domingo, 29 de janeiro de 2012

alma - com zélia duncan

para alguém que tocou minha alma!

O que eu gosto em ti, não são tuas pernas bonitas e torneadas... mas teu modo de andar tão ao passo das canções. O que me encanta não é teu olhar lindo e risonho... mas teu modo de olhar o mundo e as gentes do mundo, tão ao modo da poesia e das invenções. O que me seduz não é teu sorriso lindo e transparente... mas a profundidade com que tua alegria atravessa minha existência. O que me desnorteia não é a beleza de teu corpo esbelto nos seus três quilos acima do peso habitual... mas a forma como o pronunciaste seu encontramento no encontro com minha existência. O que me faz andar mais devagar... é por já não haver pressa. 



Alma! Alma! Alma!
Alma!
Deixa eu ver sua alma
A epiderme da alma
Superfície!
Alma!
Deixa eu tocar sua alma
Com a superfície da palma
Da minha mão
Superfície!...
Easy! Fique bem easy
Fique sem, nem razão
Da superfície!
Livre! Fique sim, livre
Fique bem, com razão ou não
Aterrize!...
Alma!
Isso do medo se acalma
Isso de sede se aplaca
Todo pesar não existe
Alma!
Como um reflexo na água
Sobre a última camada
Que fica na
Superfície!...
Crise!
Já acabou, livre
Já passou o meu temor
Do seu medo sem motivo
Riso, de manhã, riso
De neném a água já molhou
A superfície!...
Alma!
Daqui do lado de fora
Nenhuma forma de trauma
Sobrevive!
Abra a sua válvula agora
A sua cápsula alma
Flutua na
Superfície!...
Lisa, que me alisa
Seu suor, o sal que sai do sol
Da superfície!
Simples, devagar, simples
Bem de leve
A alma já pousou
Na superfície!...
Alma!
Daqui do lado de fora
Nenhuma forma de trauma
Sobrevive!
Abra a sua válvula agora
A sua cápsula alma
Flutua na
Superfície!...
Lisa, que me alisa
Seu suor, o sal que sai do sol
Da superfície!
Simples, devagar, simples
Bem de leve
A alma já pousou
Na superfície!...
Alma!
Deixa eu ver sua alma
A epiderme da alma
Superfície!
Alma!
Deixa eu tocar sua alma
Com a superfície da palma
Da minha mão
Superfície!...
Alma!
Deixa eu ver!
Deixa eu tocar!
Alma! Alma!
Deixa eu ver!
Deixa eu tocar!
Alma! Alma!
Superfície
Alma! Alma!
ALMA!

dona chiquinha

ontem (sábado) passei pela estação rodoviária de ijuí/rs. já tem quase trinta anos que por ela transito regularmente. desde a primeira vez de que lembro ter colocado meus pés em seu chão, recordo de uma senhora que trabalhava na limpeza da estação. em meu imaginário literário, nomeei-a chiquinha... para ser mais exata, dona chiquinha... na verdade nunca soube seu nome... para se mais exata ainda, nunca tive coragem de conversar com ela e muito menos de perguntar seu nome!
dona chiquinha era uma criatura miúda, mas de muito rompante. aprumada em sua obsessividade por limpeza, determinava o que cada um poderia fazer e por onde poderia transitar na estação rodoviária.
fazia a limpeza por partes (o que eu, em minhas obsessões também sempre operei)... usava longos cordões que amarrava nos pilares no saguão em frente aos guichês de venda de passagens... dentro dos liames circundados pelos cordões, era terminantemente proibido circular, pois se estavam os cordões esticados, significava que dona chiquinha estava limpando aquele território... e ninguém era besta de querer invadir tão importante área!
assisti dona chiquinha sendo educadora das criaturas que vieram a auxiliar na limpeza e depois as que viriam a substituir sua atuação... o ritual sempre era o mesmo, com o esticamento de cordões e a colocação de papelões que servem à limpeza dos pés dos circulantes que não são feitos desse timbre obsessivo... ontem, tive que aguardar 30 minutos para uma baldeação, tempo em que tomei de um jornal e me concentrei na leitura... lá pelas tantas uma voz feminina avisou: "senhora, estamos limpando, pode mudar de lugar?"... focada na leitura, não percebi a operação de limpeza e, quando vi que a coisa acontecia, fiquei absolutamente constrangida por não ter visto a operação acontecendo ao meu redor! olhei ao redor e eu estava solita, sitiada dentro dos liames dos cordões.
depois que me retirei do território a ser trucidado pelas neo-obsessivas-da-limpeza-da-estação, observei que elas só parecem ser marionetes de dona chiquinha... cumprem e pregam os mesmos rituais, fazem do mesmo jeito e forma, encarnam os mesmos semblantes sérios e compenetrados... dona chiquinha, acredito, está aposentada... não a vejo mais... mas deixou sua obsessão traçada na forma de limpar a estação rodoviária de ijuí.
mas, para dar fecho aqui, trago a lembrança de uma senhora (de quem agora não lembro o nome... tenho que pesquisar... mas era com terminação inha, também) que muito contribuiu para desenhar em minha subjetividade essa coisa de mania por limpeza... minha família morava (como ainda mora) no campo e eu frequentei a escola do vilarejo mais próximo (que hoje é a sede do município de bom progresso)... saia de casa e andava uns 150 metros, para embarcar na kombi que nos levava para a escola... nesse trajeto até o embarque, se estivesse chovendo, o calçado enlameava... em meus primeiros dias de aula na escola, desatenta e desavisada desse cuidado que deveria tomar com a lama do calçado, lá estava eu, sentadita e tentando entender alguma coisa daquilo tudo que era coisa demais para minha cabecinha de seis anos e eis que me aparece a dona chiquinha lá da escola... levei tamanha carraspana por minha porquice involuntária, que nunca mais desfiz essa marca!
pensava nisso, ontem, depois da minha vergonha por não ter visto que os clones de dona chiquinha demarcavam o território da limpeza na estação rodoviária... afinal, nunca sabemos de onde vem as marcas que nos atravessam a existência e a subjetividade, e nunca sabemos em que pode dar as marcas que fazemos atravessar nas subjetividades alheias ou na vida das instituições!

