em um certo ponto, a sua definição se homologa à ocidental sob o estímulo de poderosas campanhas publicitárias promovidas pelas grandes indústrias farmacêuticas.
O que se difunde, como em uma verdadeira epidemia – cujos vírus são os nossos próprios modos de pensar –, é uma cadeia de consequências, simbólicas e reais, com base nas quais não apenas a doença em questão muda de rosto, mas acaba penetrando também em espaços socioculturais onde antes não tinha acesso, como se os anticorpos socioculturais que até agora os haviam protegido cedessem de repente.
Uma vez que os doentes podem conferir aos seus sintomas uma definição aparentemente objetiva – derivada dos protocolos oficiais elaborados comumente nos EUA, como o onipresente DPM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Distúrbios Mentais) –, eles se sentem autorizados a projetar seus próprios problemas pessoais em algo mais forte do que eles, que ao mesmo tempo os assujeita e os legitima como sujeitos daquele mal.
Não é difícil aproximar essas dinâmicas àquilo que filósofos contemporâneos como Foucault e Deleuze definiram com o termo "dispositivo", entendendo com isso um aparato voltado a controlar e modificar as atitudes mentais ou as ações de determinados indivíduos – não forçando-os de fora, mas tornando-os, eles mesmos, partícipes de seu próprio assujeitamento.
Desse ponto de vista, a sociedade contemporânea é um grande corpo, atravessado por um número crescente de dispositivos destinados a caracterizar as nossas ideias e orientar os nossos comportamentos com base em interesses dos quais já é difícil localizar sua proveniência. Isso não exclui que a medicina constitua um dos seus traços mais típicos, porque representa precisamente o ponto de contato e de crescente distinção entre a esfera do corpo e a esfera da alma, ou como se quiser chamar aquilo que excede o âmbito da mera biologia.
Não por acaso a direção sempre mais mirada que os atuais processos de medicalização vão assumindo é a de um esmagamento progressivo do psíquico sobre o corpóreo. Assim, aquilo que inicialmente era diagnosticado como um transtorno de caráter pessoal ou social é sempre mais tratado com instrumentos químicos.
Como atestado por numerosos estudos – como o de Philippe Pignarre em "L'industria della depressione" [A indústria da depressão], traduzido há pouco tempo pela Bollati Boringhieri, ou "Manufacturing Depression", de Gary Greenberg –, os verdadeiros motivos do crescimento exponencial da síndrome depressiva, tão difundida quanto as doenças cardiovasculares, devem ser localizadas não em fatores de ordem sociológica ou clínica, mas no uso dos mesmos psicofármacos que pretendem combatê-la. Isso ocorre por meio daquela espécie de círculo vicioso, implícito no protocolo médico oficial, que define como depressão "aquela vasta área de transtornos psíquicos curáveis com os antidepressivos".
É evidente que, uma vez configurada a doença com base na terapia, esta, enquanto a trata, é destinada a reproduzi-la para se autoproduzir, estendendo-se a zonas sempre mais amplas da sociedade. Tudo isso, para as indústrias farmacêuticas e para aqueles médicos que se tornam sempre mais seus simples terminais operativos, amplia a lista dos sintomas, até o ponto de também compreender entre eles fenômenos reciprocamente contrários, como o apetite excessivo e a inapetência, a inquietação e a exaustão, a impotência e a dependência do sexo.
Nesse ponto, bem poucos indivíduos podem se isentar de uma catalogação potencialmente extensível a todos. E, de fato, é justamente essa a tendência hipertrófica das campanhas de sensibilização contra, mas, na realidade, funcionais, à difusão da síndrome. O cardiologista Marco Bobbio, em um livro intitulado "Il malato immaginario. I rischi di una medicina senza limiti" [O doente imaginário. Os riscos de uma medicina sem limites], editado pela Einaudi e já resenhado neste jornal por Maria Novella De Luca, lembra como a Itália detém o recorde europeu de consumo de remédios per capita e o mais alto número de médicos por determinadas taxas de cidadãos, apesar de que os cortes progressivos no sistema de saúde coloquem em questão o bem-estar, talvez negando uma TAC [tomografia axial compturizada] a quem verdadeiramente tenha necessidade dela.
É uma outra forma daquela biopolítica dos corpos e das almas às quais estamos sujeitos há muito tempo – no duplo sentido de que somos seus produtos e produtores: o "hipersalutismo" propagandeado pela mídia, como novo objetivo de uma vida sempre mais longa e feliz, vai ao encontro da hipocondria crescente de camadas sempre mais amplas da população. O que une, sobrepondo-os, esses dois impulsos é a ideia da queda de todo limite para um homem que evita o seu destino de finitude.
Essa "psicocracia" que assustava Paul Celan antes de se suicidar já se tornou uma biocracia completa, em que mente e corpo são ao mesmo tempo o objeto e o que está em jogo em uma partida da qual sempre é mais difícil conhecer os jogadores, mas da qual é necessário tomar consciência. Não para procurar, em vão, detê-la, mas pelo menos para compreender sua lógica e avaliar suas consequências.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

DIVULGAÇÃO: Curso Redução de Danos: ferramenta para atuação no campo das drogas

Curso Redução de Danos:
ferramenta para atuação no campo das drogas
UNIVERDSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE EDUCAÇÃO
LABORATÓRIO DE CIÊNCIAS E QUÍMICA DO CENTRO DE EDUCAÇÃO
Projeto Ítaca: redução de danos como ferramenta para práticas intersetoriais

Curso de formação:
Redução de Danos: ferramenta para a atuação no campo das drogas
Se partires um dia rumo a Ítaca,
faz votos de que o caminho seja longo,
repleto de aventuras, repleto de saber.
K. Kaváfis
Ao ingressarmos em um curso universitário temos, sem dúvida, uma compreensão sobre drogas. Com que compreensão saímos da Universidade e iniciamos a vida profissional?
A constatação de que raramente os cursos universitários dão oportunidade de pensar e produzir conhecimento sobre esse assunto animou o Grupo Ítaca, com o apoio da UFSM e do Ministério da Saúde, a propor um curso oferecido por trabalhadores em Redução de Danos do Rio Grande do Sul a partir das suas práticas relacionadas ao uso de drogas e o papel destas na vida de pessoas e comunidades.
Grupo Ítaca:
Guilherme Corrêa
Flávia Costa da Silva
Cláudia Valéria Magalhães
Douglas Casarotto de Oliveira
Alexandra Porazzi

