quinta-feira, 25 de julho de 2013

diálogos impertinentes - O OUTRO

processos bulímicos e outras compulsões

a cartografia dos processos subjetivos desenhados pela compulsão -seja ela qual for- nos arremessa sempre a um grande vazio... podemos buscar elementos de compreensão nos ideais colocados pelo pensamento dominante, ou na questão do consumo, ou em qualquer outra questão, mas não podemos ignorar o aspecto principal que é o grande vazio, o grande buraco existencial que engolfa e engole o sujeito compulsivo... é de um vazio de sentido, é de um desespero sem fim, é de uma busca desvairada, é de uma agonia implacável que é feita a vida na compulsão... assim, a questão não está na droga, não está na comida, não está no consumo, não está nos ideais, não está em nada que seja buscado para tentar aplacar ou minimizar o grande buraco existencial... a questão está na possibilidade de se olhar para as promessas de afeto não cumpridas na vida da pessoa, as quais lhe produziram imensas crateras afetivas e existenciais.
o compulsivo busca preencher essa grande cratera com aquilo que melhor lhe apraz e acaba, no afã de administrar a culpa ou os efeitos dos usos abusivos de qualquer coisa que seja, produzindo ainda outras compulsões.
lidar com a vida. lidar com o grande vazio. inventar outra coisa de si. modular o furacão que engole a existência. produzir a vida... essas talvez sejam possibilidades que possam arrastar o compulsivo para a borda de sua grande cratera existencial, fazendo-o produzir força e potência para inventar outras andanças em sua vida!
(na sequencia, um extrato de um trabalho em grupo sobre essas questões, buscado em: http://laboratoriodoprocessoformativo.com/arquivos/page/10/)
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Nono encontro
Participantes : Adriana- A, Adriana- B, Meire, Reinaldo, Sandra, Marta.
Consignas:
Ao iniciar o grupo Adriana A fala que deseja ler uma poesia.
Regina : – “Está bem! Você pode ler”.
A poesia fala do sofrimento de não ser compreendida em seu sofrimento.
Regina: – “Como é podermos falar do nosso sofrimento, como nós percebemos a forma de sofrimento em nós.
Neste momento começaram falas dos sentimentos que vivem.
Adriana B – “Eu sofro de bulimia, sinto um desespero enorme de ficar com o alimento na minha barriga, ela é enorme e eu preciso vomitar para aliviar minha angústia. Quando minha mãe fecha o banheiro e eu não posso vomitar, pego uma faca esquento no fogo e me corto, precisa doer muito para aliviar a dor que sinto dentro de mim .
Regina – “Como você percebe o tamanho da sua barriga “.
Adriana B. – “Ela é enorme, eu sou enorme, muito gorda.
Regina – “Venha aqui perto de mim, e vamos experimentar o seu tamanho em relação ao meu tamanho. Toque em mim perceba as proporções e vá medindo. Agora você vai fazer isso com o grupo todo, um de cada vez. Você acha que é maior que todos eles, então você vai tocá-los e comparar com seu tamanho, vai tocá-los e depois tocar você mesma”.
Adriana B – “Sinto um vazio dentro de mim, mas estou um pouco mais aliviada.
Regina – “Vamos procurar após esta experiência respirar um pouco,vejam todos ficamos afetados pelo sofrimento da Adriana B. Então vamos encher e esvaziar o peito, deixando o ar entrar e sair.
Sandra – “Eu compreendo a Adriana B. , eu entrei em uma loja e comprei oitenta pares de sapato, não consigo conter a compulsão. Me acho horrorosa, meu rosto é todo deformado, todo retorcido”.
Regina – “Mostre para nós este rosto, como ele é ? “
Sandra vai montando uma expressão de horror, criando uma careta. Regina pede que ela junte as mãos em sua expressão colocando-as ao lado do rosto. Ao mesmo tempo pede para que todo o grupo reproduza a expressão da Sandra .
Fazendo mais e menos na expressão de horror vão surgindo no grupo sentimentos de: tristeza, medo aflição e angústia.
Adriana A – “Eu me sinto perseguida, com sentimentos de traição. Como se todo tempo tivesse alguém atrás de mim. Empurrando as minhas costas.
Regina – “Mostre para mim como é a pressão nas costas. Faça nas minhas costas o que você sente na sua, usando sua mão. Agora você vai pressionar e dizer : “Você está condenado !!!!.Formando uma roda todo o grupo vai organizar esta forma, vamos fazendo uns com os outros.
Terminamos o grupo abrindo para compartilhar as experiências deste encontro. Falas do grupo: – “Vivemos muita solidão e sofrimento , poder compartilhar foi muito bom. Trouxe alívio.
Décimo encontro:
Participantes : Adriana A, Adriana B , Sandra, Marta, Reinaldo, e Meire
Consignas :
Lembrando o grupo anterior. Falas do grupo:
- O espelho deformado da Sandra,
- A compra dos oitenta pares de sapato,
- Experimentando os diferentes tamanhos de barriga com a Adriana B.,
- A Adriana A leu sua poesia e contou sua estória.
Adriana A – Ah! Eu vou desmaiar!
Regina: – Encoste sua cabeça. Parece que você está arrumando um jeito de chamar a atenção.
Adriana A – Não, eu estou passando mal.
Regina: – “Agora você está melhor?. Então podemos parar de olhar para você.
Adriana A – Onde está minha atenção !!!!!!!. (Sorrisos).
Regina: – “Como vocês fazem para chamar atenção?. Cada um vai ocupar esta cadeira ã frente do grupo e mostrar como faz para chamar atenção, e o grupo vai imitar a forma apresentada. Um de cada vez vai sendo o protagonista.
Reinaldo: – “Eu não gosto de chamar atenção. Acho que tem algo errado em mim quando as pessoas me olham. Forma: caladão, respirando contido, expressão fechada.
Adriana A – “Eu não sei chamar atenção. Então foi soltando o cabelo,ficando dengosa, jogando charme.
O grupo mostra para ela sua forma, ela reconhece.
Adriana B – “Chamo atenção me cortando.
Regina a convida a mostrar como faz. Então ela vai passando a unha sobre o braço como se estivesse usando uma faca. Num primeiro momento diz que precisava de uma faca. Regina diz não, e a convida a fazer o movimento com a mão. O grupo reproduz seu movimento para que ela possa ver. Ela diz que ficou desesperada de ver, mas não sabe fazer diferente.Conta que a irmã ao ver, no outro dia, tapava os olhos dizendo: Não quero ver coisa tão horrorosa.
Regina pede par o grupo repetir em coro muitas vezes a frase enquanto ela simula cortar-se: – “Não quero ver uma coisa tão horrorosa!”.
Adriana B: Fico com vontade de continuar cortando. Passar o dedo de leve com a Regina sugeriu não é bom, porque a dor é importante para mim, alivia minha culpa de comer, porque comer engorda. Eu não posso ser gorda porque ninguém vai me aceitar.
Regina – “Gostaria que você escolhesse alguém para fazer este movimento suave no seu braço. Enquanto ela estiver tocando você vai repetir: – Ela está me aceitando mesmo com todos os meus defeitos”
Adriana B – “Eu escolho a Adriana A. Ela vai recebendo o contato, enquanto vai repetindo a frase Regina a orienta para colocar a mão sobre a barriga, como se ela estivesse recebendo uma comida boa, que pode fazê-la crescer.
Regina: – “Você diz para si mesma : – Eu te aceito, – Eu te quero bem.
Adriana B.: – Isso tudo me acalmou “.
Sandra: – “Cabeça baixa, as mãos se apertando. Sentindo-se sozinha, infeliz e angustiada. Regina diz: – “Quando uma pessoa se fecha ela fica sozinha, como seria achar um jeito de colocar as pessoas perto”.
Aparece então um jeito de chamar com os olhos. O peito vai saindo do susto. Ela vai recebendo a solidariedade do grupo. Respirando e olhando, vai ficando emocionada de poder receber.
Meire – “Eu preciso da atenção do marido 24 horas por dia. Quando ele não pode estar comigo sinto uma angústia enorme,para aliviar eu me bato com objetos, pulo da escada, me enfio em baixo da cama.
Regina a convida a reproduzir o gesto de bater. Ela vai batendo lentamente com o punho fechado na perna. Eu não quero bater, mas não consigo parar. A angústia é maior que o desejo de não me machucar.
Regina: Parece que é uma criança que agarra na mãe e não pode deixar ela ir.
Regina: – Vamos criar com o grupo em roda um ninho, um berço, para conter e embalar a Meire.
Então o grupo criou uma forma aconchegante de embalar , com movimentos suaves, firmes e redondos, todos muito próximos. Cada membro foi revezando em fazer parte da membrana que dava contorno e ficar no centro do grupo recebendo cuidado e se aninhando. Todos puderam experimentar as duas formas do que acolhe e do que é acolhido.
Trabalhamos o tempo todo com a multiplicação de cenas, aprendendo uns com os outros
Isso ajuda criar validação de si juntamente com uma ecologia onde esses singulares comportamentos funcionam para produzir contato, ajuda, conhecimento, e sobretudo fazem sentido .
S. Paulo, novembro de 2000.

