quinta-feira, 31 de março de 2011

divulgação: DOSSIER DELEUZE - UM DIA O SÉCULO SERÁ DELEUZIANO

já tem algum tempo que prometo aos parceiros de discussão, que estão cobrando, a postagem do material do pelbart e relacionado a deleuze... então aí vai os dois últimos textos do dossier deleuze e depois vou postando os demais!
DOSSIER DELEUZE - Organização: CARLOS ENRIQUE DE ESCOBAR - Um exame rigorosamente completo da obra do filósofo Gilles Deleuze - numa seleção de textos e análise do prof. Carlos Henrique de Escobar - HÓLON EDITORIAL
Por Murilo Mendes e Léa M. Guimarães*
A frase de Michel Foucault sobre Gilles Deleuze - «Um dia o século será deleuziano» - referiu-se em elogio a dois de seus grandes livros, Lógica do sentido e Diferença e Repetição, e tornou-se subitamente repetida nos círculos de estudos nietzschianos. Contudo esta frase nada tem a ver com uma esperança revolucionária, ou mesmo com uma transformação do mundo; é apenas uma expressão de surpresa e de incitamento numa tentativa de suscitar o ressurgimento de um ato de pensar, que Deleuze inaugura em nossa atualidade. Aos admiradores de Deleuze e de Foucault, esta frase os faz rir, como uma brincadeira carinhosa de Foucault; no entanto, para aqueles que preservam a tradição clássica do saber filosófico e procuram, incansavelmente, o significado verdadeiro nas palavras, esse dito é repudiado como algo de terrível e ameaçador. De fato, o que acontece com os escritos de Gilles Deleuze é uma mudança de perspectiva na leitura dos grandes filósofos do passado, produzindo novas e diferentes visões em relação à História da Filosofia, analisando filosoficamente as artes plásticas, o cinema e a literatura, criando um pensamento próprio, fora do sistema estabelecido, e trabalhando em conjunto com outras áreas do conhecimento. Quando Deleuze trabalha com os pensadores já consagrados pela História da Filosofia, ele não se restringe a mais uma interpretação de determinado sistema de pensamento; ele produz junto com cada autor, mergulha na leitura dos textos originais, utilizando-os para nos apresentar perspectivas outras de produção do pensamento, em termos de um funcionar de nossa própria realidade. Sua preocupação se volta muito mais para temas, funções e operacionalida-des do que para a busca de verdades significativas; enfim, são práti cas do pensar que realmente podem fazer funcionar o nosso cotidiano.
Em seu ensaio sobre David Hume, Deleuze ultrapassa a categoria do empirismo tradicional e, indo além, expõe os problemas reais das fixações subjetivas que concernem à natureza humana enquanto tal. No estudo de Kant, Deleuze nos traz as chaves para entender a «grande crítica», abrindo caminhos para entendimentos diferenciais desta filosofia-base do pensamento contemporâneo. Em seus trabalhos sobre Nietzsche, num primeiro momento, são analisadas todas as cristalizações da filosofia tradicional, em termos de um pensamento criativo e transformador; Deleuze pensa, concomitan-temente, no mesmo agenciar com Nietzsche, aliando-se a ele em todos os pontos; num segundo momento, Deleuze apresenta a vida e as obras de Nietzsche, comentando e trazendo extratos importantes dos seus textos. O estudo sobre Henri Bergson é o encontro com a intuição - fundamento do método bergsoniano - é a inovação na teoria do tempo: memória nas multiplicidades através da durée e do «élan vital»; Deleuze toma para si a posição de Bergson, e nunca deixará de usá-la no seu próprio pensamento. Os dois trabalhos sobre Espinoza são ainda mais vigorosos; neles Gilles Deleuze modifica completamente a perspectiva da História da Filosofia sobre o espinozis-mo, colocando-o não mais como racionalista e, muito menos, como cartesiano. Além de mudar a posição de Espinoza no contexto da história do pensamento clássico, Deleuze reatualiza a ética espinozis-ta, colocando-a nas práticas de vida do nosso próprio mundo. Finalmente, de seus escritos sobre Michel Foucault pouco poderíamos dizer, uma vez que ambos eram amigos, trabalhavam na mesma linha filosófica e quase perseguiam as mesmas questões. Deleuze, inclusive, afirma que a única diferença entre ele e Foucault é a preocupação deste com o «poder», enquanto ele se preocupa com o «desejo». Contudo é preciso ressaltar que o livro sobre Foucault é muito mais a produção do pensamento de Deleuze que uma análise das propostas foucaultianas - o próprio Foucault, na expressão carinhosa «um dia o século será deleuziano», demonstrava a satisfação frente à esperteza de um pensador criativo e produtor de realidades. Em outra série de escritos, concernente às manifestações artísticas, Deleuze utiliza a literatura, o cinema e as artes plásticas de um modo diferencial, sem as implicações da estética socrática, ou o jogo bem-belo, e sem as classificações tradicionais das artes: ele analisa os campos das expressões artísticas num co-funcionamento ao ato de pensar, revolucionando as categorias estéticas clássicas; sai dos lugares da «arte pela arte», do relacionamento do belo ao bem e ao verdadeiro, do distanciamento da representação artística do viver etc. Ele não separa os campos da expressão artística em modelos estan-dardizados. Para Gilles Deleuze, a arte não está fora de nenhuma outra produção do conhecimento humano; ele faz renascer a perspectiva nietzschiana de uma real e única relação intrínseca entre a arte, o conhecimento e a vida. Por outro lado, além dos trabalhos escritos unicamente por Deleuze, existem os trabalhos em conjunto ou em colaboração com outros autores. No trabalho com Claire Parnet encontramos as explicações necessárias sobre a maior parte das questões deleuzianas; as colocações de Parnet sobre o pensamento de Deleuze nos são bastante esclarecedoras. O estudo sobre «capitalismo e esquizofrenia», realizado juntamente com Félix Guattari, apresenta uma complexidade bem maior, consistindo na união de duas forças de nosso tempo: a filosofia e a psicanálise; por debaixo dessa união está o encontro de todas as ciências humanas, sendo revolucionadas a todo instante, numa proposta tão diferente que, provavelmente, ainda passará muito tempo até que nos apercebamos desse acontecimento. Gostaríamos ainda de falar das duas grandes obras que fariam com que «um dia o século será deleuziano»: Lógica do sentido e Diferença e Repetição. São dois livros complexos e de difícil entendimento, exigindo do leitor um estudo profundo de toda a filosofia ocidental. Ali encontramos um genuíno pensamento criativo, acentuando uma posição completamente fora de qualquer tipo de mediação, hegelianaou dialética, em favor das multiplicidades, paradoxos, diferenciações e aspectos fragmentados do existir, mas que encontram uma unidade fundamental no ato de pensar. Apesar de serem livros de filosofia, eles podem ser pesquisados por qualquer outro campo das ciências. Na realidade, para estudá-los, precisaríamos, como detetives, investigar concretamente a variedade de temas complexos e problemáticos que lá se encontram. Não acharemos nenhum conceito universal-abstrato ou norteador: ou entramos na trama da elaboração criativa do pensamento ou não conseguiremos trabalhar com Gilles Deleuze. Nessas duas obras fundamentais subjazem os acompanhamentos de uma espécie de linha marginal ao conhecimento aceito e estabelecido da tradicional História da Filosofia; Deleuze valoriza um caminhar labiríntico, que vem desde a Antigüidade, com Heráclito, Parmênides, a Escola do Pórtico ou os estóicos, Epicuro e Lucrécio, atravessando depois a Idade Média com Duns Scotus e os aristotélicos árabes, e chegando à Idade Moderna e à Contemporânea com Hume, Espinoza, Kant, Nietzsche, Bergson e, recentemente, Leibniz. A todo tempo, na leitura dessas grandes obras, o que transparece nos revolucionamentos deleuzianos é a inspiração nietzschiana, propondo novos caminhos para a expressão filosófica. Além disso, há uma interdisciplinaridade abrangendo os mais variados campos das ciências, o que nos exige muitas vezes o apoio de conhecimentos da física, da química, da psicanálise etc, para entrarmos na diversidade constante dos elementos que compõem a montagem da reflexão deleuziana. Não podemos estudar Gilles Deleuze e esperar que ele nos ensine algo: ou produzimos junto com o cabedal que ele nos proporciona ou então o século jamais será deleuziano. Agora, o pensar não funciona mais em termos de produzir verdades, investir nas essências de coisas-em-si, moldando homens sérios, amargos e tristes - modo como a filosofia colocava as questões da vida, dominada pelo primado de um saber superior, extraído das contradições de modelos imperativos: o ranço da Academia encimada pela noção maior de Deus, que manteve, ao longo destes vinte séculos, a fecundação dos conceitos transcendentais e superiores à vida. Desde a sacralização medieval de Platão e Aristóteles, vivemos numa produção metafísica, investigadora da essência em-si, como se ela trouxesse a verdade modelar do mundo. E trabalhar com a metafísica impõe uma iniciação ascética, uma sistematização da vida e a transformação do livre pensar em uma questão de caráter religioso. Com os filósofos tradicionais, costumávamos procurar a Verdade que nos conduzisse a um conhecimento superior. Gilles Deleuze mostrou-nos que nada há para aprendermos como um conhecimento em si mesmo, superior e verdadeiro, e apontou-nos o caminho do pensamento de Nietzsche; junto com eles, podemos dizer que não precisamos buscar absolutamente nada superior ou fora de nós mesmos, pois já somos, essencialmente, tudo aquilo que poderíamos ser.
Alguns pensadores têm o poder de contagiar. Gilles Deleuze nos contagia; mas não para adquirirmos um sistema de pensamento modelar ou para construirmos uma arquitetura de sistemas ideológicos, como ocorreu na História da Filosofia. Deleuze nos transmite que o ato de pensar não consiste em fazer uma seleção entre o falso e o verdadeiro, e muito menos entre o certo e o errado; mais do que isso, é necessário pensar a abundância do impalpável, contagiar-se, e fundar uma filosofia de fantasmas que nada tem a ver com a percepção da imagem: a filosofia inventa conceitos. Trata-se então de pensar a vida como puro acontecimento, acaso ou devir - tudo devêm. Mas a filosofia sempre pensou a vida como problema sujeito a soluções. Presa em questões problemáticas, a vida gravita, torna-se pesada e tenta conseguir a liberdade desses grilhões abstratos: inventou-se a metafísica buscando soluções para elevar as questões humanas em direção a um ponto superior, engendrado nos domínios de fé e norteador dos pecadores. Liberar as questões vitais da atmosfera metafísica-superior e anular o conseqüente esmagamento do Homem como expansão de vida físico-real é agenciar-se com múltiplas atmosferas ou com múltiplos mundos. Nas séries de acontecimentos, afirmamos as combinações sem o vírus dos opostos petrificados, das entidades enquistadas, da crença asfixiante, das verdades transcendentais ou das multidões infelizes e alienadas. Somos como águas que fluem, penetrando até mesmo nas rochas as mais endurecidas, desde que as condições determinantes ocorram; e nelas afirmamo-nos com alegria: afirmamos os acasos imprevisíveis e vivemos conforme a necessidade - sem faltas nem culpas, sem buscar objetivos finalistas de metas exteriores a nós mesmos. A metafísica, definida por um sistema de saber, implica caminhar sempre para determinados fins ou objetivos. O alvo é sempre a busca da essência em-si: a verdade. Isto consiste em conceber a vida como uma igualdade de acontecimentos, esquecendo a raridade e a diversidade. Sair da dominação metafísica é entrar no indefinido, na união de multiplicidades; expressar o acontecimento, ou mesmo dizê-lo, é apontar para a multiplicidade e inventar, produzindo conceitos - e isso é filosofar, segundo Deleuze: evitar o conceito interiorizado da essência em-si do universo abstrato maior. Para Gilles Deleuze a filosofia não tem a obrigação de buscar os modelos em-si, mas tem a função de inventar e produzir conceitos, onde arte, filosofia e vida afirmam-se num mesmo mundo como expressão vital. Algum dia, sendo o «século deleuziano», a filosofia tornar-se-á uma forma de pensar a vida, expressando-a conceitualmente. Esta proposta não é uma esperança redentora ou salvadora: nada esperamos; agimos segundo as determinações do acontecimento presente. Conceitualizar filosoficamente implica marcar a vida com muita força, afirmá-la nos seus acasos súbitos de modo muito alegre e sensível, instrumentalizar e fazer funcionar as práticas vitais. E não mais perguntar pelo «sentido da vida» ou « o que a vida é», e sim perguntar «quem é» ou «como isso funciona» - produção contínua de singularidades em meio à diversidade dos agenciamentos ou relações de acontecimentos. O século deleuziano não comportará a gravidade triste da esperança metafísica que amesquinha o ato de viver, mas produzirá ou criará pensamentos para tornar a vida possível naquilo que pode advir com alegria, afirmação, surpresa e admiração do próprio ato de viver... e que haja força para tanto!
* Professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
capturado em: cooperação.sem.mando

