segunda-feira, 31 de maio de 2010

Contos Desbotados

EMBAIXO DE UM PÉ DE JACA*
Quando conheceu um pé de jaca, ficou absolutamente impressionado. Aquela imagem jamais sairia de sua retina. Não era um pé de jaca qualquer, ou qualquer pé de jaca. Era um enorme pé carregado de jacas. Se não se tem idéia do que seja isso, do que seja uma jaqueira (deve ser assim que se chama o pé de jaca)/ um imenso pé carregado de jacas, é imprescindível que se faça alguma coisa para conhecer.
Quase armou uma rede para descansar embaixo do pé de jaca, mas achou que seria por demais ridículo, ao invés de meter o pé na jaca, acabar morrendo atingido por uma jaca. Passou um longo tempo a fantasiar como seria um traumatismo craniano provocado por uma jaca. De vez em quando tinha dessas bobeiras. Desistiu de descansar embaixo daquela sombra que poderia estar escondendo um furioso assassino.
Lembrou, imediatamente, de uma amiga que vivia preocupada com a mãe já velhinha, com seus noventa e tantos anos, e com um abacateiro (um pé de abacate) de proporções descomunais que banhava de sombra o enorme pomar de sua casa. E a preocupação não era mesmo com a sombra, mas temia que sua mãe fosse, distraidamente, buscar alguma coisa lá fora da casa, no pomar, e fosse atingida por algum abacate obediente à lei da gravidade, porque lei é lei e certamente um abacate não questionaria essas coisas de lei. Pensou como seria a vida da amiga e daquela velha senhora se tivessem em seu pomar um pé de jaca como aquele que conhecera, ou talvez maior, porque diziam os conhecedores que existiam pés muito maiores do que aquele que tivera o prazer e o espanto de conhecer.
Saiu daquela sombra assustadora e foi para a varanda cochilar e olhar o horizonte, que era olhando o horizonte que ele conseguia organizar melhor as suas idéias, e cochilando que conseguia fugir delas. Queria cochilar e fugir.
Deitara no meio da tarde e já era noite quando despertou do primeiro cochilo. Acordou com aquela vontade que ocupava toda a cavidade da sua boca. Aquele desejo incontrolável de tomar leite com café. Gostava muito de tomar leite com café e açúcar, porque sabia que poderia sentir distintamente o gosto de cada um dos elementos da composição. Do leite. Da doçura do açúcar. E do café, que não é solúvel no leite. Gostava de pensar que aquela cor no leite se dava exatamente porque o café não é solúvel no leite. Gostava dessa idéia de que leite e café não se misturam, jamais.
Enquanto bebia o leite quente e segurava o gole na boca para sentir o gosto do café, saiu para olhar a noite e percebeu que o seu dia fora afetado por alguma coisa mais intensa que uma jaca. Chegou a pensar que talvez realmente tivesse caído uma jaca em sua cabeça e que passara o dia a vagar inconsciente. Não havia como saber. Então buscou linha e anzol, catou iscas e foi pescar no riacho próximo de sua casa, mas tomou cuidado de não passar embaixo do pé de jaca. Enfim, nunca se sabe o que é que pode acontecer, principalmente quando o pé de jaca tem vida e vontade própria, ou segue a lei da gravidade.
* Conto revisado, publicado no Jornal Estilo - Cruz Alta/RS, em tempos idos.

domingo, 30 de maio de 2010

OUVINDO OS PASSOS DA AUSÊNCIA

A dor mais cortante que já vi alguém sentir é a dor de uma perda de alguém querido, a qual não se consegue elaborar. “Trata-se de esperar por alguém que você sabe que não voltará”. “Trata-se do tempo que passamos esperando e das pessoas que encontramos na sala de espera”. “Sei exatamente como é quando um novo dia começa e alguém que esperamos não aparece” (Falas de algum filme que não lembro o nome).
São partidas inesperadas e que deixam a sensação de que a vida ficou pela metade. É a conversa que não se teve. É o abraço que não se teve tempo de dar. São os projetos que ficaram pela metade ou por acontecer. São os filhos que se queria ter, mas que não se teve tempo para tê-los. São as coisas bonitas que se estava vivendo e, num repente, tornam-se cinza. É tudo o que ficou pela metade, sem explicação.
Coisas que antes eram intensas, com a partida, tornam-se absurdamente mais fortes. É o cheiro da pessoa. É olhar do retrato que nos segue por onde se for. É o molho de chaves que se ouve tilintar ou a porta se abrir. É a roupa no cabide. É o calçado largado sem jeito. É a escova de dentes que está ali, estupidamente imóvel. É o lugar em que a pessoa sentava. É o estúpido silêncio de suas manias e de seus barulhos.
Coisas que só a vida é capaz de produzir. Um abraço quente e apertado nos momentos certos e também simplesmente por dá-lo. Um beijo carinhoso. Um apoio nos instantes de fragilidade. Uma conversa. Um olhar de cumplicidade. Uma surpresa qualquer. Uma canção desafinada, cantarolada ao acaso. A mão segurando a sua mão. A certeza do encontro. A existência partilhada.
Pra quem vai, não faz diferença, mas pra quem fica, faz toda a diferença. Ouve-se os passos da ausência da presença, com mais intensidade do que se ouvia os passos da própria presença. Esses são os passos mais doloridos que alguém pode ouvir, pois nunca chegam e nunca nos deixam partir!