terça-feira, 23 de julho de 2013

hypomnemata 158

Boletim eletrônico mensal
do Nu-Sol - Núcleo de Sociabilidade Libertária
do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP
no. 158, julho de 2013.
 Espionagens e monitoramentos: democracia capitalista em fluxos.
 Teste #1
Em 2008, no Reino Unido, foi testado pelo GCHQ (Government Communications Headquarters) um programa de monitoramento de informação e dados dedivíduos em fluxos computo-informacionais na Inglaterra. O objetivo era recolher a maior quantidade de informações por internet e telefonia.
O programa, nomeado de Tempora, está em vigor desde 2011. Qualquer dado de qualquer um trocado no Reino Unido é coletado: chamadas telefônicas, conteúdos de e-mails, acessos e publicações em redes sociais, histórico de sites acessados...
Entretanto, não são somente as fibras óticas do Reino Unido que estão grampeadas, mas também as transoceânicas que ligam o Reino Unido aos EUA.
Não se trata de espionagem aos dados que trafegam pelos EUA, mas de uma aliança. O programa Tempora só foi habilitado após acordos entre a GCHQ com a estadunidense Agência Nacional de Segurança (NSA). Em maio de 2013, inúmeros funcionários da GCHQ e da NSA trabalharam juntos para decifrarmetadados e vasculhar conteúdos para processar uma busca com maior velocidade.
Monitora-se o fluxo de informações trocadas em nome da segurança. Não se trata somente de investigar quem é tido como suspeito, mas de rastrear e decodificar todos os dados e indicar para onde vão, de onde vieram e qual o seu conteúdo.
Na década de 1980, as pesquisas sobre informática buscavam fortalecer o firewall para evitar que um vírus se alastrasse como um incêndio pela internet. Funcionava como uma muralha para permitir a entrada seletiva de dados em um computador e, articulado de forma simultânea ao protocolo TCP/IP, rastreava e barrava acessos.
Hoje, o firewall está mais flamejante do que nunca e combina-se com monitoramentos e inspeções de bits para garantir a transparência dos dados recebidos e enviados.
Teste #2
Durante a ditadura de Muamar Kadafi foram construídos laboratórios de monitoramento de dados de divíduos em fluxos. Ali, inspecionavam-se e-mails, telefones celulares, sms e conexões via satélite. A empresa que vendeu a tecnologia ao ditador libanês, em 2007, foi a companhia francesa Amesys.
O sistema de monitoramento de comunicações chamado Eagle Glint grava, decodifica, armazena e distribui dados provenientes da internet, telefone ou satélites. Posteriormente, é possível cruzar todas essas informações.
Entretanto, esse produto restringia-se apenas à Líbia. Não era possível monitorar comunicações além de suas fronteiras. Estima-se que, por meio do EagleGlint, foram monitorados oito milhões de líbios suspeitos de oposição a Kadafi entre 2008 e 2011.
No Bahrein, minúsculo país situado no Golfo Pérsico, a Travicor, subsidiária da finlandesa Nokia Siemens Network, forneceu equipamentos para monitoramento de telefones, que localizou um ativista, interrogado e torturado em 2011.
No Egito, durante a ditadura de Hosni Mubarak, a empresa estadunidense Narus forneceu os equipamentos para monitoramento da internet e de ligações telefônicas.
Narus também fornece produtos para a AT&T (maior empresa de telefonia e provedor de acesso à internet dos EUA). Seu lema é: ver com clareza. Agir com rapidez.
Tal empresa é responsável pela DPI (Deep Packet Inspection - Inspeção Profunda de Pacotes). Não se trata somente do monitoramento e da leitura de conteúdos de informações trocadas via internet, mas também de copiá-las, editá-las e modificar seu destinatário. Para as DPI não há dado de um servidor que não possa ser inspecionado e modificado.
Os monitoramentos que ganharam os jornais nos últimos meses foram testados antes de entrarem em ação nos EUA e na Europa. Nesses dois lugares, principalmente nos EUA, encontram-se os maiores servidores do planeta, além das principais empresas da internet.
O rastreamento e monitoramento das informações transmitidas foram aprimorados em ditaduras e agora são utilizados para garantir a segurança de cada um e do trânsito da informação livre nas democracias.
Enquanto isso, fica a questão: as tecnologias DPI já passaram da fase de teste?
Implementação
O PRISM, atualização do Programa de Vigilância do Terrorismo, é desdobramento destes testes realizados em vários países e da aliança da NSA com o Reino Unido em torno do programa Tempora.
Entretanto, não se trata mais de prestação de serviços por uma empresa para a sofisticação do monitoramento, mas de corporações que participam do programa no fornecimento de dados.
É possível ter acesso completo aos arquivos postados no Facebook, às conversas via Skype, e-mails do Gmail e Yahoo!, arquivos de voz e imagens do Google Drive.
A NSA consegue informações de qualquer um que esteja conectado por meio de um grampo nas extremidades das teias de conexões: os roteadores do provedor de acesso.
Uma cópia de cada dado enviado a um computador é enviada aos escritórios da NSA. Se estes estiverem criptografados, a Microsoft fornece auxílio para que os dados sejam remontados para compor uma mensagem.
E seguem os milhões de petabytes de dados produzidos a cada segundo na internet e que atravessam as linhas telefônicas. Todos transformados em números, códigos binários de 1010011 para aperfeiçoar programas de monitoramentos na contabilização e intersecção dos dados.
Avatares, os perfis fakes em redes sociais, ou contas de e-mail com dados incorretos não enganam ou despistam ninguém.
A identificação na internet se dá por protocolos que identificam geograficamente cada mensagem.
Não se trata mais do imperativo da inclusão de cada um ao protocolo, mas de como fazer cada um aderir e confiar nele, como participar, trocar e-mails, confirmar, postar, curtir.
Pelo protocolo é possível ser transparente independente do conteúdo da informação.
O protocolo da internet (IP) é composto por regras estabelecidas em torno dos códigos. Qualquer um que se conecte está compactuando com o protocolo estabelecido por instituições que definem padrões para as empresas de informática.
O protocolo regula as informações transformadas em dados, não para sua troca, mas para que o fluxo nunca seja interrompido.
A confiança nos protocolos é peça-chave. É preciso confiar que a informação irá chegar e nunca será bisbilhotada, entretanto, informações corriqueiras como e-mails nunca foram criptografadas, são dados abertos correndo pelos fluxos.
E, no caso do PRISM, qualquer criptografia encontrada nos servidores é rapidamente decodificada pela Microsoft.
O monitoramento da comunicação trata de como copiar esse fluxo, de como interceptar sem interromper, de como recolher os dados que correm pelos protocolos e realizar sua leitura.
Identifica-se e monitora-se qualquer um que esteja no emaranhado de fios, wlans e 4Gs...
espionagem para a segurança (codinome: inteligência para a transparência)
PRISM é um codinome, ou seja, uma maneira cifrada, secreta ou conveniente de nomear o programa oficialmente chamado de SIGAD US-984XN, utilizado pela NSA para o monitoramento em fluxos computo-informacionais de usuários dos grandes serviços de internet.
Codinome, do inglês code name, é uma palavra que remete à espionagem. Espiões e seus codinomes: na Primeira Guerra Mundial, Mata Hari, a “H-21”; na Segunda Guerra Mundial, Juan Pujol, o “Garbo” ou o “Arabel”; na Guerra Fria, Klaus Fuchs, o “Rest” e depois o “Charles”; no cinema, James Bond, o “007”.
Na Idade Média, espiões conviviam nas cortes, colhendo informações. No século XVII, a espionagem acopla-se ao dispositivo diplomático-militar, contribuindo para a balança do equilíbrio do poder da Europa.
Embora a espionagem não seja uma prática exclusiva do século XX, foi este século que mostrou que não se espiona apenas com olhos e ouvidos. Máquinastambém executam a tarefa de interceptar preciosas informações alheias.
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, parte dos destroços de Berlim foram depositados ao lado da floresta de Grunewald, localizada dentro do limite urbano da capital alemã, criando um berg (montanha) de 120 metros de altura.
Sob o Teufelsberg (Montanha do Diabo), a NSA instalou uma de suas maiores estações de escuta. Esta máquina de espionagem foi implantada no lado ocidental da capital alemã, que ficou para os aliados, preparada para interceptar as comunicações dentro da opaca cortina de ferro.
transparência sempre foi uma arma para a democracia capitalista.
Na Guerra Fria, a espionagem passa a ser chamada de inteligência, tornando-se um dos mais importantes investimentos dos Estados, que também se organizavam para responder à espionagem com programas de contra-espionagem ou contra-inteligência.
Em 1947, nos Estados Unidos, o “Office of Strategic Services” é rebatizado com o nome de “Central Intelligence Agency” (CIA), encarregada de monitorar a inteligência de países estrangeiros e executar atividades de contra-espionagem, como o aperfeiçoamento de programas de criptografia.