terça-feira, 29 de março de 2011

divulgação: flecheira libertária. 197

banana!
Os europeus racistas, confortavelmente instalados em suas poltronas nas arenas milionárias, vão ao futebol para atirar bananas aos pretos. O alvo deste domingo foi Neymar, no jogo Brasil x Escócia. O craque indiscutível do momento deve estar repensando o que declarou a uma colunista social a bem pouco tempo. Ao responder a uma questão sobre preconceito racial, disse desconhecê-lo porque não é preto. Não há grana no mundo que isenta alguém da situação-limite colocada pela nossa sociedade quando sua cara racista vomita pela boca e pelo anus purificados: nós devemos viver, vocês devem morrer!
canteiros para o capital florescer
Cerca de 38 mil homens se submeteram a viver em canteiros de obras, distantes de cidades, a beira do rio Madeira, Rondônia, para construir a barragem e hidrelétricas de Santo Antonio e Jirau. Malária, quartos lotados, proibição de hora extra, truculência de seguranças, nada para fazer fora do turno de 8 horas. Um protesto qualquer foi estopim para que alojamentos fossem destruídos e a paralisação das obras declarada. No sertão amazônico, na China, nos quarteirões de migrantes de grandes metrópoles, atrás de paredes de alguma estreita confecção clandestina, aglomerações insalubres de trabalhadores pouco qualificados e miseráveis proliferam para que o capital floresça limpo e flexível nos dinâmicos centros financeiros.
canteiros para a ‘vida melhor’
Os próximos canteiros de grandes obras de infra-estrutura poderão ganhar algumas reformas, aperfeiçoados por novas regras motivadas pelos protestos. Os sindicatos entraram na questão, a Polícia Federal entrou nas áreas de “tumultos”, processos foram montados, multas são cobradas. No entanto, não se questiona a pertinência das obras de alteração do fluxo dos rios e seus gigantescos canteiros; quer-se uma cesta básica mais gorda, quer-se o direito de fazer horas e horas extras para encher o “pé-de-meia”, quer-se apenas uma futura “vida melhor”.
garantias e controles
Diante da conturbada situação no oriente médio, especialistas espertos anunciam suas preocupações referentes à falta de democracia e direitos humanos nos países árabes, como causa principal das atuais revoltas da população. Calam-se diante das manobras e acordos anteriormente celebrados com os governos ditatoriais, que perduram desde o século passado, em negociatas revistas pelas exigências pelo novo milênio em melhorar a vida no planeta. Alertam que para conter revoltosos é preciso equalizar escolarização, oferta de empregos, e vidas governadas com qualidade.
speed e development
Para engrossar o arcabouço de análises, a ONU acaba de divulgar um relatório que mede a velocidade e os avanços do cumprimento das oito Metas de Desenvolvimento do Milênio, apresentando um ranking de 98 países. Seis estados árabes ocupam as piores posições. O mote especulativo utilizado por vários experts para apresentar a influência dos baixos índices de desenvolvimento é o descontentamento dos miseráveis. Isso explicaria a situação que supostamente incitou a derrubada dos ditadores, e vem se alastrando feito pólvora na região.

divulgação: Nietzsche Mil hojas de melodía y pensamiento

Abril 2011
Cuadernos de campo 9
Nietzsche Mil hojas de melodía y pensamiento
Punk. Por Victoria Larrosa
Cúmulos mutacionales, cuerpos atravesados. Por Annabel Lee Teles
Travesías del nihilismo. Por Peter Pal Pelbart
Anotaciones de Taller. Por Taller de Lectura de la obra de Deleuze (TLOD)
Entrevista a Mónica Cragnolini. Parapente. El pensar desinstalado. Por Victoria Larrosa
Sin crueldad no hay fiesta. A propósito del Tratado Segundo de la Genealogía de la Moral. Por Mariano Repossi
Composición a-temática: notas para pensar la experimentación de una escritura en sentido nietzscheano. Por Romina Di Rienzo
Nietzsche, Deleuze y la blogósfera. Por Fernando Reberendo
¿Pos-apocalipsis, now? Nietzsche, la genealogía,…la pos-historia. Por Horacio Medina
Nietzsche. El Mundo del devenir. Por Emiliano Acosta
Para terminar con el juicio del yo. Notas de lectura sobre el Cuaderno Nietzsche. Por Marcelo Percia
capturado em: http://deleuzefilosofia.blogspot.com/2011/03/nietzsche-mil-hojas-de-melodia-y.html

segunda-feira, 28 de março de 2011

divulgação: Para impedir uma nova crise alimentar

Os países e regiões que enfrentam fome precisam de maior margem de manobra para proteger a produção local de alimentos, prevenir o dumping e estabilizar o abstgacimento. Parte desta margem para definir políticas é hoje minada pelas regras da Organização Mundial de Comércio. Os estoques de alimentos precisam ser vistos de novo como ferramentas essenciais, tanto para enfrentar emergências quanto para estabilizar os preços e o abastecimento, para os agricultores e os consumidores. A concentração fundiária precisa ser interrompida. O artigo é de Jim Harkness.
por Jim Harkness - IATP (*)
Quando os preços globais dos alimentos atingiram um pico, entre 2007 e 2008, 100 milhões de pessoas entraram no contingente dos famintos, que ultrapassou pela primeira vez na História a marca de 1 bilhão de seres humanos. Agora, apenas dois anos depois, vivemos outra alta, e é provável que mais fome esteja à espreita.
A FAO, agência da ONU para Alimentos e Agricultura, acaba de publicar seu índice de preços de alimentos, relativo a janeiro de 2011. No caso de alguns produtos, ele chegou ao patamar mais alto (tanto em termos nominais quanto deflacionados) desde que a agência passou a acompanhar a variação das cotações, em 1990. Levantes populares relacionados a alimentos já começaram a ocorrer na Argélia. Enquanto a História se repete, e desenha-se a segunda grande crise de fome em dois anos, é decisivo aprendermos a lição da primeira onda, e enfrentarmos suas causas principais.
A segurança alimentar depende de tempo e mercados estáveis e previsíveis e de acesso a recursos. Tudo isso foi abalado perigosamente nas duas últimas décadas. Desde 1970, o aquecimento global causado pelo ser humano provocou o aumento dos eventos climáticos extremos em todo o mundo. Agricultores que costumavam enfrentar duas perdas de colheitas a cada década agora sofrem inundações, secas ou grandes pragas a cada dois ou três anos. Em 2010 e no início deste ano, alguns dos grandes produtores mundiais de alimentos - Argentina, Austrália, China, Paquistão e Rússia - viveram, todos, eventos climáticos que afetaram fortemente as colheitas.
A segunda fonte de instabilidade é um mercado cada vez mais caótico. Em nome do “livre” comércio, o governo dos Estados Unidos e o Banco Mundial passaram as últimas três décadas forçando a abertura dos mercados dos países pobres a importações baratas, que desorganizaram a produção. Em cruel ironia, os países pobres também foram pressionados a cortar o apoio a seus próprios agricultores e até a vender seus estoques de emergência, sob a lógica de que seria mais eficaz simplesmente adquirir comida no mercado internacional.
Em 2006, mais de dois terços das nações mais pobres dependiam de importações de alimentos. Então, veio a onda de desregulação financeira da década passada, que atraiu os especuladores para os mercados de commodities e criou fundos de índices que atrelaram, como nunca antes, os mercados de alimentos aos de petróleo e metais. Mas a “agregação”, “alavancagem” e demais os “instrumentos inovadores” que deveriam reduzir os riscos nestes mercados provocaram o efeito oposto. A consequência foi um mercado global de alimentos altamente volátil, em que fatores não relacionados com a produção e consumo reais de alimentos frequentemente determinam os preços.
Este duplo golpe global, de instabilidade climática e financeira, não atingiu a todos. A volatilidade é útil aos que atuam com muita força nos mercados. Muitas empresas de agrobusiness estão registrando lucros recordes agora - depois de já terem alcançado idêntico resultado durante a última crise. Houve um pico de concentração de propriedade. Vastas extensões de terras aráveis, nos países do Sul, têm sido compradas por investidores estrangeiros e convertidas em plantações não-alimentares - inclusive matérias-primas industriais e biocombustíveis.
Vale notar, também, que alguns países africanos não serão tão atingidos desta vez. Eles optaram por estimular a produção local, ao invés de confiar nos mercados globais. A maior parte dos agricultores pobres, contudo, luta contra situações hostis. Não é de admirar que a fome tenha se convertido numa nova norma.
Se de fato consideramos a desnutrição global algo inaceitável - e não uma oportunidade de negócios - é preciso fazer grandes mudanças. Quase todos no Banco Mundial, na ONU ou no G-20 reconhecem a necessidade de apoiar os pequenos agricultores, especialmente mulheres, nos países que enfrentam fome. Em termos globais, 70% da comida é produzida em imóveis de menos de dois hectares, conduzidos em grande parte por mulheres.
A ajuda ao desenvolvimento, assim como as políticas governamentais dos países do Sul, deveriam estar focadas em apoiar as conquistas de produtividade destes agricultores, e sua capacidade de enfrentar as crises. Ao invés de deixá-los impotentes diante das forças globais, deveriam incorporar a sabedoria dos sistemas de produção tradicionais, que, ao combinarem o melhor da ciência ecológica com o conhecimento tradicional dos agricultores, encorajam práticas que reduzem o uso de insumos caros, ampliam a produção e a renda dos trabalhadores. E a produção para atender as necessidades locais deve ter prioridade em relação às culturas de produtos exportáveis.
Há muito mais a fazer. Os países e regiões que enfrentam fome precisam de maior margem de manobra para proteger a produção local de alimentos, prevenir o dumping e estabilizar o abstgacimento. Parte desta margem para definir políticas é hoje minada pelas regras da Organização Mundial de Comércio.
Os estoques de alimentos precisam ser vistos de novo como ferramentas essenciais, tanto para enfrentar emergências quanto para estabilizar os preços e o abastecimento, para os agricultores e os consumidores. A concentração fundiária precisa ser interrompida. Tornou-se ainda mais importante apoiar a reforma agrária, que redistribuiu terra arável para os pequenos produtores que desejam produzir alimentos.
Os governos precisam implementar regras rigorosas para reduzir as operações financeiras especulativas com alimentos. Nos Estados Unidos, a reforma financeira conhecida como Dodd-Frank foi um bom começo, mas os lobistas de Wall Street estão agindo agressivamente para enfraquecê-la, em sua tramitação pelo Congresso.
A desestabilização da oferta de alimentos ocorrida na última década pode ser revertida. Mas isso só ocorrerá se aprendermos com o passado e apoiarmos medidas inovadoras para ampliar a estabilidade e a segurança dos agricultores, mercados e sistemas alimentares.
(*) Jim Harkness, professor de Sociologia do Desenvolvimento, é presidente do Instituto para Política Agrícola e de Comércio (IATP, na sigla em inglês), um centro de estudos sediado nos EUA, e voltado para o estudo de alternativas às políticas neoliberais.
Tradução: Antonio Martins (Outras Palavras)

