segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Atuação do Serviço Social na Saúde Mental: entre os desafios e perspectivas para efetivação de uma política intersetorial, integral e resolutiva

POR: SULEIMA GOMES BREDOW  - Assistente Social; Mestre em Política Social pela Universidade Católica de Pelotas; Professora do Curso de Serviço Social do Centro Universitário Franciscano UNIFRA – Santa Maria – RS/Brasil. E-mail: sgbredow@yahoo.com.br ou sgbredow@unifra.br.
& GLÓRIA MARIA DRAVANZ - Assistente Social, formada pela Universidade Católica de Pelotas, Pelotas – RS/Brasil. E-mail: glorinhah88@yahoo.com.br

RESUMO – O presente artigo traz para discussão a prática profissional do serviço social na saúde mental, a partir da experiência de estágio curricular, desenvolvido no CAPS Escola, em Pelotas. Tem como objetivo demonstrar a importância da atuação em rede, como primeiro passo para o alcance de ações intersetoriais na saúde mental, a partir do processo de interlocução realizado no CAPS com as Unidades Básicas de Saúde (UBSs). Destaca, ainda, o papel fundamental da ação profissional do assistente social na construção de uma rede de cuidados dirigida para a integralidade do atendimento, tendo como compromisso a autonomia e desenvolvimento da cidadania do usuário da Política de Saúde Mental. 
Palavras-chave – Saúde mental. Intersetorialidade. Integralidade. Ação profissional. 
     
A  discussão acerca do trabalho do assistente social na saúde mental é recente, bem como o devido destaque sobre a importância da intersetorialidade e da integralidade no atendimento ao seu usuário. 
No ano de 2010, foi realizada a IV Conferência Nacional de Saúde Mental¹. O tema gerador desta Conferência foi exatamente a discussão sobre a necessidade de ações intersetoriais, para a efetividade do atendimento da Política de Saúde Mental, em conjunto com as outras políticas sociais, sociedade civil, trabalhadores, usuários e familiares (CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE, 2010). 
Considera-se que este fato evidencia a importância e a necessidade de aprofundamento sobre as ações intersetoriais na política da saúde mental. Diante disso, é relevante que a categoria dos assistentes sociais se aproprie deste debate e busque, a partir de reflexões teórico-práticas, contribuir para este avanço e, assim, possa presenciar a efetivação destas ações. 
Buscou-se aqui contribuir para esta apropriação bem como elucidar sobre a possibilidade de um processo interventivo, capaz de favorecer a integralidade do atendimento e a intersetorialidade. Assim, será apresentada a experiência de estágio curricular em Serviço Social no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Escola, em Pelotas, nos anos de 2008 e 2009, como base para desenvolvimento deste estudo. 
A partir do processo de interlocução realizado no CAPS com as Unidades Básicas de Saúde (UBSs)2,  foi possível a análise da importância da articulação entre os serviços, para a efetivação de ações intersetoriais, e, por conseguinte, a efetividade da ação profissional na perspectiva da integralidade do atendimento. Contudo considera-se este processo de articulação uma construção coletiva e, portanto, desafiadora para atuação do assistente social. 
Diante do exposto, este artigo tem como objetivo discutir a importância da articulação de uma rede de cuidados em saúde para o alcance da integralidade e intersetorialidade, do atendimento, pautado no processo de socialização da informação. Assim o mesmo dividi-se em dois itens: No primeiro faz-se uma breve reflexão a cerca de conceitos básicos para a discussão do processo de intersetorialidade e integralidade do atendimento na saúde mental. No segundo item, pretende-se trazer a experiência de estágio em serviço social no CAPS ESCOLA – Pelotas, bem como o trabalho realizado com vistas à construção de uma rede resolutiva de cuidados, de forma a propiciar o alcance de ações intersetoriais, visando à melhoria na qualidade dos serviços oferecidos e à construção de sujeitos cidadãos usuários de uma política de saúde efetiva e então resolutiva. 
(Re)Descobrindo conceitos 
Pretende-se num primeiro momento traçar uma trajetória sobre a problemática da saúde/doença mental para, posteriormente, propor uma breve revisão bibliográfica à cerca de conceitos-chave para discussão da atuação do assistente social na atual política de saúde mental do Brasil. Logo, os referidos conceitos são: intersetorialidade e integralidade do atendimento. 
Doença/saúde mental 
A discussão acerca do que é saúde e doença é complexa, e deve ser analisada de forma cautelosa. Existem diversos estudos sobre o assunto nos dias atuais. Alguns preservam a concepção de que saúde resume-se na ausência de doença, como o próprio conceito utilizado anteriormente (BRASIL, 1990). Entretanto, alguns teóricos (NUNES, 1998; BUSS; PELLEGRINI FILHO, 2007) apontam que o processo de adoecimento envolve outros determinantes além dos biológicos, como fatores sociais, ambientais, culturais, políticos e econômicos. 
Tendo em vista a criação da Política Nacional de Promoção de Saúde, pelo Ministério da Saúde, em 2006, que visa à promoção da qualidade de vida e redução da vulnerabilidade social e riscos à saúde. Entende-se então, a concepção de saúde e doença (físicas e mentais) como processos resultantes do modo de vida cotidiana de pessoas e de suas historicidades. Sendo assim, o objetivo terapêutico não é de curar doenças, mas de “fortalecer sujeitos, produzir saúde e defender a vida” (BRASIL, 2006). Assim, os processos que compõem o sofrimento psíquico são produtos da vida em sociedade, incluindo fatores que podem ser sociais, culturais, econômicos, ou até mesmo políticos, e não necessariamente possuem causas físicas e orgânicas. 
No caso da saúde mental no Brasil, a mudança de concepção e de trabalho com o portador de sofrimento psíquico pode ser considerada recente. No passado a loucura já foi entendida como uma ameaça à paz da sociedade e o seu tratamento foi um mecanismo de exclusão, de segregação, e punição para os que sofriam com esta doença. As primeiras medidas de tratamento sempre foram no sentido de “vigiar e punir” os “loucos” (Foucault, 1991) como se esta situação fosse um problema de conduta. 
“Tratavam” os indivíduos como se fossem culpados por sua situação. 