sábado, 29 de maio de 2010

Para muito além do antibullying: poesia e (des)educação

Há mais ou menos três semanas, ao cruzar próximo a uma escola, no fim da tarde, deparei-me com um grupo de alunos com idades em torno de 9 e 10 anos, que se movimentava em bloco, acompanhando um menino que praguejava contra outro, chamando-o para a briga de socos e pontapés, usando ainda termos que em seu imaginário funcionavam como violentos torpedos contra o outro, tais como: veadinho, mariquinhas, gorducho, etc. O bloco veio em minha direção e estaquei entre o brigão e o outro, tentando apaziguar os ânimos. Enquanto isso, dois meninos que fomentavam a briga gritaram: “sai daí tia, tem que brigar sim, não tem nada disso de não brigar”... acho que foram os únicos que me viram, além do menino que estava tentando escapar da briga e aproveitou a minha barreira para escapulir para o outro lado da rua, já tendo perdido casaco e mochila... enquanto isso, o bloco inteiro se movimentou também para o outro lado da rua, onde foi dissolvido pela presença de dois adultos que buscavam crianças na escola, as quais estavam em meio ao bloco que se movimentava.
Desde então, andava querendo tramear este escrito, o que se juntou com eventos da semana, em que foram aventadas as ditas leis anti-bullying em nível estadual (RS) e municipal (Cruz Alta/RS)... o termo bullying deriva de bully, que significa fanfarrão, mata-mouros; capanga; tirano; brutal; insolente; e está relacionado, também, a bravata; ameaça; intimidação; dar trote... perguntava-me, noutro dia, porque será que toda essa violência vem aparecer exatamente na Escola?
Essa é uma questão sobre a qual não me aventurarei a falar hoje, mas gostaria de sublinhar que é muito triste perceber que a maioria dos educadores atua desfocada da dimensão humana da sua tarefa e das existências com que labutam (a própria e a dos alunos).
Quando legisladores se propõem à formulação de leis que subvertem o sentido daquilo que pretendem regulamentar, é no mínimo preocupante, fazendo-nos pensar que pouco entendem de gentes e de mundo!
A expressão, na Escola, da violência tipificada na intolerância, na opressão, no escárnio, no desrespeito, na discriminação, no preconceito, entre outros tipos, é fruto não do mero livre arbítrio de crianças e adolescentes, mas sim, do ideário em que estão planteadas nossas existências... um ideário que nos ensina a competir e não a ser solidário; a excluir e não propiciar a participação de todos; a oprimir e não a respeitar a liberdade; a pisar e escamotear a existência do outro, como forma de reafirmar nosso individualismo; a discriminar aquele que não segue os padrões dominantes e não a olhar o mundo com olhos não-normalizadores!
É esse ideário, indelevelmente pintado aqui, que produz essas práticas em que alguns se reafirmam pela violência, enquanto outros são apenas expectadores e fomentadores (estes também protagonizam a violência indiretamente) e doutra parte, resultam as vítimas que perdem, na grande maioria das situações, a capacidade de reação e de resistência, caindo, assim, em profundo estado de fragilização.
A tentativa de criminalizar ou normatizar essas situações não contribui em nada para sua compreensão e superação, ao contrário, garante assim, um estatuto tipificado e recortado da condicionalidade humana... não é demais lembrar, que essa é uma questão a ser trabalhada enquanto prática educativa, enquanto revisão das questões humanas e sociais, enquanto fator determinante na formação humana.
Só para tecermos uma comparação, essa lei teria um equivalente, se, por exemplo, as minorias excluídas do sistema social e educacional, reivindicassem a responsabilização criminal dos gestores que nada fizeram para que fossem criadas as condições teóricas, técnicas, humanas, sociais e políticas para o processo de discussão e de promoção da educação inclusiva.
Enfim, depois de ter postado um breve comentário sobre a dita lei, recebi vários email de parceiros de estudos e discussão, manifestando indignação com a estultice da mesma e, andava nessas reflexões, quando me ocorreu rever o filme espanhol “A Língua das Mariposas” (colarei, no final, um comentário sobre o filme), o qual começa exatamente com uma situação de aviltamento da dignidade de um menino que acaba de entrar na escola, sendo que o professor – um velho mestre chamado Don Gregório – conduz aquela e muitas outras situações de forma a transformar a intolerância no mais puro respeito humano, a vida em poesia e a existência no mais absoluto compromisso com as gentes e com o mundo.
Don Gregório, quando chega a primavera, leva seus alunos para aula em meio à natureza e lá lhes faz lembrar sobre o que falara com relação à língua das mariposas, que se parece com um tromba de elefante ou com uma mola de relógio, servindo para que as mariposas colham o néctar que lhes servem as flores em seus cálices, diz: “cheirando o néctar, a mariposa desenrola a língua e alcança o funda do cálice da flor”. Ensina seus alunos a apreciarem a vida guardada nos livros: “nos livros nossos sonhos se refugiam para não morrer de frio”. Mostra a um menino assustado com a finitude humana, que “o inferno não existe... ódio e crueldade é o que existe”. Quando se aposenta, apesar do olhar e da manifestação controladora do mais forte representante do capitalismo na comunidade em que vivem, mostra, quando o fascismo já tomava corpo na Espanha, que trabalha acreditando que “se uma só geração cresça livre”, tem certeza, “ninguém lhes tirará a liberdade!”. Ele não viu seu sonho feito vida, foi surrupiado de sua existência humana e poética logo no início da Guerra Civil Espanhola, levando no olhar as pedradas por mostrar aos alunos e às suas gentes, os sonhos guardados na poesia e nos livros, o néctar que mora no fundo do cálice das flores, as contradições presentes nas crenças cegas, o desapego presente na existência simples, e, acima, de tudo, a possibilidade de construírem práticas de liberdade. Ele fez isso tudo e quando o fascismo o enquadrou, foi levado de cabeça erguida, pois não teve que negar nada daquilo em que acreditava e com que encantava as gentes de sua comunidade.
Num dos email que recebi, foi-me feita a seguinte provocação: “neste momento leio suas ‘Rápidas Notas sobre o Vago Sentido do Nada’, e concordo com suas colocações. Estamos em tempos em que precisamos criar leis a fim de dar conta de posturas resultantes do próprio sistema. Como conduzir esse barco?”.
Espero que tenha conseguido expressar um pouco do que se pode pensar sobre essa questão. E digo, ainda, que essa é uma questão para muita discussão, a qual pode nos mostrar também o quão longe a Escola está de alcançar uma condição de gentidade para os mestres e os alunos... talvez tenhamos que mirar a vida com os olhos de Don Gregório, sabendo que se ajudarmos a construir pelo menos uma geração de gentes livres, o mundo nunca mais será o mesmo... com poesia e (des)educação!
E, para concluir, trago a poesia do espanhol Antonio Machado, que Don Gregório utiliza para semear idéias no imaginário de seus alunos, de “Extracto de Proverbios y cantares (XXIX)”: Caminante, son tus huellas/ el camino y nada más;// Caminante, no hay camino,/ se hace camino al andar.//Al andar se hace el camino,/ y al volver la vista atrás/ se ve la senda que nunca/ se ha de volver a pisar.// Caminante no hay camino/ sino estelas en la mar”.
ANEXO: “Um mestre à frente da descoberta do mundo”, de Karla Hansen
O filme "A Língua das Mariposas" conta a história de Moncho, um menino de 7 anos, em seu primeiro ano na escola. Na véspera do primeiro dia, crucial na vida de qualquer pessoa, Moncho não consegue dormir, atemorizado por que seu irmão mais velho lhe contou sobre professores que batem em alunos. Tímido e asmático, ele vive debaixo da saia da mãe superprotetora, numa pequena aldeia, no interior da Galícia, ao norte da Espanha, no ano que antecede a Guerra Civil Espanhola (1936-1939).
Na manhã do grande dia, Moncho é apresentado a Don Gregório, o velho professor primário, que o recebe afetuosamente. Mas ao pedir que o novo aluno se apresente para a classe, os outros meninos chamam, em coro, "pardal", o apelido de Moncho. O susto é tão grande que o menino faz "xixi", de pé, diante do professor e de toda turma, e foge da escola, indo se esconder na floresta, onde fica até a noite chegar.
O filme, então, mostra a sensibilidade do velho mestre que vai à casa de Moncho pedir desculpas por tê-lo humilhado, mesmo que sem intenção, e, em conversa com a mãe do menino, descobre que ele tinha medo que o professor lhe batesse. Com isso, Don Gregório ganha a confiança de Moncho, que passa a ter com o mestre uma relação de admiração e amizade, por intermédio da qual se abrem as portas do conhecimento.
A escola, assim, se torna para Moncho uma fonte de prazer, pela descoberta de um mundo desconhecido, fora de seu ambiente familiar. Na companhia do amigo Roque, espia um casal de namorados e aprende sobre os mistérios do amor e do sexo. E, quando a primavera chega, Don Gregório leva os alunos para fora da sala de aula, ensinando-os a admirar a natureza e a explorar seus segredos. É também pelas mãos do mestre que Moncho descobre a magia da literatura, ao receber de presente o romance de aventura "A Ilha do Tesouro", de Robert Louis Stevenson. A amizade e a companhia permanente com Don Gregório faz que esse seja o grande ano de Moncho, marcado, ainda, por uma excursão com a banda de músicos da qual seu irmão faz parte.
A aprendizagem como fonte de prazer e de crescimento e a liberdade como função primeira da educação são, em síntese, as principais mensagens do filme espanhol. Mas, aos poucos, ao fundo começa a se desenhar o quadro social e político que definem a ascensão do fascismo na Espanha, na qual se aliaram a Igreja Católica, o Exército e o grande dono de terras contra a Frente Popular, formada pelos republicanos, pelos sindicatos, pelos partidos de esquerda e pelos que defendiam a democracia, entre os quais se encontrava Don Gregório.
A sombra do fascismo acabará por atingir a pequena população da aldeia e, mais profundamente, a vida de Moncho. Homens armados começam a perseguir e a prender os republicanos, comunistas ou, simplesmente, suspeitos de simpatizarem com as ideologias de esquerda, de tal modo que Moncho e sua família são levados de roldão pelo clima de terror e de delação impostos pela ditadura franquista, contrariando, assim, as lições de liberdade aprendidas com Don Gregório, seu grande mestre.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Para São Lourenço do Sul


Por essas ruas eu andei!
A cidade que habita o recôndito romântico de meu imaginário é Porto Alegre. Gosto de suas ruas. Gosto do Guaíba. Gosto do Brique. Gosto dos Sebos. Gosto de seu ar interiorano que não se perde em meio à correria de Metrópole. Gosto de sua poesia e de encontrar a história encravada em cada esquina de sua existência. Gosto da alegria que trepida em suas veias. Gosto de Porto Alegre. Simplesmente isso.
Mas apesar de gostar dela, já me cansa o movimento demasiado intenso das ferramentas do capital. Escolhi viver numa cidade pequena. Gosto de ir e vir andando sobre minhas próprias pernas. Gosto de inventar sempre um novo caminho, mas também gosto de encontrar sempre gentes e coisas novas nos velhos caminhos de sempre. Gosto do sossego dos entardeceres e do amanhecer dos domingos. Gosto de poder ouvir os pássaros fazendo alarido ao redor da casa. Gosto de poder deixar as janelas abertas, para que as folhas caídas as adentrem.
Por ora, vivo numa cidade em que posso fazer isso, mas ainda devo escolher se fincarei folhas de paineira no telhado de minha existência, se, numa cabana no meio do mato, ou numa colônia de pescadores.
Dia desses, por conta de minhas andanças pelo mundo, ao conhecer São Lourenço do Sul/RS, por ela me apaixonei! Tomada por essa passionalidade, por suas ruas palmilhei meu olhar afoito. Aspirei seu cheiro. Esquadrinhei suas formas e cores. Gosto das ruas calçadas com pedras. Acho que asfaltamento não combina com morada e nem com vida. Quase não passei por vias asfaltadas (acredito que existam muitas, mas não as vi!). Detive-me nas pedras românticas dos caminhos e nas vielas arenosas. Fazendo um bico que adentra a Lagoa dos Patos, a cidade se contorce e quando menos esperamos vemos nascer a poesia... talvez eu busque, numa aldeia perdida do Pantanal, uma índia que se extraviou de mim e venha descendo as águas mansas da existência, espalhando pelo caminho, a alegria que vi nas cores de um arco-íris que pesquei em São Lourenço!