A CIA também foi um dos combustíveis para a corrida espacial, colaborando de forma decisiva para criação do programa espacial estadunidense. Com o fim dos programas de reconhecimento de mísseis e arsenais nucleares no território da URSS feitos por aviões U2, Eisenhower deu sequência à política Open Skiescom o programa de satélites espiões Corona, codinome: “Programa Científico Discoverer”, cujo primeiro da série de 144 satélites foi lançado ao espaço em 1959.
Ao contrário dos aviões U2, a espionagem via satélite não violava soberanias, uma vez que se pressupunha ser a órbita terrestre um espaço internacional e neutro.
Depois de 1961, além de imagens, os satélites espiões estadunidenses chamados Ferrets (Furões) passaram a realizar escutas eletrônicas, interceptando pelo espaço mensagens das forças inimigas para a prevenção de ataques e para o denominado equilíbrio da balança de poder bipolar.
Com as negociações diplomáticas sobre a limitação das armas nucleares na década de 1970, a espionagem via satélites perde seu caráter denominado invasivo.
As superpotências convergiram sobre a utilização de “meios técnicos nacionais” (codinome para satélites espiões) para que o cumprimento dos acordos de desarmamento nuclear (SALT 1 e 2) fosse verificado.
É neste momento que a espionagem eletrônica, antes repudiada, passa a ser legitimada, além de passar a fazer parte do jogo inteligente dos monitoramentos, seguranças e transparências.
O caso Watergate, que levou à renúncia do presidente Nixon, escancarou como a espionagem movimentava a democracia estadunidense. As escutas telefônicas espiãs serviram, a outros ouvidos, para confirmar as manobras de Nixon para inviabilizar as investigações sobre o uso da inteligência pela Casa Branca para monitorar os democratas.
Ainda nos anos 1970, Francis Ford Coppola mostrou no filme “The Conversation” (A Conversação) como a parafernália tecnológica de inteligência (câmeras, microfones e escutas telefônicas) transbordou as relações intra e interestatais para estar à disposição da sociedade: o espião profissional presta serviços de inteligência a clientes estatais ou privados, para obter informações de empresas ou de casais de amantes, não importa.
A inteligência não se limitava mais à espionagem do inimigo interno ou externo.
Com a expansão da democracia, a inteligência consolida-se em fluxos de monitoramentos para a segurança e para a transparência. Tornou-se uma exigência para a segurança do equilíbrio do poder planetário espionar os fluxos de informação e dados de divíduos nos fluxos.
Nos anos 1980, aparece mais um codinome para designar novas máquinas espiãs: Echelon, que nunca chegou a ter registro nos documentos oficiais estadunidenses. O Echelon fazia parte do sistema five eyes que tinha como propósito compartilhar informações de espionagens entre os EUA, Inglaterra, Canadá, Austrália e Nova Zelândia, derivado de acordo que sucedeu ao inicialmente estabelecido apenas entre EUA e Reino Unido em 1946. Seu codinome remete à escala planetária deste sistema de interceptação de mensagens transmitidas por satélites de comunicação comerciais.
Surgia assim a primeira rede planetária de inteligência, agora destinada a configurar divíduos em fluxos, capaz de triar por meio de palavras-chave comunicações orais ou escritas por telefone, fax e, depois, também por internet.
Nas palavras de Obama um dilema parece não ter solução: “É impossível ter 100% de segurança e 100% de privacidade”. O que está em jogo nas democracias contemporâneas é como equacionar segurança e privacidade capitalista, cálculo amplamente referendado pelos dispositivos de interceptações comunistaschineses.
Porém, por meio das transparências de prismas eletrônicos, novos regimes de verdade são instaurados assim como configuram novas subjetividades.
Devaneio protocolar
A chegada da internet, no final do século passado, anunciou uma nova forma da livre expressão liberal. Foi além da tribuna de opinião da imprensa escrita, na qual cabia ao leitor comentar o diário ou o semanário repleto de notícias e artigos distribuídos segundo uma editoria empresarial.
A introdução do e-mail @ e do wwwproduziu um modo específico de comunicação. A pessoalidade de cada um encontrou no e-mail o substituto gradual das cartas e mensagens, da mesma forma que empresas, universidades, institutos, fundações, partidos, sindicatos, enfim, as instituições democráticas capitalistas também aderiram à nova comunicação constante.
Mais do que isso, pela linguagem www. proliferaram sites, provedores, enciclopédias e variado temário, proporcionando acesso instantâneo às palavras-chave do usuário.
Crianças, jovens, adultos e velhos vieram para a comunicação eletrônica. Formaram-se as chamadas redes sociais de relacionamentos, empreendimentos, agitações e as inéditas modulações configuraram uma subjetividade disponível a participar de modo distinto das tradicionais representações.
Todos passaram a ser livremente convocados a participar de modo inovador e colaborativo na empresa, nos protestos, na vida política, nas culturas específicas e crentes na liberdade de expressão espontânea.
Porém, estes modos de atuar geraram conexões inéditas, adequando a vida de cada um e de todos a esse modo compartilhado, transparente e cordato de democraticamente externar intimidades e sugestões em vista da pertinência dos temas, dos sentimentos, da rapidez em decidir e da velocidade em produzir.
Os usuários passaram a acreditar nas suas livres manifestações, nas suas amizades eletrônicas, nos amores ali conquistados, e acomodaram-se à comunicação eletrônica.
Vieram, aos poucos, os celulares, os smartphones, tabletsmessengersTwitter, sites e blogs, juntamente com hardwares e softwares que lhes antecederam, contemplando, junto ao e-mail, a comunicação rápida, instantânea e de muitas convivências e conveniências.
De pronto, nada opuseram ao cerceamento do acesso livre à internet durante o expediente nas empresas, afinal a responsabilidade consensual da empresa é gerar produtividade. E todos devem: colaborar, cooperar e compartilhar.
Cada um passou a compor seu próprio e variado equipamento, reconhecendo a separação entre sua conduta e a conduta esperada pela empresa no uso deste equipamento.
A chamada “ferramenta” mostrou-se coerente à lucrativa produção tecnológica, segundo uma ética responsável. Ainda que o público e o privado cada vez mais se misturem, esta ética situou cada um, com seus aplicativos, como sabedor ou não que seu IP seria rastreado.
A chegada da internet e as mais variadas e abundantes tecnologias correlatas consolidaram uma subjetividade conveniente à liberdade liberal que requer livre circulação de palavras e condutas com segurança.
Das práticas dos embaralhadores de IPs e invasores de provedores vieram os programas de segurança e, paulatinamente, começou-se a conformar um direito penal para regular os usos e formas de acessos.
Todavia, do cidadão comum aos políticos, principiou a suspeita relativa ao monitoramento das informações arquivadas por cada um. E o que era a livre expressão democrática, nada mais é do que o constatado controle monitorado de acessos, correspondências, arquivos e desejos.
De repente, fala-se de espionagem eletrônica, modo pelo qual analistas novamente ajustam a linguagem da comunicação instantânea às instituições capitalistas e empresas.
Entretanto, a programação diplomática da computação passa pelo controle político e cultural da vida dos trabalhadores, redimensionada como capital humano, simplesmente porque também é econômica.
A comunicação eletrônica nunca foi livre, apesar de democrática capitalista e, portanto, monitorada para garantir segurança.
Surpreende o cidadão midiático, hoje em dia, que o Estado esteja espionando. Mas ele sempre esteve espreitando, como as empresas que produzem esta tecnologia o fizeram segundo uma clara politização que requer de cada usuário uma conduta produtiva diplomática, análoga à dos programas e às dos protocolos, e capaz de ser modularmente monitorada.
A comunicação eletrônica instantânea e espontânea sempre foi transparente e por sê-lo, gradualmente, compôs seu direito penal em nome da moral e da ética responsável.
Mais uma vez o sonho acabou. Não o sonho libertário que não espera pelo futuro, mas o devaneio dos cidadãos que supostamente esquecem que só há direito porque devem cumprir com seus deveres.
Resta-lhes, por ora, o refúgio em Facebook e similares, em fotografar-se em trânsito e como turista, em postar instantâneos de uma contestação ou festividade, em compartilhar pelas redes.
Fazem as ferramentas funcionarem, segundo a politização esperada.
E se satisfazem com sua conduta auto referendada resistente voltada às melhorias institucionais. A quimera acabou mesmo!