A lógica da exclusão, para retirar o problema – no caso o doente – sempre esteve presente nos espaços destinados ao referido “tratamento”, que em muitas vezes era na forma de correção, como é o caso do chamado “berço de contenção de loucos” (AMARANTE, 2009, p. 16). 
No cenário mundial, depois da Segunda Grande Guerra, o Estado passa a ser responsável não somente por garantir o direito à vida, mas também o direito à saúde, como forma de superação dos horrores da guerra (FEITOSA; ROSA, 2008). Da mesma forma, a loucura passa a ser compreendida como uma doença, que necessita de um tratamento, e não de uma punição, e visando à melhora  no atendimento  das  pessoas portadoras de sofrimentos psíquicos. A primeira ação que visava à reformulação do modelo de atendimento aos portadores de sofrimento psíquico ocorreu em 1959, na Inglaterra (Ibidem)³. Outras ações e manifestações surgiram ao redor do mundo, como a criação de “uma política oficial de saúde mental, na Inglaterra; França; Estados Unidos e Itália” (Ibidem)4.
O movimento liderado na Itália por Franco Basaglia tinha como pressuposto a desconstrução do até então modelo de atenção. Defendia a ideia da necessidade de tratamento aos chamados “doentes mentais”, mas um tratamento humanizado, que tivesse como foco o indivíduo, e não a doença (Ibidem)5.
No Brasil, o processo de Reforma Psiquiátrica teve início no ano de 1978, com a denúncia de médicos psiquiatras ao Ministério da Saúde, dos abusos e violações cometidos nos hospitais psiquiátricos, concomitantemente  com  a criação do Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM). A reforma psiquiátrica, no Brasil, foi inspirada na experiência italiana, que partia do pressuposto de que “quando dizemos não ao manicômio, estamos dizendo não à miséria do mundo e nos unimos a todas as pessoas que no mundo lutam por uma situação de emancipação” (BASAGLIA, 1982, p. 29). 
Segundo Amarante, o objetivo da Reforma Psiquiátrica é [...] não só tratar mais adequadamente o indivíduo com transtorno  mental, mas o de construir um novo espaço social para a loucura, questionando e transformando as práticas da psiquiatria tradicional e das demais instituições da sociedade (2003, p. 58). 
Assim, a Reforma Psiquiátrica pretende, além de melhorar a qualidade no atendimento, criar mecanismos e espaços para tratamento pautado na inclusão e na inserção comunitária, abandonando a ideia de que os “loucos” deveriam ser isolados para o tratamento (AMARANTE, 2009). 
Desta forma, criou-se a possibilidade de um tratamento humanizado, sem a necessidade do isolamento e distanciamento da família ao qual eram submetidos os usuários até este período. Como afirma Heidrich, ao analisar a experiência italiana da Reforma Psiquiátrica, [...] não bastava trocar o local do tratamento ao portador de transtorno mental, mas transformar a forma de conceber a problemática da loucura, cuidar, pensar e lidar com ela. Para os italianos, tratava-se de colocar a doença entre parênteses e cuidar da pessoa (2007, p. 18). 
A organização dos trabalhadores da saúde mental em um movimento deu origem a diversas manifestações e lutas acerca da Reforma Psiquiátrica. Uma delas ensejou a conquista da conhecida Lei da Reforma Psiquiátrica, a Lei nº 10. 216/01 que prevê a proteção das pessoas portadoras de sofrimento psíquico e a criação de um novo modelo assistencial em saúde mental (BRASIL, 2001). 
A aprovação da Lei nº 10.216/01 deu origem à Portaria nº 336/GM, de 19 de fevereiro de 2002, que regulamenta os serviços substitutivos ao modelo hospitalocêntrico6.
Desta forma, buscaram-se novas alternativas de atenção à saúde mental que originam a criação dos Centros de Atenção Psicossociais (CAPS), dos Núcleos de Atenção Psicossociais (NAPS), bem como dos Hospitais-Dia e das Residências Terapêuticas. 
Além das mudanças na forma de tratamento, o “doente” mental/paciente, como era até então chamado, passa a ser considerado como um usuário sujeito de direitos, e de seu tratamento.
A nova concepção de saúde mental, que visa priorizar o indivíduo e não a doença, oferecendo-lhe tratamento humanizado e de qualidade, resultou na criação de novos mecanismos e espaços de tratamento que provocam para a necessidade de uma ação intersetorial com as demais políticas sociais e de um trabalho pautado no fortalecimento e atuação em rede, que possibilite uma intervenção integrada, visando à integralidade no atendimento ao usuário. 
Intersetorialidade 
Com a promulgação das leis 8.080, de 19 de setembro de 1990, e 8.142, de 28 de dezembro de 1990, é implementado no Brasil o Sistema Único de Saúde (SUS), tendo como premissa o art. 198 da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988). O SUS tem como diretrizes principais a universalidade e integralidade no atendimento aos usuários, a descentralização dos recursos e a regionalização, visando ao atendimento das peculiaridades de cada região. 
Nos dispositivos da Lei 8.080, no art. 3º, está descrito que: A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País (BRASIL, 1990). 
Reconhecendo, portanto, que a concepção de saúde ultrapassa a simples ideia da ausência de doença e, ainda, que engloba outros fatores para a sua efetivação, a Política de Saúde no Brasil, está organizada, no âmbito de legislação, de forma intersetorial para que seja possível o enfrentamento dos fatores que envolvem o processo de adoecimento através de uma ação integrada com outras políticas sociais. 
O contexto social, político, econômico e cultural de um país, localidade ou estado é refletido diretamente nos níveis de saúde da população, e, consequentemente, no agravamento da questão social. 
Conforme analisa Campos, "A definição da saúde como resultado dos modos de organização social da produção, como efeito da composição de múltiplos fatores, exige que o Estado assuma a responsabilidade por uma política de saúde integrada às demais políticas sociais e econômicas e garanta a sua efetivação. Ratifica, também, o engajamento do setor saúde por condições de vida mais dignas e pelo exercício pleno da cidadania" (CAMPOS et al., 2004a, p. 746). 