quinta-feira, 24 de março de 2011

divulgação: flecheira libertária. 196

obama, orra!
Na sua performance à la Broadway, Obama saudou a democracia brasileira, dizendo que o país era um exemplo, pois mostrava que liberdade política e desenvolvimento econômico podiam andar juntos. Como muitos especialistas daqui foram aprender nas universidades e institutos de lá.O que ele canalhamente não disse é que os EUA apoiaram o golpe e a ditadura que interromperam um governo democrático no Brasil. Então, acabando a visita por aqui, Obama foi ao Chile, outra democracia assassinada com patrocínio estadunidense. Pulou a Argentina, mas ali teria omitido também esse fato. Terminará sua viagem pelo continente em El Salvador, onde o mesmo apoio ao autoritarismo aconteceu. Tirando o Canadá, e incluindo simulacros de democracia como a Colômbia e o México, poderia Obama passar em algum país nasAméricas onde seu silêncio não seria canalha?
obama oba-oba!
Há tempos não se via expressão tão explícita de deslumbre colonizado: tietagem de banguela na favela e de madame no teatro. Obama for all! E os especialistas em política internacional botando fé que Obama apoiaria o pleito brasileiro pela vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU. Afinal, se ele tinha feito isso na Índia, por que não faria para o Brasiiiiilll?! Os mesmos especialistas louvaram a decisão brasileira, ao lado dos outros BRICs, de se abster na votação do Conselho que autorizou os ataques à Líbia, mostrando aos EUA sua discordância na questão. Aí, chegou Obama e, entre uma ovacionada e outra, autorizou numa boa, e daqui mesmo do Brasil, os ataques. Com um sorriso no rosto mostrou a irrelevância do Brasil e do Conselho diante do direito da força. Não era bem isso que esperavam os especialistas, mas tudo bem... eles continuaram aplaudindo Obama & family com o restante da claque tropical abençoada por Deus e bonita por natureza.
obama, oba: de lá para cá!
A visita do presidente estadunidense Barack Obama seguiu o que a diplomacia chama de protocolo dos chefes de Estado. A recepção teve samba e capoeira para a primeira dama, muita comunidade alegre e cidade de deus. Mais um pouco do oba-oba. Para não deixar passar do que se trata, também colocaram crianças para marchar e gritar o nome do presidente dos EUA. Os especialistas discutem o significado da visita, para a política interna e externa; preocupam-se, sobretudo, com a entrada do Brasil no Conselho de Segurança (CS) da ONU e o que seria uma ambígua relação com a UNASUL. Segue o jogo de uma diplomacia que se absteve em relação ao no fly zone declarado pelo mesmo CS sobre a Líbia. No final, concluem pelo o que é importante para todos e o que vai melhorar o Brasil num mundo “multilateral”.
obama, oba: de cá para lá!
A se registrar no discurso de recepção da presidente brasileira o destaque aos países que levaram “aos seus mais altos postos um afrodescendente e uma mulher”; além da reafirmação do “compromisso essencial com a construção de uma sociedade de renda média” e investimentos em capital humano, tendo antes, é claro, firmado o mesmo compromisso com o meio ambiente e matriz energética alternativa. Mister president: o que se chamou de esquerda nessa terra aprendeu a lição direitinho com a democratização. A elite local e planetária agradece.
olimpíadas no quintal
A vinda de Obama mostrou o que os Estados Unidos querem com o Brasil: mais negócios. Interessam-lhes acordos financeiros, petróleo e outros combustíveis ecológicos, educação para o desenvolvimento e, principalmente, obras de infraestrutura. Em relação a este último item, os países assinaram um memorando de cooperação para a organização da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016. O governo Obama procura incentivar parcerias público-privadas com financiamentos estadunidenses para a aquisição de equipamentos e serviços para as obras. Apesar de Chicago ter perdido para o Rio de Janeiro na escolha da sede para as próximas Olimpíadas, os EUA não pretendem ficar fora dessa máquina de fazer dinheiro via intervenção estatal e mobilização da população.
diplomacia, guerra e grana
Nos anos 1980, Gadaffi foi considerado um pária pelos Estados Unidos e seus aliados europeus, acusado de apoiar o terrorismo internacional. Nos anos 1990, as acusações ocidentais permaneceram, tornando-se mais fortes com o despontar do chamado terrorismo fundamentalista. Mas aí veio a “guerra ao terror” dos anos 2000 e Gadaffi foi redimido depois da promessa de combater a Al Qaeda. Então, Tony Blair, quando primeiro-ministro britânico, o visitou em Trípoli, e Berlusconi o recebeu em Roma. Agora, vieram os protestos no mundo árabe e armou-se uma guerra civil na Líbia. Gadaffi caiu em desgraça de novo. Fosse qual fosse o “status”, Gadaffi não parou de vender bilhões de dólares em petróleo, e o Ocidente não deixou de comprar. As armas que ele usa hoje são italianas, russas, suíças, brasileiras; e Gadaffi nunca deixou de pagar.
diplomacia, guerra e grana II
Começou nesse final de semana uma nova guerra autorizada pela ONU. Nela, os EUA usam seus mísseis Tomahawk, que saem por US$ 1 milhão cada. Só no primeiro dia de ataques foram lançados 110 deles. Já a França usou 27 caças Rafale no seu primeiro ataque contra Gaddafi: cada avião sai por aproximadamente US$ 190 milhões e cada voo mais algumas centenas de milhares de dólares. E têm os navios, os radares, as armas leves e pesadas etc. e tal. Destruir a infraestrutura e as forças armadas líbias para destituir o ditador, como autorizou a ONU, abre novas oportunidades de negócio, normaliza a exportação de petróleo e faz a grana continuar fluindo, indo e vindo. Mais uma guerra para potencializar mais negócios e a ascensão de outro regime que, aliado ou inimigo circunstancial, continue deixando rolar muita grana.

quarta-feira, 23 de março de 2011

quem dera ser um poste!

Não relatarei toda a história que me levou a essas falações aqui, mas darei um resumo. Hoje, tentando inserir uma certa profissional do SUS no trabalho num grupo multiprofissional que atende e acompanha o caso de um menino portador de uma síndrome, tive dificuldades na conversação, pois como a mesma não fala a língua do SUS, foi mal! Primeiro que ela entendeu que estávamos “encaminhando” o menino para ela dizer se ele necessitava ou não de uma determinada avaliação! Não era isso! Necessitávamos de uma avaliação profunda no seu campo de atuação, para nos auxiliar na produção do plano terapêutico do menino! Segundo, ela, sentada sobre o seu “profundo” e absoluto saber, não dava tempo para que eu falasse... ela já tinha as coisas prontas a dizer! Terceiro, tudo o que eu tentava conversar, ela não entendia! Quarto: desisti e saí pensando porque é que eu ainda tentei, mesmo sabendo que a pessoa está num nível tão alto, mas tão alto pra baixo do chão, que eu teria que passar a vida construindo andaimes e ainda assim não a alcançaria! Quinto: outra colega tentou conversar com ela, pra ver se conseguia produzir um mínimo de diálogo –principalemnte porque ela é a única “profissional” dessa especialidade, atuando na rede-, e ela cortou a coisa dizendo que não entendia o que estávamos querendo fazer e que parecia que eu nem tinha estudado! Mas antes, quando eu disse que, por não contarmos com trabalho especializado na atenção a esses casos não tão comuns, necessitaríamos de uma avaliação mais global da situação do menino, visto que ele apresenta uma série de dificuldades não estritas à síndrome, para podermos embasar o plano de atendimento e a atuação dos profissionais que carecem dessas informações, a distinta colega retrucou: “ah, mas aí é uma questão de competência!”.
Pensei: mas sou boba mesmo! Sou uma burra, uma asna, uma anta, um rinoceronte bem pesado e lerdo! Só para ficar ofendendo os pobres dos bichos que virão nos cobrar respeito por conta disso! Fico aqui pensando em humanização no campo da saúde e nem aprendi a atender as pessoas sem olhar pra elas... ao contrário, tenho que olhar muito, mas muito mesmo e tanto, que às vezes olho mais um pouco... que coisa! Não consegui sequer desenvolver a capacidade de fazer isso!
Não aprendi a atender os usuários com a porta aberta para que todos os outros usuários ouçam tudo sobre a vida de todos... insisto em atendê-los de porta fechada... e ainda, às vezes, penso que devemos produzir trabalhos grupais e abertos na comunidade, mas me pergunto: como fazer isso se nem aprendi a atender de porta aberta!
Não aprendi a usar siglas e abreviações que codificam as pessoas sem que elas possam traduzir os seus próprios estados... não aprendi a me apropriar desse saber absoluto que só é perpetuado pelos grandes sabidos! É claro, eu não sou uma sabida! BA! Nem acredito em patologias feitas pra emoldurar gente!
Não aprendi a atender os usuários em menos de cinco minutos... sou muito lerda mesmo e necessito de muito mais tempo... acho que nem é o usuário que necessita de tempo pra falar, mas sou eu que demoro muito pra pegar a coisa... assim, como sou nomeada para trabalhar 40hs, acabo demorando o dia todo para dar conta do trabalho... na minha lerdeza técnica e profissional, não poderia, por exemplo, reduzir uma carga horária de 20 hs, para uma hora semanal, pois só alguém muito sabido consegue fazer em uma hora ou um pouquito mais, o que eu demoraria 20 horas para fazer! Alguém assim, tão sabido, merece mesmo ganhar muito mais do que eu! Eu, na verdade, até deveria abrir mão do meu salário, pois demoro 40 horas na semana para fazer o trabalho de 40 horas semanais... não sou sabida o suficiente para transformar isso em bem menos!
Não aprendi a pensar que devemos medicamentalizar a vida dos usuários! Fico pensando que podem produzir autonomia!
Estou apavorada, pois não aprendi tanta coisa que essa colega sabe fazer tão bem, de forma tão rápida, tão desprendida e tão sabida!
Não aprendi a trabalhar solita... fico querendo trabalhar com clínica ampliada, com grupo multiprofissional, com participação do usuário, com humanização, com a produção de pelo menos as condições mínimas do ideário do SUS... fico querendo construir plano terapêutico e de atendimento... fico achando que o usuário é gente e não ficha... fico pensando tanta bobagem! Tudo o que estudei e estudo só serve para me ensinar bobagens e eu não consigo me transformar numa sabida!
Vejo que não aprendi tanta coisa e, humildemente, estou pensando em fazer escola com essa colega! Alguém tão sabida pode me ensinar a ser um poste de cerca! Agora dei pra ter esses devaneios: de também ser um sabido poste de cerca... fino, alto, parado, ereto, quieto, absoluto, segurando os arames da mangueira, do potreiro e das divisas entre o que fica do lado de fora e do lado de dentro! Meu ideal, agora, é ser um distinto poste de cerca!
Ah! para completar: me retirei da magnífica presença da sabida colega, sem dizer que exatamente por uma questão de “competência” já nem “encaminhamos” mais os casos não tão comuns, para que ela possa “avaliar”... e muito menos aqueles que demandam atendimento multiprofissional (trabalho multiprofissional ela chama de “trabalho paralelo de vocês”!) Primeiro, que ela não conversa com os demais trabalhadores; segundo, que ela fala outra língua e não sabe nem o que é compartilhar um atendimento (acha que compartilhar seja atender de porta aberta); terceiro, que ela não trabalha com gente; quarto, que seu olhar é cego, apertado, borrado, limitado e outros quetais... é sabida demais para trabalhar no SUS... coisas de competências! Nós pouco sabidos ou não sabidos é que temos que nos esbofar pra dar conta de coisas mínimas! A vida humana acho que é mesmo uma coisa feita pra dar ocupação para os não sabidos, para que os sabidos possam se ocupar com outras coisas mais importantes!
Eu, por minha vez, estou com síndrome de burrice! Depois dessa observação sobre a minha falta de sabedoria, corri para casa estudar um pouco. Peguei os manuais de termos complexos dos grandes compêndios que reúnem grandes, sólidos e inacessíveis saberes ocultos! Peguei os manuais com siglas e códigos feitos para emoldurar gentes e estou tentando ficar sabida! Não sei se ainda terei tempo na vida pra ficar sabida, mas estou tentando!
Em tempo: estou pensando em doar minha rica e vasta biblioteca para a colega sabida, pois penso que ela aproveitaria muito melhor os livros... vê-se que pra mim de pouco serviram, pois com o tanto que estudo e estudo, ainda fico parecendo alguém que nem estudou!

terça-feira, 22 de março de 2011

a vida pede passagem!