domingo, 21 de julho de 2013

Ódio

O poder precisa que os homens estejam tristes para ser desejado: esta é uma afirmação que sempre fez sentido e que continuará a fazer sentido na história humana. Há uma produção social da tristeza que concerne aos modos de habitar, de trabalhar, de estudar, de se deslocar, de se divertir. “Entendemos que a doença do homem no mundo atual não está separada do seu meio social, das suas maneiras de desejar, de produzir corpo ou, numa tentativa de expressarmos isso mais claramente, da sua ignorância sobre a importância do corpo – das relações do corpo – para o pensamento... o homem contemporâneo sequer quer pensar porque vive cansado, seu corpo está esgotado pelas instituições. Corpo e mente estafados – eis um retrato do homem contemporâneo”. Quando dissemos isto em outro texto queríamos destacar que a organização utilitária dos corpos produz necessariamente uma maneira de viver entristecida. Desse modo, os homens estão muito mais vulneráveis ao ódio, desde que seja apontado para eles a causa dos seus males. Pode ser o vizinho, o chefe, o capitalista, o miserável, o governante do seu país – desde que lhes mostre uma causa para sua tristeza, observamos o ódio dos “homens de bem” tomar proporções que servem para afundar ainda mais a sua própria existência na lama do ressentimento. Mas é muito fácil mostrar, ou melhor, inventar uma causa para a tristeza de alguém: neste ponto, temos que reconhecer que os homens de poder são realmente mestres. A famigerada composição imagem e palavra serve para direcionar o ódio da massa que, reduzida à opinião, imagina lutar pela sua liberdade quando, de fato, presta um grande serviço à sua própria servidão. Basta associar a imagem de uma parede pichada ou de uma mesa quebrada com a palavra “vandalismo” para que o ódio seja direcionado. Basta associar a imagem da bandeira nacional com frases do tipo “O gigante acordou!” ou “Um só grito, uma só força!” para que a luta pela liberdade tenha algum sentido. Basta associar a imagem de um partido político, cujo símbolo é de cor vermelha, com a frase “Esta não é a cor da nossa bandeira!”, para que o inimigo seja identificado e odiado. Basta associar a imagem de soldados armados com a frase “Paz e proteção para todos!” para que essa“proteção” seja digna de ser desejada... Para quem sofre há necessidade de um inimigo para odiar, portanto, é fundamental que os homens de poderinventem inimigos, sempre através da composição imagem e palavra. Mas se eles são mestres na arte de direcionar o ódio (e também o amor) das massas de acordo com seus interesses perversos, são também facilmente desnudados por outra arte que eles estão longe de dominar: a arte do pensamento. A melhor arma contra a opinião é, sem dúvida, o pensamento, pois pensar “exige coragem para dizer as coisas que não se ousa dizer, para dizer de um jeito que habitualmente a sociedade nãodeseja saber”. Por meio do pensamento, percebemos que o discurso do poder é muito pobre, repetitivo, infantil. Tem sempre alguém para odiar, tem sempre alguém que irá nos salvar. Em suma: sem a arte do pensamento é muito mais fácil morder a terrível isca do poder.

para viver com a cabeça erguida e um sorriso no rosto!