Desta forma, caberia ao Estado a criação de mecanismos que subsidiem o combate e a erradicação destes fatores, que contribuem para o adoecimento. Também vale ressaltar outro aspecto importante da análise feita pelo autor, fazendo  referência à  efetivação de uma política de saúde integrada às demais. Este é processo denominado de intersetorialidade entre as políticas sociais, onde diferentes mecanismos trabalham de forma compartilhada no enfrentamento aos problemas sociais. 
Segundo Campos, a intersetorialidade nada mais é do que um processo de construção compartilhada, em que os diversos setores envolvidos são tocados por saberes, linguagens e modos de fazer que não lhes são usuais, pois pertencem ou se localizam no núcleo da atividade de seus parceiros. A intersetorialidade implica a existência de algum grau de abertura em cada setor envolvido para dialogar, estabelecendo vínculos de corresponsabilidade e cogestão pela melhoria da qualidade de vida da população (2004b, p. 747). 
A intersetorialidade é uma estratégia política complexa, cujo resultado na gestão de um município é a superação da fragmentação das políticas nas várias áreas onde são executadas, partindo do princípio do diálogo entre os seus executores e gestores. Tem como desafio articular diferentes setores na resolução de problemas no cotidiano da gestão, tornando-se um mecanismo para a garantia do direito de acesso à saúde, já que esta é produção resultante de múltiplas políticas sociais de promoção de qualidade de vida. 
A intersetorialidade é construída e fortalecida enquanto processo coletivo (CAMPOS, 2004b), como já mencionado entre diversos setores, e principalmente de uma construção com a população, considerando as peculiaridades e potencialidades de cada realidade, ou seja, de cada local, de cada sujeito, visando atender as necessidades encontradas, e ainda valorizar e  incentivar a participação da população neste processo. 
Como prática de gestão na saúde, a mesma permite o estabelecimento de espaços compartilhados de decisões entre instituições e diferentes setores do governo, que atuam na produção da saúde. Citam-se, setores que atuam na formulação, na implementação e no acompanhamento de políticas públicas com o objetivo de promover impacto positivo sobre a saúde da população. Assim, a intersetorialidade como uma articulação das possibilidades dos distintos setores de pensar a questão complexa da saúde, de corresponsabilizar-se pela garantia da saúde como direito humano e de cidadania e de mobilizar-se na formulação de intervenções que a propiciem [...]. Tal processo propicia a cada setor a ampliação de sua capacidade de analisar e de transformar seu modo de operar a partir do convívio com a perspectiva dos outros setores, abrindo caminho para que os esforços de todos sejam mais efetivos e eficazes (BRASIL, 2006, p. 10-11). 
Desta maneira, permite considerar o cidadão na sua totalidade, nas suas necessidades individuais e coletivas, colabora para ações resolutivas em saúde. Não obstante a construção de necessárias parcerias com outros setores como Educação, Trabalho e Emprego, Habitação, Cultura, Segurança, Alimentar e outros (DIAS, 2010). 
A intersetorialidade remete, também, ao conceito/ideia de “rede”, cuja prática requer articulação, vinculações, ações complementares, relações horizontais entre parceiros e interdependência de serviços para garantir a integralidade das ações (DIAS, 2010). Em acordo com Sposati (2006), cabe ressaltar que não se trata aqui de negar a importância da setorialidade; ao contrário, ela torna-se fundamental para o alcance da intersetorialidade.
O enfrentamento do processo de adoecimento e a efetivação de um processo de produção de saúde requerem a prática da intersetorialidade, da articulação, da participação. Desta forma,  “a promoção da saúde depende da satisfação de diversas necessidades sociais, através das mais diversas políticas sociais e que não se esgotam no setor da saúde” (CEZAR, et al., 2008, p. 6), sendo necessário o envolvimento de outros segmentos, de forma que seja possível a superação dos diferentes fatores que envolvem o processo de saúde/doença, que são identificados como as expressões da questão social. 
Por isso, cabe ressaltar a importância do conhecimento e da articulação dos espaços que envolvem a realidade. Contudo o fortalecimento de uma rede de serviços, programas e projetos é fundamental para o alcance na efetividade do atendimento a população. Segundo a análise de Cezar (Ibidem)7, “a  intersetorialidade é vista como mecanismo fundamental de garantia de  direitos e de atendimento às necessidades da população”. 
A adoção desta ideia, de atuação integrada, pode evitar os entraves causados pela burocracia. Assim, ao ingressar em uma política, o acesso poderia servir, também, para outros programas sociais, sem a necessidade de um novo cadastro, por exemplo. 
Finalmente, o contexto da intersetorialidade estimula e requer mecanismos de envolvimento da sociedade. Demanda a participação dos movimentos sociais nos processos decisórios sobre qualidade de vida e saúde para buscarem as condições adequadas a uma vida saudável através de políticas públicas (BRASIL, 2006). A discussão de intersetorialidade remete a outro aspecto importante a ser discutido – a integralidade no atendimento –, aspecto este que se torna primórdio e consequente à efetivação da intersetorialidade. 
Integralidade do atendimento 
O conceito de integralidade, assim como o conceito de intersetorialidade surgem no cenário das políticas sociais através da política de saúde, sendo difundidos às demais posteriormente. 
Na saúde mental, a integralidade do cuidado é um princípio ético e político (BRASIL, 2005) que implica organizar e efetivar o atendimento e os serviços de forma que o usuário seja atendido na sua integralidade, buscando superar a fragmentação no atendimento, tendo em vista a concepção ampliada de saúde e todos os fatores que causam o adoecimento. 
Segundo Mattos (2001, p. 41), a integralidade não é apenas uma diretriz do SUS definida constitucionalmente. Ela é uma bandeira de luta, pois a proposta da integralidade é uma ruptura com estruturas organizadas dos serviços de saúde (centralidade no saber biomédico) e com as práticas fragmentárias e reducionistas. 
Através desta ruptura das estruturas organizadas, como afirma Mattos, ocorre o fortalecimento efetivo do atendimento, descentraliza-se a figura do médico, e criam-se mecanismos que possibilitem a atuação interdisciplinar. E como consequência ações de prevenção, promoção e reabilitação, e não somente ações de tratamento, tanto no âmbito individual, quanto no coletivo.