As eternas promessas da medicina

Divulgando o escrito: "As eternas promessas da medicina", por Jean Marcel Carvalho França, em http://p.php.uol.com.br/tropico/html/textos/3186,1.shl.
"Vivemos sob a constante tutela dos medícos, que tomaram para si o monopólio da verdade sobre a saúde.
O pensador estoico Lúcio Aneu Sêneca não se cansa de recomendar aos seus leitores que a vida não deve ser comprada a qualquer preço. Mais ainda. Ao homem sábio, segundo ele, recomenda-se, inclusive, encurtar a própria existência se a Fortuna mostrar-se demasiado adversa, se o dia a dia se converter somente num pasto para a dor. Afinal, se escolhemos o que comer, o que vestir, onde morar e tantas outras banalidades, porque não escolher também, caso tenhamos a chance, a hora e o modo de morrer?
O pensamento de Sêneca, certamente, não tem muitos adeptos nas sociedades contemporâneas, sociedades em que a busca por viver mais é uma obsessão quase religiosa, incentivada por uma poderosa casta de quase santos: os profissionais da saúde (física e mental).
Por aqui, no Brasil, como por todo lado no Ocidente, pelo menos desde o século XIX, existimos sob a crescente e constante tutela dessa gente, gente que se encarregou de tomar para si o monopólio da verdade sobre a saúde e, consequentemente, o direito de elaborar as regras de conduta necessárias para que possamos supostamente viver muito e, como gostam de pregar, “com mais qualidade de vida”. Tamanha autoridade, prestígio e penetração social, porém, concedamos o mérito a quem tem, nem veio do dia para a noite nem caiu do céu, ao contrário, foi um processo longo e custou muito esforço da categoria.
O Brasil, como se sabe, lamentavelmente conheceu uma universidade, a Universidade de São Paulo (USP), somente na década de 30 do século XX. Durante os 300 e poucos anos de colônia, não tivemos sequer ensino universitário. A primeira, ou melhor, as duas primeiras faculdades instaladas no país foram as de Direito, inauguradas em pleno Brasil independente (1827), nas cidades de Olinda e São Paulo.
A instalação dessas duas instituições de ensino, é bom que se diga, veio como uma espécie de compensação minguada de um plano bem mais ambicioso, acalentado desde o início do governo de Pedro I: a criação da Universidade do Brasil. A universidade, porém, por razões variadas, entre as quais a indisponibilidade de verbas, não saiu do papel. Saíram somente os dois cursos isolados, que assim permaneceram até 1832, quando foram inauguradas, nas cidades de Salvador e do Rio de Janeiro, as Faculdades de Medicina.
Desde 1829, organizados em torno da Sociedade de Medicina e Cirurgia da Corte, os poucos médicos que atuavam no país reivindicavam junto aos poderes públicos a criação de uma instituição na qual pudessem, em solo nacional, reproduzir seus quadros, aprimorar o conhecimento da área e controlar melhor o exercício da profissão –o país estava repleto de “pajés e curandeiros”–, medidas que, diziam os doutores, eram indispensáveis para diminuir a enorme mortandade das cidades brasileiras. Em 1832, a contínua e crescente pressão médica finalmente deu resultados e, como mencionado, foram abertas as duas faculdades.
Para além de, durante muito tempo, dividir com as faculdades de direito o papel de instituições formadoras das elites letradas do país –no Brasil, afora uns autodidatas, a maior parte dos nossos políticos, jornalistas, literatos etc. passaram pelos bancos das instituições mencionadas–, a Faculdade de Medicina e o saber médico aí produzido e divulgado teve um papel sobremodo importante na formação dos costumes da população brasileira do século XIX.
Os médicos, que buscavam se afirmar como os senhores da verdade sobre a doença e a cura, sonharam nesta época com uma sociedade livre de patologias físicas e morais. Foi em nome dessa sociedade higienizada que opinaram sobre a organização das prisões e dos colégios, sobre a melhor maneira de controlar e asseptizar a prostituição, sobre a educação das crianças e dos jovens, sobre a limpeza dos logradouros públicos e dos estabelecimentos comerciais e até mesmo sobre a alimentação e a vestimenta de homens, mulheres e crianças.
Eram tempos em que se acreditava nos poderes ilimitados da medicina, nos poderes ilimitados dos “saberes científicos”. Foi dentro desse espírito que, em 1836, o doutor Cruz Jobim, no discurso de abertura do seu curso de medicina legal, orgulhosamente disse aos seus alunos: "Da medicina e das ideias que ela fornece os legisladores de todos os países têm procurado tirar os fundamentos de grande número de leis. Tanto mais válidas e estáveis quanto elas têm por base o conhecimento da natureza humana e das suas verdadeiras necessidades".
É certo que, nestes quase 200 anos de existência, o saber desses esperançosos doutores não levou nem ao conhecimento da tal natureza humana, nem à estipulação das “melhores” regras para a organização da sociedade brasileira. Por sorte da categoria, porém, cada vez menos a sociedade os interrogou acerca de tão espinhosos temas.
Outra era a expectativa dos “leigos” em relação a eles. O homem comum dispôs-se a ouvir e a acatar as prescrições de médicos e psiquiatras –e de toda uma chusma de “auxiliares especializados”, de nutricionistas a treinadores de academia–, desde que isso trouxesse consigo a esperança não de alcançar o conhecimento da natureza humana ou de viver em uma sociedade sem tensões, mas de simplesmente durar mais tempo e prolongar ao máximo os vigores da juventude.
Foi graças a essas promessas, promessas constantemente renovadas, que os doutores de toda casta alcançaram relativo êxito na sua missão de higienizar a sociedade e regrar a vida dos mortais. Foi graças a ela que grande parte das normas de que os indivíduos passaram a lançar mão para organizar a sua vida cotidiana se impregnou de recomendações médicas. Está longe de ser por acaso, por exemplo, que a internet tenha mais sites com dicas de saúde e bem-estar do que com conteúdo pornográfico.
Hoje é mais fácil as crianças e os jovens serem aliciados por um produto farmacêutico, um alimento funcional, uma vitamina ou um chá purificante, do que por um artigo erótico. Não é tampouco por acaso que os grandes jornais, nos últimos tempos, passaram a dedicar páginas, seções e mesmo cadernos inteiros, com dicas e reportagens sustentadas na opinião dos indefectíveis “doutores” e “especialistas”, voltados para a saúde física e mental dos leitores.
Estamos, em suma, empesteados pelas “verdades médicas”, verdades quase sempre contraditórias, instáveis e com resultados extremamente incertos. Afinal, como também sempre recorda o referido Sêneca, por vezes “morremos, vítimas do nosso medo de morrer”, pois a Fortuna é uma dama caprichosa, que gosta de submeter aos piores tormentos aqueles que são demasiado precavidos diante da vida".
Publicado em 8/5/2010 - Jean Marcel Carvalho França - É professor do Departamento de História da UNESP-Franca e autor, entre outros, de "Literatura e Sociedade no Rio de Janeiro Oitocentista" (Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1999) e "Outras Visões do Rio de Janeiro Colonial" (José Olympio, 2000).

quarta-feira, 26 de maio de 2010

O QUE SE PASSA NA CABEÇA DA GLOBO?

Dia desses, numa de minhas andanças pelo mundo, duas das parceiras que nos acompanhavam, apressavam o tranco para chegarem em casa a tempo de verem a “novela da oito” que estaria em seus últimos capítulos. São duas parceiras que não são de tranco ruim, mas que para minha boquiaberta surpresa, não perdem a dita novela.
Fiquei matutando sobre isso, pois há algum tempo anotei algumas coisas que vi em manchetes rápidas de não lembro onde, sobre a preocupação da Rede Globo com o fato de que seus índices de audiência estariam baixando. O que anotei, referia-se ao fato de que devido a isso, a emissora de TV estaria estudando os programas de sua grade, visando a uma reformulação que objetivava recuperar o interesse das cabeças das gentes e assim, a audiência.
O que acho mais interessante é que nas notas que li, não era aventada a possibilidade de que as gentes possam ter mudado seus interesses ou percebido o grande engodo da comunicação-global. Correm a tentar ler os pensamentos para saber como podem fazer para domá-los ou dominá-los, como se essa fosse uma condição sempre tangível!
É óbvio que muitas pessoas se fazem informar pelo “noticiário” do bom dia Brasil, do jornal hoje, do jornal nacional e do jornal da globo (já fiz a experiência de assistir a todos e quando chegou no terceiro eu já estava empapuçada das mesmas coisas); ou que se fazem divertir com o repeteco das duas, com a novela das seis, a das sete e a das oito; ou que não perdem a sessão da tarde, a sessão coruja, o supercine e outras sessões de enlatados que gastam a fita de tanto repetir; ou que tomam por lazer as barbáries do luciano huck, do domingão do faustão, do zorra total e de outros quetais.
A absurda precariedade que alimenta a quase totalidade da programação da globo (e falo dessa emissora porque é o canal aberto que tem maior cobertura de abrangência) é também a precariedade que circula nas cabeças que dela se alimentam. Muitos hão de dizer que apesar disso, é um veículo de comunicação de massa que “entra nos lares dos brasileiros” e que ajuda a mudar conceitos e preconceitos.
Esse é o grande equívoco, pois não ajuda a mudar nada, visto que não produz nas cabeças das gentes o entendimento sobre esses conceitos e preconceitos, mas sim, apresenta-lhes um substitutivo ou um simulacro que irrefletidamente ocupará o lugar das noções que antes orientavam a vida e as ações!
A cabeça da globo é feita do ideário dominante e a cabeça das gentes talvez esteja se fazendo atravessar por perspectiva libertárias de vida e de existência!