sábado, 28 de janeiro de 2012

um sonho

pego tua mão ainda rota,
do tempo que juntas a calejamos,
e levo-a até os bicos entumecidos
dos seios que todos os dias cortejavas.

alcanço tuas sensações
do mesmo jeito que se deu
no primeiro dia
em que ultrapassaste
o umbral de tua existência.

curvo-me ao teu sabor,
curvo-me ao teu suave odor,
curvo-me à tua voz tão minha,
curvo-me à intensidade do teu toque,
curvo-me à tua presença.

acordo quando te levantas da cama
e sai nua pela casa.
apalpo o lençol ainda quente,
espero que voltes a te deitar,
sem saber que partistes para sempre.

adormeço novamente,
sem saber em que cama estou,
em que corpo transito,
em que vida habito.

te busco
nas palavras
cravadas
em minha memória.

cintilantes,
deixam a superfície radiosa,
enquanto escuto pouco
o que quiseram dizer.

sei que morta estás,
mas, então,
quem foi que arrumou tão bem,
o rumo das plantas
que sempre cuidastes?

onde estás,
que ainda vem
cuidar das plantas?

pego tua mão,
ainda,
antes de acordar,
e vejo tuas impressões
deixadas numa semente que nasceu,
noutro dia,
e que não fui eu que plantei.

beijo tua mão
e
acordo.
com o olho cravado
numa estranha flor
que nasceu.

FST: Boaventura vê capitalismo e suas sete ameças


Sociólogo afirma, em Porto Alegre, que só é possível enfrentar crise ambiental atacando também desigualdade e declínio da democracia
Por Antonio Martins
“Por cinco séculos, a Europa procurou ensinar ao mundo sua forma de enfrentar as crises e vencê-las. Fez isso com ideias e guerras, com missionários e genocídios. Mas se esqueceu que detinha apenas uma parte do conhecimento. Fechada em si mesma, não pode mais aprender. Por isso, está à beira de um abismo, do qual dificilmente escapará.
No meio da manhã desta quarta-feira (25/4), o sociólogo português Boaventura Sousa Santos está abrindo uma conferência para cerca de trezentas pessoas, que participam do Fórum Social Temático (FST), em Porto Alegre (sul do Brasil) e municípios de sua região metropolitana. O FST é um desdobramento, em pequena escala, dos Fóruns Sociais Mundiais (FSMs), lançados na mesma capital em 2001. Debate um assunto específico (“Crise capitalista, justiça social e ambiental”). Reúne cerca de 10 mil pessoas. Mas mantém, como todas as edições do FSM, a mesma aposta num futuro de democracia radical, relações sociais baseadas na garantia dos direitos humanos e fim das hierarquias internacionais que dividem o planeta entre “centro” e “periferia”.

Foucault para o próximo século:ecogovernamentalidade


por Sébastien Malette - Professor no Departamento de Política da University ofVictoria, Canadá.
 RESUMO:
O artigo propõe uma expansão da genealogia do poder de Michel Foucault para incluir a análise das racionalidades ecológicas de governo. Parte da noção de governamentalidade para propor ecogovernamentalidade, como reorganização dos conceitos de população, segurança e economia política, nos quais a regulação dos vivos se expandiria para regulação de tudo o que necessário para a vida. Localizo, nessa expansão, a emergência de uma nova épistème cológicaque levaria o problema do governo a uma nova fase crítica.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Política e fissuras sobre crianças e jovens: psiquiatria, neurociência e educação

por Salete Oliveira Pesquisadora no Nu-Sol e no projeto Fapesp Ecopolítica, professora no Departamento de Política da Faculdade de Ciências Sociais e no Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP.

RESUMO:
Hoje, os investimentos neurocientíficos e psiquiátricos sobre crianças e jovens intensificam-se. Apresentam sinalizações, não negligenciáveis, para uma educação preventivo-terapêutica, acoplada à rotinização de diagnósticos e tratamentos educativos em espaços variados. A psiquiatria se renova, também, no interior dela própria, pelo que vem sendo chamado de “psiquiatria do desenvolvimento”, mais recente variação da designada “psiquiatria da infância e adolescência”. Interessa, neste momento, traçar o funcionamento de novas formas de monitoramentos sutis que objetivam aplacar rebeldias e os investimentos neuropsiquiátricos voltados à formação de crianças e jovens resilientes.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Com gente é diferente


"Proponho que a reflexão seja feita de forma inversa, de trás para a frente. Tendo sido internadas, mesmo sem desejá-lo, o que se pretende fazer com essas criaturas? Qual é a natureza dessa intervenção? Qual o propósito desse procedimento?", escreve Antonio Mourão Cavalcante, doutor em Psiquiatria pela Universidade Católica de Louvain e em Antropologia pela Universidade de Lyon, professor titular de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará, autor do livro 'Drogas, Esse Barato Sai Caro' (Ed. Record), em artigo publicado no jornal O Estado de S.Paulo, 23-01-2012.
Segundo ele, "não temos estruturas minimamente suficientes para enfrentar o desafio. E, nesse caso, a improvisação beira o desatino como política pública. Ávidos por verbas fáceis, alguns municípios apresentarão projetos mirabolantes. Lembro que drogado não é lixo que se recolhe e joga num aterro sanitário, para que lá apodreça. Hoje, no Brasil, são raras as clínicas que merecem esse nome..."
Para o psiquiatra, "a cracolândia não é um problema unicamente para passar a borracha, mas existe para nos questionar. Está na hora de pensarmos que com gente a coisa é diferente".
Eis o artigo.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

o capital vomita os nômades!