Segundo Cezar et al. (2008, p. 2), “a integralidade pressupõe que o atendimento e as ações de saúde sejam realizadas de forma integrada, e voltadas para a promoção, a prevenção e a recuperação da saúde”. Sendo assim, as ações em saúde devem ser pensadas e estruturadas em conjunto com os demais setores de atendimento e principalmente com os usuários, de forma que atendam as necessidades destes. 
Ainda sobre a análise das ações que visam à integralidade no atendimento, Cezar (Ibidem)8 afirma que a mesma “está assentada em dois pilares básicos, a interdisciplinaridade e a intersetorialidade”. Ou seja, o pressuposto para a efetivação da integralidade do atendimento é uma estruturação e articulação da equipe do serviço, bem como uma estruturação e articulação desta mesma com outras equipes de outros espaços e serviços. 
É por isso que o primeiro sentido para a integralidade em saúde relaciona necessidade de articulação entre as práticas de prevenção e assistência, envolvendo necessariamente a integração entre serviços e instituições de saúde (COSTA, 2004, p. 12). 
Logo, para que isso seja possível, é necessário o envolvimento e a articulação do setor saúde como um todo, juntamente com outros campos de política social, por meio de iniciativas, projetos e programas em várias áreas. Ainda segundo Costa (2004), a integralidade deve ser ideal de prática cotidiana. Desta forma, segundo a autora, cabe defender a integralidade como valor a ser sustentado nas práticas dos profissionais de saúde, ou seja, um valor que se expressa na forma como os profissionais responderão aos pacientes que os procuram (p. 13). 
A adoção da integralidade do atendimento reflete diretamente na maneira com que o usuário é atendido, a forma com que este terá sua atenção, e este processo não deve ser adotado somente no âmbito da saúde, mas em caráter totalitário das demais políticas sociais, programas e serviços, principalmente. 
Pensar a integralidade do atendimento é transformar o modo de atuação. Perpassa a adoção de mecanismos de escuta e respeito com o usuário. Como ressaltado pela Política Nacional de Promoção de Saúde a integralidade implica, para além da articulação e sintonia entre as estratégias de produção da saúde, a ampliação da escuta dos trabalhadores e serviços de saúde na relação com os usuários, quer individual e/ou coletivamente, de modo a deslocar a atenção da perspectiva estrita do seu adoecimento e dos seus sintomas para o acolhimento de sua história, de suas condições de vida e de suas necessidades em saúde (BRASIL, 2006, p. 10). 
Desta forma, a qualidade do atendimento oferecido reflete diretamente na resolutividade da ação, bem como  se  torna  um mecanismo de estímulo à  participação dos usuários, trabalhadores, familiares e comunidades no atendimento e na proposição dos serviços.
A integralidade não é apenas um conceito, mas uma diretriz que deve ser adotada no cotidiano. E o alcance deste processo se dá através da intersetorialidade e interdisciplinaridade, mecanismos que devem compor a atuação do assistente social, como objetivo e estratégia da ação profissional.
Não obstante ao exposto até o momento,  não se ignora o atual quadro de fragilização e segregação das políticas públicas e sociais dentro do cenário de economia neoliberal do Brasil atual. Reconhecemos as dificuldades postas pela contradição entre direitos universais e políticas focalizadas, entre a redução do gasto público e degradação das condições humanas de vida. Estes, como sendo reflexos de um sistema desenvolvido pró-capital, excludente em sua essência lógica. 
Porém é neste conhecimento que está a garantia de uma análise crítica acerca dos retrocessos e limites postos à então “reforma psiquiátrica”, e cite-se também, a brusca redução dos repasses públicos para manutenção dos CAPS e a lenta alocação de leitos em hospitais gerais para leitos psiquiátricos. Logo, soma-se um ”jogo” de poder econômico – devido à crescente mercantilização da saúde no Brasil – ao árduo fardo que o estigma em ser portador de sofrimento psíquico lhe atribui. 
No entanto,  nossa proposta inicial era de elucidar acerca de possibilidades neste cenário complexo e contraditório que se insere a Política Pública de Saúde Mental, e assim o buscamos a partir do debate sobre os conceitos de intersetorialidade e integralidade, percebendo estes como primordiais enquanto estratégia de atuação profissional pró-desenvolvimento humano, capazes de proporcionar uma rede de cuidados em saúde mental resolutiva. 
A experiência de estágio em Serviço Social no CAPS Escola – Pelotas 
A prática de estágio realizada no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS Escola) tornou possível o contato direto com a realidade do sistema público de saúde atual, especificamente no âmbito da saúde mental. Destaque-se que a aproximação com a realidade da prática profissional agrega à formação profissional potencialidades e perspectivas que possibilitam a abertura de novos conhecimentos.  
O CAPS Escola foi criado em 2001. Funciona, atualmente, através de um convênio entre a UCPel e a Prefeitura Municipal de Pelotas. Este serviço atende diariamente pessoas portadoras de sofrimentos psíquicos graves ou persistentes. 
O CAPS Escola tem como objetivos: (1) Estimular a comunicação entre usuários, equipe e família para torná-los parte em seu tratamento, ou seja, a autonomia dos usuários; (2) Aproximar e oferecer uma rede de cuidados a partir de sua inserção na comunidade; (3) Elaborar plano terapêutico considerando as possibilidades dos usuários;  (4)  Construir  permanentemente  um ambiente acolhedor, facilitador, estruturado a partir da compreensão dos usuários enquanto portadores de direitos; (5) Servir de campo de estágio em saúde mental aos estudantes da Universidade Católica de Pelotas. 
A atuação dos CAPSs ocorre por territórios, sendo estes entendidos não somente como uma área geográfica, mas “é fundamentalmente constituído pelas pessoas que nele habitam, com seus conflitos, seus interesses, seus amigos, vizinhos,  sua famílias, suas instituições, seus cenários (igrejas, cultos, escolas, trabalho, boteco, etc.)” (BRASIL, 2004a, p. 11). 
No caso do CAPS Escola, seu território compreende 17 Unidades Básicas, além do Centro de Especialidades. Atende, ainda, a região central da cidade de Pelotas. 