Dia desses, o colega e amigo Cláudio comentou (em: http://marialuizadiellooutrascompotas.blogspot.com/2011/03/os-concurseiros.html): “O concurso necessário para ingressar no serviço público é sem duvida a forma democrática, que vem fazer frente ao apadrinhamento historicamente utilizado no Brasil para beneficiar parentes e demais parasitas que vivem na órbita dos políticos de carreira. Estes parasitas, é claro, são crias dos próprios políticos que encontraram, e ainda, em muitos casos encontram, nisto a forma de se perpetuarem no poder.
A condição de funcionário efetivo, que deveria livrar o trabalhador dos mandos e desmandos eleitoreiros vem, contraditoriamente, a acomodar as pessoas. Desta forma percebe se, em muitos casos, funcionários descompromissados com o resultado de seus trabalhos. Percebe se aqui, até mesmo uma inversão da lógica, são os gestores que estão agora refem dos funcionários públicos.
O concursado hoje esta acima do resultado do trabalho, pode ele tudo, não existe limites para sua autonomia, numa verdadeira inversão de valores determina sua forma de atuar, quando atuar, e com quem atuar. Impõe se, assim, uma verdadeira dança das cadeiras, pois quando iniciasse as cobranças, iniciam se também os pedidos de remoção, as queixas quanto a esstres , os laudos médicos etc.
Este funcionário aqui, não tem a pretensão de ser melhor em relação a outros, pois sabe, que tem grandes profissionais como colegas, pessoas que admira pela capacidade e pelo respeito com que tratam a coisa pública,no entanto, tem vivenciado estas contradições.
Tendo sido aprovado no ultimo concurso, na prefeitura de Cruz Alta, para o cargo de monitor de abrigo temporário. Nunca, no entanto, atuei em um abrigo, passando logo a trabalhar em um CRAS. Neste período dediquei-me aos estudos, tanto acadêmicos, quanto no campo de trabalho. Quem acompanhou me neste percurso, sabe, que modéstia a parte, eu não vacilei. Aproveitei cada momento dedicando me a apreender a metodologia para melhor desenvolver meu trabalho.
Por competência minha, e por estar entre pessoas que acreditam nas políticas públicas, hoje sou coordenador da instituição. O problema é que sou concursado de nível ensino médio tendo assim que conviver com rumores vindos de muitos, e também com alguns poucos comentários diretos dizendo que tenho que fazer concurso para Assistente Social, para, ai então, “entrar pela porta da frente”. Procurei, também, por questões pessoais ( melhorar o orçamento etc.), realizar alguns trabalhos necessários a população e assim a prefeitura, fora de horário, o que também esta sendo considerado uma afronta ao concurso.
Minha formação, percebo, é ressaltada quando não há o interesse de outros no trabalho. Quando necessário lembram-me que sou Assistente Social, quando não, lembram-me que não sou concursado. Assim formação acadêmica, dedicação etc. ficam em segundo plano. Para inverter esta lógica, defende se aqui a implantação de um plano de carreiras, que reconheça o esforço de quem leva a sério o serviço público.
Mas é vida que segue, penso que a grande maioria dos funcionários, é feita de gente séria. Eu to na estrada, na tranqüilidade, às vezes é preciso apenas parar e refletir um pouco. Esta condição de “meio concursado”, por exemplo, faz me ver que tenho colegas “CCs” que trabalham muito, que comprometidos com seus ideais dedicam se as políticas publicas como muito poucos efetivos fariam.
Por fim só deixo meu entendimento! Digo que é a competência de cada um, e esta é resultado do quanto cada um se deixe envolver pelo que faz que vai determinar o alcance de objetivos, sejam eles quais forem.
Diello e demais companheiros, sei que mais que algum comentário acabo escrevendo um texto, não te preocupe com respostas, quando puderes, no entanto, será um prazer te ouvir. Parece-me que as respostas estão no cotidiano, basta pararmos, vez por outra para uma reflexão, isso é claro após uma boa leitura, e, teu blog, nos trás isto”.
Claudio, quando os comentários são enviados por email, acabam acontecendo conversas mais restritas e, no público, sempre tenho a preocupação em comentar o que seja comentado, principalmente vindo de você, que é um colega e amigo de grande valor, pois, entre poucos outros, me ajudou a retomar a crença na possibilidade de se produzir o novo nas políticas públicas! Reconheço que tanto eu quanto você, temos muitos equívocos e posições a revisar, mas isso a caminhada nos ajuda a fazer, pois sem isso, não há nem caminhada e nem como revisar! Mas entre tantos equívocos, temos o mérito precioso do trabalho bacana que fazemos e das coisas que ajudamos a mudar no mundo em que vivemos e nos campos em que atuamos!
Vejo que esse preconceito que se desenha com relação à especificidade de seu concurso (monitor de abrigo), seja somente uma das fontes dos maiores equívocos no campo do trabalho público, principalmente se considerarmos o fato de que muitos trabalhadores que atuam em seu campo de formação acadêmica – serviço social-, o façam de forma absolutamente precária e equivocada! O trabalho público, que é, para alguns, a possibilidade de poderem atuar de forma mais incisiva junto ao coletivo, para outros, é somente a possibilidade de simplesmente desconhecer o coletivo!
O que não podemos aceitar –e com muita razão- é o fato de que muitos gestores, em desrespeito aos trabalhadores concursados, acabem não confiando a condução das políticas públicas aos trabalhadores nomeados, relegando a função aos CC’s e outros quetais. É claro que o trabalho do CC seja absolutamente importante quando esse seja chamado a atuar no campo público em função da solidez em sua caminhada humana e profissional, vindo a contribuir técnica e teoricamente para o trabalho a que é chamado, principalmente quando não há um concursado que dê conta daquilo que se necessita! Não podemos pensar que todos os CCs sejam da estirpe que se aproveita dos joguetes políticos partidários para terem um emprego e uma remuneração. São exatamente os CCs que, muitas vezes, acabem trazendo ares novos para o meio do nosso trabalho... o que nós, aqui em nossas plagas, é claro, conhecemos muito pouco!
Há posições distintas entre a condição de servidor e a de trabalhador público... e essa é uma denominação (mera denominação) que já era motivo de pendengas quando começamos a discutir a reforma administrativa –nos idos de 2005- e um colega retrógrado e conservador defendia a denominação de “servidor público”, em “respeito à Constituição”. Veja-se que a Constituição seja algo a se respeitar no tocante à garantia dos direitos individuais e coletivos dos cidadãos, mas no mais, deve ser problematizada e revisada. Assim, se voltarmos às atribuições de Hércules, veremos que o que nosso legado cultural seja o do trabalho e não do mero serviço! Trabalho é algo a ser produzido, mas com o contrato de que essa produção convoca a presença da pessoa e de sua subjetividade! Não basta servir, é necessário estar ao dispor de! Não se trata de colocar meramente o corpo ao dispor, mas também a existência! Ou seja, aquilo que pensamos e fazemos da vida, da ética, da existência e da vida, é absolutamente importante para o que operamos em nosso trabalho! E não se trata de sermos modelo de qualquer coisa (como quer o ideário dominante), mas sim, protagonistas e cientes da coisa que fazemos! Nosso trabalho com a coisa pública é para o coletivo!
No que se refere especificamente aos comentários do Cláudio, sou tentada a redizer, em primeiro lugar, que o trabalho é uma invenção do homem e, além disso, que: o âmbito público, a instituição pública é feita de gente (o que, é óbvio, não é exclusividade do âmbito público, mas aqui, quero me deter nessa dimensão) e, sendo feita de gente, é feita desses desencontros (muito mais do que de encontros). E, com certeza, a estrutura de trabalho público está engessada por trabalhadores –ou melhor, pseudo-trabalhadores- públicos que seguem somente os seus próprios interesses. Reconheço que seja desesperador, para um gestor público, pensar na operacionalização das políticas públicas, olhar para o quadro de trabalhadores e ver a imensa maioria desses, inoperantes, preocupados somente com o retorno financeiro (que, se vivemos no mundo capitalístico, é óbvio que necessitamos disso, mas não pode ser somente para isso!), sequer pensa naquilo que se constitui como sua atividade de trabalho e, muito menos, na dimensão da política pública em que atua!
Sabemos que as políticas públicas são pródigas na perpetuação da condição de cabide emprego! Lembro das primeiras “lições” que muitos colegas veteranos tentavam me ensinar, quando assumi meu primeiro trabalho público e era orientada a regular meu sangue novo, pois seu fervor dá e passa na medida em que vamos nos deparando com o engessamento, a burocracia e o emperramento do trabalho público (e para me animar, quando lembro disso, olho para o fato de que o meu sangue fica cada vez mais quente e não é necessário muita coisa para fazê-lo ferver!)! Outros tentavam me mostrar como passar o mais despercebida possível! E outras coisas!
Para ficarmos só no campo das políticas sociais, podemos ver que se olharmos para o campo da saúde, vemos os corporativismos; os jogos interesseiros; os desrespeitos para com o usuário; o absoluto desconhecimento, por grande parte dos trabalhadores e da população, sobre o que seja o SUS; entre muitas outras coisas! Se olharmos para o campo da educação, não é muito diferente! Se olharmos para o campo da assistência social –que é uma política mais jovem-, ainda podemos desenhar mais esperanças, pois vem num galope bonito, descascando os vícios do assistencialismo e produzindo uma coisa mais bonita na construção da política e na operação de sua prática!
Sabemos que são esses trabalhadores e essas práticas nefastas que acabam se consolidando, perpetuando e tomando conta das políticas públicas, e acaba sendo assim, exatamente pelo fato dessas gentes formarem a maior parte do contingente de trabalhadores públicos, sendo que, aqueles que fazem parte da minoria atuante e ciente de sua responsabilidade para com o coletivo, vão desbravando os terrenos, mas quando se deparam com tantas dificuldades, vão, aos poucos, recuando!
Tenho falado muito mais das dificuldades do trabalho público, do que das facilidades. Temos nos deparado e olhado para as paralisias que nos fazem empacar! Reconheço isso. Ocorre que é o que mais encontramos: as dificuldades! E o que mais vejo, são recuos e falta de coragem para fazer enfrentamentos absolutamente necessários!
Mas há algo muito bonito que temos visto no campo das políticas sociais em Cruz Alta, que é o encontro que vem acontecendo, exatamente desse contingente de trabalhadores que formam a minoria dos trabalhadores... e é isso que nos mostra muito mais do que as dificuldades... é isso que nos mostra os possíveis e aquilo que podemos produzir com a comunidade! Isso é o que se faz com o contágio... portanto, é tempo de olhar para as paralisias, mas muito mais, de produzir contágios de movimentos! A vida pede passagem!