aprecio por demais a leveza da vida feita de fluxos e os agenciamentos que essa vida propicia em minha existência, assim como, na vida das outras pessoas e no vasto mundo em que vivemos. gosto da paz. gosto da paz de um amor tranquilo (e isso não é um amor qualquer, mas sim, cheio de vida, de movimentos, de acontecimentos, de transformações). gosto da vida como ela é, bem rodriguiana, acontecendo de verdade. gosto de viver a vida conforme às minhas escolhas. gosto daqueles que não perdem o compasso e a cadência de suas existências, e compõem a vida com as ferramentes de que dispõem. gosto das gentes que não se aferroam a bestas vaidades. gosto das pessoas que saem do fundo de seus seres e cumprem a dor e a alegria de aprender a viver, fazendo de sua vida coisa outra, que não aquilo de que foram feitos. gosto do desassossego. gosto do compasso dos meus passos e da cadência de minhas andanças. gosto de ver quem anda comigo, também andando!
vivo com a grandeza de quem já ralou toda a pele velha e carcomida de uma existência dura. vivo com a grandeza de quem pode se orgulhar de tudo o que fez e faz. vivo com a alegria de provocar alegria por quase todas as vidas em que transito. vivo com a vivacidade que me permite, todos os dias, atravessar vidas e transformar existências. vivo com o sorriso que me brota da potência. vivo inventando a vida todos os dias!
inventei, em minha vida, a possibilidade de lidar melhor com as diferenças que permeiam as diversidades. criei em mim o sentimento de grandeza com relação a tudo o que tenha a ver com produção de vitalismo e potência na vida das gentes.
não tenho interesse por qualquer pessoa que busque sua consolidação através da ocupação de espaços formais de poder. abomino seres estéreis e esterilizadores que vivem de pequenezas regadas à ignorância, arrogância, prepotência, soberba, autoritarismo, fascismo e outros quetais. abomino seres precários que se fazem guiar por pequenas ou grandes fantasias sobre o que ouviram falar ou imaginam sobre a vida do outro. abomino seres pequenos que se creem onipotentes, quando não passam de pequenos ditadores emanadores dos pequenos-grandes fascismos que lhes habitam. abomino seres que escoam a vida, rastejando em meio ao próprio vômito ou pisoteando a própria merda. abomino aqueles que se sustentam em crenças em verdades-únicas e tradições-cegas-e-inócuas. abomino aqueles que julgam o outro segundo seus próprios estertores. abomino a vida que se escoa pelo ralo, enquanto alguns acreditam deterem o poder sobre a vida!
não aprecio pensamentos e (des)afetos rasos, porque a vida é feita de infinitas possibilidades. troco passos com tudo o que me afeta, desconcerta, anima, mobiliza, emociona, atravessa. sou grandeza, elegância, generosidade, compartilhamento, sempre e principalmente quando esperam em mim precariedade. não destilo ranços e nem rancores. não trabalho para afirmar ideias e ideais prontos e acabados; trabalho inventando a vida todos os dias.
vivo da leveza das canções cantaroladas ao acaso... da poesia tramada em letras juntadas no chão da vida... da risada largada e da alegria solta... da boniteza das minhas andanças (que nunca são solitas)... das literaturas que invento nas dobras dos existires... da abertura de fissuras que criem fluxos... da boniteza das coisas simples... do desapego das desnecessárias cargas... dos-micro-acontecimentos... das intempestivas genialidades nascidas das mais inusitadas situações... das coisas possíveis. no mais, é assim que eu vivo... e gosto de andar com aqueles que também andam nessa mesma toada... dos que andam outras andanças, apenas tenho notícias (mesmo que diárias e constantes), mas com eles, não troco passos!

PAI, O QUE É ORGULHO?

hoje, olhando para alguns acontecimentos que tenho assistido nos últimos dias em nossa cidade, retomei este texto escrito lá pelos idos de 2001 (publicado no Jornal Estilo - Cruz Alta/RS)... é lá do alvorecer de minha vida pessoal e profissional aqui nesta cidade... é de um tempo difícil... é de um tempo que ficou para traz, abrindo espaço sempre para outros acontecimentos... aí vai...