Programa do curso
19/11/2010 das 09 às 18h – Auditório do Hotel Morotin (centro)
Manhã:
Apresentação do curso e dos formadores - Guilherme Corrêa
Drogas, Educação e Política - Thiago Rodrigues (UFF/RJ) e Guilherme Corrêa (UFSM/RS)
Tarde:
Contextualização da Redução de Danos no cenário das políticas públicas de saúde – histórico, atualidade e potências da RD - Representante do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais – Ministério da Saúde/ Representante da Política Nacional de Saúde Mental – Ministério da Saúde
25/03/2011 das 09 às 18h – Audimax (auditório do Centro de Educação – UFSM)
Redução de Danos: noção de drogas em movimento - Douglas Casarotto de Oliveira e Alexandra Porazzi
Redutor de Danos em campo - Fabio Souza e Elizandro Farias
Arteiros: Crianças, jovens e usos de drogas - Carlos Guarnieri e Éderson Edenir Ferreira
Redução de Danos: uma clínica fora de si - Cláudia Valéria Magalhães
31/03/2011 das 19 às 22h – Audimax (auditório do Centro de Educação – UFSM)
As drogas como problema no contemporâneo I
08/04/2011 das 09 às 18h – Audimax (auditório do Centro de Educação – UFSM)
Redução de Danos – práticas e ferramentas - Silvia Borges e João Carlos Sobrosa
Duas máquinas: vida como falta, vida como excesso - Guilherme Corrêa e Flávia Costa da Silva
Transpassando fronteiras - Osvaldo Carvalho, Gigliola Gonçalves e Felipe Bitencourt
Redução de Danos como modo de vida - contágio e subjetivação - Maria Luiza Diello e Maristane Kauffmann
14/04/2011 das 19 às 22h - Audimax (auditório do Centro de Educação – UFSM)
As drogas como problema no contemporâneo II
29/04/2011 das 09 às 18h - Audimax (auditório do Centro de Educação – UFSM)
Noção de campo(s) na Redução de Danos - Elissandra Siqueira e Leonardo Kozoroski
Redução de Danos e o Direito à Saúde - Rose Mayer, Manoel Mayer e Ricardo Charão
Roda de conversa: redução de danos e práticas intersetoriais
05/05/2011 das 19 às 22h - Audimax (auditório do Centro de Educação – UFSM)
As drogas como problema no contemporâneo III
Carga horária: 60h - certificado pela UFSM
Inscrições gratuitas via e-mail: projetoitaca@gmail.com
Vagas limitadas
Dados para a inscrição:
nome completo:
endereço completo:
telefone:
e-mail:
estudante: sim ( ) não ( )
curso:                                                         grad ( ) pós grad ( )
instituição:
atuação profissional/instituição:

terça-feira, 26 de outubro de 2010

DIVULGAÇÃO: POST-SCRIPTUM SOBRE AS SOCIEDADES DE CONTROLE

POST-SCRIPTUM SOBRE AS SOCIEDADES DE CONTROLE
Por: GILLES DELEUZE*
I. HISTÓRICO
Foucault situou as sociedades disciplinares nos séculos XVIII e XIX; atingem seu apogeu no início do século XX. Elas procedem à organização dos grandes meios de confinamento. O indivíduo não cessa de passar de um espaço fechado a outro, cada um com suas leis: primeiro a família, depois a escola ("você não está mais na sua família"), depois a caserna ("você não está mais na escola"), depois a fábrica, de vez em quando o hospital, eventualmente a prisão, que é o meio de confinamento por excelência. É a prisão que serve de modelo analógico: a heroína de Europa 51 pode exclamar, ao ver operários, "pensei estar vendo condenados...". Foucault analisou muito bem o projeto ideal dos meios de confinamento, visível especialmente na fábrica: concentrar; distribuir no espaço; ordenar no tempo; compor no espaço-tempo uma força produtiva cujo efeito deve ser superior à soma das forças elementares. Mas o que Foucault também sabia era da brevidade deste modelo: ele sucedia às sociedades de soberania cujo objetivo e funções eram completamente diferentes (açambarcar, mais do que organizar a produção, decidir sobre a morte mais do que gerir a vida); a transição foi feita progressivamente, e Napoleão parece ter operado a grande conversão de uma sociedade à outra. Mas as disciplinas, por sua vez, também conheceriam uma crise, em favor de novas forças que se instalavam lentamente e que se precipitariam depois da Segunda Guerra mundial: sociedades disciplinares é o que já não éramos mais, o que deixávamos de ser.
Encontramo-nos numa crise generalizada de todos os meios de confinamento, prisão, hospital, fábrica, escola, família. A família é um "interior ", em crise como qualquer outro interior, escolar, profissional, etc. Os ministros competentes não param de anunciar reformas supostamente necessárias. Reformar a escola, reformar a indústria, o hospital, o exército, a prisão; mas todos sabem que essas instituições estão condenadas, num prazo mais ou menos longo. Trata-se apenas de gerir sua agonia e ocupar as pessoas, até a instalação das novas forças que se anunciam. São as sociedades de controle que estão substituindo as sociedades disciplinares. "Controle" é o nome que Burroughs propõe para designar o novo monstro, e que Foucault reconhece como nosso futuro próximo. Paul Virillo também analisa sem parar as formas ultrarápidas de controle ao ar livre, que substituem as antigas disciplinas que operavam na duração de um sistema fechado. Não cabe invocar produções farmacêuticas extraordinárias, formações nucleares, manipulações genéticas, ainda que elas sejam destinadas a intervir no novo processo. Não se deve perguntar qual é o regime mais duro, ou o mais tolerável, pois é em cada um deles que se enfrentam as liberações e as sujeições. Por exemplo, na crise do hospital como meio de confinamento, a setorização, os hospitaisdia, o atendimento a domicílio puderam marcar de início novas liberdades, mas também passaram a integrar mecanismos de controle que rivalizam com os mais duros confinamentos. Não cabe temer ou esperar, mas buscar novas armas.
II. LÓGICA
Os diferentes internatos ou meios de confinamento pelos quais passa o indivíduo são variáveis independentes: supõe-se que a cada vez ele recomece do zero, e a linguagem comum a todos esses meios existe, mas é analógica. Ao passo que os diferentes modos de controle, os controlatos, são variações inseparáveis, formando um sistema de geometria variável cuja linguagem é numérica (o que não quer dizer necessariamente binária). Os confinamentos são moldes, distintas moldagens, mas os controles são uma modulação, como uma moldagem auto-deformante que mudasse continuamente, a cada instante, ou como uma peneira cujas malhas mudassem de um ponto a outro. Isto se vê claramente na questão dos salários: a fábrica era um corpo que levava suas forças internas a um ponto de equilíbrio, o mais alto possível para a produção, o mais baixo possível para os salários; mas numa sociedade de controle a empresa substituiu a fábrica, e a empresa é uma alma, um gás. Sem dúvida a fábrica já conhecia o sistema de prêmios mas a empresa se esforça mais profundamente em impor uma modulação para cada salário, num estado de perpétua metaestabilidade, que passa por desafios, concursos e colóquios extremamente cômicos. Se os jogos de televisão mais idiotas têm tanto sucesso é porque exprimem adequadamente a situação de empresa. A fábrica constituía os indivíduos em um só corpo, para a dupla vantagem do patronato que vigiava cada elemento na massa, e dos sindicatos que mobilizavam uma massa de resistência; mas a empresa introduz o tempo todo uma rivalidade inexpiável como sã emulação, excelente motivação que contrapõe os indivíduos entre si e atravessa cada um, dividindo-o em si mesmo. O princípio modulador do "salário por mérito" tenta a própria Educação nacional: com efeito, assim como a empresa substitui a fábrica, a formação permanente tende a substituir a escola, e o controle contínuo substitui o exame. Este é o meio mais garantido de entregar a escola à empresa.
Nas sociedades de disciplina não se parava de recomeçar (da escola à caserna, da caserna à fábrica), enquanto nas sociedades de controle nunca se termina nada, a empresa, a formação, o serviço sendo os estados metaestáveis e coexistentes de uma mesma modulação, como que de um deformador universal. Kafka, que já se instalava no cruzamento dos dois tipos de sociedade, descreveu em O processo as formas jurídicas mais temíveis: a quitação aparente das sociedades disciplinares (entre dois confinamentos), a moratória ilimitada das sociedades de controle (em variação contínua) são dois modos de vida jurídicos muito diferentes, e se nosso direito, ele mesmo em crise, hesita entre ambos, é porque saímos de um para entrar no outro. As sociedades disciplinares têm dois pólos: a assinatura que indica o indivíduo, e o número de matrícula que indica sua posição numa massa. É que as disciplinas nunca viram incompatibilidade entre os dois, e é ao mesmo tempo que o poder é massificante e individuante, isto é, constitui num corpo único aqueles sobre os quais se exerce, e molda a individualidade de cada membro do corpo (Foucault via a origem desse duplo cuidado no poder pastoral do sacerdote - o rebanho e cada um dos animais - mas o poder civil, por sua vez, iria converter-se em "pastor" laico por outros meios). Nas sociedades de controle, ao contrário, o essencial não é mais uma assinatura e nem um número, mas uma cifra: a cifra é uma senha, ao passo que as sociedades disciplinares são reguladas por palavras de ordem (tanto do ponto de vista da integração quanto da resistência). A linguagem numérica do controle é feita de cifras, que marcam o acesso à informação, ou a rejeição. Não se está mais diante do par massa-indivíduo. Os indivíduos tornaram-se "dividuais", divisíveis, e as massas tornaram-se amostras, dados, mercados ou "bancos".