terça-feira, 25 de maio de 2010

Rápidas Notas sobre o Vago Sentido do Nada

Trago, aqui, anotações rápidas feitas em meus papéis de embrulho, as quais podem dar em outros escritos (ou ficarem somente na sementeira).
PONTO 1: Hoje ouvi alguém falando sobre o tal do Dia do Desafio. Saí pensando em quão estúpido gasto de energia põe a se mover as mentes e os corpos imbuídos dessa estultice capitalística que coloca em embate duas cidades que deverão se fazer embalar pelo desafiador espírito de competição e de movimentação, visando chegar ao nada!
Desafio, para mim e para muitos, tem vez e tem hora em todos os dias de minha vida. Minhas pernas seguem o compasso das idas e vindas em que devo levar e trazer meu corpo e minha mente, em todos os dias da semanada.
Talvez não seja necessário, para aqueles que fazem com convicção os movimentos humanos, sociais e políticos de todos os dias, competir com ninguém tentando provar quem conseguiu melhor operar a fantasia de movimento!
PONTO 2: Agora se tornou moda fazer lei para uma outra estultice que ocupa as mentes preocupadas em maquiar o mundo: é esse tal de BULLING!
A área da Educação é pródiga na criação e enquadramento de recortes psicopatológicos e de outros quetais.
É importante lembrar que não se trata de adotarmos um nome que designe as práticas históricas de violência de toda ordem, de uns contra os outros. Tenho a sensação de que os educadores se sentem amparados quando se dá um nome para essas práticas, naturalizando-as, enquanto deveriam ser trabalhadas enquanto questões éticas, políticas, humanas e sociais.
A violência nessa tal de Bulling é a prática irrefletida da intolerância, do desrespeito, da discriminação, do preconceito e do depósito de frustrações pessoais ou coletivas, na figura daquele que encarna a fragilidade de todos. É muito fácil vomitar, bater e chutar as próprias questões, naquela pessoa que não tem forças o suficiente para reagir e mostrar que está sendo apenas a imagem do outro refletida no espelho. O outro necessita quebrar o espelho para não ver mais a si próprio.
Acredito que o Estado já dispõe de ferramentas para enfrentar, combater, prevenir e atentar para as práticas de violência contra crianças e adolescentes, não sendo necessário criar essa codificação que apenas tira o foco da efetiva questão. A própria área da Educação deve, também, trabalhar a situação de forma a dar uma mirada humana para essa abordagem.
Os sujeitos que praticam a violência contra outros seres humanos - e no caso da Escola, geralmente são crianças e adolescentes que o fazem -, já o fazem exatamente porque suas existências já são desenhadas nessa perspectiva, portanto, se trata de pensarmos os modos e as condições de subjetivação e não uma designação que produza a naturalização de algo que é absolutamente humano e assim deve ser contemplado!
Assim como para quem pratica a violência, também para quem cria leis desse tipo (contra o Bulling) é necessário dizer que a ética e a vida são elementos incondicionais da existência humana... a vida, acima de tudo! Talvez seja necessário se perguntar: que intolerância e que violência são essas que brotam exatamente duma das instituições que mais se empenha em reproduzir os esteios da sociedade de controle? Talvez sejam as mesmas que em outros tempos já ganharam outros nomes... mas a Escola não mudou!

DIVULGAÇÃO: Seminário CHEGA DE SILÊNCIOS

DIVULGAÇÃO: Conversando sobre Saúde Mental na Assistência Social

segunda-feira, 24 de maio de 2010

CONFERÊNCIA DE SAÚDE MENTAL – fazendo parte da história

Dia desses, numa audição passageira de alguma publicidade rodada na TV, ouvi algo mais ou menos assim: “tão real que você vai se sentir parte da história”. Era algo relacionado às enciclopédicas coleções que a RBS tem se outorgado o dever de reunir conhecimento e dizer às mentes e aos cérebros, o que devem ler e pensar.
Anotei em meus papéis e registrei em minha memória, aguardando para que um dia pudesse parir um escrito. Anotei isso, porque vem de um veículo da mídia dominante, que ainda pensa e trata as gentes como meros receptáculos da história, enquanto aos escolhidos/ às elites está dado “fazer parte da história”, como se esta fosse feita somente pelos heróis e atores destacados no mundo dos fatos.
A história, em nossos tempos, não é feita mais por alguns poucos, mas sim, por todo e qualquer sujeito, por todo e qualquer cidadão, na sua ação de mudar o cenário em que vive, ou mesmo, na decisão de ignorá-lo e deixá-lo como está!
A participação e o controle social são ferramentas fundamentais para a construção democrática das mais diversas políticas públicas, fazendo-se pela via do protagonismo de todo e qualquer ator social.
As coisas devem acontecer não por meras decisões do Estado e de seus atores, mas fundamentalmente através do protagonismo popular!
Ainda na esteira de nossa participação na III Conferência Estadual de Saúde Mental, ocorrida em 20, 21 e 22 de Maio de 2010, na comunidade de São Lourenço do Sul, quero trazer aqui, alguns elementos teórico-políticos importantes na construção e consolidação da Política Nacional de Saúde Mental.
Trago, portanto, um breve histórico da “Política Nacional de Saúde Mental: A internação de pessoas portadoras de transtornos mentais no Brasil remonta à metade do Século XIX. Desde então, atenção aos portadores de transtornos mentais foi sinônimo de internação em hospitais psiquiátricos especializados. A oferta desse atendimento hospitalar concentrou-se nos centros de maior desenvolvimento econômico do país e deixou vastas regiões carentes de qualquer recurso de assistência em saúde mental./ A partir dos anos 70, iniciam-se experiências de transformação da assistência, pautadas no começo pela reforma intramuros das instituições psiquiátricas (comunidades terapêuticas) e mais tarde pela proposição de um modelo centrado na comunidade e substitutivo ao modelo do hospital especializado./ Com a proclamação da Constituição, em 1988, cria-se o Sistema Único de Saúde (SUS) e são estabelecidas as condições institucionais para a implantação de novas políticas de saúde, entre as quais a de saúde mental./ Consoante com diversas experiências de reforma da assistência psiquiátrica no mundo ocidental e as recomendações da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) contidas na Carta de Caracas (1990), o Ministério da Saúde, a partir da década de 90, define uma nova política de saúde mental que redireciona paulatinamente os recursos da assistência psiquiátrica para um modelo substitutivo, baseado em serviços de base comunitária. Isto é, que oferecem cuidados na comunidade e em articulação com os recursos que a comunidade oferece. Incentiva-se a criação de serviços em saúde mental públicos e territorializados (território é a designação não apenas de uma área geográfica, mas das pessoas, das instituições, das redes e dos cenários nos quais se dão a vida comunitária), ao mesmo tempo em que se determina a implantação de critérios mínimos de adequação e humanização do parque hospitalar especializado” (Fonte: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/cidadao/visualizar_texto.cfm?idtxt=24134&janela=1).
Vale sublinhar a importância dos “mecanismos de participação da sociedade na construção das políticas públicas da saúde no Brasil. Por meio da participação na gestão pública, os cidadãos podem intervir na tomada da decisão administrativa, orientando a Administração a adotar medidas que realmente atendam ao interesse público./ A participação contínua da sociedade na gestão pública é um direito assegurado pela Constituição Federal, permitindo que os cidadãos não só participem da formulação das políticas públicas, mas, também, fiscalizem de forma permanente a aplicação dos recursos./ Os Conselhos de Saúde existem nas três esferas governamentais: federal, estadual e municipal. São órgãos permanentes e deliberativos, que reúnem representantes do Governo e dos prestadores de serviços de saúde, profissionais de saúde e usuários do SUS. Leia mais e fique por dentro das discussões sobre a Saúde Pública no país./ As conferências nacionais de Saúde são espaços destinados a analisar os avanços e retrocessos do SUS e a propor diretrizes para a formulação das políticas de saúde. Entre os participantes, estão representantes de diversos segmentos sociais. A última conferência foi realizada em novembro de 2007. A próxima será em 2011”./ (http://portal.saude.gov.br/portal/saude/cidadao/area.cfm?id_area=1036).
Sobre a IV Conferência de Saúde Mental – Intersetorial
“As Conferências de Saúde são fundamentais para a construção democrática das políticas públicas do Sistema Único de Saúde. A Saúde Mental já realizou três conferências setoriais, que produziram importantes deliberações que têm subsidiado a Política Nacional de Saúde Mental./ A primeira conferência foi realizada em 1987, no esteio da VIII Conferência de Saúde (1986), marco histórico na construção do SUS. A segunda, ocorrida em 1992, foi inspirada em outro marco histórico para o campo da saúde mental, a Conferência de Caracas (1990), que em reunião dos países da região, definiu os princípios para a Reestruturação da Assistência Psiquiátrica nas Américas. Já a terceira conferência aconteceu em 2001, ano em que foi aprovada a Lei 10.216, que trata dos direitos das pessoas com transtornos mentais e reorienta o modelo assistencial em saúde mental, na direção de um modelo comunitário de atenção integral. A III Conferência teve especial importância para impulsionar a Política Nacional de Saúde Mental, sobretudo com o respaldo da lei federal./ Nestes quase 10 anos do processo de Reforma Psiquiátrica sob vigência da lei, o SUS ampliou significativamente a rede de serviços extra-hospitalares e reduziu leitos em hospitais psiquiátricos com baixa qualidade assistencial, lugar de constantes violações de direitos humanos./ No Governo Lula, estas mudanças foram intensificadas e o cenário da atenção em saúde mental no país teve mudanças radicais: em 2002 havia 424 Centros de Atenção Psicossocial, que representavam cobertura de 22% da população, e atualmente são 1467 serviços, com 60% de cobertura assistencial. Neste período foi criado, por lei federal, o Programa de Volta para Casa, para egressos de longas internações psiquiátricas. Hoje são 3.445 beneficiários, que recebem o auxílio-reabilitação psicossocial de R$ 420,00. Além disto, há inúmeras outras ações e serviços de atenção em saúde mental: ações de saúde mental na Estratégia Saúde da Família, 860 ambulatórios, 2.600 leitos em hospitais gerais, 550 residências terapêuticas, 393 experiências de geração de renda (projeto Saúde Mental e Economia Solitária, que beneficia cerca de 6.000 usuários), 51 centros de convivência, entre outros. O governo federal criou também a Política de Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas./ Neste cenário, a intersetorialidade é um dos principais desafios colocados à atenção em saúde mental. Com a consolidação da reorientação do modelo assistencial, a necessidade de ampliação da garantia de direitos das pessoas com transtornos mentais e a intensa discussão da cidadania como princípio ético das políticas voltadas para este campo, é fundamental a articulação de diversas políticas sociais. A Saúde Mental tem destacado como parceiros privilegiados a Secretaria Especial de Direitos Humanos, o Ministério do Desenvolvimento Social, o Ministério da Justiça, o Ministério da Cultura, o Ministério da Educação e o Ministério do Trabalho” (Fonte: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=34077&janela=1).
É importante que as comunidades participem dessas discussões e possam estar atuando na construção de novos referenciais para as práticas de atenção à saúde mental, superando o olhar que mira somente o adoecimento mental e as práticas centralistas e excludentes. Afinal, fazer parte da história é para todos e não para alguns.
Finalizando, gostaria de lembrar que tanto o Sistema Único de Saúde, quanto o Sistema Único de Assistência Social só ganharam o corpo sólido e consistente que apresentam em suas propostas, a partir de muita discussão e do protagonismo dos diferentes sujeitos sociais que compuseram essas caminhadas. Isso é responsabilidade de cada um de nós e não dos outros. É a prática corajosa do enfrentamento e de comprometimento humano, social e político, que resulta na revisão das velhas concepções e construção de novas formas de ver e de fazer o mundo!