que-cosa! essas coisas de foda mexem com muitas coisas! Essas coisas da vida, mexem com muitos pensamentos!
já lembrei em outros lugares que o blog surgiu exatamente da necessidade que tínhamos (e temos), de um espaço público, para o compartilhamento das letras, das artes, dos sons, das escritas, das invencionices, das literaturas, das ideias e de outros quetais... aqui ninguém segue ninguém... há, sim, um espaço configurado para quem queira seguir o blog publicamente ou de forma oculta, mas quem está aí, segue o blog enquanto acompanhamento das publicações (de letras minhas e de outros) e não a mim... gosto que o transverso da transversalidade apresente sempre suas letras, seus tons, seus sons, seus acordes, suas dissonâncias, suas concordâncias e seus extravios (no sentido de espalhamento... ou como diria olívio dutra: de espraiamento!)... gosto das conversações e, também, das discussões, mas muito mais das primeiras... fui desenhando, ao longo da vida, um modo de ver e pensar o mundo em que pude ir quebrando as molduras que haviam afixado em meu imaginário e, aos poucos, fui aprendendo a produzir movimentos, vida e potência... por isso, também, ando por onde andam as gentes... ando pelas ruas... transito pelas praças... paro pra conversar com os vizinhos e com as pessoas que encontro na rua, que param para um dedo de prosa... sempre que consigo, registro o nome das pessoas em minha memória... geralmente registro em minha memória a expressão do rosto e do sentimento presente na expressão das pessoas... um olhar que me atravessa, jamais esqueço... um olhar que me transita, jamais sai de mim... um olhar com que meu olhar possa conversar, nunca haverá de deixar de falar... uma pessoa que simplesmente vive, vive do jeito que quer e que gosta, sem hipocrisias e sem máscaras postiças, terá sempre o meu respeito!
Eu não sei, não, de nenhum bêbado ou mendigo em nossas praças... eu não sei, não... eu não gosto dessa idéia de praças públicas assépticas e higienizadas, enfeitadas com seus jardins-pré-moldados, harmonizadas com as tintas frescas feitas para as bundas limpas que jamais saberão o que é a vida feita de um dizer e de um fazer verdadeiro! Não gosto desses que ficam espiando as fodas casuais acontecidas nos estertores noturnos ou nas clareiras diurnas das livres praças, mas que não cuidam das próprias fodas! Tenho medo desses que preconizam praças limpas, que pregam “revitalizações das praças”, mas o fazem, escondendo que a revitalização de que falam, corta fora exatamente a vitalidade, o livre fluir, as potências e outros quetais... querem uma revitalização mortífera, higienizada, emburguesada... querem uma praça em que não há lugar para o pobres e para as gentes feitas de um viver nômade!
Eu não sei, não, de nenhum bêbado ou mendigo em nossas praças... eu não sei, não... para mim, todos os que ali transitam me figuram com cara de gente... exceto aqueles que fazem caras e bocas de nojo, ou que nem cruzam as praças para não ter que se deparar com o fluir da vida que por ali pulsa... se alguns bebem abusivamente, se outros se excedem em algumas coisas... bueno, se olharmos para dentro das casas dos pobres e dos ricos, talvez a única coisa que muda, seja a marca, qualidade e a procedência das bebidas, das drogas, dos medicamentos e de outros quetais... no mais, talvez não mude muita coisa... inclusive no que se refere ao ócio... há muitos burgueses que se vangloriam de suas posses e riquezas financeiras e materiais, mas esquecem de dizer que, quem paga o seu ócio, sejam os trabalhadores que são explorados cotidianamente na livre apropriação da mais-valia que produzem! Sentar no banco da praça e ficar horas a fio viajando, conversando, rindo e inventando a vida, certamente seja infinitamente mais digno do que quem viaja literalmente, sentado sobre o suor de empregados-explorados!
Não gosto dessa noção que já foi tão comum na boca de muitos, em outros tempos, que é de marginalização... não conheço ninguém que tenha caído fora do mundo... exceto os astronautas, que vão para a lua e para outras plagas fora da órbita terrestre e que depois voltam sabendo que somos um nada, que somos muito pouco e que, perto de toda a besteira que o ideário capitalístico criou nas nossas ocas cabeças, basta a natureza se apresentar em fúria, com a força do vento, com o poder das águas, com a intensidade da terra, com o calor do fogo, para sabermos o quão minúsculo, inútil, precário e miserável seja o capitalismo e suas idéias prepotentes!
Não aprecio e não compartilho essa ideia que contempla o usuário abusivo de qualquer coisa, como uma pessoa doente... a pessoa até pode adoecer por conta disso, mas a coisa em si, que é usada abusivamente, não se constitui na doença!
Quero lembrar só início o de um escrito do Guilherme Corrêa, em que problematiza a noção de drogas (e quem quiser ler o escrito na íntegra basta clicar AQUI... já faz um tempão que está postado aqui no blog... trago esse texto, mas poderíamos estar lemrando muitos outros que já foram postados aqui)... vejamos:
“A identidade de drogado é uma das barreiras mais fortes que se coloca entre os profissionais das áreas da saúde, da educação ou da justiça e pessoas que fazem uso de substâncias ilegais. É muito raro um desses profissionais ultrapassar tal barreira e ver, para além da ameaça representada pela figura plana e sem espessura do drogado, alguém se movendo. Alguém com sonhos, vontades, tristezas, experiências, preferências, limites próprios de suportabilidade, amor, desafetos... Assim, a maioria dos contatos com identificados como usuários de drogas se dão, quase que exclusivamente, com os atributos que identificam a figura do drogado. Pouco ou nada parece haver para além de uma ameaça.
Desse modo temos vivido e, por décadas, estamos sendo formados nos cursos universitários. Há uma perspectiva que une todas essas formações e, conseqüentemente, as atuações profissionais correspondentes. Essa perspectiva é a da guerra às drogas. Dentro dessa perspectiva é que têm coerência percepções de usuários como doentes, o que pede tratamento e pessoal especializado nos campos da saúde, psi, assistência social e educação; como bandidos, o que pede penalização, punição e, além do pessoal mencionado anteriormente, pessoal do campo da justiça: como advogados, juízes, policiais; finalmente, pode se perceber usuários de drogas como perdidos, aqueles que não têm mais jeito, – seja por um grau de debilitação extremo ou de periculosidade – esses nos convidam a pensar em eliminação por meio de internamentos perpétuos em asilos, manicômios e hospícios e, ainda, por meio de homicídios e chacinas. A figura do drogado, que anima todas essas ações, está indissociavelmente ligada à noção que temos de droga.
O que é droga? Do que falamos quando dizemos droga? (...)"