É o dinheiro que talvez melhor exprima a distinção entre as duas sociedades, visto que a disciplina sempre se referiu a moedas cunhadas em ouro - que servia de medida padrão -, ao passo que o controle remete a trocas flutuantes, modulações que fazem intervir como cifra uma percentagem de diferentes amostras de moeda. A velha toupeira monetária é o animal dos meios de confinamento, mas a serpente o é das sociedades de controle. Passamos de um animal a outro, da toupeira à serpente, no regime em que vivemos, mas também na nossa maneira de viver e nas nossas relações com outrem. O homem da disciplina era um produtor descontínuo de energia, mas o homem do controle é antes ondulatório, funcionando em órbita, num feixe contínuo. Por toda parte o surf já substituiu os antigos esportes.
É fácil fazer corresponder a cada sociedade certos tipos de máquina, não porque as máquinas sejam determinantes, mas porque elas exprimem as formas sociais capazes de lhes darem nascimento e utilizá-las. As antigas sociedades de soberania manejavam máquinas simples, alavancas, roldanas, relógios; mas as sociedades disciplinares recentes tinham por equipamento máquinas energéticas, com o perigo passivo da entropia e o perigo ativo da sabotagem; as sociedades de controle operam por máquinas de uma terceira espécie, máquinas de informática e computadores, cujo perigo passivo é a interferência, e o ativo a pirataria e a introdução de vírus. Não é uma evolução tecnológica sem ser, mais profundamente, uma mutação do capitalismo. É uma mutação já bem conhecida que pode ser resumida assim: o capitalismo do século XIX é de concentração, para a produção, e de propriedade. Por conseguinte, erige a fábrica como meio de confinamento, o capitalista sendo o proprietário dos meios de produção, mas também eventualmente proprietário de outros espaços concebidos por analogia (a casa familiar do operário, a escola). Quanto ao mercado, é conquistado ora por especialização, ora por colonização, ora por redução dos custos de produção. Mas atualmente o capitalismo não é mais dirigido para a produção, relegada com frequência à periferia do Terceiro Mundo, mesmo sob as formas complexas do têxtil, da metalurgia ou do petróleo. É um capitalismo de sobre-produção. Não compra mais matéria-prima e já não vende produtos acabados: compra produtos acabados, ou monta peças destacadas. O que ele quer vender são serviços, e o que quer comprar são ações. Já não é um capitalismo dirigido para a produção, mas para o produto, isto é, para a venda ou para o mercado. Por isso ele é essencialmente dispersivo, e a fábrica cedeu lugar à empresa. A família, a escola, o exército, a fábrica não são mais espaços analógicos distintos que convergem para um proprietário, Estado ou potência privada, mas são agora figuras cifradas, deformáveis e transformáveis, de uma mesma empresa que só tem gerentes. Até a arte abandonou os espaços fechados para entrar nos circuitos abertos do banco. As conquistas de mercado se fazem por tomada de controle e não mais por formação de disciplina, por fixação de cotações mais do que por redução de custos, por transformação do produto mais do que por especialização da produção. A corrupção ganha aí uma nova potência. O serviço de vendas tornou-se o centro ou a "alma" da empresa. Informam-nos que as empresas têm uma alma, o que é efetivamente a notícia mais terrificante do mundo. O marketing é agora o instrumento de controle social, e forma a raça impudente dos nossos senhores. O controle é de curto prazo e de rotação rápida, mas também contínuo e ilimitado, ao passo que a disciplina era de longa duração, infinita e descontínua. O homem não é mais o homem confinado, mas o homem endividado. É verdade que o capitalismo manteve como constante a extrema miséria de três quartos da humanidade, pobres demais para a dívida, numerosos demais para o confinamento: o controle não só terá que enfrentar a dissipação das fronteiras, mas também a explosão dos guetos e favelas.
III. PROGRAMA
Não há necessidade de ficção científica para se conceber um mecanismo de controle que dê, a cada instante, a posição de um elemento em espaço aberto, animal numa reserva, homem numa empresa (coleira eletrônica). Félix Guattari imaginou uma cidade onde cada um pudesse deixar seu apartamento, sua rua, seu bairro, graças a um cartão eletrônico (dividual) que abriria as barreiras; mas o cartão poderia também ser recusado em tal dia, ou entre tal e tal hora; o que conta não é a barreira, mas o computador que detecta a posição de cada um, lícita ou ilícita, e opera uma modulação universal.
O estudo sócio-técnico dos mecanismos de controle, apreendidos em sua aurora, deveria ser categorial e descrever o que já está em vias de ser implantado no lugar dos meios de confinamento disciplinares, cuja crise todo mundo anuncia. Pode ser que meios antigos, tomados de empréstimo às antigas sociedades de soberania, retornem à cena, mas devidamente adaptados. O que conta é que estamos no início de alguma coisa. No regime das prisões: a busca de penas "substitutivas", ao menos para a pequena delinqüência, e a utilização de coleiras eletrônicas que obrigam o condenado a ficar em casa em certas horas. No regime das escolas: as formas de controle contínuo, avaliação contínua, e a ação da formação permanente sobre a escola, o abandono correspondente de qualquer pesquisa na Universidade, a introdução da "empresa" em todos os níveis de escolaridade. No regime dos hospitais: a nova medicina "sem médico nem doente", que resgata doentes potenciais e sujeitos a risco, o que de modo algum demonstra um progresso em direção à individuação, como se diz, mas substitui o corpo individual ou numérico pela cifra de uma matéria "dividual" a ser controlada. No regime da empresa: as novas maneiras de tratar o dinheiro, os produtos e os homens, que já não passam pela antiga forma-fábrica. São exemplos frágeis, mas que permitiriam compreender melhor o que se entende por crise das instituições, isto é, a implantação progressiva e dispersa de um novo regime de dominação. Uma das questões mais importantes diria respeito à inaptidão dos sindicatos: ligados, por toda sua história, à luta contra disciplinas ou nos meios de confinamento, conseguirão adaptar-se ou cederão o lugar a novas formas de resistência contra as sociedades de controle? Será que já se pode apreender esboços dessas formas por vir, capazes de combater as alegrias do marketing? Muitos jovens pedem estranhamente para serem "motivados", e solicitam novos estágios e formação permanente; cabe a eles descobrir a que estão sendo levados a servir, assim como seus antecessores descobriram, não sem dor, a finalidade das disciplinas. Os anéis de uma serpente são ainda mais complicados que os buracos de uma toupeira.
*DELEUZE, Gilles. Conversações: 1972-1990. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992, p. 219-226.