            Vejo aquela publicidade da Monsanto, que é veiculada na televisão, em que o menino pergunta ao pai “pai, o que é orgulho?” e o pai se põe a responder o que é orgulho para a Monsanto e que certamente não seria orgulho para um pai e para um ser humano comprometido com o futuro da humanidade, enfim, é um pai daqueles 100 % transgênico, e o menino ainda diz que aquilo que lhe foi descrito é a mesma coisa que sente pelo pai.
            Sempre me ponho a pensar sobre o que é que o meu pai responderia se lhe perguntasse o que é orgulho, ou sobre o que é que eu responderia se me fosse feita essa mesma pergunta... e nessa semana pensei muito mais nisso, porque quando praticamos esse árduo exercício da escrita e do escrever, às vezes ficamos expostos à afetação daqueles que percebem que lhes serve algum chapéu jogado ao léu, e isso acaba nos valendo, com freqüência, algumas ameaças/ tanto ameaças físicas, quanto ameaças morais, como se os princípios morais ou éticos fossem os mesmos para todas as pessoas/ para todos os sujeitos.
            Nesta semana recebi uma ligação telefônica de um senhor que quis demonstrar ter conhecimento sobre um dívida minha com uma dada instituição financeira, para tentar, com isso, obter o meu silenciamento com relação a algumas questões sobre as quais tenho bradado... perdi, por esse senhor, o pouco respeito que por ignorância lhe dedicava, porque dignidade não é uma coisa que se negocia... dignidade, para mim, é uma condição que construí arduamente em minha vida e, portanto, sustentarei isso a qualquer preço... talvez esse senhor não saiba e nunca tenha experienciado na vida a difícil situação de, por questões conjunturais, ver a sua situação financeira mudada rápida e radicalmente para pior... só quem nunca passou por uma situação assim, não sabe o quão triste é e o tempo que se demora para resgatar o equilíbrio financeiro quando dependemos somente e tão somente do nosso trabalho e do nosso salário (atrasado ou miserável) para fazê-lo.
            Isso me fez lembrar da minha infância quando, já criança, auxiliava no atendimento no moinho e no bolicho de minha família, onde trabalhávamos com o sistema de caderneta, o que me fez aprender o preconceito de que honestidade significava pagar as contas em dia, o qual tive que desconstruir quando, já adulta, eu mesma não pude pagar todas as minhas contas em dia e então entendi que honestidade não significa somente pagar as contas em dia.
            Hoje, como a maioria das pessoas que conheço, tenho dívidas, e tenho três dívidas históricas, as quais estou pagando ou pagarei com imensas dificuldades porque, num dado momento da minha vida, decidi renunciar ao trabalho numa área que me rendia vastos recursos financeiros, mas no que era infeliz, e então assumi o trabalho público num município cujo salário era e é impronunciável (hoje mal passa de dois salários mínimos) e, na época, era pago com três meses de atraso, ao ponto de termos que implorar para receber adiantamento do próprio salário atrasado... é duro, principalmente quando se passa três meses sem receber salário, ou quando se muda radicalmente o tipo e a dimensão do rendimento.
            Uma dívida se refere ao Crédito Educativo, no qual ingressei no exato momento em que se passou a requisitar o pagamento integral das mensalidades, mas sem o qual não teria conseguido fazer um curso superior; a outra se refere ao Proger, que é um financiamento para recém-formados; e a terceira se refere aos recursos que tive que buscar para, num dado momento, sobreviver mesmo e em, outro, para viabilizar alguns passos em minha vida.
Tenho que dizer que não tenho vergonha dessas dívidas, mas teria vergonha se eu tivesse desistido ou se não tivesse sequer começado a andar, e se isso tivesse me provocado a deixar de acreditar e de andar... e se algum dos meus poucos e pequenos bens materiais for, um dia, leiloado (seja por falta de recursos, seja por praticidade), certamente isso não me fará deixar de caminhar, porque as coisas que me sustentam e que me dão pernas para andar não são coisas materiais e muito menos negociáveis.
            Fiz meu curso superior indo para a Universidade de bicicleta ou caminhando. Utilizava o meu tempo livre na Biblioteca ou freqüentando disciplinas que me interessavam em alguns outros cursos. Fui bolsista de projetos de pesquisa, quando aprendi a trabalhar com pesquisa, sendo que o dinheiro da bolsa era todo gasto na aquisição de livros. Por mais simplória que tenha sido, tenho o mais absoluto orgulho da minha formação e da minha trajetória.
            Soube, também nesta semana, de uma pessoa com quem me relaciono profissionalmente que uma outra pessoa que alardeia me conhecer, estaria querendo lhe alertar que eu seria perigosa por ser homossexual... e essa pessoa que pretendia dar o alerta é uma dessas que gosta de fazer discursos, só discursos, de respeito às diferenças... deve ser daquelas que pensam, também, que homossexual seja uma pessoa tarada que sai atacando quem aparece pela frente... e isso me fez lembrar de uma pessoa que defendi e livrei de receber, publicamente, acusações injustas com relação a um trabalho já encerrado, a qual, sabendo que antes de vir trabalhar e morar nesta cidade, eu havia rompido um relacionamento que me havia sido complicado e difícil devido a algumas incompatibilidades, e ela saiu a tecer comentários formulados segundo o seu imaginário, dizendo que eu teria vindo para cá fugindo, por causa desse relacionamento, e ainda, que eu seria usuária abusiva de álcool - também segundo o fértil imaginário dessa pessoa que eu mesma, por justiça, defendi.
            Orgulho, para mim, é tudo aquilo que construí em minha vida e do que não abro mão... não se trata de coisas materiais... tenho orgulho de minha caminhada profissional e de minha trajetória pessoal/ de minha formação teórica/ de minhas concepções e das posições que assumo e defendo/ da coragem de não ser na exatidão da forma que todos esperam, mas sim da forma que brota de minha autenticidade/ de não optar pela comodidade hipócrita dos lugares pré-concebidos e pré-determinados/ de assumir as minhas opções e as minhas escolhas/ de não me fazer guiar pelo conservadorismo e de assumir a condição da homossexualidade enquanto escolha pessoal e subjetiva, e enquanto direito civil, o que vivo com orgulho e com a mais justa e certa tranqüilidade/ de não me curvar à cultura das aparências e da pseudo aceitação/ de fazer de todos os erros uma possibilidade permanente de aprendizado e de conhecimento/ de fazer escolhas profissionais sustentadas por minhas próprias convicções, e nunca pela violência da acomodação nos mandamentos conservadores/ de não ter medo das chantagens daqueles que são habituados a ocupar espaços de poder para fazer um governo para poucos/ de acreditar profundamente que um outro mundo seja possível e de trabalhar incansavelmente para que isso aconteça/ de fazer da esperança o movimento para a vida!
            Orgulho, para mim, é aprender a respeitar o tempo e a caminhada do outro... é saber reconhecer e questionar aqueles cuja caminhada se dá na promoção da injustiça... é poder viver com coerência e com lealdade aos princípios éticos que norteiam a minha existência... é poder dizer o que penso e expressar as coisas nas quais acredito, certa de que todos os erros que cometi ou vier a cometer, servem para me ensinar a caminhar melhor.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

O SUS precisa de Mais Médicos e de Muito Mais!