segunda-feira, 21 de março de 2011

divulgação: Quem deseja buscar saúde não deve procurar doenças

Doenças devem ser detectadas o quanto antes, para que haja sucesso no tratamento, certo?
Não, segundo o médico americano H. Gilbert Welch. O especialista em clínica médica é autor de "Overdiagnosed", recém-lançado nos Estados Unidos.
A entrevista é de Débora Mismetti e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 21-03-2011.
No livro, Welch, pesquisador da Universidade Dartmouth, afirma que a epidemia de exames preventivos, ou "screening", como são chamados nos EUA, coloca a população em perigo mais do que salva vidas.
Citando pesquisas, ele mostra evidências de que muita gente está recebendo "sobrediagnóstico": são tratadas por doenças que nunca chegariam a incomodá-las, mas que são detectadas nos testes preventivos.
"O jeito mais rápido de ter câncer? Fazendo exame para detectar câncer", disse ele, por telefone.
Eis a entrevista.
Como exames preventivos podem fazer mal?
A prevenção tem dois lados. Um é a promoção da saúde. É o que sua avó dizia: "Vá brincar lá fora, coma frutas, não fume". Mas a prevenção entrou no modelo médico, virou procurar coisas erradas em gente saudável, virou detecção precoce de doenças. Isso faz mal. Não estou dizendo que as pessoas nunca devem ir ao médico quando estão bem. Mas a detecção precoce também pode causar danos.
De que maneira isso ocorre?
Quando procuramos muito algo de errado, vamos acabar achando, porque quase todos temos algo errado. Os médicos não sabem quais anormalidades vão ter consequências sérias, então tratam todas. E todo tratamento tem efeitos colaterais.
Há um conjunto de males que podem decorrer de um diagnóstico: ansiedade por ouvir que há algo errado, chateação de ter que ir de novo ao médico, fazer mais exames, lidar com convênio, efeitos colaterais de remédios, complicações cirúrgicas e até a morte.
Para quem está doente, esses problemas não são nada perto dos benefícios do tratamento. Mas é muito difícil para um médico fazer uma pessoa sadia se sentir melhor. No entanto, não é difícil fazê-la se sentir pior.
Os médicos dizem que a detecção precoce é essencial no caso do câncer. Mas você diz que é perigoso. Não se deve tratar qualquer tumor inicial?
Não. Se formos tratar todos os cânceres quando estão começando, vamos tratar todo o mundo. Todos nós, conforme envelhecemos, abrigamos formas iniciais de câncer. Se investigarmos exaustivamente vamos achar câncer de tireoide, mama e próstata em quase todos. A resposta não pode ser tratar todos e nem tratar todo mundo. Ninguém mais ia ter tireoide, mamas ou próstata. Câncer de próstata é o símbolo dessa questão.
Por quê?
Há 20 anos, um teste de sangue foi introduzido para detectar câncer de próstata. Vinte anos depois, 1 milhão de americanos foram tratados por causa de um tumor que nunca chegaria a incomodá-los. Esse teste é o PSA [antígeno prostático específico]. Muitos homens têm números anormais de PSA. Eles fazem biópsias e muitos têm cânceres microscópicos e fazem tratamento, o que não é mero detalhe. Pode ser retirada da próstata ou radioterapia. Isso leva, em um terço dos homens, a problemas sexuais, urinários ou intestinais. Alguns até morrem na operação. Não podemos continuar supondo que buscar a saúde é procurar doenças.
Qual é o impacto desses testes de próstata na população?
Um estudo europeu mostrou que é necessário fazer exames preventivos de PSA em mil homens entre os 50 e 70 anos, por dez anos, para evitar a morte por câncer de uma pessoa. É bom ajudar uma pessoa. Mas precisamos prestar atenção às outras 999. Por causa desses exames, de 30 a 100 homens são tratados sem necessidade.
As pessoas precisam refletir. Cada mulher pode decidir se quer fazer mamografia todo ano. Mas temo que estejamos coagindo, assustando e incutindo culpa nelas, para que façam mamografias.
Mas a detecção precoce não é o fator que mais reduz a mortalidade de câncer de mama?
Na verdade, não. Os esforços mais relevantes no câncer de mama vêm de tratamentos melhores, como quimioterapia e hormônios. Os avanços no tratamento nos últimos 20 anos reduziram a mortalidade em 50%.
O problema é se adiantar aos sintomas. Não há dúvida de que uma mulher que percebe um caroço deva fazer uma mamografia. Isso não é teste preventivo, é exame diagnóstico. Claro que os médicos preferem ver uma mulher com um pequeno nódulo no seio do que esperar até que ela desenvolva uma grande massa. A questão não é entre atendimento cedo ou tarde, mas entre buscar atendimento logo que você fica doente e procurar doenças em quem não tem nada.
Critérios usados em exames como de pressão e diabetes estão mais rígidos. Estão deixando todo mundo 'doente'?
Sim. Somos muito tirânicos sobre saúde. O que é saúde? Se formos medicalizar a definição de saúde, seria: "Não conseguimos achar nada errado". A pressão está abaixo de 12 por 8, o colesterol está abaixo de tal valor, fizemos uma tomografia e não há nada de errado. Se essa virar a definição de saúde, pouquíssimas pessoas serão saudáveis. É certo tachar a maioria como doente? Saúde é muito mais do que a ausência de anormalidades físicas.
Por que essa conduta está se tornando dominante?
Os médicos recebem mais para fazer mais, o que ajuda a alimentar o círculo vicioso da detecção precoce. É um bom jeito de recrutar mais pacientes, de vender mais remédios ou exames. Nos EUA, há os problemas de ordem legal. Os advogados processam os médicos por falta de diagnóstico, mas não há punições para sobrediagnóstico.
E tem quem creia realmente na detecção precoce. Nunca se diz que há perigo nisso. Pacientes diagnosticados com câncer de próstata e mama por detecção precoce têm muito mais risco de serem sobrediagnosticados do que ajudados pelo teste. Quando você ouve histórias de sobreviventes de câncer, na maioria das vezes o paciente acha que sua vida foi salva porque ele fez um exame preventivo.
E isso não é verdade?
Ele tem mais chance de ter sido tratado sem necessidade. Histórias de sobreviventes geram mais entusiasmo por testes e levam mais pessoas a procurar doenças, gerando sobrediagnóstico.
O que fazer para evitar isso?
Um paciente nunca vai saber se recebeu um sobrediagnóstico. Nem o médico sabe. Não é preciso decidir para sempre se você vai ou não fazer exames. Mas todos os dias novos testes são criados. É preciso ter um ceticismo saudável sobre isso.

domingo, 20 de março de 2011

divulgação: Surfistinha, capitalista e carola

Por José Geraldo Couto, editor do Blog do Zé Geraldo [1]
Bruna Surfistinha é um sucesso estrondoso: em dez dias de exibição, ultrapassou a marca de um milhão de espectadores.
Não é difícil explicar o “fenômeno”, pois de fenômeno ele não tem nada. O filme de Marcus Baldini simplesmente realiza com eficiência a junção de vários filões de sucesso garantido.
O mais evidente deles é o dos filmes sobre celebridades de nosso tempo: Cazuza, Meu nome não é Johnny, Dois filhos de Francisco, Jean Charles etc. (Chico Xavier poderia entrar também, mas corre em outra raia; por outro lado, poderíamos acrescentar sucessos estrangeiros como A rede social e A rainha) Todos eles “baseados em fatos reais”, com aqueles inevitáveis letreiros finais informando o destino dos personagens.
Mas há também a intersecção com uma tradição muito antiga, a das obras sobre prostituição, e outra muito atual, a do mundo de relações mediadas pela internet.
Prostituição sem glamour
A prostituição na era da internet: eis uma frase publicitária possível para Bruna Surfistinha. Se há um mérito no filme, é o de desglamourizar a profissão mais antiga do mundo, mostrando-a como um frio comércio igual a qualquer outro. O bordel em que Raquel/Bruna se emprega é uma firma meio precária, mas regida por metas e padrões de eficiência capitalista. A cafetina (Drica Moraes) é uma pragmática executiva. Estamos longe da putaria lírica dos “castelos” dos romances de Jorge Amado.
De certo modo, a narrativa reitera o esquema de tantas ficções sobre moças que “caíram na vida” por circunstâncias familiares, mas o esquema aqui sofre um ligeiro deslocamento. Primeiro, porque a protagonista não é pobre, e sim de classe média. Segundo, porque não é particularmente oprimida em casa, nem sofreu propriamente um abuso, um estupro ou coisa do tipo.
Ideologia do sucesso
Há em Raquel/Bruna uma insatisfação difusa, apenas catalisada pelo episódio do colega que coloca suas imagens íntimas na internet. O que ela quer, ao sair de casa para a vida, é “não depender de ninguém”. É, em outras palavras, “vencer na vida”. A ideologia do sucesso é a moral amoral dessa “história de uma vencedora”.
É nisso que reside, a meu ver, o que o filme tem de mais conservador e conformista. Toda a trajetória de Bruna se justifica pelo desejo de independência profissional e financeira. Depois de ganhar o seu dinheiro e servir ao mercado, seja como fornecedora de serviço especializado ou como consumidora (de roupas, de jóias, de cocaína), ela pode deixar a prostituição e se tornar dona-de-casa. Trocar o vício pela virtude.
Se, entre todos os gêneros que se entrecruzam em Bruna Surfistinha, fosse necessário definir um, eu diria que é um filme de auto-ajuda, com uma vaga mensagem de “acredite nos seus sonhos” ou “faça as coisas ao seu modo” e “você vencerá”. Se precisar abrir as pernas para isso, tudo bem. Se puder publicar um best seller, melhor. O importante é que depois, com o dinheiro ganho não importa como, você se “legalize” e se integre à sociedade “bem”, com marido, filhos, carro na garagem, flores na janela e cartão de crédito no bolso.
Ah, faltou dizer que Deborah Seco é ótima em todos os sentidos, que “se entregou ao papel com garra” e todos esses clichês que dizemos quando não queremos falar sobre o que interessa.
[1] Título original do texto: Bruna auto-ajuda ponto com

sábado, 19 de março de 2011

"saravá"!