domingo, 23 de maio de 2010

Dos despropósitos da democracia representativa

Não quero tecer aqui, considerações sobre as implicações teóricas da democracia representativa e sim sobre os arremedos de representatividade que se dão nos espaços da participação popular e do controle social.
Estivemos, nos dias 20, 21 e 22 de Maio de 2010, em número de seis Delegados, participando da III Conferência Estadual de Saúde Mental – Intersetorial (em outro escrito falarei mais especificamente da Conferência). Esses Delegados foram escolhidos a partir da realização da Conferência Municipal em 14.04.2010, sendo um gestor, um trabalhador, um prestador de serviços, um parceiro intersetorial e um usuário (deu cinco? Ah, mas somando bem, dá seis!), para representarem o Município de Cruz Alta nas discussões e na eleição de propostas que serão levadas à Conferência Nacional, assim como, dos Delegados que representarão o RS na etapa Nacional.
Desde que a comunidade brasileira passou a consolidar alguns avanços no que se refere à participação popular na discussão e decisão dos rumos das políticas públicas e da atuação do Estado, temos visto um misto de participação e de representatividade, e que o que mais berra no meio desse mato é o fato de que muitos cidadãos que assumem a condição de representação dos interesses do coletivo esquecem que nesse momento superam a condição de pessoalidade e devem se assentar nas bases da coletividade. Muitos são eleitos para a representatividade sem nem sequer saberem que devem encarnar a coletividade. Outros pensam que são eleitos para defenderem as próprias idéias e interesses. Outros aproveitam dessa eleição para o exercício do nada e do mais absoluto descomprometimento com as coisas da coletividade, demonstrando um profundo desrespeito com a coisa pública e com a vida das gentes (eu tenho a mais absoluta intolerância com os que fazem parte dessa estirpe!).
Digo isso, porque vimos nessa Conferência - e também noutros espaços de participação do controle social -, pessoas que já saíram de suas cidades pensando sobre como fariam para voltar o quanto antes possível, ou sobre os pratos que iriam comer, ou para passear aqui e ali, ou para ficar conversando sem parar ou andando à toa, sem demonstrar qualquer apego para com a motivação objetiva que nos levava para a Conferência... quem não tem o propósito de representar a coletividade ou de participar da discussão daquilo que está em pauta, deveria ter a decência de não aceitar o encargo, declarando-se incompetente ou desinteressado pela situação – mesmo em se tratando de pessoas formalmente responsáveis pela condução da operacionalização das políticas públicas em discussão em tais eventos!
É claro que é uma situação desgastante, pois todos viajam distâncias longas para chegar ao local, assim como deixam o cômodo da vida caseira e passam por uma jornada extenuante, mas quando assumem a condição para a qual foram eleitos, aceitam a incumbência, já sabendo, de antemão, que terão que passar por tudo isso!
Não podemos esquecer, jamais, que as construções teóricas, ideológicas, políticas e práticas em que se ancoram as políticas sociais e as lutas da coletividade, provem exatamente da participação das gentes nos enfrentamentos biopolíticos ao ideário que exclui a maioria e contempla a minoria... e isso só se faz com muita discussão, com muita força, com muita clareza sobre a dimensão de resistência que devemos imprimir em nossas idéias e em nossas ações!
Talvez a situação fosse diferente se a comunidade já estivesse numa outra dimensão de efetivo controle social e de protagonismo, sabendo quem são os agentes públicos que participam de atividades de formação ou de representação do controle social, cobrando-lhes um retorno teórico e prático daquilo que vivenciaram e discutiram nos eventos, visto que além de sermos eleitos a uma representação, a efetivamos utilizando recursos públicos.
Para mim, particularmente, a participação na já referida Conferência trouxe contribuições absolutamente importantes e que, tenho certeza, podem repercutir de forma intensa no trabalho que desenvolvo enquanto ente público. Destaco que já tive atuação em várias políticas públicas e no ano de 2009 retornei ao campo da saúde pública que é o que mais me mobiliza, teórica e profissionalmente, sendo que desde o meu retorno tive a oportunidade de participar de somente um espaço de formação ou discussão – que foi a Conferência Municipal de Saúde Mental-, no mais, o meu embasamento para pensar e atuar na política de saúde mental pública advém somente de minha rotina pesquisadora.
Esses momentos de discussão com atores de outros espaços e de outras comunidades são muito ricos, pois nos trazem outras possibilidades de reflexão, assim como, o contato com formulações teóricas e com práticas que ainda nos são de pouco conhecimento ou mesmo desconhecidas.
Para os usuários, os prestadores de serviços e os parceiros intersetorias também são momentos de muita riqueza, visto oportunizarem a discussão e o contato com questões que raramente lhes chegariam de outras formas ao conhecimento.
Tive contato com discussões no campo da saúde mental pública que dificilmente me chegariam ao conhecimento, visto que são outros atores que participam de eventos dessa natureza, os quais não são provocados à prática da socialização daquilo que discutem e acompanham, ou seja, há agentes públicos que atuam de forma pessoalizada, sem o engate com a condição que representam e o fazem, muitas vezes, sem o entendimento de que sejam multiplicadores e não personalistas.
Lamento que, por questões alheias à minha vontade, não pude participar até o final da Conferência, portanto, não tenho como trazer para a comunidade tudo o que foi levado à Conferência Nacional, assim como, por interferência de fatores externos fui (junto com outros Delegados) absolutamente atropelada em minha participação, tendo que sair de lá no decurso dos trabalhos!
Para concluir, trago palavras de Hakim Bey: “Quando os teóricos discursam sobre o desaparecimento do social, eles se referem, em parte, à impossibilidade da ‘Revolução Social’, e em parte à impossibilidade do ‘Estado’ – o abismo do poder, o fim do discurso do poder. Neste caso, a questão anarquista deveria ser: Por que se importar em enfrentar um ‘poder’ que perdeu todo o sentido e se tornou pura Simulação? Tais confrontos resultarão apenas em terríveis e perigosos espasmos de violência por parte dos cretinos cheios de merda na cabeça que herdaram as chaves de todos os arsenais e prisões. (Talvez isso seja uma grotesca interpretação americana de uma sublime e sutil teoria franco-germânica. Se for, tudo bem: quem foi que disse que a compreensão era necessária para se usar uma idéia?)// A partir da minha interpretação, o desaparecimento parece ser uma opção radical bastante lógica para o nosso tempo, de forma alguma um desastre ou uma declaração de morte do projeto radical. Ao contrário da interpretação niilista e mórbida da teoria, a minha pretende miná-la em busca de estratégias úteis para a contínua ‘revolução de todo dia’: a luta que não pode cessar mesmo com o fracasso final da revolução política ou social, porque nada, exceto o fim do mundo, pode trazer um fim para a vida cotidiana, ou para nossas aspirações pelas coisas boas, pelo Maravilhoso. E, como disse Nietzsche, se o mundo pudesse chegar a um fim, logicamente já o teria feito, e se não o fez é porque não pode. E assim como disse um dos sufis, não importa quantas taças de vinho proibido nós bebamos, carregaremos essa sede violenta até a eternidade”. Isto posto, digo que quer me chamem de polêmica, de intiquenta, de compliquenta, ou de qualquer outra bobagem, não recuarei em meus propósitos e em meus ideais políticos, sociais e humanos! Ainda creo, acima de tudo, na democracia participativa!