O trabalho profissional é realizado pela equipe interdisciplinar9, que semanalmente se reúne para discutir casos dos usuários e decidir sobre as alternativas de resolução de problemas no espaço. Como mencionado, anteriormente, o objeto norteador para a atuação profissional no CAPS está focado nas potencialidades, e não nas dificuldades e nos limites; porém, não há negação da existência destes. O significado deste enfoque é que as potencialidades devem ser consideradas como o ponto de partida, para que o usuário se integre como personagem principal do serviço como um sujeito portador de direitos. 
No espaço destinado ao Serviço Social, sua atuação10  possui como objetivo mais importante propiciar a conquista de autonomia dos usuários, através do exercício do empoderamento (empowerment), que visa ao incentivo à participação e à ocupação por parte dos usuários e familiares nos espaços que são oferecidos, bem como a conquista de novos espaços. O Serviço Social faz-se parte essencial neste processo, utilizando mecanismos que possam garantir a socialização da informação aos usuários. Entenda-se aqui autonomia a partir de Paulo Freire: A autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si é processo, vir a ser. Não ocorre em data marcada. É nesse sentido que a pedagogia da autonomia tem de ser centrada em experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em experiências respeitosas da liberdade (FREIRE, 1996, p. 121). 
Sendo desta maneira o exercício do empoderamento, tem como agente principal, a nosso ver, a socialização da informação e a socialização do conhecimento adquirido, tanto por parte dos técnicos, quanto por parte dos usuários. Trabalha-se o empoderamento a partir da teoria de Vasconcelos (2008), assim apresentada: Uma perspectiva ativa de fortalecimento do poder, participação, e organização dos usuários e familiares no próprio âmbito da produção de cuidados em saúde mental, em serviços formais e em dispositivos autônomos de cuidado e suporte, bem como em estratégias de defesa de direitos, de mudança de cultura relativa à doença e saúde mental, e de militância social e política mais amplo na sociedade e no Estado (VASCONCELOS, 2008. p. 60). 
Desta forma, o exercício do empoderamento garante mecanismos de conquista da autonomia, pois parte da lógica de que o indivíduo é um sujeito de direitos e com a capacidade de analisar o que julga ser melhor para a sua vida.
Durante período de estágio, foi realizada pesquisa com o objetivo principal de identificar como a informação acerca do processo de sofrimento psíquico, seu tratamento e suas interlocuções sociais, culturais, econômicas e políticas podem atuar como estratégia efetiva de autonomia e exercício de cidadania na promoção de saúde e na construção de uma rede resolutiva de cuidados em saúde e saúde mental. Entende-se que a participação nos espaços somente se concretiza havendo algum grau de informação acerca deste. Assim, através da disponibilização de informação sobre os serviços, direitos e demais processos, executam-se o empoderamento para o alcance da autonomia dos usuários. É isso que se espera com este mecanismo. 
Em se tratando da pesquisa, a mesma caracteriza-se como quantiqualitativa, sendo realizadas entrevistas semiestruturadas com uma amostra intencional que compreendeu  de dois  agentes comunitários11  de cada uma das UBSs que possuem Programa de Saúde da Família (PSF) e Programa de no território do CAPS Escola, totalizando  seis  agentes Agentes Comunitários de Saúde (PACS)12, comunitários. Foram realizadas, também, seis entrevistas com usuários e mais seis com familiares de usuários, sendo todos estes escolhidos aleatoriamente13.
Nos dados apontados na pesquisa, identificou-se que a maior parte dos entrevistados entre usuários, familiares e ACS não possuem um entendimento claro sobre o que é CAPS e qual o papel das oficinas terapêuticas. A informação sobre os serviços é um dos primeiros passos para que haja estímulo na participação do usuário e para que os próprios sujeitos destes espaços possam perceber-se enquanto parte vital do serviço. Segundo A. Vasconcelos, A garantia de acesso  às informações necessárias e de direitos para que os usuários possam se defrontar com diferentes opções e só assim fazerem realmente escolhas a partir de seus interesses e necessidades, quando não contarem com estes direitos detalhados em cartazes, cartilhas e debates... E aqui, na democratização das informações necessárias para potencializar as escolhas pelos usuários, faz-se necessário não só o conhecimento dos textos e leis que garantem estes direitos, mas o detalhamento destes direitos no cotidiano da população a partir das demandas que colocam, das dúvidas e desinformações que revelam na utilização dos serviços [...] (2007, p. 433). 
A compreensão sobre o funcionamento (objetivo do serviço) possibilita ainda a desconstrução do atendimento atrelado à figura do médico. 
Com a identificação destes dados, o serviço social no CAPS busca a superação destes desafios para a efetivação da rede e melhora na qualidade dos serviços oferecidos, trabalhando em conjunto com as UBSs, partindo da lógica  da criação de meios de acesso à  informação, visando desta forma ao tratamento do usuário dentro da sua comunidade, conhecendo a realidade e as redes que podem ser acessadas em cada comunidade. 
Ainda sobre o papel do assistente social neste processo de socialização da informação como mecanismo de prática profissional, A. Vasconcelos afirma que ele (o assistente social) deve conhecer a realidade do seu campo de atuação, compreendendo o contexto no qual este se insere, e com isso superar a execução de medidas paliativas, destinadas a “quebrar galho” (2007, p. 518). 
Sabemos que diariamente o trabalho profissional esbarra nos limites das políticas públicas e na falta de estratégias de articulação do trabalho em rede, além de outros empecilhos como falta de estrutura física e de acesso dos serviços. Os mesmos, entretanto, não se tornam justificativas para a não realização do exercício profissional. O profissional de Serviço Social é capaz de articular e buscar estratégias para a superação destas questões. A criatividade torna-se um dispositivo favorável para a superação das barreiras. Novamente ressalta-se que o processo de ação profissional deve ser reinventado a cada demanda. 
A interlocução com as UBSs para a tentativa de construção de uma rede de cuidados ocorreu principalmente através de reuniões distritais14. Ao longo dos encontros, evidenciaram-se dificuldades de contato com as Unidades, deflagradas pela considerável baixa participação das mesmas. Cabe destacar que, os serviços e os profissionais das UBSs representam a “porta de entrada” da Política de Saúde Mental, e assim devem (deveriam) ter conhecimento sobre os serviços de atenção em saúde mental, o que são e como funcionam. Mas, quando os usuários eram15 encaminhados ao CAPS, identificou-se que estes não possuíam informação sobre o mesmo, nem portavam um termo de encaminhamento com informações relevantes. 