Trago o escrito do Guilherme para nos ajudar a pensar, olhar e fazer a vida acontecer a partir de outros referenciais e de outras noções, que não esses tão emoldurados, estereotipados e discriminatórios que o ideário capitalístico tão bem nos ensinou... para pensar de outra forma, que não essa, não basta erguer bandeirinhas de papel que se derretem com a chuva... não basta achar que nos inquietando com o que o nosso preconceito nos faz regurgitar, estaremos mudando o mundo... não basta brincar de sermos de esquerda... talvez tenhamos que querer outras coisas, fazer outras coisas... talvez tenhamos que produzir outras possibilidades de vida... talvez tenhamos que aprender a inventar o mundo e a vida... talvez tenhamos que aprender a problematizar a vida e a produzir experimentações que provoquem vitalismos e potências a partir das possibilidades que cada um tem... cada um em seus nomadismos e em suas errâncias... mas nessa toada, com certeza, não cabe mais o Estado de mercado, policialesco, instrumental, higienista, judicializado, controlador, vigilante e salvador das almas penadas que foram cagadas para fora de sua órbita, feito merda-mole-de-diarréia-de-si... no mais, as gentes e a vida podem estar em qualquer lugar... cada um pode fazer de si o que bem entende... e se não me encontrarem na praça, sentada conversando, bebendo ou não, fumando o meu palheiro ou não, podem saber que estarei aqui por casa fazendo isso, com a casa cheia de gente ou não! Estarei sempre onde e com aqueles com quem tenho o que compartilhar... acredito e existencio isso: a vida como movimento! já não aceito mais ser um mero vômito do capital... quero é devorar suas entranhas e definhá-lo até a morte! 
PS: este escrito completa meu comentário iniciado AQUI.

domingo, 22 de janeiro de 2012

OFICINA: PSIQUE FEMININA, RACISMO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL


                                                               CONVITE
O GT MULHER, grupo de trabalho construído pela Coordenação Municipal da Mulher (CMM),  responsável pela criação do espaço MUNDO DAS MULHERES no FÓRUM SOCIAL TEMÁTICO PORTO ALEGRE 2012 ,  convida para a OFICINA:
PSIQUE FEMININA, RACISMO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
O objetivo é refletir, debater e consolidar propostas  sobre formas de prevenção e de cuidados quanto às feridas emocionais e os efeitos psicossociais que a discriminação racial provoca na psique feminina negra, ao afetarem sua conduta, especialmente nas relações familiares e  no mundo do trabalho, bem como propor ações que minimizem esses efeitos perversos, de modo a contribuir para a melhoria dos indicadores sociais da Dimensão Social – um dos pilares fundamentais do Desenvolvimento Sustentável.
Coordenação: Profa. Dra. Maria da Graça Gomes Paiva
Convidadas: Mestre Marilene Leal Pare; Psicólogas Silvia Regina Ramão e Ana Luiza Júlio
Abertura: Cantora: Marietti Fialho
DATA : 25 de janeiro
Horário: 9 -12h
LOCAL: Armazém A-6 do Cais do Porto

ainda sobre a beleza de se dar o rabo!

quero comentar dois comentários que foram feitos pela mesma pessoa em duas postagens aqui no blog. comentarei primeiro o que foi postado em A beleza de se dar o rabo! e, depois, o que foi postado em A cradolândia que você não vê. mas hoje, pelo pouco tempo, escreverei somente sobre o primeiro comentário (o outro fica para depois)... e estou fazendo isso não por serem os assuntos de tanta relevância assim, mas principalmente porque gosto de pegar panos esvoaçantes que servem pra muitas mangas. assim, colei o comentário, e, na sequencia, teço as minhas considerações.


"petista insatisfeito(não na cama)...oi, maria diello, me surpreendeu muito teu palavreado...não sei se positivo ou negativo....sei que voce e uma pessoa muito centrada(pelo menos me passou isso), conheço voce pelo blog que fui apresentado por amigas tuas, sei que muitas vezes é a "voz" de muitos funcionários colegas teus...não sou homofóbico, e acho que todo ser humano deve ser o que realmente é, senão é um ser frustrado, bueno, longe de mim ser machista, mas como homem digo, penso e procuro agir com coerencia...é tão bom ter a mulher como nossa parceira na cama, é tão bom "papai e mamãe", claro que se pode dar uma apimentada na relação, posiçoes tem várias no "kama sutra", talvez não tenha visto toda a obra ...não lembro de ver "homem dando o rabo". 
Ja falei , respeito os que "gostam" disso, mas não sou adepto e nem pretendo ser.
A mulher para mim é ternura em primeiro lugar, sedução...fogo... quando estou nas mãos dela as vezes me deixo ser conduzido...só ela vai mostrar onde quer ser tocada, beijada, cheirada, lambida...como homem não tenho o direito de avançar o sinal e nem exigir que ela seja apenas um "objeto" ou faça coisas que para ela sejam degradantes pelo ponto de vista dela. Nós homens gostamos de ser tocados, paparicados, lambidos, beijados...a mulher que descubra nossas necessidades e complemente com as delas , assim seremos um vulção em erupção JUNTOS, UNICOS, e a felicidade e o goso conjunto é o verdadeiro sentido do casal mulher/homem, homem/mulher.
Agora que quer ser casal mulher/mulher, homem?/homem? sejam felizes...amem-se...assumam sua sexualidade, só tem um porém, não sei se voces sabem , vou falar baixinho nos vossos ouvidos, desta relação não sai nenên."