sábado, 22 de maio de 2010

DIVULGAÇÃO: CFESS e CRESS-MG repudiam atitude da Faculdade Faminas, de Muriaé

O Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) e o Conselho Regional de Serviço Social de Minas Gerais (CRESS-MG) vêm a público manifestar repúdio à Faculdade de Minas (Faminas) de Muriaé, que impediu a divulgação do cartaz da 7ª Semana Acadêmica de Serviço Social, que trazia a imagem de um casal homossexual se beijando. A Faculdade também demitiu a então Coordenadora do Curso de Serviço Social, assistente social Viviane Souza Pereira, que organizou o evento e defendeu a manutenção da imagem, em consonância ao Código de Ética Profissional do/a Assistente Social. O evento, que deveria acontecer entre os dias 17 e 19 de maio, foi cancelados.
A atitude da Faminas em censurar a ilustração do beijo lésbico, utilizado também na capa da Agenda 2010 do Conjunto CFESS-CRESS, é absurda em vários sentidos, porque:
1. Fere o Código de Ética do/a Assistente Social, que tem como princípios a eliminação de todas as formas de preconceito, incentivo e o respeito à diversidade e oposição a qualquer tipo de discriminação, seja por classe social, etnia, gênero e orientação sexual;
2. Desrespeita a autonomia profissional da assistente social Viviane Souza Pereira que, ao propor o tema "Fortalecer as Lutas Sociais para romper com a Desigualdade", proporcionaria debates importantes para os/as estudantes com alguns dos principais temas da agenda da categoria, como as questões referentes ao combate à homofobia e ao preconceito;
3. Demonstra não só o preconceito, mas também o autoritarismo da Instituição que, ao se ver confrontada pelo posicionamento político da coordenadora, demitiu a mesma.
O/a assistente social tem o compromisso ético-político pautado na defesa da liberdade e luta contra todas as formas de exploração e opressão vigentes.
Desde 2006, quando o Conjunto CFESS-CRESS lançou a campanha pela liberdade de orientação e expressão sexual, em parceria com as entidades políticas LGBT, e publicou a Resolução 489/2006, "que estabelece normas vedando condutas discriminatórias ou preconceituosas, por orientação e expressão sexual por pessoas do mesmo sexo, no exercício profissional do assistente social", o CFESS e o CRESS-MG têm acompanhado às demandas desses sujeitos coletivos e apoiado ações que contribuam para superar preconceitos e violações de direitos.
Por esse motivo damos visibilidade ao tema, como demonstram nossos Manifestos, nossas peças gráficas e nossas ações, como o recente apoio à Marcha Nacional Contra A homofobia, organizada pela ABGLT.
Diante dos fatos aqui apresentados e das informações divulgadas pela mídia local e nacional, reiteramos, mais uma vez, nosso repúdio e indignação à Faminas que, ao vetar a divulgação da imagem do beijo lésbico e demitir a coordenadora do curso de Serviço Social, feriu o respeito, a dignidade e a liberdade que a profissão aponta como valores éticos. O CFESS e o CRESS-MG são contrários às decisões fundamentadas na lógica opressora e fundamentalista da referida Faculdade.
Baixe a Resolução CFESS 489/2006 (http://www.cfess.org.br/arquivos/resolucao_489_06.pdf) que estabelece normas vedando condutas discriminatórias ou preconceituosas, por orientação e expressão sexual por pessoas do mesmo sexo, no exercício profissional do assistente social.
Confira o CFESS Manifesta elaborado para Conferência Nacional LGBT e relembre a campanha pela livre orientação e expressão sexual "O amor fala todas as línguas – Assistentes sociais na luta contra o preconceito" http://www.cfess.org.br/arquivos/cfessmanifesta1aconferencianacionalGLBTT.pdf.
Leia também o Manifesto em homenagem ao Dia da Visibilidade Lésbica http://www.cfess.org.br/arquivos/visibilidade_lesbica.pdf.
Conheça o Manual de Comunicação LGBT, adotado pelo CFESS http://www.cfess.org.br/noticias_res.php?id=368.
Participe da campanha pela aprovação do PLC 122/2006, articulada pelo site http://www.naohomofobia.com.br/. Você pode contribuir telefonando para o Alô Senado (0800 61 22 11) e pedindo pela aprovação do projeto aos/as senadores/as.
Veja a repercussão do caso na mídia e comente as matérias! Na TV Globo Minas/ Na TV Alterosa (SBT)/ No Portal Uai (jornal Estado de Minas)/ No CorreioWeb (Correio Braziliense)/ No Portal Terra/ No portal O Globo.
Fonte: CFESS e CRESS-MG
Marina Monteiro de Castro e Castro - Assistente Social - Coordenadora seccional de Juiz de Fora/CRESS 6 Região

sexta-feira, 21 de maio de 2010

A Desbiografia Oficial de Manoel de Barros

Trago do sítio oficial do Filme, considerações sobre o mesmo:
Só Dez Por Cento é Mentira é um original mergulho cinematográfico na biografia inventada e nos versos fantásticos do poeta sulmatogrossense Manoel de Barros.
Alternando sequências de entrevistas inéditas do escritor, versos de sua obra e depoimentos de “leitores contagiados” por sua literatura o filme constrói um painel revelador da linguagem do poeta, considerado o mais inovador em língua portuguesa.
Só Dez Por Cento é Mentira ultrapassa as fronteiras convencionais do registro documental. Utiliza uma linguagem visual inventiva, emprega dramaturgia, cria recursos ficcionais e propõe representações gráficas alusivas ao universo extraordinário do poeta.
Procurando resignificar às “desimportâncias” biográficas e à personalidade “escalena” de Manoel de Barros o diretor Pedro Cezar, responsável pelo roteiro e pela narração, pontua o filme com momentos de breves testemunhos ao fundo, como fizera em seu primeiro longa metragem, Fabio Fabuloso. Narrado na maior parte das vezes em tom pessoal o filme busca, sobretudo, “uma voz que aproxime-se da simplicidade e da afetividade do personagem e que se afaste da soberba e da pretensão de uma análise teórica sobre poesia no idioleto manoelês”.
Manoel de Barros tem 93 anos, cerca de 20 livros publicados e vive atualmente em Campo Grande. Consagrado por diversos prêmios literários, é atualmente o escritor brasileiro que mais vende no gênero poesia.
Só Dez Por Cento é Mentira ganhou os prêmios de melhor documentário longa-metragem do II Festival Paulínia de Cinema 2009 e os prêmios de melhor direção de longa-metragem documentário e melhor filme documentário longametragem do V Fest Cine Goiânia 2009.
Site oficial: http://www.sodez.com.br/
Direção e Roteiro: Pedro Cezar.
Produtora: Artezanato Eletrônico.
Produção Executiva: Pedro Cezar, Kátia Adler e Marcio Paes.
Direção de Fotografia: Stefan Hess.
Montagem: Julio Adler e Pedro Cezar.
Direção de Arte: Marcio Paes.
Música: Marcos Kuzca.
Depoimentos: Manoel de Barros, Bianca Ramoneda, Joel Pizzini, Abílio de Barros, Palmiro, Viviane Mosé, Danilinho, Fausto Wolff, Stella Barros, Martha Barros, João de Barros, Elisa Lucinda, Adriana Falcão, Paulo Gianini, Jaime Leibovicht e Salim Ramos Hassan

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Manoel de Barros desabitando de si, dois livros novos!