dia desses, ocorreu um estranho roubo na varanda aqui de casa. a varanda é tomada por potes de plantas e outros adereços, a maioria em argila. numa noite em que me encontrava em casa, mas lia, já tarde, apenas com a luz do abajur ligada, com as janelas e cortinas fechadas, ouvi barulhos estranhos, mas como ocorriam os festejos carnavalescos, acreditei que fosse o foguetório da festa. mais tarde, dando uma espiada pela janela, vi que a varanda não se encontrava em seu estado normal. uma planta estava fora de seu lugar. saí para fora e vi que estava faltando dois potes com plantas de imenso valor afetivo. uma touceira de avenca, que trouxe do barranco do riacho em que passei minha infância pescando e outra, que não lembro o nome, mas ganhei quando era uma mudinha minguada. as duas, levei meses para fazer a adaptação e recuperação. a avenca, que é do mato, passou por longo processo de adapatação, até se tornar frondosa. a outra, foi muito forte, até se recuperar.
crente de que por ter me movimentado dentro de casa, teria espantado quem estivera em coleta, recolhi uma onça (não lembro de que material é feita) que guardava o canto da varanda e que tem um valor afetivo imenso... trazida do pantanal por amigos caros, simboliza histórias que não contarei aqui!
dias depois, cheguei em casa e ao abrir o cadeado do portão, percebi um vazio que não sei se já havia sentido antes ou se só havia percebido naquele momento. na hora, não consegui identificar o que estaria faltando. só mais tarde identifiquei que estava ausente um imenso móbile formado por peças de argila (um pássaro no alto e na sequência, muitos sinos e que estava fixado no teto. identifiquei isso, mas em meu imaginário ainda faltava alguma coisa. ainda não sei se é um galho da grande begônia ou algo que se rompeu em meu imaginário.
casa respeitada e jardim respeitado... e me acontece isso!
relatei a situação para poucas pessoas. peguei paranóia com uma vizinha que não suporta plantas ou qualquer tipo de vida em seu território e que insiste em quebrar algumas plantas bem específicas do jardim da rua.
estando com essas coisas ocupando meus afetos, ontem recebi uma ligação em meu celular. estava na rua, sem óculos e com uma claridade que me impedia de ler no visor o número que estava ligando. atendi e uma voz feminina solicitou que a ouvisse, pois só queria me avisar que uma determinada pessoa (que não direi o nome) havia roubado coisas minhas e "feito um trabalho pra me seduzir" e que eu me cuidasse, porque essa pessoa "é do saravá"!!!!!!
em casa, fui olhar o número do telefone e a ligação era sem identificação! pensei: logo eu que não atendo esse tipo de ligação, fui atender essa! não atendo porque considero que se a pessoa não pode me mostrar seu número, também não posso dar o ar de minha graça! assim, evito esse tipo de bandalheira!
depois que passou a irritação, achei muita graça na história, pois ninguém avisa ninguém de nada... ninguém dá conselho de nada... a não ser que se saiba que o outro esteja esperando isso!
e nesses pensamentos, fiquei falando sozinha. primeiro: que não me afeto com a possibilidade de que algum ritual ou intencionalidade indireta possa interferir em minha existência, a não ser que eu permita; acredito, sim, que quando alguém, por um ou outro motivo, queira intencionalmente nos atingir de forma nefasta, isso seja absolutamente possível, mas ainda assim há formas de defesa. segundo: a pessoa apontada (que é muito simples e com formação absolutamente diversa da minha) já me seduziu para as artimanhas que lhe interessavam (as do sexo) e que a mim também interessam... e fez isso sem "saravá", mas com muita coragem e protagonismo... e acho que foi isso que me seduziu! terceiro: essa pessoa, mesmo com entendimento equivocado sobre muitas coisas, aprecia e frequenta as atividades da umbanda, porque encontra ali, coisas e crenças em que se sente à vontade! quarto: respeito todos os rituais que as pessoas utilizam para olhar para si e para o outro... só não respeito os rituais feitos para consolidar a hipocrisia! quinto: quem necessita depositar no outro a responsabilidade pelas coisas que acontecem em sua vida, assume, mesmo que indiretamente, que não cuida e não dá conta de si! sexto: qual é o interesse de quem dá um "aviso" desses?
continuo rindo e fazendo "despachos" dos meus orgasmos, para agradar quem me agrada! as plantas, planto  e cuido novamente! o móbile logo será substituído por outra presença! mas para saber quem é exatamente que leva as coisas da minha varanda, ativei os recursos que estavam desativados! no mais, "saravá" pra quem tem coragem!

divulgação: A procuradora e a empregada

por Ruth de Aquino
Era uma noite de segunda-feira. Há um mês, a procuradora do Trabalho Ana Luiza Fabero fechou um ônibus, entrou na contramão numa rua de Ipanema, no Rio de Janeiro, atropelou e imprensou numa árvore a empregada doméstica Lucimar Andrade Ribeiro, de 27 anos. Não socorreu a vítima, não soprou no bafômetro. Apesar da clara embriaguez, não foi indiciada nem multada. Riu para as câmeras. Ilesa, ela está em licença médica. A empregada, com costelas quebradas e dentes afundados, voltou a fazer faxina.
Na hora do atropelamento, Ana Luiza tinha uma garrafa de vinho dentro da bolsa. Em vez de sair do carro, acelerava cada vez mais, imprensando Lucimar. Uma testemunha precisou abrir o carro para que Ana Luiza saísse, trôpega, como mostrou o vídeo de um cinegrafista amador.
Rindo, Ana Luiza disse, para justificar a barbeiragem: “Tenho 10 graus de miopia, não enxergo nada”. E, sem noção, tentou tirar os óculos do rosto de um rapaz. A doutora fez caras e bocas na delegacia do Leblon. Fez ginástica também, curvando e erguendo a coluna. Dali, saiu livre e cambaleante para sua casa, usando um privilégio previsto em lei: um procurador não pode ser indiciado em inquérito policial. Não precisa depor. Não pode ser preso em flagrante delito. Não tem de pagar fiança. A mesma lei exige, porém, de procuradores um “comportamento exemplar” na vida. Se Ana Luiza dirigia bêbada, precisa ser afastada. Se estava sóbria, também, pela falta de decoro.
Foi aberta uma investigação disciplinar e penal contra ela em Brasília, no Ministério Público Federal. Levará cerca de 120 dias. Enquanto seus colegas juízes a julgam, Ana Luiza Fabero está em “férias premiadas” no verão carioca. Ela não respondeu a vários e-mails e a assessoria de imprensa da Procuradoria informou que o procurador-chefe não falaria nada sobre o assunto porque “o processo está em Brasília”.
Lucimar está traumatizada, com medo de se expor, porque a atropeladora tem poder. Não procurou um advogado. Nasceu na Paraíba e acha que nunca vai ganhar uma ação contra uma procuradora do Trabalho. Lucimar recebe R$ 700 por mês, trabalha em casa de família, tem um filho de 6 anos e é casada com Aurélio Ferreira dos Santos, porteiro, de 28 anos. Aurélio me contou como Lucimar vive desde 10 de janeiro, quando foi atropelada na calçada ao sair do trabalho: “Minha mulher anda na rua completamente assustada e traumatizada. Estou tentando ver um psicólogo, porque ela não dorme direito, acorda toda hora com dor. É difícil até para ela comer, porque os dentes entraram, a boca afundou. Estamos pagando tudo do nosso bolso, particular mesmo, porque no hospital público tem muita fila”.
A atropelada, traumatizada, nem procurou advogado. Acha que nunca ganharia uma ação contra a doutora. Lucimar quebrou duas costelas, o joelho ficou bastante machucado, o rosto ficou “todo deformado e inchado”, segundo o marido. Ela tirou uma licença médica de dez dias, mas foi insuficiente. Recomeçou a trabalhar há duas semanas, ainda com muitas dores.
O encontro entre a procuradora e a empregada é uma fábula de nossa sociedade desigual. A história sumiu logo da imprensa. As enchentes de janeiro na serra fluminense fizeram submergir esse caso particular e escabroso. Um mês seria tempo suficiente para Ana Luiza Fabero ao menos telefonar para a moça que atropelou, desculpando-se e oferecendo ajuda. Nada. Além de falta de juízo, ela demonstrou frieza e egoísmo. Vive na certeza da impunidade.
“Somos um país de senhoritos, não carregamos nem mala”, diz o antropólogo Roberto DaMatta, autor do livro Fé em Deus e pé na tábua. DaMatta associa a violência no trânsito brasileiro a nossa desigualdade. Usamos o carro como instrumento de poder e dominação social, um símbolo do “sabe com quem você está falando?”.
“Dirigir um carro é na verdade uma concessão especial, porque a rua é do pedestre”, diz DaMatta. Mas nós desrespeitamos o espaço público. “No caso da procuradora e da empregada, juntamos uma pessoa anônima com uma impunível”, afirma. O Estado é usado para fortalecer o personalismo, a leniência e para isentar as pessoas de responsabilidade física. Em sociedades como a nossa, onde uns poucos têm muitos direitos e a grande massa muitos deveres, Lucimar nem sabe que pode e deve lutar.

divulgação: Inside Job e as entranhas do capitalismo

por Caue Seigne Ameni
capturado em: http://www.outraspalavras.net/2011/03/16/inside-job-e-as-entranhas-do-capitalismo/

