sábado, 1 de outubro de 2011

obediência

por josé oiticica
em revista verve
É o que pregam os totalitários de toda casta: legisladores, pedagogos, igrejas, patrões... Pregam... e exigem!
Não negamos a necessidade fundamental da obediência, porém, temos de apurar o que é e o que deve ser. Os chefes, os mandões, os dominadores impõe obediência cega. Nós só reconhecemos a obediência esclarecida e condicionada.
Evidentemente, se estou doente e procuro um médico, devo obedecer rigorosamente às suas prescrições. Se 
tomo um professor de química, hei de estudar o que me determina, e operar no laboratório, qual me indica. A 
técnica, nas ciências e nas artes, é um sequente código, a que havemos de ater-nos programaticamente. Mas... condicionalmente! 
A primeira condição é a de conhecida  competência de quem manda, dispõe, prescreve. Claro é que não deverei obediência a quem me ordena insensatamente. São às dúzias os professores incompetentes, e poucos consideramos crime exigir dos alunos obediência a tais mentores. A segunda condição é a confiança do dirigido no dirigente, confiança na sua capacidade e, sobretudo, em seu espírito de auxílio, na sua vontade cooperativa, na sua moral, em suma. A terceira condição é a liberdade do obedecedor. Se minha confiança no mestre, no médico, no instrutor, nos legisladores, foi decepcionada, se verifiquei a incompetência de um, a má-fé e o inescrúpulo de outros, patentíssimo é que, longe de dever obediência, minha virtude está na desobediência, na rebeldia.
Só um louco se atiraria de um precipício, como na anedota referida de um soldado do Kaiser, desejoso este de mostrar a visitantes estrangeiros a disciplina do exército alemão. A mesma anedota conta que, pretendendo o marechal Hermes, recém-vindo da Alemanha, repetir, perante uma visita argentina, igual façanha no Brasil, ao dar ordem a um soldado nordestino de se atirar da janela à rua, este, olhando-o de esguelha, retrucou: “Se é besta, marechá!”
Esses dois procedimentos, o do soldado alemão, disciplinadíssimo, e o do brasileiro disciplinado a seu modo, 
representam a disparidade dos dois conceitos. Obediência, entende-se, dependente da minha razão, da minha vontade e sempre respeitosa da minha liberdade. Obedecerei, desde que dessa obediência vejo resultarem vantagens para a comunidade. Se, porém, decorre de uma imposição, para proveito de meia-dúzia ou para satisfazer as ambições de uma classe dominante, seria minha obediência, não só estúpida, senão criminosa.
É o que sucede na sociedade atual, mormente com a recente onda fascista: Obedecer cegamente aos chefes dos partidos, ainda quando os chefes levam os chefiados ao destroço mais completo!
Olhem para os colégios do Brasil! Os pobres estudantes hão de obedecer. Dão-lhes professores quaisquer, e eles têm de sujeitar-se a ouvi-los e aturá-los. Não podem eles escolher outro professor! Quando chegará o dia em que terá o estudante plena liberdade de não suportar professores negativos? Quando chegará o dia de poderem recusar-se os cidadãos à ordem de matar? Quando chegará o dia de recusar a obediência a quanto tiranete encharca a sociedade em nome da lei, do regulamento, da disciplina?
Ação Direta 
Rio de Janeiro, 14/7/1946
Nota: Extraído de: José Oiticica. Ação. Rio de Janeiro, Editora Germinal, 1970, pp. 115-116. (N.E.)
José Oiticica (1882-1957): filólogo, professor, anarquista. Foi muito importante para o levante anarquista de 1918, no Rio de Janeiro, e fundou, em 1929, o jornal Ação Direta.

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