olá, petista insatisfeito!
por quais motivos você se surpreendeu com meu palavreado? nunca fui clara e explícita em minhas mal traçadas linhas, que não honro a tradição dos letrados-retos-equânimes-e-sedentos por uma linguagem dita culta e reta? o meu palavreado sempre foi esse que traz as cintilações do visível e do invisível... esse é o palavreado que tenho... se positivo ou negativo, nunca se sabe, pois sempre depende de quem esteja lendo... já tem bastante tempo que rompi com a lógica binária e dicotômica que emoldura os certos e os errados definidos pelo ideário dominante!
sobre eu ser centrada... cumpre-me dizer que não sou centrada, não... não gosto de centramentos... sou esquizo... sou nômade... sou extraviada... sou rizomática... tento ser, sempre, ora ponto de interseção, ora ponto de disjunção, nas querelas dos trans e dos versos da transversalidade!
sobre ser a voz dos demais colegas trabalhadores... não sou a voz de ninguém... não acredito que alguém possa portar a voz de alguém pelo outro... sempre sou parceira nos compartilhamentos das conversações e das lutas que produzimos em nossos processos de trabalho e em nossas andanças humanas! não mais que isso!
no mais, no que se refere ao exercício da sexualidade, reafirmo o que já disse... de que cada um -com ou sem parceiro- vivencia e experiencia sua sexualidade na(s) forma(s) como melhor lhe produza prazer... é claro que muitas pessoas, por terem uma formação bastante conservadora, machista ou o raio que o parta, têm mais dificuldades para olhar e operar as possibilidades transversais da sexualidade... assim, não há um "verdadeiro sentido" do compartilhamento da sexualidade... não há uma forma idealizada... há quereres e fazeres... se envolve o pau, a buceta, a boca, o corpo, a pele, a língua, o rabo, ou seja lá o que for, isso vai depender de cada um ou mais que estiverem juntos.
e ainda, sobre isso que você falou baixinho em nossos ouvidos... sorte ter falado baixinho, porque já é de há muito chutada essa posição cristã de que o sexo sirva somente para a procriação... eu que exercito meus relacionamentos afetivo-sexuais basicamente pela via da homossexualidade, sei muito bem que dessa junção não nasce filho biológico... mas soe dizer que ter filho não faça parte dos quereres e dos fazeres de todas as pessoas, portanto, se o a ideia de sexo para procriação ainda sirva de referência para os fazeres sexuais, certamente temos que olhar melhor para o que atravessa nosso imaginário sobre essas questões! 
no mais, petista, um grande abraço e sinta meu afeto pelas possibilidades de conversação que você ajuda a desencadear aqui no blog!
em tempo: para olhar mais algumas coisas sobre essas questões da sexualidade e do palavreado, ver em: panis et circensesconjugando o palavreadoà mesa...

Contra a ética do varejo


A polêmica sobre a natureza e a intensidade das carícias sob um certo edredom, numa certa madrugada, ao longo da 12ª edição do Big Brother Brasil, da Rede Globo, perdeu força com o depoimento à polícia da participante supostamente vítima de estupro. Sem se lembrar bem do que ocorrera na noite anterior, num quarto escuro vigiado por câmeras, a moça disse que tudo fora consentido. Mas a discussão não saiu do ar - especialmente entre internautas mais exaltados, via redes sociais. Justificam-se manifestações tão apaixonadas? "Eu jamais defenderia o fim dos reality shows, mas esta é uma oportunidade de discutir os limites desse tipo de programa", avalia o filósofo e professor da Universidade de São Paulo Renato Janine Ribeiro.

Dor, sofrimento e erro de cálculo



Do ponto de vista de política pública, a Operação Centro Legal foi repressão pura. Como política de assistência social, foi desassistência. E, do lado da Saúde, um reforço à doença
Por Maria Inês NassifCarta Maior | Charge de Maringoni

Crack: é possível enfrentar sem medo

Animação do Conselho Federal de Psicologia mostra por que a internação compulsória é uma péssima opção; e que interesses há por trás dela.

buscado em: http://rede.outraspalavras.net/pontodecultura/2012/01/20/crack-e-possivel-enfrentar-sem-medo/

Pornografia, a ilusão do prazer


A partir de making of de filmes pornográficos, filme francês reflete sobre a representação idealizada do sexo e do prazer.
Por Bruno Carmelo, do Discurso-Imagem.
Il n’y a pas de rapport sexuel (“Não há relação sexual”) nasceu do encontro improvável entre Raphaël Siboni, famoso artista plástico, e HPG, diretor e ator de filmes pornográficos. Por coincidência, o trabalho de ambos é financiado pela mesma produtora, a marginal Capricci filmes, que propôs a Siboni pegar milhares de horas de making of do diretor pornô e fazer um documentário a respeito. Cada um impôs suas condições: Siboni exigiu que HPG não tivesse influência nenhuma na escolha das imagens, enquanto este último impôs que não se falasse na remuneração dos atores. Acordo fechado.
O título, o irônico “não há relação sexual”, faz referência ao psicanalista Jacques Lacan, que sugeria que mesmo no ato sexual a dois, o verdadeiro prazer não está na outra pessoa, e sim nos fantasmas projetados nela. Assim, o prazer seria mental mais do que corporal, e principalmente individual.

Conselho Federal de Psicologia repudia estratégia "dor e sofrimento" na cracolândia


O Conselho Federal de Psicologia questiona objetivos e métodos adotados na chamada Ação Integrada Centro Legal, em curso desde o dia 3 de janeiro de 2012 na cracolândia, em São Paulo. O CFP entende que a estratégia, da forma como vem sendo executada, baseada na ostensiva ação policial, não só não resolve o problema, como provoca a violação dos direitos humanos dessas pessoas já fragilizadas.

O CFP defende uma política sobre drogas baseada no fortalecimento da rede pública de saúde, com a ampliação de consultórios de rua e dos Centros de Atenção Psicossociais, que realizam atendimento de forma intersetorial, envolvendo psiquiatras, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais e outros profissionais da saúde. Por isso, orienta que psicólogas e psicólogos denunciem qualquer violação aos direitos humanos em ações de combate ao crack e espera que a ação baseada na “dor e sofrimento” não se repita em outros Estados. O Conselho Regional de Psicologia de São Paulo acompanha a situação. Na quarta-feira, 11 de janeiro, o CRP-SP participou da reunião realizada na Câmara dos Vereadores de São Paulo, e ao lado de outras entidades da sociedade civil, repudiou a ação militar.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

"ainda bem" - uma canção de marisa monte

Receita de Ano Novo

por Carlos Drummond de Andrade
Poemas de Dezembro
Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação como todo o tempo já vivido
(mal vivido ou talvez sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?).
Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.
do "Jornal do Brasil", Dezembro/1997.

A beleza de se dar o rabo!