Por Romualdo Pessoa, editor de Gramática do Mundo
Sensacional! Eu não poderia encontrar palavra que expressasse melhor a minha satisfação ao ver o documentário Inside Job, premiado com o Oscar 2011. Mal-traduzido para o português como Trabalho Interno1, o documentário é dirigido por Charles Ferguson, que não chega a ser um cineasta famoso. Empresário e formado em matemática, ele expõe com rara clareza as entranhas do processo que culminou com a crise econômica que teve seu ápice em 2008, e da qual o mundo ainda não se recuperou. Seu trabalho brilhante merece ser visto por todos os que procuram compreender o real funcionamento do sistema capitalista na atual etapa de financeirização.
Tudo começa e gira em torno da chamada desregulamentação. Em 2008, quando estourou a crise, disse a meus alunos que que certamente ouviriam muito essa palavra, dali em diante. Desde o final do ano anterior, (e mesmo bem antes, como mostra agora Inside Job) era perceptível aos analistas independentes, mais críticos do comportamento neoliberal, que se aproximava uma grave crise imobiliária nos EUA. Percebi que ela colocaria em xeque toda a política neoliberal, que procura retirar do Estado os mecanismos que permitiriam controlar a movimentação financeira mundo afora e os enormes lucros astronômicos do capital que se dedica a ela.
Desregulamentação, enfim, veio a ser todo o processo político e econômico que possibilitou uma enorme virada na economia mundial e deu início ao que passou a se chamar “Globalização”. Partia-se do princípio que era necessário livrar a economia de todas as amarras que eram impostas pelo Estado e garantir ampla liberdade para o comércio mundial. Não se percebeu no primeiro momento que essa liberdade reivindicada tinha como alvo principal a movimentação do capital financeiro pelo mundo. Claro, também para as mercadorias. Mas a mercadoria mais importante a ser “libertada” era o dinheiro, permitindo aos especuladores “inventar” múltiplas fórmulas capazes de multiplicar seus rendimentos.
As finanças globais foram, assim, transformadas num verdadeiro cassino. Analistas e acadêmicos das famosas escolas de administração, economia e finanças dos EUA tornaram-se consultores e assumiram cargos elevados da alta administração das finanças estadunidenses. Já nos anos 1980, François Chesnais(2) e Perry Anderson(3), críticos da forma como se dava a globalização financeira, acusavam: tanto o termo “globalização” quanto a idealização das políticas neoliberais haviam sido criados nas escolas de administração dos Estados Unidos.
A crise do socialismo havia aberto caminho para um discurso que demonizava as políticas públicas de cunho social. Sustentava-se, então, que o capitalismo sem freios era a única alternativa capaz de solucionar os problemas do mundo a assegurar a prosperidade para todos. A chave estava em garantir liberdade àqueles que visavam investir seus capitais em rentáveis negócios, de forma a espalhar desenvolvimento por toda a parte. O discurso foi eficiente: a maioria das pessoas comprou o argumento – inclusive os mais pobres. O que não se via é que o poder estatal não desaparecera: fora transferido para instituições como FMI, Banco Mundial e outras “governanças” globais que se tornaram mais fortes que os Estados nacionais.
Deslumbrada pelo papel que a propaganda e ou marketing passavam a ter, a “grande” mídia de mercado manipulava e escondia a verdadeira face do que estava se espalhando pelo mundo. Poucos, muitos poucos, ganhavam milhões em todo esse processo. É um detalhe a ser observado quando se assiste Inside Job: as cifras citadas são de valores grandiosos, a mostrar que a desregulamentação abriu as portas do “inferno” para todos os tipos de gananciosos e criminosos financeiros (ironicamente Fergusson começa o documentário dizendo que chegou a mais de 20 trilhões de dólares a soma gasta para cobrir as quebradeiras do sistema financeiro estadunidense e mundial).
O documentário, aliás, também ajuda a enxergar como o poder político determina os mecanismos que garantem a acumulação de riqueza nas mãos de uma ínfima minoria. As entrevistas, algumas delas feitas com personagens que estiveram no centro da crise, chegam a ser hilárias. Ferguson derruba todos os argumentos que são apresentados pelos envolvidos a partir de uma competente pesquisa, com informações sobre a participação de cada – aberta ou dissimulada – na gestação do terremoto financeiro.
Tudo isso à custa do crescimento da pobreza no mundo, principalmente em países que abandonaram todos os tipos de investimentos produtivos, a partir da pressão para que o Estado se afastasse de determinados setores da economia. Em várias partes do mundo, esta retirada desmantelou, por exemplo, a produção agrícola, resultando hoje em crise da produção de alimentos e o encarecimento dos mesmos, afetando principalmente a população mais pobre. Seria cômico, se não fosse trágico.
A chegada da crise a todos os continentes (com menor impacto nas nações da periferia que se apoiaram em um mercado interno em expansão), evidenciou o estrago feito pelas políticas neoliberais. Mas isso não significa que os agentes responsáveis pela quebradeira, pela ação gananciosa que ampliou a pobreza inclusive em países como os Estados Unidos, tenham sido punidos. Ao contrário: o documentário mostra que muitos deles ocupam hoje cargos importantes na estrutura administrativa daquele país. Foram indicados por Barack Obama, ilusoriamente visto como a saída para o caos econômico que atingiu os EUA.
O que deduzimos de Inside Job é que a maioria dos seres humanos não vivem no sistema descrito pelo filme. Vivem sob ele. Quero dizer que a enorme maioria das pessoas vive no submundo do que se pode caracterizar como capitalismo. Algo já dito, de outra maneira, pelo historiador francês Fernand Braudel, para quem o capitalismo deveria ser dividido em uma economia superior, onde se faz o capital, e uma economia inferior, onde praticamente as pessoas trabalham e produzem para sobreviverem. Aí se encontram-se as grandes maiorias. O impressionante é a quantidade daqueles que, vivendo nesse submundo, são submetidos a uma verdadeira lavagem cerebral. Acreditam poder atingir a riqueza daqueles que controlam os meios pelos quais ela é conquistada. Talvez esta ganância obsessiva explique por que há tanta corrupção no mundo.
Mas é evidente que creio ser possível superar os abusos do capitalismo. Pode-se mesclar algumas coisas que são positivas, com a necessidade de se distribuir a riqueza de forma mais democrática. E o Estado é essencial para isso. Não sou pessimista. Jogo no time dos que acreditam que um outro mundo é possível!
PS: Sugiro aos interessados em Inside Job que assistam também outros dois documentários: Enron, os mais espertos da sala e Corporation. Se tiverem tempo, vejam também Capitalismo, uma história de amor, de Michael Moore. A partir daí será difícil entender porque tantos defendem que o capitalismo é o melhor sistema para a humanidade.
1Segundo Luis Gonzaga Beluzzo, Inside Job é uma expressão idiomática e não caberia uma tradução literal
Referências:
(1) Inside Job, documentário imperdível. Artigo de Luis Gonzaga Beluzzo, publicado originalmente no jornal Valor Econômico. (http://fmauriciograbois.org.br/portal/noticia.php?id_sessao=12&id_noticia=4957)
(2) CHESNAIS, François. “A emergência de um regime de acumulação financeira” in Praga, estudos marxistas, número 03. São Paulo: editora hucitec, 1997.
(3) ANDERSON, Perry. “Balanço do neoliberalismo”, in SADER, Emir e GENTILI, Pablo (org.), Pós-neoliberalismo – as políticas sociais e o Estado democrático. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1995

divulgação: regulamentação da publicidade de alimentos

Rede de Nutrição do Sistema Único de Saúde (REDENUTRI)
Caros colegas, amigos e pesquisadores,
Diante de toda a mobilização nacional pela regulamentação da publicidade de alimentos (mais detalhes em http://regulacaoalimentos.blogspot.com/), gostaríamos de compartilhar com vocês a tradução livre de trechos marcantes do artigo intitulado “Parcerias entre instituições de saúde e a indústria de alimentos ameaçam a nutrição e a saúde pública”, de Yoni Freedhoff e Paul C. Hébert, publicado na Canadian Medical Association Journal em fevereiro deste ano (CMAJ. 2011 Feb 22;183(3):291-2. DOI:10.1503/cmaj.110085). Por favor, divulguem entre amigos e conhecidos. Esta discussão, fundamental para a saúde da população, tem de estar no almoço de cada brasileiro, no jantar de cada criança, na prateleira de cada mercado. Segue em anexo o artigo original e o documento com a tradução (o texto traduzido também encontra-se logo abaixo).
Tradução: Thiago Hérick de Sá (Faculdade de Saúde Pública – USP).
Revisão da Tradução: Prof. Carlos Augusto Monteiro (Faculdade de Saúde Pública – USP).
“Alimentos altamente processados, nutricionalmente pobres porém ricos em calorias, tendem a ser os mais lucrativos para a indústria de alimentos. Sua promoção e consumo contradizem orientações governamentais sobre escolhas alimentares saudáveis e se opõem aos objetivos das instituições de saúde que lutam contra a epidemia de obesidade em crianças e adultos. Por que, então, tantas instituições de saúde permitem que suas mensagens e reputações sejam manchadas por parcerias com empresas de alimentos?”
“Para as indústrias de alimentos, parcerias com entidades filantrópicas e organizações do setor de saúde são fascinantes. Com essas parcerias, compram credibilidade, vinculam suas marcas com as emoções positivas atribuídas à organização parceira e adquirem a lealdade do consumidor – excelente para os acionistas.”
“A UNICEF Canadá, que promove e apoia programas de nutrição nos países em desenvolvimento, emprestou seu nome para vender barras de chocolate da marca Cadbury. Embora claramente benéfica para as vendas, a associação da marca com barras de chocolate em nada favorece uma alimentação saudável ou atividades de promoção da saúde.”
“As parcerias oferecem à indústria de alimentos outro importante benefício – ofuscação. Pesquisas canadenses e americanas identificaram o consumo excessivo de calorias ou energia como o principal indutor do crescimento das taxas de obesidade. Ao mesmo tempo, estudos com água duplamente marcada, uma medida padrão de referência do gasto energético total durante longos períodos, indicam que o gasto energético total com atividade física não mudou drasticamente desde a década de 1980. Muito embora o aumento no gasto energético com atividade física deva levar a uma melhora da saúde, as taxas de obesidade não irão diminuir sem a redução da ingestão calórica.”
“Por meio das parcerias com as instituições de saúde, as indústrias de alimentos procuram enfatizar que a inatividade física – e não a promoção e consumo de seus produtos ricos em calorias – é a principal causa da obesidade.”
“As corporações não são o problema. Por definição, seus investimentos devem servir para aumentar seu valor de mercado – uma obrigação fiduciária transparente que deve abranger investimentos em filantropia. As organizações de saúde, mesmo quando desesperadas por dinheiro ou recursos, deveriam evitar associar sua imagem com a indústria de alimentos. Em último caso, as parcerias deveriam prever cláusulas rígidas que limitassem drasticamente como a indústria usaria o nome da instituição de saúde. Do contrário, ao auxiliar a promoção de produtos não saudáveis, os objetivos da promoção da saúde serão inevitavelmente comprometidos.”
“A obesidade é uma preocupação premente da saúde pública em todo o mundo. A epidemia é primariamente alimentada pelo consumo de calorias em excesso, incluindo aquelas provenientes de alimentos saudáveis – uma mensagem que nunca será bem recebida pela indústria de alimentos. Ao fazerem parcerias, as instituições de saúde, inadvertidamente, acabam fazendo propaganda da indústria de alimentos. Elas fariam bem em lembrar que os dólares das empresas sempre introduzem um viés, real ou percebido, que pode manchar ou distorcer as recomendações científicas que venham a fazer sobre estilo de vida e saúde.”
É crescente na literatura científica textos como este, questionando as parcerias entre instituições de saúde e as indústrias de alimentos. Para saber mais, seguem abaixo alguns textos recentes, todos deste ano (2011):
Gilmore AB, Savell E, Collin J. Public health, corporations and the New Responsibility Deal: promoting partnerships with vectors of disease? J Public Health (Oxf). 2011 Mar;33(1):2-4.
O'Dowd A. Experts express doubts that food and drink industries have the motives to improve health. BMJ. 2011 Jan 27;342:d591. doi: 10.1136/bmj.d591.
Gómez L, Jacoby E, Ibarra L, Lucumí D, Hernandez A, Florindo AA, Hallal PC. Sponsorship of physical activity programs by the sweetened beverages industry: public health or public relations?. Rev Saude Publica. 2011 Jan 7.

divulgação: publicidade para crianças

sexta-feira, 18 de março de 2011

divulgação: "Obama foi anulado pelo conservadorismo de bordel dos EUA"

