Vamos aos fatos: não importa quem é Letícia F. Nem mesmo importa o nome, que é um pseudônimo. Tampouco importa com quantos caras ela quer transar nesse ano. O que realmente importa nessa história toda é a sentença que lhe foi dada em um julgamento não requisitado: Letícia é uma puta.
Puta porque, desde fevereiro, tenta colocar em prática um projeto: transar com cem homens em um ano, relatando as experiências em seu blog. Quando chegou ao número 28 decidiu parar de postar relatos numerados. Mas foi alvejada pelo tal moralismo. O portal G1 a comparou à ex-garota de programa Bruna Surfistinha e a rádio Globo levou ao ar uma entrevista zombeteira com uma falsa Letícia. Além disso, ela recebe muitos emails e comentários em seu blog carregados de agressividade. Dá só olhada nos “melhores” aqui.
Com tudo isso, é de se perguntar: gozar de sua liberdade sexual é ser puta? Afinal, Letícia pode ter suas experiências e a blogosfera está aí tanto para ela narrá-las como para ser criticada. Mas porque a vida sexual de alguém ainda causa estardalhaço? Telefono para ela e vou direto na jugular da questão: por que toda essa polêmica?
“Porque as pessoas são hipócritas e conservadoras”, responde Letícia. E só. Um silêncio se instala na conversa e fico pensando nessas duas palavras.
Sobre ser mulher e ser puta
Hipócritas e conservadoras. Foi exatamente isso que ela disse. Faça um exercício de pensamento: qual é a imagem de mulher que, muitas vezes, nos é mostrada? Ela é constituída à imagem e semelhança da mãe. Assexuada, sem desejo próprio, santa, imaculada, que goza ao realizar o desejo dos outros.
Quase nunca nos é mostrada uma mulher senhora do seu desejo, que usa seu corpo como bem entende, anti-santa e que a meta de ser mãe fica no horizonte. Junte a isso a ideologia do amor romântico que é sempre associada à mulher e que reproduz o seu papel de dependente do homem e sem plena soberania de si. E, quando se substitui esse discurso pelo o do sexo, o resultado é semelhante às sentenças que Letícia costuma receber pelo seu blog.
Bom, a pesquisadora Larissa Pelúcio nos explica melhor como é feita essa construção social: “Mulheres não deveriam ser donas de seu corpo e muito menos de sua sexualidade. Aprendemos a nos constituir como mulheres em oposição à puta. E quando nos aproximamos dela, dessa mulher que tem autonomia (relativa) sobre seu sexo e se deita com muitos homens (e, talvez, mulheres também), isso nos torna menos mulheres, porque mais putas. Ameaçamos com nosso sexo a família canônica, os alicerces patriarcalistas da sociedade judaico-cristão”.
Sobre essa ameaça aos cânones, Letícia desenrola um pouco mais. “As pessoas tem uma vida sexual medíocre. Eu desconfiava já disso, mas é diferente de quando você recebe dezenas de emails, de homens e mulheres insatisfeitos sexualmente e, às vezes, por coisas muito pequenas, porque simplesmente não têm coragem de exercer sua sexualidade”.
E exercer plenamente suas vontades é algo que pode se transformar em um peso para Letícia. “Sempre as pessoas dizem que mudaram suas vidas, mas não posso ser responsável pela libertação dos outros, entende?”. Ela prossegue: “Sou responsável pela minha própria libertação e esse já é um fardo muito grande. Hoje é um dia que eu to me questionando muito se eu devo ou não continuar”.
maria luiza
ResponderExcluirli o escrito Cem homens e uma sentença. fiquei a pensar: se o título fosse: Sem homens, nõa haveria sentença? não sei.
este texto retrata a escravidão feminina aos padrões, as caixas, aos esteriótipos.
e se houvesse um blog masculino: Cem mulheres!, como seria?
machismo puro, podridão pura.
sob olhos sociais essa mulher seria a merecedora de umas boas pancadas do marido, visto a puta que é.
mulheres, negros, pobres e crianças carregam um gigantesco fardo social.
basta deste paternalismo branco, masculino e burguês.
gracias!
beso.