Dia desses recebi um email que fazia um comparativo sobre questões comportamentais, subjetivas e morais que faziam época em 1959 e seus contrapontos fazendo época em 2011... um comparativo bastante moralista, diga-se de passagem!  Comumente deleto email reacionário, homofóbico, racista, totalitário ou de qualquer ordem de desrespeito à diversidade... deleto, porque não vejo nada de producente em tentar conversar com pessoas que olham o mundo e a vida a partir de uma perspectiva focada (o que, aí, nem é perspectiva) num fundo totalitário e extremista!
Mas, estando num dia de muita paciência, li esse tal mail que recebi... apresenta dez cenários comparativos e termina da seguinte forma:
Cenário 10: Comportamento.
*Ano 1959: Homem fumar era bonito, dar o rabo era feio.
*Ano 2011: Homem fumar é feio, dar o rabo é bonito.
Pergunta-se:
EM QUE MOMENTO FOI, ENTRE 1959 E 2011, QUE NOS TRANSFORMAMOS NESTE BANDO DE BOSTAS?
Olhando para isso, sei que é de se ficar meio sem ter o que dizer... mas desde que li, quis dizer alguma coisa... primeiro que o fato das pessoas utilizarem o ato de fumar como uma condição auto-afirmativa, esteve presente num momento bastante preciso da imposição do modo de vida norte-americano como um modelo dominante, que transpirava e exarava o consumo e a perspectiva capitalísitica... ou seja, o uso do tabaco por mero prazer, como se usa qualquer outra droga, transformou-se no uso abusivo do consumo como forma de auto-afirmação... não se era alguma coisa, por uma condição de produção subjetiva, mas sim, por reprodução da representação de estereótipos.
Sobre dar o rabo... bueno! O exercício da sexualidade sempre foi uma coisa não muito fácil de se lidar... e isso não vem da proibicionista era vitoriana, mas de toda a histórica formação humana que, principalmente com o cristianismo, foi consolidando a idéia do prazer como pecado ou como “coisa feia”... e o exercício da sexualidade sempre é desdobramento de toda a relação do sujeito com o conjunto da produção de sua subjetividade... agora, se dar o rabo, para os pecadoiros e reacionários, seja feio... para muitos, dar a buceta, dar o pau, chupar, tocar, lamber, fornicar, foder, gozar, ter prazer, viver, experimentar, voar, viajar, gostar, entesar e muitos outros quetais, também seja feio... para alguns, o único exercício sexual possível seja o macho-todo-poderoso montando a fêmea, fincando-lhe a espada ereta até dar um berro e gozar (estou usando a imagética produzida por uma figura muito especial, que viveu antanho, mas que sabia muito bem que dar o rabo também é bom, porque produz prazer!)... para outros, é preciso cumprir obrigações no que tange ao sexo, porque se tocar áreas que possam produzir prazer, já não sabem o que fazer com isso! Enfim, poderíamos enumerar muitos quetais, mas fiquemos por aqui!
Enfim, a boniteza de fazer uso e exercício dos prazeres e das formas de prazer, está situada também no fato de que isso possa acontecer na dissonância com o moralismo e com a dicotômica condição de viver no certo ou no errado... para quem não tem medo ou, já não tem medo, dar o rabo é tão bom e bonito, que já não interessa o berro de um macho afoito montando sua passiva fêmea... se alguns se tornaram um “bando de bostas”, é porque se posicionaram na moralista posição de quem não tem prazer ou gozo, mas que descarrega as bolas quando busca por demais afirmar o certo... o certo que é certo só enquanto reafirmação moralista!
A vida é movimento... a vida é acontecimento... a vida é experimentação... se a vida for tornada estanque, servirá apenas aos que querem o comodismo da paralisia!

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Os benefícios dos agrotóxicos no "Mundo de Veja"


A revista Veja publicou uma matéria buscando "esclarecer" os brasileiros sobre os alegados "mitos" que vêm sendo difundidos sobre os agrotóxicos desde a divulgação pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), dos dados Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos referentes ao ano 2010. A revista se propõe a tranquilizar a população, certamente alarmada pelo conhecimento dos níveis de contaminação da comida que põe à mesa.
O comentário é de Flavia Londres, engenheira agrônoma e consultora da AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia, e publicada pela Radioagência NP, 18-01-2012.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

A dessacralização do Judiciário


"Vem ocorrendo um fenômeno que poderia ser caracterizado como de dessacralização do Judiciário, aventando-se a possibilidade de punição de comportamentos desviantes, de questionamentos do que é visto como regalias e privilégios", constata MariaTereza Aina Sadek, professora do Departamento de Ciência Política da USP, em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 14-01-2012.
Segundo ela, "tal fenômeno, além de indicar um processo de mudanças no interior da magistratura e na percepção sobre o Judiciário pela sociedade, indica também que exigências centrais da democracia e da República - transparência e prestação de contas pelas instituições - se tornaram demandas de difícil reversão".
Eis o artigo.

Projeto dos EUA quer censura mundial na web


Como a legislação em debate no Congresso norte-americano restringe a liberdade de troca de conteúdos na rede. Por que, se aprovada, ela pode provocar efeitos muito além das fronteiras dos EUA
Por Sergio Amadeu da Silveira, em A Rede

A cracolândia que você não vê


Quem se aproxima tem uma surpresa. A mão áspera é quente, os olhos ainda lacrimejam, há pulsação e sorrisos sinceros
Por Talita Ribeiro, do Coletivo Cracolândia

Derrota da Conferência da saúde, lei do gasto mínimo é sancionada


Dilma assina lei que estabelece investimento público em saúde sem direcionar receitas federais. Vinculação da arrecadação federal foi principal bandeira aprovada na XIV Conferência Nacional de Saúde, a maior do primeiro ano de Dilma. Presidenta preferia elevar gasto com imposto, mas brasileiro comprou tese de que combater corrupção e desvios resolve e não respalda ideia.

Crack é usado por miseráveis porque é barato


A explicação é tão simples que parece óbvia, mas para o especialista Dartiu Xavier da Silveira apenas o preço define o fato de que na Cracolância se fuma o crack. A droga vicia tanto quanto qualquer outra, inclusive o álcool, e as taxas de sucesso no tratamento são as mesmas. A diferença é que, neste caso, o “ser miserável” precede o “fumar crack”. Qualquer política de combate ao uso da droga tende ao fracasso, se não for precedida de uma política social conseqüente. Silveira define o lobby da comunidade terapêutica para drogados junto ao Sistema Único de Saúde (SUS) como “pesado”, e diz que a ação policial na Cracolândia é simplesmente “política e midiática”. A reportagem é de Maria Inês Nassif.