Com relação às reuniões de distrito, estas ocorreram mensalmente,  tendo sido  possível acompanhar doze encontros, ao longo do período de estágio.  
As reuniões eram coordenadas pela assistente social do CAPS Escola em conjunto com a estagiária do Serviço Social.  Seus objetivos eram: trabalhar de maneira compartilhada; trocar experiências e saberes; oferecer subsídios teóricos e técnicos para enfrentamento das situações extremas de surtos e outras apresentadas pelos profissionais das UBSs;  e principalmente colaborar para  a superação de pré-conceitos. 
Embora a tentativa de articulação por parte do CAPS com as UBSs, a partir das reuniões de distrito mensais, os resultados esperados não foram alcançados em sua totalidade, devido à variável e baixa participação das equipes das UBSs. Porém as que valorizaram este espaço apresentaram significava mudança na postura profissional com relação ao conhecimento acerca do contexto de saúde mental, bem como melhorias no atendimento aos usuários que a eles recorriam. Esta mudança expressou-se na qualidade dos encaminhamentos e no acolhimento oferecido aos supostos futuros usuários do CAPS, bem como melhoraram os acompanhamentos aos já usuários dos serviços do CAPS. 
No que confere às visitas domiciliares realizadas pelo Serviço Social, estas eram realizadas de acordo com a demanda dos usuários e acerto com toda a equipe. Durante as mesmas se adotou como procedimento uma vista prévia à UBS de referência para assim “trocar” informações, e em algumas situações, contamos com o acompanhamento do ACSs da área. Assim, durante a rotina das visitas, buscou-se reduzir a distância entre atendimento clínico nas UBSs e atendimento psíquico no CAPS Escola. 
Mesmo com a previsão do Ministério da Saúde para a articulação entre os serviços de saúde e saúde mental, não existe por parte dos agentes comunitários treinamento neste sentido. Da mesma forma que não existe conhecimento sobre o significado de rede.
A falta de investimento em recursos humanos por parte do poder público torna-se um empecilho na efetivação desta rede de cuidados; a falta de informação e de socialização da mesma é mais um obstáculo para  que esta efetivação aconteça. Embora seja de competência do CAPS o papel de articulador de uma rede de cuidados em saúde, não significa que as iniciativas sejam unicamente de responsabilidade deste serviço. Este processo pressupõe uma construção contínua,  permanente e coletiva com os demais serviços, mas, para que isso seja possível, o primeiro passo é o processo de informação compartilhada. 
Os dados relatados e as análises realizadas evidenciam que um dos limites encontrados para a articulação e atuação em rede é a falta de socialização da informação entre todos os sujeitos envolvidos neste processo (usuários, profissionais, familiares, comunidade e demais espaços).
Ou seja, a informação acerca do processo de sofrimento psíquico, seu tratamento e suas interlocuções sociais, culturais, econômicas e políticas podem atuar como estratégia efetiva de autonomia e exercício de cidadania na promoção de saúde. Porém, foi possível observar que o acesso à informação sobre os serviços de saúde mental e sobre a importância da participação de familiares e usuários nestes serviços é quase inexistente. 
Processo de construção de uma rede resolutiva de cuidados; o outro passo 
Tendo em vista a análise apresentada no item anterior, durante o estágio curricular optou-se, na intervenção, por priorizar ações que propiciassem a socialização da informação para a construção e articulação da rede, buscando desta forma a melhoria na qualidade dos serviços oferecidos.
Um dos mecanismos elaborados foi o Projeto de Capacitação das UBSs, o  qual objetivava capacitar as equipes sobre o funcionamento do CAPS, As formas de encaminhamento realizaram-se através do diálogo e de uma lógica de responsabilidade compartilhada, visando à melhoria nos serviços e, principalmente, no atendimento ao usuário. 
O projeto diferenciou-se das Reuniões de Distrito, no sentido de que estas foram realizadas nas próprias UBSs e não no CAPS Escola, sendo possível o contato direto com a realidade e com as dificuldades enfrentadas na atuação das equipes das UBSs. Relembramos que um dos argumentos apresentados com relação à baixa participação nas referidas reuniões de distrito era o deslocamento. Então, buscou-se, frente às limitações enfrentadas, “dar” um outro passo rumo à construção de uma rede resolutiva de cuidados. 
Os encontros foram realizados com as equipes nas UBSs que atuam no território do CAPS Escola na zona urbana, devido à facilidade de acesso, totalizando seis UBSs. O foco principal deste processo foi a ampliação de conhecimento sobre o CAPS para as equipes da Atenção Básica; a construção e articulação da rede de cuidados em saúde. Destacamos que para a realização dos encontros houve a colaboração do Departamento de Saúde Mental do Município, ao qual fora apresentada a proposta, e obteve-se o respaldo para a execução deste projeto. 
Os encontros foram realizados em dias pré-estabelecidos pelas Unidades, através de convite realizado anteriormente. Os responsáveis pela execução deste projeto foram17: uma psicóloga da equipe do CAPS, uma estagiária de Psicologia e uma estagiária do Serviço Social – responsável pela criação do projeto. 
Como estabelecido pela Política Nacional de Saúde Mental (BRASIL, 2004), o CAPS é o agente articulador da rede de serviços que compreende o seu território de abrangência. 
Partindo deste pressuposto, optou-se pelas UBSs, primeiramente devido à presença uniforme em todos os bairros. Entretanto, entende-se que o processo de articulação da rede é algo constante, contínuo e que deve envolver outros espaços. Desta forma, as Unidades Básicas consistem apenas no primeiro passo para a efetivação de uma rede, para que então seja possível a construção de ações intersetoriais e resolutivas. 