DIVULGAÇÃO: As estratégias do fascismo e a candidatura Serra

As estratégias do fascismo e a candidatura Serra
Paul Virilio, filósofo e arquiteto francês, conta no seu livro “Guerra e Cinema” que as primeiras fotos que correram o mundo com alguns dos horrores dos campos de concentração nazistas foram distribuídas por ordem do próprio Goebbels, ministro da propaganda de Hitler. Em seguida, Goebbels divulgou uma nota à imprensa do mundo inteiro declarando-se “horrorizado com o tipo de propaganda que fazem contra nós estes comunistas e judeus”.
Enquanto John McCain, o candidato conservador à presidência dos Estados Unidos, recusou alguns ataques fundamentalistas a Obama em certos momentos da campanha eleitoral, no Brasil José Serra alimenta e navega satisfeito na onda de difamações, calúnias e terror psicológico contra a candidatura Dilma Roussef. Sua campanha, depois de trazer o fundamentalismo religioso para o debate eleitoral, de colocar sua mulher na rua dizendo que a Dilma “mata criancinhas”, usou uma manchete mentirosa do Globo que dizia que a Dilma ia assinar um documento contra a União Civil Gay (o que não aparecia no próprio corpo da notícia) para posar de “ liberal” e dizer que era a favor dessa união.
Ontem, a polícia federal entrou numa gráfica que imprimia mais de 2 milhões de panfletos que acusavam a Dilma de “aborteira”, falsamente assinados pela CNBB, mas feitos por ordem de um bispo ( com dinheiro de quem?). Enquanto isso Serra e Tasso Jereissati ( que acaba de ser derrotado na eleição para senador) iam a uma missa no Ceará onde panfletos semelhantes eram distribuídos ( neste caso diziam que a Dilma era “ aborteira”, que tinha ligações com as Farcs, era corrupta etc e tal). Um padre se indignou, disse aos fiéis que aqueles panfletos não tinham nada a ver com a igreja e com aquela celebração ( que era para São Francisco…). Jereissati então começou a ofender o padre, chamou o de “padre petista” e militantes do PSDB foram atrás do religioso que teve que sair da igreja protegido.
Quando Lula reclamou dos ataques que Dilma tem sofrido da imprensa, quando disse que esta age como partido político e que tem candidato, mas se apresenta como “imparcial”, foi acusado de ser “contra a liberdade de imprensa”. Por outro lado ninguém viu no jornal Nacional, nem no Globo, nem na Veja (uma pequena nota na FSP), que Serra mandou desligar a câmera numa entrevista para a jornalista Marcia Peltier, dizendo que aquele tipo de pergunta não respondia, que ia embora e era para fingir que ele não tinha estado ali. As imagens do Serra fazendo isso foram entregues ao próprio pela direção da CNT ( que vergonhoso gesto para um jornalista…), mas o áudio, gravado no celular de um outro jornalista que estava na platéia, está na rede.
Imaginem se fosse a Dilma que tivesse mandado desligar a câmera? Íamos ver as imagens repetidamente no Jornal Nacional e similares durante dias. Dilma é então acusada de ser uma “ameaça a liberdade de imprensa” por aqueles que censuram, manipulam e até inventam fatos contra a sua campanha. O fascismo sempre agiu assim, acusa os outros do que está fazendo. Goebels, como vimos, pousou de vítima dos judeus e comunistas que estava exterminando.
Dilma também foi acusada, no início da campanha, de “mandar preparar dossiês contra Serra e a sua família”: dossiês que ninguém leu. Enquanto isso os que fizeram essa acusação despejam um dossiê gigante e ininterrupto de calúnias contra ela. A tática de propaganda fascista é esta da confusão, da acusação, da repetição de uma mentira sistemática até virar verdade, da demonização e escolha de bodes espiatórios. O fascismo é violento não apenas porque mente e cassa a palavra das pessoas ( como houve com Maria Rita Kehl, demitida do Estadão apenas por ter escrito que a elite brasileira não admite que os votos dos pobres tenham o mesmo peso que os dela); é mais do que isso: o fascismo usa uma estratégia de afetos de medo e ódio, disseminando-os de forma que cada uma das pessoas se torna não apenas vítima, mas agentes mesmo deste afetos: é uma mobilização política que passa por dentro dos corpos, dos desejos, do sistema nervoso das pessoas, e ganha essa dimensão macro porque é antes micropolítica. Fascismo não é apenas proibir as pessoas de dizer ou fazer algo, fascismo é forçá-las a falar e fazer algo.
Cada uma das grandes corporações de comunicação do país, onde predominam 4 ou 5 famílias oligárquicas ( os Marinhos, os Frias, Os Mesquita, os Civita…) foi fundamental na mobilização entre as classe médias e as elites que levou ao golpe militar de 64, com uma estratégia muito semelhante a usada hoje pela campanha Serra. A exceção é a não menos proto fascista revista Veja, simplesmente porque não existia na época. Estes grupos cresceram e se solidificaram no Regime Militar, enquanto os que se opunham ao Regime desapareceram ( por exemplo o “Ultima Hora”, e também o “ Correio da Manhã” que chegou a apoiar o golpe mas começou a fazer oposição aos militares logo depois). Ainda nesta tática de confusão da propaganda, estas corporações de comunicação apresentam-se como grandes vítimas da ditadura. De fato, a partir do final de 68, no AI-5, instalaram-se nas redações censores oficiais do regime. Mas antes, nos primeiros quatro anos que se seguiram ao golpe que ajudaram a promover (entre 64 e 68), cada um desses “veículos de comunicação” apoiava e promovia a onda de prisões e cassações que acontecia entre líderes políticos, sindicais, professores (expulsos das universidades) e assim por diante . As organizações Globo, como sabemos, foi mais longe de todas: de 1966 até o início dos anos 80 lia um editorial todo dia 31 de março no Jornal Nacional relembrando e apoiando a “ os ideais da revolução de 64” .
É esta gente e esta estratégia que quer derrotar a qualquer preço a candidata Dilma Roussef.
E aqui talvez para não abusar do leitor, eu deveria encerrar meu texto. Mas não consigo não acrescentar mais um parágrafo para falar do quanto o golpe de 64 teve a ver com o ódio e o medo que causava nas elites a participação de trabalhadores na política que na época crescia a cada ano (o discurso da “ameaça da república sindical” repetido por Serra agora), de como o Brasil começava a se democratizar e os sindicatos conseguiam alguns ganhos para os trabalhadores, do fato do problema de origem escravocrata da concentração da terra ( e das relações de trabalho) ter sido colocado em questão pelas ligas camponesas e como Jango foi acusado de “comunista” por ensaiar um tímida reformas agrária, e de como Paulo Freire (um dos primeiros intelectuais presos depois do golpe) sofreu a mesma acusação por liderar um programa que alfabetizou 400 mil pessoas em Pernambuco, e assim por diante. E o mais notável: como que nos anos de grande crescimento econômico do regime militar a miséria do país só aumentou? Como o Brasil terminou este período como a nação industrializada mais desigual do mundo?
Não dá para separar a violência política do regime militar da violência do modelo econômico. Assim como não dá para separar a violência contra a candidatura Dilma da violência contra os pobres; e também da violência contra as mulheres; a propósito foi no governo Lula que foi criada e aprovada a lei Maria de Penha.
Não há neutralidade possível nas eleições do dia 31 de outubro para quem busca um Brasil mais justo, solidário e democrático.
Dilma Presidente!

DIVULGAÇÃO: O Teatro Mágico em Palavras - Menino Varrido

Onde andará o sol?

Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=a-CrzV2t22Y&NR=1&feature=fvwp

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Ciscando em Clarice

Clarice Lispector (1920 - 1977), escritora brasileira de origem judia nascida na Ucrânia.
"Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro".
"Brasília…Uma prisão ao ar livre".
"Minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem de grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite".
"Que ninguém se engane, só se consegue a simplicidade através de muito trabalho".
"Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento".
"Enquanto eu tiver perguntas e não houver respostas... continuarei a escrever".
"Já que se há de escrever, que pelo menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas".
"Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero uma verdade inventada".
"Ela acreditava em anjo e, porque acreditava, eles existiam" (A Hora da Estrela).
"Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome" (Perto do Coração Selvagem).
"Terei toda a aparência de quem falhou, e só eu saberei se foi a falha necessária" (A paixão segundo G.H).
"E o que o ser humano mais aspira é tornar-se ser humano".
"Quando se ama não é preciso entender o que se passa lá fora, pois tudo passa a acontecer dentro de nós".
"...estou procurando, estou procurando. Estou tentando me entender. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi. Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda".
"... uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora de minha própria vida. Foi apesar de que parei na rua e fiquei olhando para você enquanto você esperava um táxi. E desde logo desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas é o corpo que eu quero. Mas quero inteira, com a alma também. Por isso, não faz mal que você não venha, espararei quanto tempo for preciso".
"Passei a vida tentando corrigir os erros que cometi na minha ânsia de acertar".
"Eu não: quero é uma realidade inventada".
"... passava o resto do dia representando com obediência o papel de ser".
"Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato... Ou toca, ou não toca".
"É difícil perder-se. É tão difícl que provavelmente arrumarei depressa um modo de me achar, mesmo que achar-me seja de novo a mentira de que vivo".
"Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo".
"O que verdadeiramente somos é aquilo que o impossível cria em nós".
"Porque há o direito ao grito. Então eu grito".

domingo, 24 de outubro de 2010

Para quem tem motivos para votar em Serra!

O Jardim

O jardim sempre, todos os dias, fazia-lhe a concessão das plantas, das flores, das lesmas, dos ratos, das minhocas, dos corós, dos mandruvás, dos pássaros, das sementes que brotam do inesperado tempo que é próprio das sementes. O jardim também lhe fazia a concessão de ser pomar e ofertar-lhe limões, laranjas, mamões, pêssegos e uvas. Não se esquecia de ser herbário e, às vezes, horta. Mas naquele dia de sol intenso e de luz esverdeada, fez-lhe a concessão das borboletas.

Uma Canção-Lembrança

N - Nando Reis

sábado, 23 de outubro de 2010

Depois da partida

As coisas ficaram todas como estavam quando ela morreu. O sabonete secou na saboneteira. Os cremes endureceram em seus frascos. A toalha amarelou, pendurada no gancho do banheiro. O pijama restou jogado sobre a cama. O copo d'água, ficou imovel no bidê. As coisas penduradas na parede ainda guardavam seu jeito. A casa ainda tinha sua cara. As plantas sobreviveram graças à chuva que lhes animava de tempo em tempo. A borracha das chinelas secou. O vidro de perfume foi evaporando aos poucos. O calendário seguia o mesmo ritmo, mas agora sem os sabores de suas idas e vindas. Mas a lua desceu do firmamento e derramou a luz na escuridão de sua ausência. Nem o sol foi tão importante nesse tempo.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

DIVULGAÇÃO: Chiquinha, Luíza, Anita, Olga, Filipa, Quitéria, Joana Angélica, quiseram bem mais...