O SUS precisa de Mais Médicos e de Muito Mais!
Nota do Cebes

As manifestações de rua e as consequentes respostas governamentais têm gerado um intenso debate na sociedade sobre as políticas públicas, entre elas, as de saúde. Para o Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes) o momento é de celebração do aperfeiçoamento e aprofundamento da democracia brasileira. Nossa contribuição nesse debate expõe nossas posições e propostas para o setor da saúde brasileira cotejadas ao Programa Mais Médicos que o governo apresenta como estratégia para atendimento das demandas populares.
É imprescindível reconhecer que a assistência à saúde é dependente dos trabalhadores da saúde e de sua capacidade de produzir o cuidado. Em uma época em que se supervalorizam as máquinas, os exames e a tecnologia, é necessário reafirmar que saúde se faz com gente. Todas as profissões da saúde são fundamentais para uma assistência integral, ou seja, é a equipe de saúde que será capaz de atender e resolver todos os problemas apresentados pela população.
A suficiência quantitativa das equipes de saúde quando bem distribuídas, permitirão o atendimento universal da população residente em todo o território, efetivando o direito constitucional dos brasileiros.
Entretanto, é consenso entre os gestores de todas as esferas do SUS que, entre todas as categorias profissionais da saúde, os médicos são os profissionais mais difíceis de prover nos serviços públicos de saúde.
A população também reconhece esse problema, quando aponta, como mostrou recente pesquisa do IPEA, que o principal problema do SUS é a falta de médicos. Mesmo discordando dessa assertiva que localiza a falta de médicos como principal problema da saúde, o Cebes não pode deixar de reconhecer o que mostram diversos estudos, que faltam médicos no Brasil, e esta falta ocorre principalmente no SUS. Não concordando com a argumentação das entidades médicas que insistem na suficiência de médicos, o Cebes diagnostica a deficiência e má distribuição de médicos como um problema grave. 
Por outro lado, ressaltamos que o principal problema do SUS não é a falta de médicos, na verdade mais um dos sintomas do descaso crônico na implantação do projeto SUS, relegado pelos sucessivos governos pós-constitucional ao destino de ser um sistema de baixa qualidade para atendimento da população pobre.   
É preciso reafirmar que o principal problema do SUS é a subordinação do setor da saúde à lógica de mercado que se expande sufocando o direito social previsto na Constituição.  Essa lógica de mercado trata a saúde – e a doença – como mercadoria e o crescimento desse mercado como vem ocorrendo no pais faz com que a saúde se distancie dos princípios que orientam o SUS enquanto expressão da saúde como um direito de cidadania.
É preciso analisar as razões pelas quais os médicos não se vinculam ao SUS e não ocupam o vasto território vazio destes profissionais. Nesse sentido, refutamos o argumento de que são apenas as más condições de estrutura e trabalho que explicam a ausência de médicos no SUS. Isso só poderia ser verdade se existisse um contingente de médicos desempregados por recusa de condições insuficientes, o que não existe. Ao contrário, praticamente todos os médicos brasileiros possuem um ou mais empregos como evidenciam os estudos. Outra pesquisa do IPEA, ainda mais recente, mostra que, em média, os médicos brasileiros trabalham 42h por semana e ganham aproximadamente R$ 8.500,00 por mês, o que os coloca no topo de rendimentos entre as profissões de nível superior.
O Brasil vive um boom de crescimento do mercado da saúde e hoje já conta com a presença do grande capital internacional e fundos de investimentos. Esse boom expressa a política concreta que vem sendo praticada de promover e conduzir o setor da saúde ao mercado e se aproveita do resultado da política de inclusão social pautada pela expansão do consumo, tônica da política econômica dos últimos anos.
Essa política de ampliação do consumo, associada à omissão, seja por falta de coragem, ou de tendência na correlação de forças que caracteriza os últimos governos federais que não enfrentam os interesses dos complexos econômicos da saúde (indústria farmacêutica, de equipamentos, planos e seguros privados de saúde, prestadores privados de serviços), e seguem promovendo o crônico subfinanciamento do SUS, criando as condições ideais para a expansão do mercado da saúde. Esta é a principal razão que proporciona a concentração de médicos no setor privado e sua consequente escassez no setor público, e esse modelo saqueia o SUS e gera outras graves distorções na saúde brasileira.
As multidões de brasileiros que foram às ruas em todas as cidades exigindo saúde e serviços públicos de qualidade para nós é a expressão de ser possível iniciar novos pactos sociais, dentro e fora do setor Saúde, criando efetivas condições para uma mudança nesta correlação de forças, que privilegie o interesse público ante os interesses econômicos.
Nesse contexto de situar o direito a saúde no centro do projeto político de desenvolvimento social e econômico do país, o Cebes chama a atenção para o fato de que as medidas que compõem o Programa Mais Médicos são necessárias e louváveis , porém insuficientes para o setor que necessita urgentemente de outras medidas estruturantes de curto, médio e longo prazos. Com estas referencias para o entendimento da crise setorial, expressamos nossa preocupação e apresentamos propostas em relação ao Pacto pela Saúde formulado pelo Governo Federal:
•    Mediante a injusta falta de assistência médica que acomete a população e a dificuldade dos gestores em contratar profissionais médicos, é muito bem vinda a atração de profissionais médicos estrangeiros ao país. Entretanto, esta medida deve ter caráter emergencial e focalizado para garantir o clamor do povo brasileiro que expressou isso nas ruas denunciando que parcelas significativas da população não tenham garantido seu direito constitucional à assistência médica. Simultaneamente deverão ser adotadas medidas estruturantes para o problema;
•    Mesmo sem tangenciar o grave problema do subfinanciamento setorial, o anúncio de investimentos na infraestrutura das unidades de saúde, especialmente na Rede de Atenção Básica, constitui uma medida importante e necessária, que respeita os profissionais de saúde e principalmente os usuários do SUS. A medida adequada e de longo prazo é garantir financiamento para investimentos permanentes no sistema;
•    É preciso aprofundar as mudanças curriculares na formação médica, para além da ampliação do tempo do curso. Nesta perspectiva o Ministério da Saúde, como gestor nacional do Sistema Único de Saúde, deve fazer valer sua atribuição constitucional de “ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde”, expressa no inciso III do artigo 200 da Carta Magna;
•    É preciso que as universidades tenham como missão primeira formar os profissionais de saúde com o perfil necessário para as necessidades da população brasileira, ou seja, o trabalho no SUS. Para isso, é fundamental que o ensino seja totalmente integrado com a Rede de Atenção à Saúde e que sejam rompidos os entraves que apartam os Hospitais Universitários do SUS;
•    É igualmente necessário que a expansão das vagas e cursos de graduação em medicina seja feita essencialmente via universidades públicas, e nas localidades que mais necessitam de médicos. É preciso ampliar acesso e interiorizar as escolas de medicina, e isso deve ser feito pela expansão da rede de Universidades Federais;
•    Tão importante quanto formar médicos com perfil ético e humano para trabalhar no SUS é formar os especialistas necessários para garantir a integralidade da assistência. Universalizar a Residência Médica e torna-la obrigatória, garantindo vagas a todos os egressos de acordo com as necessidades do Sistema Único de Saúde, é uma necessidade;
•    Merece nosso apoio a contratação estratégica de médicos brasileiros, por parte do governo federal, para atuarem nos municípios e áreas de difícil provimento, onde a ausência desses profissionais é mais sentida pela população. Mas são necessárias mudanças na Lei de Responsabilidade Fiscal que limita a capacidade das municípios  e estados para a contratação de profissionais de saúde que preferencialmente devem estar vinculados institucionalmente aos municípios;
•    Imediatamente deve ser criado e implantado o Plano Nacional de Cargos, Carreiras e Salários para os trabalhadores do SUS, conforme foi apontado na última Conferência Nacional de Saúde. O Cebes defende a criação imediata da carreira nacional nos moldes do definido pela Mesa de Negociação Permanente do SUS.
É fundamental que o governo federal saiba aproveitar esse momento em que a sociedade brasileira reivindica serviços públicos de saúde com garantia de acesso e qualidade e corrija o erro que foi a regulamentação da Emenda Constitucional 29 sem a vinculação do percentual de 10% da Receita Corrente Bruta da União para a Saúde.
Com a retirada dos incentivos e renúncias fiscais aos planos e seguros privados de saúde e com o incremento de recursos advindos dos royalties do Pré-Sal e da Taxação de Grandes Fortunas, é perfeitamente possível garantir esse patamar mínimo de investimento na saúde dos brasileiros sem que isso acarrete em desequilíbrio fiscal.

Temos convicção de que, com o investimento adequado e com a coragem necessária para enfrentar os interesses econômicos que incidem sobre o setor saúde, é possível e necessário consolidar o direito cidadão à saúde e o Sistema Único de Saúde, como demanda o povo brasileiro. O SUS precisa de Mais Médicos e de Muito Mais...