Nas UBSs, foram discutidos temas básicos, entretanto fundamentais para a atuação em rede, como: endereço e telefone do CAPS; documentação necessária para o encaminhamento;  folder explicativo do CAPS, elaborado pelos usuários; além do diálogo dos objetivos do serviço e dúvidas apresentadas pelas equipes das Unidades. Na preparação do material a ser trabalhado, houve o cuidado e o respeito com as equipes focadas no trabalho, pois visava-se à aproximação com as equipes para a atuação conjunta, e não à transferência de responsabilidades para estas. 
Um aspecto relevante neste processo de articulação com as UBSs foi o fato de que nem todas elas possuíam PSF ou PACS, sendo que algumas unidades contavam apenas com a equipe básica no local: médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem, assistente social e recepcionista. Apesar desta realidade, algumas destas Unidades buscavam mecanismos para aumentar a efetividade do seu atendimento, como no caso de uma das UBSs, que nos apresentou seu projeto para a criação de um Grupo de Convivência com objetivo de atender os usuários portadores de sofrimentos psíquicos leves, que já não necessitavam de tratamento no CAPS. 
Este fato foi muito animador, pois mostrou que, mesmo com as dificuldades, é possível buscar mecanismos de superação e criar novas modalidades de tratamento do usuário na comunidade, sem a necessidade de deslocamento para outras áreas e serviços, ampliando a possibilidade de participação e autonomia do usuário. 
Todavia, através dos encontros realizados nas UBSs, foi possível ampliar o contato do CAPS Escola com a realidade enfrentada, e de certa forma, conquistar, estabelecer uma confiança entre equipes participantes destas duas modalidades de serviços. Esta confiança pode ser observada, posteriormente, com o aumento significativo de participação das UBSs no CAPS, bem como no auxílio ao serviço sempre que solicitado. 
Assim, na medida em que eram realizados os encontros nas UBSs, crescia a sua relação com o CAPS, tanto para a solicitação de informação, como para notificação da identificação de algum caso. Além disso, houve aumento da participação das equipes das UBSs nas Reuniões  de Distrito, que,  como mencionado anteriormente, era parcial antes da realização do projeto. 
A ampliação do processo de articulação e participação das equipes de Atenção Básica no atendimento a usuários portadores de sofrimento psíquico propiciou a melhoria na qualidade do serviço para os usuários, de forma que  foram evitados os desencontros de informação, encaminhamentos equivocados e desnecessários. 
Outro aspecto importante no processo de articulação com as UBSs é a possibilidade de criação de uma rede intersetorial de atenção, envolvendo os demais mecanismos existentes no território. Cabe ressaltar que redes intersetoriais São aquelas que articulam o conjunto das organizações governamentais, não governamentais e informais, comunidades, profissionais, serviços, programas sociais, setor privado, bem como as redes setoriais, priorizando o atendimento integral às necessidades dos segmentos vulnerabilizados socialmente (BOURGUIGNON, 2001, p. 6). 
Assim, este processo de construção de rede não se resume às UBSs; engloba outros espaços de diferentes áreas. Embora não alcance a categoria de intersetorialidade, entretanto é o primeiro passo para que seja possível a efetivação e consolidação desta, pois o alcance de ações intersetoriais, e em rede, é um processo constante, que não se esgota em uma única iniciativa, pois pode envolver ações criativas, permanentes e diárias. 
Considerações finais 
A atenção em saúde mental sofreu e vem sofrendo significativas transformações, avanços e retrocessos ao longo dos últimos trinta anos. Apesar das políticas sociais estarem organizadas no âmbito legislacional, de forma articulada e intersetorial, vimos que isso ainda é um processo a ser construído e implementado na realidade, nos campos de atenção, nos serviços oferecidos. 
Partindo do pressuposto de que o processo de saúde/adoecimento engloba diferentes fatores, o seu enfrentamento não deve resumir-se apenas a uma política. Por isso, a importância de se entender que embora a intersetorialidade e integralidade sejam concepções que têm sua origem na saúde, sendo diretrizes do SUS, sejam princípios adotados por outras áreas das políticas sociais, como assistência, educação, trabalho, entre outras, o que já se observa como um processo em desenvolvimento, ainda que de forma incipiente. 
Para a efetivação da intersetorialidade e o alcance de ações intersetoriais verdadeiras, é necessária a articulação da rede. Não significa aqui negar a setorialidade. O que se deseja é destacar a necessidade da integração da setorialidade com a intersetorialidade, de forma que haja aumento da qualidade dos serviços oferecidos aos usuários. 
É neste sentido que o trabalho do assistente social deve estar direcionado, buscando estratégias que ultrapassem a atuação institucional, de forma a conhecer a realidade enfrentada pelo usuário na sua plenitude, bem como os serviços que são possíveis de serem acessados. 
O conhecimento dos serviços, das formas de acesso e do funcionamento destes, são ferramentas de trabalho do assistente social. O processo de socialização da informação é um mecanismo que deve ser utilizado pelo assistente social, além de ser entendido como mecanismo inicial para a construção de uma rede de cuidados. 
A partir da prática de estágio curricular em serviço social, foi possível observar a importância da intersetorialidade na atenção ao usuário, na qualidade dos serviços oferecidos. A busca de articulação do CAPS com as UBSs do território foi o primeiro mecanismo para a construção de uma rede resolutiva de cuidados e, posteriormente, para a efetivação de ações intersetoriais e de atenção integral. 
O assistente social tem, através dos dispositivos teórico-metodológicos, ético-políticos e técnico-operativos, as ferramentas necessárias para a construção, proposição e articulação com os diferentes espaços de atenção ao usuário. Ainda, através de ações que visem à melhoria dos serviços (consequentemente evidencia-se a melhora na atenção ao usuário, aumentando a resolutividade do serviço), o aumento da participação e a autonomia dos usuários. 
Desta forma, o trabalho do assistente social encontra-se diretamente envolvido no processo de formulação, execução e acompanhamento de ações que visem à promoção de saúde, levando em consideração os determinantes envolvidos no processo de saúde/adoecimento, e ainda, o objeto da profissão que é a questão social em suas expressões, apreendidas no cotidiano da prática profissional.