Para quem aprecia as poetagens do velho e sábio poeta Manoel de Barros, temos duas novas publicações dele. Uma que reúne sua Poesia Completa e outra chamada Menino do Mato... as duas saindo do forno de barro do Pantanal!

Poesia Completa (2010) - de MANOEL DE BARROS - Ed. LEYA BRASIL

Menino Do Mato (2010) - de MANOEL DE BARROS - Ed. LEYA BRASIL

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Voar fora da asa - Manoel de Barros

Estou reproduzindo a Entrevista da Revista Cult com o poeta que ocupa os entremeios de meus pensamentos e do meu imaginário!
Voar fora da asa - A inventividade e o primitivismo da poesia de Manoel de Barros (Publicado em 07 de maio de 2010 - Créd.: Stefan Hess/ Com Wilker Sousa)
Desde seus Poemas Concebidos sem Pecado, de 1937, Manoel de Barros publicou 20 livros. Avesso ao epíteto de “Poeta do Pantanal”, uma vez que “a poesia mexe com palavras e não com paisagens”, Manoel faz travessuras com a linguagem, “desaumatizando” a percepção de mundo: “Escrevo o idioleto manoelês archaico (idioleto é o dialeto que os idiotas usam para falar com as paredes e com as moscas). Preciso atrapalhar as significâncias. O despropósito é mais saudável que o solene” (Livro sobre Nada, 1996). O substrato de sua arte está essencialmente no universo pantaneiro, povoado de passarinhos, rãs, lesmas, pedras e rios. Porém, antes de simples ambientação e pretexto para o memorialismo, o Pantanal converte-se em poesia por meio do uso “reinventivo” da linguagem; daí a recusa a rótulos como aquele.
Tais eixos temáticos e estilísticos perpassam toda a obra de Manoel de Barros, em um dos projetos mais coerentes da lírica brasileira. Em seu mais novo livro, Menino do Mato, permanecem o primitivismo e o retorno à inocência perdida, simbolizados no tema da infância: “A maneira de dar canto às palavras o menino / aprendeu com os passarinhos”. Na esteira deste lançamento, é publicada a compilação de sua obra completa, o que permite ao leitor assistir ao desenrolar de mais de sete décadas dedicadas ao fazer poético. Nesta entrevista, concedida à CULT por e-mail, o poeta de 93 anos fala de seu novo livro, da pouca recepção de sua obra pela crítica especializada, e comenta princípios que norteiam sua poesia.
CULT – A exemplo de Memórias Inventadas III (2007), Menino do Mato (2010) remonta ao tema da infância. Após muitas décadas dedicadas à poesia, suas obras mais recentes simbolizam o fechamento de um ciclo que retorna ao primitivo?
Manoel de Barros – Acho que não retorno ao primitivismo. Por antes acho que continuo primitivo, vez que meu caminho seria para encostar na semente da palavra, ou seja: o início do canto. Porque o ser humano começa a se expressar pelo canto.
CULT – Uma das marcas centrais de sua poesia é a tentativa de alcançar aquilo que está antes da palavra, ou seja, a sensibilidade primeira que desencadeia a poesia. Poderíamos então afirmar que a formação do poeta Manoel de Barros se deu fundamentalmente na infância?
Manoel – Eu fui abençoado por uma infância no mato. Não tínhamos vizinhos, não havia outras casas, outros meninos. Só nós – eu e dois irmãos. E o chão de formiga e de lagartixas. A mãe não tinha tempo de nos levar ao colo. O pai campeava. E a gente brincava de inventar brinquedos. Fui na luta para a poesia depois.
CULT – O trabalho com a linguagem em seus poemas revela a possibilidade que ela possui de alargar os horizontes do “primitivo” ou, ao contrário, é reflexo da impossibilidade de alcançar a essência poética?
Manoel – Eu sempre quis o criançamento da palavra. Eu sempre desejei o despropósito das palavras. A palavra que produzisse a melodia letral. Que sempre me parecesse a essência poética do absurdo.
CULT – Sua obra escapa a rótulos, como “poesia do Pantanal”, “poesia de folclore e costumes”, entre outros. Como definir a poesia de Manoel de Barros?
Manoel – Sabemos nós que poesia mexe com palavras e não com paisagens. Por isso não sou poeta pantaneiro, nem ecológico. Meu trabalho é verbal. Eu tenho o desejo, portanto, de mudar a feição da natureza, pelo encantamento verbal.
CULT – Ao longo de sua obra, o senhor criou diversas metáforas para designar a poesia. Qual a sua favorita?
Manoel – Acho que a favorita e que algumas pessoas citam é: poesia é voar fora da asa.
CULT – O fato de não ter acumulado uma fortuna crítica o incomoda? Na sua opinião, a que se deve certa resistência da crítica com relação à sua obra?
Manoel – Já tenho respondido sobre isso. Conversei uma vez com o bibliófilo José Mindlin, que era meu grande amigo, sobre essa rejeição da crítica pela minha poesia. Mindlin me afirmara que minha poesia, por não ter rima nem métrica, seria uma evolução ou uma revolução na poesia. Pois que não usando métrica nem rima, uso a melodia letral ou a harmonia silábica.
CULT – Como o poeta Manoel de Barros gostaria de ser lembrado?
Manoel – Gostaria de ser lembrado como um ser abençoado pela inocência. E que tentou mudar a feição da poesia.

terça-feira, 18 de maio de 2010

DIVULGAÇÃO: Colóquio Deleuze - leitor dos modernos

DIVULGAÇÃO: SEMINÁRIO - VIDAS DO FORA: Habitantes do silêncio

Dia Nacional de Luta Antimanicomial e III Conferência Estadual de Saúde Mental - Intersetorial/RS