"el infarto del alma"

sempre digo que tenho um problema no coração... e não se trata de um problema qualquer... preferia (confesso) ter um sopro... acho tão poético ter um sopro no coração, porque o mal que me aflige, é de ter ventania no coração... tenho furacão no coração... tenho tornados no coração... ter um sopro, acredito, seria tão mais suave... acredito!
pensava nisso porque hoje ganhei um presente lindo... um presente muito lindo! compartilho a vida, dentre tantas pessoas, com uma amiga que me é muito cara (uma das mais caras)... é uma das poucas pessoas com quem cultivo o hábito de trocar presentes de aniversário... mas tecemos, ao longo dos tempos, a singularidade de adquirir o presente a qualquer tempo, desde que antes do próximo aniversário, ou seja, raramente se dá no dia exato do festejo... assimassim, ainda devo seu presente de 2011 e ela me veio com o de 2012!
antes de falar mais desse presente lindo, devo dizer que passei uns dias vendo a vida dura, a vida crua, a vida como ela é... dias comuns... dias que acontecem na existência de qualquer ser vivente que vive (a redundância é pra enfatizar!)... e, no meio desses dias, fui pescar... no domingo, pesquei nesse lugar que aparece no retrato aqui no blog... é um dos lugares em que mais gosto de pescar... no princípio foi uma terra cortada por um forte corredor de vento, depois se transformou numa pedreira (lugar de extração de pedras para a composição asfáltica de estradas - que levam a muitos caminhos) e, muito tempo depois se transformou nesse lago lindo, feito na cratera imensa deixada pelas pedras que saíram a pavimentar caminhos!
acho que não falei em outros escritos, que numa de minhas visitas a esse lugar, estavam lançados os alicerces para a construção de uma casa para um futuro morador que habitaria o mirante daquela paisagem... quando vi tijolos e marcos da habitação-futura, não sabia quem seria seu sortudo-morador... juro que quis largar tudo e me tornar uma eremita-dona-daquela-vista... dona, não, mas estertora-privilegiada-daquela-vista... e numa de minhas idas àquelas redondezas, afetada, não visitei o alçapão do sortudo!
agora, por esses dias, por necessidade pensadoira da pesca, fui ao meu retiro... encontrei-o totalmente diferente e com seu legítimo morador habitando o mirante de minhas jornadas... o pesqueiro, que outrora era atravessado por taquaras espinhentas, estava noutro lugar, feito somente para quem pode acessar suas bordas... desci o novo, estranho e íngreme acesso (uma escada improvisada num barranco retilíneo, que lhe ia até à metade... depois disso, só desce quem quer mesmo chegar!).
mas a questão não está na escada e sim no morador... eu que tenho medo dessas alturas todas, só consegui descer aquele barranco por conta da literatura que me tomou as ventas!
vejam que o morador que habita aquele mirante é o velho carteiro que ocupava a única vaga existente na agência dos correios do lugarejo em que passei minha infância e adolescência... foi ele que postou todas as cartas que remeti (e que não foram poucas!) e que recebeu todas as cartas que me foram enviadas (que também não foram poucas!)! é personagem emoldurado pelo romantismo de minha vã literatura!
hoje ele está aposentado... mora naquele mirante que fica na esquina entre a vida do carteiro e a do poeta... fuma seu palheiro solitário que espanta os mosquitos, enquanto cuida dos patos, dos porcos, dos cabritos, das galinhas, dos peixes, das vacas e de outros quetais que habitam aquele pequeno universo! mal sabe, ele, que seja uma figura poética e literária em meu imaginário! conversei com ele, tendo meu olhar cravado no horizonte, como uma doida que fala sozinha, enquanto imaginariza seus personagens presentificados em breves sombras dos aconteceres!
pesquei uma sacada de traíras (tem quem pesque taraíras, mas eu pesco traíras!)... pesquei pensando na poeticidade daquele momento... de estar pescando em meio à poesia, aos pés da casa do carteiro... talvez pudesse ser aos pés da casa do poeta... mas estava eu, no recanto da poesia (ouvindo, inclusive, seu eco) e aos pés da casa do carteiro... é inusitado, isso... a casa, na literatura, sempre é do poeta e nunca do carteiro... o carteiro nunca tem casa, pois a ele só é fadado carregar a poesia e as cartas... eu tive, nesse instante do acaso, a possibilidade de encontrar um carteiro habitando o mirante da poesia... ele não sabe, mas eu sei!
e subi aquele barranco vertical como quem anda numa suave estrada horizontal... assim, ontem comi as traíras com uma polenta de milho novo, mas segui poetando com esse acaso do carteiro ter entrado de solavanco no meio das histórias que me habitam o imaginário... hoje, voltando das andanças pelo mundo, cumpri minhas atividades de trabalho e depois corri a visitar essa amiga de que falei no início deste escrito... corri, porque passamos muitos dias sem conversar e amanhã cedito ela ruma para suas andanças pelo mundo... colocamos a conversa em dia e alinhavamos as próximas... quase vindo embora, ela saltou a buscar algo que trouxera de suas recentes andanças pelo mundo!
esteve na terra de neruda... esse poeta que me inspira nessa coisa d'o carteiro e d'o poeta... e passou pela casa que o dito habitou...e passou, também, numa casa de livros... quando deu de olhos no livro "el infarto del alma"*, pensou que isso seria a cara das coisas que mo atravessam... embalou para presente e trouxe-mo!
prometo: falarei mais desse livro (e essa não é uma daquelas vãs promessas feitas no afã do momento!)... mas deixo a impressão de javier edwards r., na eleição dos melhores livros de 1995, quando diz: "Relato breve, ensayo, poesía y fotografia se unem en un texto inquietante, que explora lenguajes imposibles para penetrar el mundo de la loucura.// Sin duda un libro que debe leerse y mirarse con necesidad de ver y entender, la misma que llevó a sus autoras a traspasar las fronteras para volver y demonstrar que al otro lado no hay más daño y diferencia que los que nos hemos inflingido desde el país de la cordura".
e, para dar ponto de nó neste escrito, deixo a dedicatória dessa amiga, nesse livro-presente-lindo: "Maria Luiza, quando vi o livro logo associei a ti. Lembrei que muitas vezes tens livrado as pessoas de um infarto de alma. Se é pela capacidade profissional ou/e humana de ouvir e olhar dentro da alma, pouco interessa. Importa a poeticidade da tua voz e o grande carinho que tens pelos que se colocam para ti e em ti. Tenho orgulho de fazer parte desses. Desde el Chile, 13.1.12".
gosto dessa coisa de ser poeta antes de ser gente... e de ser gente antes de ser profissional... acho que isso tem ajudado a livrar muitas pessoas de infartos da alma!
gosto, também, dessa coisa de ter poucos-mas-caros-amigos... gosto de ouvir e olhar dentro da alma daqueles que ouvem e olham dentro de minha alma, e que enxergam a poesia que me habita, mas que também me deixam ver a poesia que lhes transita!
é claro que muitos acreditam que oiço e olho assim, por uma característica de meus ouvidos e de minhas retinas... mal sabem que tateio e leio sinais, porque sou meio-surda e meio-cega! é a poesia que me habita que me faz ouvir e ver melhor!
* El infarto del alma, de Paz Errázuriz / Diamela Eltit, ocholibros, junio de 2010, chile.