Embora o processo de interlocução com as UBSs, realizado no CAPS, não seja, necessariamente, uma ação intersetorial, pois envolve apenas a política da saúde, estende-se que este foi o primeiro passo para a construção de uma rede de atenção ao usuário na sua integralidade. Posteriormente, a expansão deste projeto pode alcançar a rede intersetorial, articulando todos os envolvidos na comunidade (familiares, igrejas, escolas, associações, UBSs, movimentos sociais, etc.), garantindo a participação popular como ferramenta de construção, consolidação e luta por direitos e qualidade de vida. Ou seja, trata-se de um processo que deve ser contínuo e fortalecido diariamente em todos os espaços. 
E é neste aspecto que o assistente social é chamado a para sua atuação. Embora sejam inúmeros os empecilhos vivenciados no cotidiano, como falta de recursos – tanto humanos, quanto financeiros –, para a realização da ação profissional, o processo de socialização da informação é sempre uma ferramenta possível de intervenção para o incentivo à participação de usuários, familiares e trabalhadores nos espaços de discussão e nos serviços. Entretanto, a socialização da informação não pode ser entendida apenas como um repasse de informações sobre os serviços, mas como um processo de informação na lógica do direito, de cidadania e de participação. 
A experiência vivenciada dentro do CAPS trouxe, além de conhecimentos inúmeros, a percepção de como muitas vezes ações tão pequenas resultam em grandes conquistas, melhoria do atendimento e, consequentemente na, qualidade de vida do usuário. Para exemplificar, alguns usuários expressaram que não percebiam mais discriminação no atendimento recebido nas UBSs graças à superação do preconceito por parte de seus profissionais, em relação aos portadores de sofrimento psíquico, após as discussões realizadas sobre a doença mental. 
Finalmente, afirma-se que, embora haja o entendimento de que a ação profissional do assistente social na saúde mental, como em qualquer campo, não se concretiza somente em uma ação, mas sim em inúmeras, expressas no complexo quadro em que se mostra o cotidiano profissional, todas estas devem ser permeadas pela busca da integralidade do atendimento, do desenvolvimento da autonomia dos usuários, da participação popular e, consequentemente, da melhoria da qualidade de vida do usuário e da superação de expressões da questão social. Assim,  selecionaram-se  para o debate noções  de empoderamento (como estratégia para autonomia e exercício de cidadania), intersetorialidade e integralidade, ambos como elementos primordiais de uma prática profissional voltada para a construção de uma rede resolutiva de cuidados em saúde mental com características humanas e de cunho fortalecedor dos sujeitos envolvidos. 
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Notas:                                                           
1 Ocorrida no mês de junho (de 27 de junho a 1º de julho de 2010); após foram realizadas 359 conferências municipais, 204 conferências regionais e 27 conferências estaduais (de março a maio), envolvendo cerca de 46.000 pessoas de todo país na discussão sobre  o tema da saúde mental. Maiores informações consultar: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/area.cfm?id_area=1663. 
2 As mesmas faziam parte do território de atuação e responsabilidade do CAPS Escola. 
3 FEITOSA; ROSA, 2008. 
4 Idem, ibidem, p. 137. 
5 Idem, ibidem. 
6 Termo utilizado para caracterizar o modelo de atendimento hospitalar, no caso da saúde mental, os hospitais psiquiátricos. Modelo de tratamento hospitalocêntrico tem como foco principal a doença e não o usuário, a medicalização e o saber do médico (AMARANTE, 2009). 
7 CEZAR et al., 2008, p. 7. 
8 CEZAR et al., 2008, p. 03. 
9 Composta por: artista plástica, artesã, assistente social, auxiliar administrativo, auxiliar serviços gerais, enfermeira, fisioterapeuta, médico psiquiatra, psicólogo, professor de música e educação física, técnico de enfermagem. 
10 Citam-se as principais frentes de atuação: acolhimento, visitas domiciliares, grupo de familiares, grupo com os usuários do serviço, reuniões de distrito com as UBSs, supervisão de estágio. 
11 Agentes Comunitários de Saúde (ACSs) são responsáveis pelo trabalho de visitação, acompanhamento das famílias atendidas pelo PSF. Atuam geralmente por microáreas, definidas por um conjunto de residências e determinadas pelo território atendido pelas UBSs. Outra característica importante é que estes agentes são moradores da comunidade na qual trabalham, para melhor acompanhamento dos casos, embora muitas vezes este se torne um fator de resistência pelos moradores nas visitas. Para uma compreensão mais detalhada do papel dos ACSs, consultar: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/cidadao. 
12 PSF/PACS: A Saúde da Família é entendida como uma estratégia de reorientação do modelo assistencial, 
operacionalizada mediante a implantação de equipes multiprofissionais em unidades básicas de saúde. Estas equipes são responsáveis pelo acompanhamento de um número definido de famílias, localizadas em uma área geográfica delimitada. As equipes atuam com ações de promoção da saúde, prevenção, recuperação, reabilitação de doenças e agravos mais frequentes, e na manutenção da saúde desta comunidade. Disponível em:  http://portal.saude.gov.br/portal/saude/cidadao/area.cfm?id_area=149. Acesso em: 19 jun. 2010. 
13 Tendo em vista o objetivo deste trabalho, serão apresentados apenas os resultados e análise dos dados com relação à pesquisa realizada com os ACSs. 
14 Encontros realizados mensalmente entre o CAPS e as UBSs que compõem o território do CAPS, sendo um espaço de trocas e produção de conhecimento, e desta maneira, ampliação da eficácia numa lógica includente e comunitária de tratamento, enquanto direito. Garante, assim, cuidado integral e contínuo em busca da promoção de saúde a partir da lógica 
da equidade, integralidade e cidadania, e, ainda, contribui para a superação do estigma e segregação das pessoas que 
estejam em sofrimentos psíquicos. 
15 No período que compreendeu o estágio. 
16 A participação de toda equipe do CAPS Escola foi um aspecto marcante para efetivação da proposta. Todos profissionais se envolviam de maneira conjunta e articulada. 
17 A ausência da assistente social que vinha acompanhando o projeto deve-se ao fato de que neste momento a mesma não estava mais trabalhando no CAPS Escola. Assim, para não prejudicar a estagiária e o andamento da proposta, contou-se com apoio e suporte dos demais profissionais do CAPS Escola, em especial da Psicologia. 

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