Chiquinha, Luíza, Anita, Olga, Filipa, Quitéria, Joana Angélica, quiseram bem mais... 
por: Manuela Nicodemos Bailosa 
Os textos que circulam na internet contra Dilma são preconceituosos e colaboram apenas para a formação de uma sociedade machista e excludente. É tão preconceituoso quanto o discurso de Serra. A imagem da mulher ainda está associada a uma pessoa que tem necessariamente que ser doce, pudica e pacata. Nós, mulheres, somos sempre assim? Vocês se encaixam nos padrões de feminilidade divulgados pela mídia? Todas vocês são Cléo Pires, Luana Piovani ou Larissa Riquelme, a musa da Copa? Acho improvável! Eu estou bem longe desse padrão. Durante o primeiro debate do segundo turno, Serra continuou agredindo com ironias e sarcasmos a candidata e ela reagiu a isso, não como uma musa indefesa, mas como uma mulher com a sua história e o seu currículo poderia, e deveria, reagir: com garra, força, determinação e com fatos, dados, que nós mulheres sabemos empregar muito bem quando nos sentimos ameaçadas e insultadas. Infelizmente, os homens e muitas mulheres - o que é ainda mais triste - não suportam encontrar, no gênero feminino, pessoas combativas, como se todas tivessem que ser cândidas e suaves sempre. Um colega, que vota nela inclusive, perguntou se ela estava de TPM no debate! Recurso, aliás, bastante utilizado pelos homens para desqualificarem nossos discursos, reações, protestos, nossas palavras ríspidas e nossas insatisfações. Como se mulheres fossem destituídas de rispidez, fala, protesto e indignação. Não somos! Temos fala, senhores e senhoras!
Existem mulheres guerreiras desde sempre no Brasil, podemos citar Maria Quitéria, que até hoje é honrada pelo exército brasileiro pelo seu heroísmo durante a guerra pela Independência da Bahia e do Brasil, e que só foi ao campo de batalha porque se vestiu de homem e fugiu de casa. Após ser reconhecida pelos seus méritos de soldado, teve que pedir ao Imperador que intercedesse junto ao seu pai para que ele a aceitasse de volta. Nunca foi fácil ser uma mulher de luta, de combate. Não acredito que a moça tivesse gestos delicados e jeitinho de fragilidade que nos foram impostos por uma sociedade absolutamente machista; nem que fosse o tipo que se conformasse em ficar fazendo fofoca e bordados enquanto o destino do País estava sendo decidido. Dilma também teve que assumir uma postura durante a ditadura militar, e o fez quando foi absolutamente necessário e isso é motivo de orgulho para todas nós. Era preciso, como agora, interferir, lutar e utilizar armas que colaborassem para o crescimento e a liberdade do Brasil, não para o seu retrocesso histórico. A minha única arma é a minha escrita e meu voto.
Um dos textos que circulam pela rede parece defender que a mulher deve ter um único marido, nunca se separar, nunca se aventurar em outros amores, nunca lutar por ideais políticos. E todo esse discurso, após tantos anos de conquistas, tantas lutas, tantas mulheres que morreram tentando provar o contrário?! Provar que somos capazes e que temos que quebrar as algemas sociais para sermos felizes, lutando pelos nossos ideais. Afinal, a felicidade não é uma receitinha pronta para simplesmente ser seguida, sem questionamento. A felicidade, às vezes, leitoras de Clarice Lispector, é Clandestina! A felicidade às vezes tem que ser guerrilheira, combativa, inusitada, variada, diversificada, inesperada, múltipla, herética e errática!
O texto, que me moveu a escrever, é muito antiquado e feito para destruir a imagem da candidata Dilma. Entretanto, o que ele destrói é a imagem de Serra e dos seus comparsas que reproduzem o pensamento de que cabe à mulher um papel silencioso e submisso diante da história do País e da sua própria história. O período de ditadura, que vivemos no passado, não foi fácil e muitos ficaram aqui para lutar contra a opressão, de forma armada sim, porque era a única forma de combater aquele regime, ele sim, assassino. Corpos de guerrilheiros, artistas, jovens, escritores, pais e mães de família, militantes, ainda hoje são procurados por seus familiares. Viúvas ainda sonham em enterrar os seus mortos.
Mulheres como Luíza Mahim, que participou da revolta dos Malês, aqui na Bahia, cujo filho Luís Gama, abolicionista, foi vendido ainda pequeno como escravo pelo próprio pai, certamente não são o tipo de mulher que a sociedade e algumas mulheres aceitem facilmente. Mas foram elas que fizeram a história. Foram mulheres que enfrentaram os olhares de repúdio e desprezo, os ataques e as calúnias, que construíram o País. Maria Filipa, negra, na ilha de Itaparica lutando capoeira e pensando de forma estratégica, conseguiu incendiar embarcações portuguesas e, assim, ajudar na nossa libertação. Mulheres assim são insubordinadas, não se acomodam com a classe ou a casa confortável dos seus pais ou maridos, ignorando o resto da população miserável e oprimida. Mulheres assim participam de movimentos sociais, lutam, amam, separam, brigam, estudam, divorciam, amancebam, assumem postos de poder, escrevem, e atuam para a transformação social. Algumas delas assumem a Presidência da República e não podem ser jogadas na fogueira do preconceito por causa disso! Estão ateando fogo e jogando pedra em Dilma, cujo pecado é disputar a Presidência da República. A Inquisição já acabou! Quem são os inquisidores de hoje e que armas eles utilizam? A internet?
Se não fosse a ousadia de uma Chiquinha Gonzaga, mulata, bastarda, não teríamos a nossa primeira maestrina capaz de compor músicas tão lindas, afinal, a sociedade do século XIX não aceitava mulher tocando o piano (vejam como o piano é velho e simbólico dentro da educação de mulheres no País), senão, dentro de casa e para o seu marido e os seus convidados. Ou seja, o piano era restrito ao espaço privado. O piano de Chiquinha queria mais! O piano de Chiquinha gritava para sair de dentro de casa e tomar as ruas, os bares, os boêmios, os negros excluídos da época. Porque a música que a interessava estava entre eles, produzida por negros. Isso era inaceitável para aquela sociedade. Mas a música de Chiquinha exigia mais! E ela enfrentou e combateu a todos para seguir o seu talento, o seu desejo!
Dilma também não aceitou administrar, apenas, a economia doméstica, como tantas de nós fazemos, e somos, até, elogiadas pelos homens por isso. Dilma regeu a administração do País inteiro ao lado do Presidente Lula, que preteriu a muitos nomes tradicionais do Partido, contrariou a muitos, inclusive a mim, no princípio, ao eleger como sua candidata, a sua preferida, Dilma. Certamente não o fez pelos seus encantos pessoais, nem pela sua beleza. Foi a sua competência que desviou o Presidente dos nomes esperados e sinalizados pelo Partido. Não deve ter sido fácil fazer essa opção, mas ele o fez com coragem e enfrentamento. 