sábado, 14 de janeiro de 2012

A reinvenção da crítica ao capital


O inglês David Harvey frequenta as referências bibliográficas de quem discute os efeitos da pós-modernidade. Seu "Condição Pós-Moderna" foi apontado pelo "Independent" como um dos 50 trabalhos de não ficção mais influentes desde a Segunda Guerra. Publicado no Brasil em 1992, está na 21ª edição e é leitura obrigatória para a discussão sobre as consequências, na contemporaneidade, dos efeitos do capitalismo tardio na vida social. Com o lançamento de "O Enigma do Capital e as Crises do Capitalismo", Harvey pretende tornar-se referência indispensável no debate desta segunda década do século XXI: a crise financeira global e as suas perspectivas críticas.
O comentário é de Carla Rodrigues, professora, doutora em filosofia (PUC-Rio) e pesquisadora do CNPq, em artigo publicado no jornal Valor, 13-01-2012.

As 238 páginas da tradução brasileira cujo original é de 2010 começam anunciando que se trata de um livro sobre fluxo de capital. O preâmbulo data de 2009, antes, portanto, da tragédia grega, do aprofundamento da crise europeia de 2011, e sobretudo antes, muito antes, de Ocupem Wall Street ter se tornando o símbolo de um movimento de resistência à força do tal fluxo de capital sobre o qual o autor se debruça.

O primeiro capítulo é uma apresentação didática sobre a crise americana, no qual os empréstimos conhecidos como subprime e a acalentada desregulamentação do mercado financeiro levaram os Estados Unidos a perder US$ 11 trilhões em ativos - números do Federal Reserve, o banco central americano, compilados por Harvey para sustentar seu argumento de que essa foi "a mãe de todas as crises", maior e mais profunda do que as registradas nos anos 1930, no pós-guerra, ou nos anos 1970 e 1980.

Depois de reunir números alarmantes e de explicar, como geógrafo, o que chamou de "geografia da crise", numa leitura sobre as ligações entre globalização e crise financeira, e de articular a crise do capital à degradação do ambiente, Harvey chega ao capítulo mais instigante do seu livro: "Que fazer? E quem vai fazê-lo?". Primeiro, porque as duas perguntas já supõem que haja algum tipo de resistência possível. Depois, porque as respostas de Harveyapontam para a reinvenção da crítica ao capital, crítica que, nos termos do filósofo Vladimir Safatle, havia entrado em falência.

Em seu livro "O Cinismo e a Falência da Crítica", lançado em 2008 também pela Boitempo, Safatle recorre aos sociólogos franceses Luc Boltanski e Ève Chiapello, que desde 1999 já haviam apontado para a coincidência entre a falência da crítica e a emergência de um tipo de pensamento que exaltava o fim das estruturas hierárquicas e das instituições - como igreja, família ou empresa -, o que teria aberto espaço para a apropriação, pelo capital, dos discursos e práticas que pretendiam criticá-lo.

Nesse processo, deu-se a precarização do trabalho em nome do fim da rigidez, a valorização da flexibilidade, sobretudo no quesito remuneração, e instituiu-se a terceirização como modelo de negócios em que as garantias trabalhistas foram trocadas pela promessa nunca cumprida de liberdade de escolha.

No longo processo de esvaziamento da crítica, o livro de Harvey oferece um alento. Não porque pretenda responder a essas perguntas incômodas, como o que fazer e quem fará, mas por partir do pressuposto de que a crise é incontornável se não houver a possibilidade de enunciar as duas questões que dão título ao último capítulo de "O Enigma do Capital". Quando pergunta se o capitalismo será capaz de sobreviver ao trauma da crise, Harvey responde com um sonoro "sim", mas ao mesmo tempo se afasta de qualquer ilusão ingênua ao reconhecer que o momento é de inflexão na história do capitalismo e propor que "o questionamento a respeito do futuro do próprio capitalismo como um sistema social adequado deve, portanto, estar na vanguarda do debate atual".

O autor admite, no entanto, que se há uma reinvenção da crítica essa ainda é muito incipiente. "A existência de rachaduras no edifício ideológico não significa que está definitivamente quebrado", reconhece. A partir daí, entram em cena diversos exemplos de movimentos anticapitalistas, cujo único traço em comum seria a ausência de unidade em termos de objetivo estratégia ou tática.

"O problema central é que, no total, não há movimento anticapitalista suficientemente unificado e decidido capaz de desafiar de modo adequado a reprodução da classe capitalista e a perpetuação de seu poder no cenário mundial", atesta Harvey. Quando escreve essas e outras constatações que seguem a mesma linha, o autor não parece pretender abrir mão da crítica, mas, ao contrário, reanimá-la. "Há uma vaga noção de que outro mundo é possível", dizia ele no fim de 2009.

Em epílogo assinado em janeiro de 2011, ele já dá sinais mais otimistas, quando conclui o livro afirmando que uma alternativa terá que ser encontrada. Mais peremptório, menos cauteloso, mais afirmativo, menos cético, Harvey toma para si a tarefa de crítica, quando diz: "A tarefa da transição está conosco". Ocupem Wall Street se torna, assim, uma referência obrigatória em qualquer retrospectiva de 2011, que termina mostrando que Harvey está certo e há muito trabalho a fazer.
O livro - "O Enigma do Capital e as Crises do Capitalismo" - David Harvey. Trad.: João Alexandre Peschanski. Boitempo, 240 págs., R$ 39,00