Em entrevista exclusiva à Carta Maior, a economista Maria da Conceição Tavares fala sobre a visita de Obama ao Brasil, a situação dos Estados Unidos e da economia mundial. Para ela, a convalescença internacional será longa e dolorosa. A razão principal é o congelamento do impasse econômico norte-americano, cujo pós-crise continua tutelado pelos interesses prevalecentes da alta finança em intercurso funcional com o moralismo republicano. ‘É um conservadorismo de bordel’, diz. E acrescenta: "a sociedade norte-americana encontra-se congelada pelo bloco conservador, por cima e por baixo. Os republicanos mandam no Congresso; os bancos tem hegemonia econômica; a tecnocracia do Estado está acuada”.
Redação
Quando estourou a crise de 2007/2008, ela desabafou ao Presidente Lula no seu linguajar espontâneo e desabrido: “Que merda, nasci numa crise, vou morrer em outra”. Perto de completar 81 anos – veio ao mundo numa aldeia portuguesa em 24 de abril de 1930 - Maria da Conceição Tavares, felizmente, errou. Continua bem viva, com a língua tão afiada quanto o seu raciocínio, ambos notáveis e notados dentro e fora da academia e esquerda brasileira. A crise perdura, mas o Brasil, ressalta com um sorriso maroto, ao contrário dos desastres anteriores nos anos 90, ‘saiu-se bem desta vez, graças às iniciativas do governo Lula’.
A convalescença internacional, porém, será longa, adverte. “E dolorosa”. A razão principal é o congelamento do impasse econômico norte-americano, cujo pós-crise continua tutelado pelos interesses prevalecentes da alta finança em intercurso funcional com o moralismo republicano. ‘É um conservadorismo de bordel’, dispara Conceição que não se deixa contagiar pelo entusiasmo da mídia nativa com a visita do Presidente Barack Obama, que chega o país neste final de semana.
Um esforço narrativo enorme tenta caracterizar essa viagem como um ponto de ruptura entre a ‘política externa de esquerda’ do Itamaraty – leia-se de Lula , Celso Amorim e Samuel Pinheiro Guimarães - e o suposto empenho da Presidenta Dilma em uma reaproximação ‘estratégica’ com o aliado do Norte. Conceição põe os pingos nos is. Obama, segundo ela, não consegue arrancar concessões do establishment americano nem para si, quanto mais para o Brasil. ‘Quase nada depende da vontade de Obama, ou dito melhor, a vontade de Obama quase não pesa nas questões cruciais. A sociedade norte-americana encontra-se congelada pelo bloco conservador, por cima e por baixo. Os republicanos mandam no Congresso; os bancos tem hegemonia econômica; a tecnocracia do Estado está acuada”. O entusiasmo inicial dos negros e dos jovens com o presidente, no entender da decana dos economistas brasileiros, não tem contrapartida nas instâncias onde se decide o poder americano. “O que esse Obama de carne e osso poderia oferecer ao Brasil se não consegue concessões nem para si próprio?”, questiona e responde em seguida: ‘Ele vem cuidar dos interesses americanos. Petróleo, certamente. No mais, fará gestos de cortesia que cabem a um visitante educado’.
O desafio maior que essa discípula de Celso Furtado enxerga é controlar “a nuvem atômica de dinheiro podre” que escapou com a desregulação neoliberal – “e agora apodrece tudo o que toca”. A economista não compartilha do otimismo de Paul Krugman que enxerga na catástrofe japonesa um ponto de fuga capaz, talvez, de exercer na etapa da reconstrução o mesmo efeito reordenador que a Segunda Guerra teve sobre o capitalismo colapsado dos anos 30. “O quadro é tão complicado que dá margem a isso: supor que uma nuvem de dinheiro atômico poderá corrigir o estrago causado por uma nuvem nuclear verdadeira. Respeito Krugman, mas é mais que isso: trata-se de devolver o dinheiro contagioso para dentro do reator, ou seja, regular a banca. Não há atalho salvador’.
Leia a seguir a entrevista exclusiva de Maria da Conceição Tavares à Carta Maior.
CM- Por que Obama se transformou num zumbi da esperança progressista norte-americana?
Conceição - Os EUA se tornaram um país politicamente complicado... o caso americano é pior que o nosso. Não adianta boas idéias. Obama até que as têm, algumas. Mas não tem o principal: não tem poder, o poder real; não tem bases sociais compatíveis com as suas idéias. A estrutura da sociedade americana hoje é muito, muito conservadora –a mais conservadora da sua história. E depois, Obama, convenhamos, não chega a ser um iluminado. Mas nem o Lula daria certo lá.
CM- Mas ele foi eleito a partir de uma mobilização real da sociedade....
Conceição - Exerce um presidencialismo muito vulnerável, descarnado de base efetiva. Obama foi eleito pela juventude e pelos negros. Na urna, cada cidadão é um voto. Mas a juventude e os negros não tem presença institucional, veja bem, institucional que digo é no desenho democrático de lá. Eles não tem assento em postos chaves onde se decide o poder americano. Na hora do vamos ver, a base de Obama não está localizada em lugar nenhum. Não está no Congresso, não tem o comando das finanças, enfim, grita, mas não decide.
CM - O deslocamento de fábricas para a China, a erosão da classe trabalhadora nos anos 80/90 inviabilizaram o surgimento de um novo Roosevelt nos EUA?
Conceição - Os EUA estão congelados por baixo. Há uma camada espessa de gelo que dissocia o poder do Presidente do poder real hoje exercido, em grande parte, pela finança. Os bancos continuam incontroláveis; o FED (o Banco Central americano) não manda, não controla. O essencial é que estamos diante de uma sociedade congelada pelo bloco conservador, por cima e por baixo. Os republicanos mandam no Congresso; os bancos tem hegemonia econômica; a tecnocracia do Estado está acuada...
CM- É uma decadência reversível?
Conceição – É forçoso lembrar, ainda que seja desagradável, que os EUA chegaram a isso guiados, uma boa parte do caminho, pelas mãos dos democratas de Obama. Foram os anos Clinton que consolidaram a desregulação dos mercados financeiros autorizando a farra que redundou em bolhas, crise e, por fim, na pasmaceira conservadora.
CM - Esse colapso foi pedagógico; o poder financeiro ficou nu, por que a reação tarda?
Conceição - A sociedade americana sofreu um golpe violento. No apogeu, vendia-se a ilusão de uma riqueza baseada no crédito e no endividamento descontrolados. Criou-se uma sensação de prosperidade sobre alicerces fundados em ‘papagaios’ e pirâmides especulativas. A reversão foi dramática do ponto de vista do imaginário social. Um despencar sem chão. A classe média teve massacrados seus sonhos do dia para noite. A resposta do desespero nunca é uma boa resposta. A resposta americana à crise não foi uma resposta progressista. Na verdade, está sendo de um conservadorismo apavorante. Forças e interesses poderosos alimentam essa regressividade. A tecnocracia do governo Obama teme tomar qualquer iniciativa que possa piorar o que já é muito ruim. Quanto vai durar essa agonia? Pode ser que a sociedade americana reaja daqui a alguns anos. Pode ser. Eles ainda são o país mais poderoso do mundo, diferente da Europa que perdeu tudo, dinheiro, poder, auto-estima... Mas vejo uma longa e penosa convalescença. Nesse vazio criado pelo dinheiro podre Obama flutua e viaja para o Brasil.
CM – Uma viagem cercada de efeitos especiais; a mídia quer demarcá-la como um divisor de águas de repactuação entre os dois países, depois do ‘estremecimento com Lula’. O que ela pode significar de fato para o futuro das relações bilaterais?
Conceição - Obama vem, sobretudo, tratar dos interesses norte-americanos. Petróleo, claramente, já que dependem de uma região rebelada, cada vez mais complexa e querem se livrar da dependência em relação ao óleo do Chávez. A política externa é um pouco o que sobrou para ele agir, ao menos simbolicamente.
CM – E o assento brasileiro no Conselho de Segurança?
Conceição - Obama poderá fazer uma cortesia de visitante, manifestar simpatia ao pleito brasileiro, mas, de novo, está acima do seu poder. Não depende dele. O Congresso republicano vetaria. Quase nada depende da vontade de Obama, ou dito melhor, a vontade de Obama quase não pesa nas questões cruciais.
CM - Lula também enfrentou essa resistência esfericamente blindada, mas ganhou espaço e poder...
Conceição - Obama não é Lula e não tem as bases sociais que permitiriam a Lula negociar uma pax acomodatícia para avançar em várias direções. A base equivalente na sociedade americana, os imigrantes, os pobres, os latinos, os negros, em sua maioria nem votam e acima de tudo estão desorganizados. Não há contraponto à altura do bloco conservador, ao contrário do caso brasileiro. O que esse Obama de carne e osso poderia oferecer ao Brasil se não consegue concessões nem para si próprio?
CM – A reconstrução japonesa, após a tragédia ainda inconclusa, poderia destravar a armadilha da liquidez que corrói a própria sociedade americana ? Sugar capitais promovendo um reordenamento capitalista, como especula Paul Krugman?
Conceição - A situação da economia mundial é tão complicada que dá margem a esse tipo de especulação. Como se uma nuvem atômica de dinheiro pudesse consertar uma nuvem atômica verdadeira. Não creio. Respeito o Krugman, mas não creio. O caminho é mais difícil. Trata-se de devolver a nuvem atômica de dinheiro para dentro do reator; é preciso regular o sistema, colocar freios na especulação, restringir o poder do dinheiro, da alta finança que hoje campeia hegemônica. É mais difícil do que um choque entre as duas nuvens. Ademais, o Japão eu conheço um pouco como funciona, sempre se reergueu com base em poupança própria; será assim também desta vez tão trágica. Os EUA por sua vez, ao contrário do que ocorreu na Segunda Guerra, quando eram os credores do mundo, hoje estão pendurados em papagaios com o resto do mundo –o Japão inclusive. O que eles poderiam fazer pela reconstrução se devem ao país devastado?
CM – Muitos economistas discordam que essa nuvem atômica de dinheiro seja responsável pela especulação, motivo de índices recordes de fome e de preços de alimentos em pleno século XXI. Qual a sua opinião?
Conceição - A economia mundial não está crescendo a ponto de justificar esses preços. Isso tem nome: o nome é especulação. Não se pode subestimar a capacidade da finança podre de engendra desordem. Não estamos falando de emissão primária de moeda por bancos centrais. Não é disso que se trata. É um avatar de moeda sem nenhum controle. Derivam de coisa nenhuma; derivativos de coisa nenhuma representam a morte da economia; uma nuvem nuclear de dinheiro contaminado e fora de controle da sociedade provoca tragédia onde toca. Isso descarnou Obama.
É o motor do conservadorismo americano atual. Semeou na America do Norte uma sociedade mais conservadora do que a própria Inglaterra, algo inimaginável para alguém da minha idade. É um conservadorismo de bordel, que não conserva coisa nenhuma. É isso a aliança entre o moralismo republicano e a farra da finança especulativa. Os EUA se tornaram um gigante de barro podre. De pé causam desastres; se tombar faz mais estrago ainda. Então a convalescença será longa, longa e longa.
CM – Esse horizonte ameaça o Brasil?
Conceição - Quando estourou a crise de 2007/2008, falei para o Lula: - Que merda, nasci numa crise mundial, vou morrer em outra... Felizmente, o Brasil, graças ao poder de iniciativa do governo saiu-se muito bem. Estou moderadamente otimista quanto ao futuro do país. Mais otimista hoje do que no começo do próprio governo Lula, que herdou condições extremas, ao contrário da Dilma. Se não houver um acidente de percurso na cena externa, podemos ter um bom ciclo adiante.
CM – A inflação é a pedra no meio do caminho da Dilma, como dizem os ortodoxos?
Conceição - Meu temor não é a inflação, é o câmbio. Aliás, eu não entendo porque o nosso Banco Central continua subindo os juros, ainda que agora acene com alguma moderação. Mas foram subindo logo de cara! Num mundo encharcado de liquidez por todos os lados, o Brasil saiu na frente do planeta... Subimos os juros antes dos ricos, eles sim, em algum momento talvez tenham que enfrentar esse dilema inflacionário. Mas nós? Por que continuam a falar em subir os juros se não temos inflação fora de controle e a prioridade número um é o câmbio? Não entendo...
CM - Seria o caso de baixar as taxas?
Conceição - Baixar agora já não é mais suficiente. Nosso problema cambial não se resolve mais só com inteligência monetária. Meu medo é que a situação favorável aqui dentro e a super oferta de liquidez externa leve a um novo ciclo de endividamento. Não endividamento do setor público, como nos anos 80. Mas do setor privado que busca lá fora os recursos fartos e baratos, aumentando sua exposição ao risco externo. E quando os EUA subirem as taxas de juros, como ficam os endividados aqui?
CM – Por que o governo hesita tanto em adotar algum controle cambial?
Conceição - Porque não é fácil. Você tem um tsunami de liquidez externa. Como impedir as empresas de pegarem dinheiro barato lá fora? Vai proibir? Isso acaba entrando por outros meios. Talvez tenhamos que implantar uma trava chilena. O ingresso de novos recursos fica vinculado a uma permanência mínima, que refreie a exposição e o endividamento. Mas isso não é matéria para discutir pelos jornais. É para ser feito. Decidir e fazer.
CM - A senhora tem conversado com a Presidenta Dilma, com Lula?
Conceição - O governo está começando; é preciso dar um tempo ao tempo. Falei com Lula recentemente quando veio ao Rio. Acho que o Instituto dele está no rumo certo. Deve se debruçar sobre dois eixos fundamentais da nossa construção: a questão da democracia e a questão das políticas públicas. Torço para que o braço das políticas públicas tenha sede no Rio. O PT local precisa desse empurrão. E fica mais perto para participar.