Como ludibriar o leitor

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Num episódio emblemático, jornais manipulam pesquisa segundo a qual população os consideraria “confiáveis”
Por Luciano Martins Costa, no Observatório de Imprensa
Uma das vantagens que os jornais supostamente oferecem em relação aos outros meios de informação é o sistema de organização das notícias: elas são distribuídas por seções temáticas, quase sempre agrupadas em cadernos específicos, facilitando a busca do leitor por seus assuntos preferidos.
O fato de esse pacote de informações se renovar diariamente reforça a percepção de uma ordem e uma correlação entre os acontecimentos, o que também funciona para passar ao leitor a confiança de que a cada dia ele está recebendo o que há de mais atual, e que com isso estaria adquirindo um conhecimento objetivo sobre a realidade que lhe interessa.
Por isso, quando a imprensa quebra esse elo, a consequência pode ser desastrosa.
Por exemplo, no domingo passado, o Globo publicou como sendo recente o resultado de uma pesquisa sobre credibilidade da imprensa que havia sido divulgada pela agência de Relações Públicas Edelman quatro meses antes. O estudo, feito anualmente há uma década, dizia que a mídia é a entidade mais confiável para os brasileiros, com 66% de aprovação, contra 64% das empresas, 59% das ONGs e 33% do governo.
O resultado, divulgado no primeiro trimestre deste ano, se refere a levantamento feito no ano anterior, ou seja, é um retrato desatualizado da realidade. Portanto, se apresentado como atual, é uma mentira. E por que razão o jornal carioca venderia aos seus leitores, como se fosse fresco, esse peixe congelado?
Os leitores atentos haverão de perceber que essa publicação, que foi imediatamente reproduzida por outros veículos noticiosos, passa a impressão de que a credibilidade da imprensa aumentou justamente quando caía a reputação de outras instituições, todas atingidas pela onda de protestos que ocorreram a partir de maio, ou seja, dois meses depois de distribuída pela Edelman a pesquisa referente a 2012.
Mas existe outro aspecto a ser considerado nessa questão. A publicação da pesquisa defasada sobre a credibilidade da imprensa foi feita em meio a uma série de outros levantamentos que mostram a queda da popularidade do atual governo.
Produzidos no calor dos protestos que paralisaram as grandes cidades brasileiras, esses estudos foram sendo levados ao público numa cronologia regular, a partir do início de junho, como se fossem resultados de consultas sequenciais, o que pode produzir em muitas pessoas a impressão de que o governo está rolando ribanceira abaixo.
Jogo perigoso
Essa técnica de manipulação é muito conhecida entre os marqueteiros e jornalistas, e costuma ser praticada em períodos eleitorais. Se serve para registrar as mudanças de humor de eleitores em meio às emoções produzidas pela propaganda dos candidatos, esse tipo de cobertura produz distorções fundamentais na percepção de outros contextos que devem ser vistos no longo prazo, como a avaliação da eficiência de um governo.
Funciona assim: o Datafolha produz uma pesquisa, constatando que a presidente Dilma Rousseff sofreu a primeira queda em sua alta taxa de popularidade, perdendo 8 pontos na aprovação popular, mas ainda venceria uma eleição em primeiro turno. Em seguida, os jornais reproduzem a pesquisa destacando declarações de líderes da oposição vinculando o governo às manifestações de rua e prevendo novas quedas de popularidade. Na sequência, nova pesquisa, desta vez com uma queda de 27 pontos porcentuais.
A notícia original, dada pela Folha de S. Paulo, usa o verbo “despencar”, que é repetido por todos os outros veículos, como num túnel de ecos. Novamente, repetem-se as “análises” com base em declarações de políticos da oposição, que vinculam os indicadores aos protestos que se multiplicam nas ruas.
Interessante observar que a mesma sequência de constatações é feita por outra série de pesquisas, estas produzidas para a Confederação Nacional do Transporte, mostrando tendência semelhante. No entanto, os jornais publicam esses resultados, com diferenças de poucos dias em relação aos levantamentos do Datafolha, como se fossem novas prospecções, quando são, na verdade, novas tomadas do mesmo contexto.
Dessa forma, passa-se para o leitor a impressão de que a aprovação do governo está “despencando”, para usar a palavra preferida dos jornais. No entanto, o que está “despencando” é a confiança dos brasileiros no processo democrático.
O fato mais relevante dessas pesquisas, que está sendo omitido pela imprensa, é a declaração de intenção no voto nulo ou em branco. Na última pesquisa do CNT/DMA, a presidente Dilma aparece com mais intenções de voto espontâneo do que o ex-presidente Lula da Silva e o dobro das intenções dirigidas aos possíveis candidatos Marina Silva e Aécio Neves. Na pesquisa estimulada, ela ainda venceria as eleições em dois turnos.
Além disso, a imprensa está escamoteando um dado fundamental nessa pesquisa, a mais recente: na pergunta sobre que partido o entrevistado quer ver na Presidência da República a partir de 2015, a resposta espontânea mostra que 22,1% apontam o PT, apenas 5,6% preferem o PSDB e 2,1% citam o PMDB.
No conjunto dos levantamentos, vistos desde o início de junho, o retrato mostra que o que caiu foi a confiança no processo político: mais de 50% dos brasileiros estariam dispostos a se abster em 2014. Com a redução do total dos votos válidos, ficaria mais fácil influenciar o resultado das urnas – e essa possibilidade parece estar no horizonte estratégico da mídia tradicional.
Mas esse é um jogo muito perigoso.

Médicos: os números por trás do preconceito

130718-Hospital

Estatísticas das próprias entidades profissionais revelam: sistema de saúde é marcado por privatização e elitismo. Mas há quem ganhe com esta tendência…
Por Paulo Moreira Leite, em seu blog
Nestas horas, o melhor a fazer é procurar informações consolidadas.
Muitos desses dados podem ser encontrados num levantamento conhecido como demografia médica, atualizado todos os anos pelo Conselho Federal de Medicina.
Este link contém dados que se referem a dezembro de 2011. Você pode encontrar o levantamento de 2012 na internet.
Mas o de 2011 é mais instrutivo porque traça um levantamento completo dos médicos brasileiros. Fala das formaturas, ano após ano. Fala de sua distribuição, estado por estado.
O levantamento mostra que o número de médicos no setor privado cresce numa velocidade maior do que no setor público. Você sabe quais são as implicações disso num país onde a maioria da população se utiliza de serviços públicos. É matemática traduzida para o comportamento: filas enormes, mau atendimento, equipamento sucateado.
Em regiões mais pobres, o contraste é ainda maior. O próprio levantamento do Conselho Federal de Medicina se encarrega de mostrar o tamanho dessa diferença, comparando Rio de Janeiro e Bahia.
No Rio, o serviço privado oferece 5,9 médicos por 1.000 habitantes. Já o setor público oferece 3,6 por 1.000. Na Bahia, o setor privado oferece 15,1 postos por 1.000. Já o setor público oferece 1,2 por 1.000.
Em outra comparação, o Conselho Federal mostra o tamanho dos gastos públicos nos países com sistemas universais consolidados. No Reino Unido, os gastos públicos respondem por 83%. Na França, por 76%. Na Alemanha, 75% e assim por diante.
tabela2
No Brasil, o serviço público, que precisa cobrir perto de dois terços da população, recebe 45% do total destinado à saúde. A outra parcela, destinada àquele um terço que reside no topo da pirâmide, recebe mais da metade dos recursos de saúde. Os gastos privados com saúde, como se sabe, são 100% dedutíveis do imposto de renda.
Isso explica – agora é minha opinião — dois problemas conhecidos: o estrangulamento progressivo do serviço público e a asfixia do orçamento da classe media com seus planos de saúde, que vão se tornando impagáveis na medida em que o cliente necessita deles de verdade.
Quem presta atenção nos dados globais pode concluir que se aplica ao Brasil uma situação semelhante à que ocorre no debate sobre o plano de saúde de Barack Obama nos Estados Unidos. Claro que há diferenças imensas entre os dois casos. Mas, no plano das ideias políticas, ocorreu, lá, um confronto semelhante ao que se passa aqui.
Comentando o conflito político entre Barack Obama e a oposição republicana, o jornal US Today afirmou em editorial: “Depois de envenenar o debate, os republicanos dizem que o plano está doente.”
O jornal se refere ao comportamento republicano de denunciar o intervencionismo estatal – chamado de fascismo, segundo línguas mais delirantes – para combater a proposta de Obama. Criaram vários problemas para impedir o sucesso do plano nas votações no Congresso e, depois, argumentam que não pode funcionar — por causa dessas modificações.
O veneno destilado no Brasil teve origem na oposição e também envolvia o papel do Estado.
Começou em 2007, na campanha pelo fim da CPMF, taxa que privou a saúde pública de algo como R$ 20 bilhões anuais. (A CPMF arrecadava o dobro disso, mas pelo menos a metade era destinada aos fins devidos).
Mais tarde, quando ficou claro que faltava dinheiro para equipar hospitais e postos de atendimento, para equipamentos de exame e outras benfeitorias, os sábios de plantão lançaram a teoria de que o problema não era falta de dinheiro – mas falta de boa gestão.
Em 2013, seis anos depois do fim da CPMF, quando se verificou que a gestão até pode produzir resultados mas não faz milagres, o debate mudou.
Diante da proposta de contratar milhares de médicos, inclusive no exterior, para levar aos pontos pobres do país, aqueles onde a média da rede pública é menos que 10% da privada, a oposição reclama: cadê os equipamentos? Cadê os hospitais?
É muito veneno, vamos combinar.