Voltando a Chiquinha, era necessário ir pros botecos, tocar com os negros e abandonar os seus filhos, pois não poderia criá-los sem a estabilidade do lar e do marido, sem a aprovação social da época. Assim é Dilma! Ela não poderia ser tão competente, aos olhos do maior Presidente da história brasileira, o nosso cara, e limitar a sua atuação ao anonimato da burocracia do governo! Era pouco e o presidente Lula, nordestino, sensível, homem surpreendente e encantador, percebeu isso. Ela era digna e capaz de ocupar o posto mais alto do País, não pela sua beleza ou simpatia, mas pela sua capacidade de gerir, administrar áreas comumente ocupadas por homens. Ministra das Minas e Energias, liderando a Petrobrás, tomando conta da Casa Civil. Mas o povo e, particularmente, algumas mulheres queriam que ela fosse simpática, agradável, doce. Lembro que o nosso povo votou em Collor porque muitos (e muitas) o consideravam bonito!!! Lula teve que suar e o povo que sofrer muito até colocá-lo no poder, e ele iniciar uma revolução democrática no País. As elites, que são muitas, não se conformam porque a população pobre, negra está ocupando, também, espaços sempre destinados às classes sociais elevadas. O povo está nas Universidades.
Com esse tipo de e-mail, estamos colaborando para o preconceito contra a mulher, contra a liberdade, contra a inteligência como um atributo feminino. São mães que estão negando às suas filhas a possibilidade de termos uma mulher, indicada por Lula, para dar continuidade às transformações sociais que as atingem diretamente. Suas filhas também serão mais respeitadas a partir de agora. Nós mulheres seremos mais ouvidas a partir de agora. Nossos discursos serão menos desprezados. Somos responsáveis pelos e-mails que enviamos e as idéias que eles divulgam. Leio os textos e vejo um exercício de manipulação dos fatos; vejo o retorno de um tempo tão longínquo (hoje eu já tenho 41 anos), onde propalavam que os vermelhos comunistas comiam criancinhas. Agora dona Mônica Serra diz que Dilma é assassina de criancinhas. Parece que essa gente subestima a NOSSA inteligência, a nossa capacidade de discernimento, a nossa capacidade crítica.
Sobre o aborto! Dilma hoje já prometeu não enviar leis para serem aprovadas nesse sentido. O que é perfeitamente compreensível nesse País tão cheio de pudores religiosos, onde os evangélicos ocupam de forma acintosa tantos canais de televisão, fazendo uma campanha acirrada contra a nossa candidata, que parece encarnar para os fanáticos a própria Eva ou Lilith. Quantas mulheres conhecemos que praticaram uma vez na vida algum aborto? Conhecem alguma mulher pobre que morreu em mãos de açougueiros ou tomando remédios por conta própria? Eu conheço! E sei que ela não teria morrido se o meu País não fosse tão hipócrita e ela pudesse ter sido atendida por um médico de verdade, com assistência legal. Afinal, a sua “escolha” de não ser mãe, naquele momento, já era tão difícil, tão dolorosa e triste, pessoal e intransferível. A sua morte abalou a todos daquela comunidade. Um abalo silencioso e proibido. Que ela tivesse, pelo menos, assistência médica; que não fosse tratada como bandida, que não morresse. São mulheres cidadãs e trabalhadoras que muitas vezes recorrem a essa – única - saída. Quantas casadas, decentes, honradas, amadas, vocês conhecem que também já o fizeram correndo risco de morte? O risco deve continuar? Até quando? Em nome de quê? O aborto legalizado ainda é um tabu nesse País de mulheres tão santas, católicas e evangélicas. País de não pecadoras! É hipocrisia considerar que não é preciso discutir a necessidade de adotarmos medidas de saúde pública para conter o número imenso de mulheres pobres, negras e brancas, mortas por praticarem aborto, pois as ricas têm assistência médica. É simples!
Essa certamente não é a plataforma de governo de Dilma! Os seus planos para o País são estruturais e ideológicos e vão além. Mas o aborto é o alvo principal dos seus inimigos. Dilma não legalizará o aborto, fiquem tranqüilos! Ela já o prometeu! Está prometido aos evangélicos! Aqui ninguém o pratica e ninguém morre assim, certamente os números alarmantes apontados pelas pesquisas são uma ilusão, um engano. Além do mais, somos muito católicos e evangélicos para pensarmos nessa possibilidade. Vejam que as pedras do velho testamento continuam sendo atiradas contra a Mulher. Jesus veio e enfrentou o apedrejamento, lembrem-se! A adúltera não foi morta, pois alguém tinha que atirar a primeira pedra. Alguém que nunca tivesse pecado! A mulher foi salva por Jesus Cristo, no entanto, o que é essa guerra conta Dilma senão um apedrejamento simbólico, tão selvagem contra o bíblico?! A sede da nossa sociedade de punir a mulher que desobedece às leis sociais, que peca por contrariar o desejo masculino, por invadir um espaço social, público, destinado aos homens. Peca por disputar o poder com um homem que fala em nome da moral e dos bons costumes, com o visível propósito de atingir a candidata, como se ela e a sua biografia não fossem dignas. Serra com a sua moral falaciosa! Um homem agressivo, acintoso, que utiliza do cinismo o tempo inteiro para atrair aqueles que também se querem virtuosos e virtuosas. Hipócritas! Gente com a sanha do apedrejamento, que deve ser um desejo coletivo inconsciente capaz de mobilizar as massas para grandes espetáculos mórbidos, como acontecia durante a Inquisição. Vamos ver as bruxas morrerem na fogueira! E se possível vamos apedrejá-las também!
A mulher que sai da toca e afirma-se como um ser pensante e participativo, que pega em armas como Maria Quitéria, como Anita Garibaldi, como Olga Benario. Elas são mulheres muito próximas de Dilma, parceiras, companheiras (aquelas que dividem o pão) e certamente jamais teriam como amante, marido, namorado, companheiro um tipo como José Serra. Certamente - e aqui vai o meu delírio utópico/poético - essas mulheres amavam homens intensos e verdadeiros, atraentes, sedutores e, principalmente, sonhadores. Homens que respeitavam seus discursos e acreditavam no direito da mulher de ser Grande. Certamente seriam homens que se orgulham do poder feminino e da sua capacidade de gerir empresas, como Dilma, e de gerar filhos, também como Dilma! Jamais um forjado Zé Serra capaz de divulgar esse tipo de pensamento sobre sua adversária política e de tratá-la de forma tão grosseira e deselegante. Um casca grossa!
Parece que a sociedade acredita na mulher apenas administrando a sua cozinha. Mas Dilma, Chiquinha, Luíza, Anita, Olga, Filipa, Quitéria, Joana Angélica, quiseram bem mais. O texto que me moveu faz alusão ao piano que Dilma tinha na casa dos pais. Moça de família! O piano foi a arma de Chiquinha Gonzaga, mas o piano de Dilma não respondia às necessidades de transformação social que ela aspirava. Por isso, certamente, Dilma, foi fazer política e suas armas foram e são outras. O falo da fala, como diria Maria Rita Kehl.
Um beijo, companheiras históricas de tantas batalhas que ainda temos que enfrentar! E que a fama de que nós, mulheres, não somos solidárias umas com as outras não seja consolidada nesse momento histórico do País. Sejamos solidárias com a competência de Dilma e com a sua qualificação para dirigir o nosso País. 
(Abaixo, uma música de Chiquinha Gonzaga para abrandar e encantar nossas almas. "Amor no coração" é a música.)
Amor No Coração
Chiquinha Gonzaga
Composição: Chiquinha Gonzaga / Zuca Gonzaga
Você me derrubou
Mais eu me levantei
Você me machucou
Mais eu te perdoei
Agora eu quero ver
O que tu vai fazer
O que tu fez comigo
Eu não faço com você
Eu só queria que você me esquecesse
Faça de conta que você nunca me viu
Não tenho medo da tua insinuação
A melhor coisa do mundo
É ter amor no coração