"O dia 18 de maio – Dia Nacional da Luta Antimanicomial – deste ano tem muito a comemorar. O ano de 2010 representa um avanço para a Luta Antimanicomial, com a realização da IV Conferência Nacional de Saúde Mental (CNSM) – Intersetorial, entre os dias 27 e 30 de junho, que pretende discutir e traçar novos rumos para a área.
O tema solidariedade: há em ti, há em mim, escolhido para este ano pelo coletivo mineiro da luta antimanicomial como norteador de suas atividades comemorativas e assumido posteriormente como tema nacional de 2010, dialoga com a conjuntura da Reforma Psiquiátrica e com a situação mundial, principalmente aquela destacada a partir do desastre do Haiti que, somada a tantas que se seguiram, se enlaçou a um dos princípios da luta antimanicomial, a solidariedade.
No início do ano um terremoto arrasou a capital Porto Príncipe e complicou ainda mais a vida da população do país mais pobre das Américas. Este ano de 2009, aliás, segue requerendo dos cidadãos muita solidariedade, com os deslizamentos que aconteceram aqui perto, no Rio, os terremotos no vizinho Chile e na distante China.
Na luta diária por uma sociedade sem manicômios, muitos são os terremotos e muitas são as resistências a enfrentar. O Conselho Federal de Psicologia (CFP) defende a completa substituição do modelo manicomial pelo tratamento em liberdade e a perspectiva da participação social. Para tanto, apóia a Lei da Reforma Psiquiátrica (nº 10.216/2001) e luta pela efetiva implementação dessa política, que exige a transformação de muitas outras políticas e que convoca a sociedade ao olhar e à ação solidária em nome da possibilidade da garantia da igualdade na diversidade.
O 18 de maio deste ano enfoca a solidariedade como compromisso de todos com a felicidade coletiva, com a garantia da cidadania plena a todos os sujeitos" (Fonte: http://osm.org.br/osm/18-de-maio-dia-nacional-da-luta-antimanicomial/).
Devemos lembrar, ainda, que "O debate político em torno da Reforma Psiquiátrica Brasileira vem desde a década de 1970, com o Movimento de Trabalhadores de Saúde Mental, ampliando-se significativamente nos anos 80 e 90. Em 1987, durante a I Conferência Nacional de Saúde Mental, o movimento de trabalhadores decidiu marcar para este mesmo ano um encontro histórico, do qual saiu um documento conhecido como o Manifesto de Bauru. Este documento marca uma ruptura com a política oficial vigente, como demonstra o lema do novo movimento emergente Por uma Sociedade sem Manicômios. A criação do Dia Nacional de Luta Antimanicomial, também como resultado deste encontro, demonstra que ali nascia o Movimento Nacional de Luta Antimanicomial, oficialmente assim denominado em 1993, quando acontece o seu primeiro grande encontro nacional. Um movimento social que adquiriu visibilidade e realizou muitas conquistas durante os anos subsequentes, mas que iniciou o novo século num contexto de crises e dissidências" (Fonte: Poder, Normalização e Violência - incursões foucaultianas para a atualidade, Org. Izabel C. F. Passos, Ed. Autêntica).
Para além disso, nos dias 20, 21 e 22 de maio de 2010, acontece na cidade de São Lourenço do Sul, a III Conferência Nacional de Saúde Mental - Intersetorial, preparatória à IV Conferência Nacional. Estaremos representando o Município de Cruz Alta em número de seis Delegados, para discutir e votar as propostas construídas no Estado do RS, a partir das Conferências Municipais e Regionais, que debateram o temário geral: Saúde Mental, direito e compromisso de todos - consolidar avanços e enfrentar desafios.
A questão da SAÚDE MENTAL sempre foi associada ao estado de DOENÇA ou de ADOECIMENTO MENTAL. As discussões contemporâneas apresentam a necessidade de se contemplar não somente tais condições, mas principalmente a perspectiva da discussão da PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL e da PREVENÇÃO, perpassando o viés INTERSETORIAL, visto que a visada pública com relação à saúde mental não se faz somente na política específica para tal campo, mas principalmente pela construção de outras condições de vida, que não as que por ora estão consolidadas como dominantes.
Saúde Mental implica, principalmente, em qualidade de vida e para isso é necessário construirmos muito mais tolerância, respeito às diferenças; inclusão social, humana e política; reduzirmos a jornada de trabalho, pois o trabalho nos inclui basicamente no campo econômico e, muito pouco, em condições de promoção de práticas de liberdade e de lazer; entre muitos outros aspectos.
Para produzir UMA OUTRA SAÚDE MENTAL, temos que considerar que: "Produzir o novo é inventar novos desejos e novas crenças, novas associações e novas formas de cooperação. Todos e qulquer um inventam, na densidade social da cidade, na conversa, nos costumes, no lazer – novos desejos e novas crenças, novas associações e novas formas de cooperação. A invenção não é prerrogativa de grandes gênios, nem monopólio da indústria ou da ciência, ela é a potência do homem comum. Cada variação, por minúscula que seja, ao propagar-se e ser imitada torna-se quantidade social, e assim pode ensejar outras invenções e novas imitações, novas associações e novas formas de cooperação. Nessa economia afetiva, a subjetividade não é efeito ou superestrutura etérea, mas força viva, quantidade social, potência psíquica e política" (Peter Pál Pelbart).
E, aqui, ainda, mais um pouco de poesia: "Viver era um equivoco./ o medo tinha forma obscura e pouca luz./ talvez por isso/ ele era estranho com as portas./ gostava mesmo era de andar na noite/ sempre com a lua debaixo do braço./ no bolso, três estrelas/ ainda frescas pelo fim da tarde/ e uma flor amassada/ entre os dedos de ontem./ a noite tinha coisas esquisitas/ como aquele homem que diziam/ virava bicho/ o que uivava/ o que colhia lâmpadas/ e garimpava o lixo./ o que virava chuva/ mais tarde tempestade./ o que matava moscas./ o que era vidro/ no que tinha medo de copos./ o devorador de palavras/ o de navalha no bolso/ junto do outro na dúvida./ o que lia os olhos/ como se fosse o mago/ o magro que mostrava os ossos/ o velho que virava mocó/ quando falava/ o que não falava nada e ria/ o que vendia flor na carne/ o que vendia bíblia./ o imóvel./ o que movia a mobília/ para que a manhã fosse outra./ o que pescava/ caranguejo e ostras. E o mar mudo/ era um menino/ observando o tempo/ a areia/ e os homens" (Emmanuel Marinho).
Mais informações sobre a Conferência Estadual, no caminho: http://www.saude.rs.gov.br/wsa/portal/index.jsp?menu=organograma&cod=2241

segunda-feira, 17 de maio de 2010

DIVULGAÇÃO: XII Seminário Internacional de Educação do Mercosul

Para a semana, em Cruz Alta, teremos o XII Seminário Internacional de Educação do Mercosul: "A UNICRUZ, através de seus princípios, visa de forma articulada, oportunizar um espaço dinamizador e crítico que instrumentaliza o homem na transformação da realidade. Dentre estes princípios destacamos a “Qualidade e valores em educação, ou seja, uma educação de qualidade que visa a formação do sujeito, do ser humano emancipado, capaz de pensar e agir com coerência frente à sociedade contemporânea, cada vez mais complexa e desafiadora”. Com base neste princípio, a XII edição do Seminário Internacional de Educação do Mercosul apresenta como temática central a “Qualidade na Educação: Gestão e Práticas Educativas Interdisciplinares”, por entender a necessidade de eventos que possibilitem a reflexão sobre as práticas educativas interdisciplinares".
MAIS INFORMAÇÕES, NO CAMINHO: http://mercosul2010.blogspot.com/

DIVULGAÇÃO: Fórum Social Mundial - Comitê POA

DIVULGAÇÃO: Colóquio Aspectos Humanos da Favela Carioca - LeMetro/IFCS-UFRJ‏

domingo, 16 de maio de 2010

Vindo do Fórum Social, Econômico e Ambiental de Panambi!

Estive participando, junto com várias outras pessoas, como painelista e ouvinte, do Fórum Social, Econômico e Ambiental de Panambi/RS, que aconteceu em 14 e 15.05.2010, e retornei com muitas coisas para matutar!
Sublinhei com nanquim, por várias vezes durante minha estada lá, qual foi o propósito do Fórum Social Mundial desde sua primeira edição (no qual teria sido inspirado o Fórum de Panambi)... idealizado, inicialmente, como contraponto ao Fórum Econômico de Davos, na Suiça, depositou nas gentes e na coletividade, a pergunta: por quê discutir tanto? A que é que se chegará com isso?
Naquele momento essas foram questões deixadas em aberto e aos poucos foram se respondendo. Sabíamos, todos os desajustados do sistema dominante, que um outro mundo seria possível, mas ainda seguíamos os traçados socialista e comunista, para pensar essa outra possibilidade de mundo, guiados ainda pela perspectiva de que se poderia romper com o sistema vigente e implantar aquele que seria seu oposto. Aos poucos, as gentes foram percebendo que seria desastroso tentar essa alternativa e, então, foi se desenhando a necessidade de provocarmos no maior número de gentes possível, as condições para o entendimento da teia capitalística em que fomos historicamente enredados. A produção desse entendimento seria possível, principalmente, através de muita discussão, pois para se pensar alternativas ou para saber para onde é que se quer ir, antes é necessário saber de onde saímos.
Os dez anos de Fórum foram sempre de redesenho dos caminhos... enquanto alguns queriam manter a centralização, muitos outros foram entendendo que a germinação das sementes da discussão e da desacomodação estava espalhada pelo mundo, e que isso não teria mais como ficar contido num recorte da geografia.
Os movimentos sociais e das gentes, foram tessendo a ciranda que ecoaria seu canto por todo o planeta. Em 2010, entre muitas outras, uma grande questão se arredondou para todos: estamos a discutir alternativas para qualificar e reafirmar o sistema dominante, ou estamos construindo alternativas que estejam efetivamente nos conduzindo a uma outra possibilidade de mundo?
Nesse Fórum de Panambi, essa questão esteve presente o tempo todo, visto que os objetivos do evento apresentavam ora um desenho libertário e protagonista para as gentes indigestas ao sistema capitalístico, ora a reafirmação e qualificação desse mesmo sistema que nos devora... e isso ficou por demais evidente na queixa de que os empresários boicotaram o evento e, principalmente, no painel do sábado pela manhã, no qual, o ponto alto foi exatamente a reafirmação da devastação e degradação da terra e da vida.
Por questões profissionais, não pude acompanhar as atividades do sábado à tarde, mas um dos painelistas acompanhou as discussões da manhã e se manifestou dizendo, mais ou menos, o seguinte sobre o Fórum Social Mundial: “O FSM nasceu com um problema de origem que reside no fato de ser ideológico”... quase não acreditei no que ouvi e ao me manifestar, fiz o resgate mostrado acima, mas comecei dizendo que o Fórum não tinha nenhum problema de origem, visto que seus propósitos sempre estiveram muito claros, salvo nos desdobramentos próprios de seus movimentos!
É impressionante como os representantes ou mesmo os carrapatos do sistema dominante acreditam e querem fazer crer que a única linha possível esteja situada em seus fundamentos, sendo que qualquer tentativa de ruptura com isso, ganha a tarja pejorativa de “ideológica”, como se a “verdade” dominante não fosse ideológica e como se a ideologia contrária a isso, fosse crime!
Desse Fórum, anotei ainda, entre muitas outras coisas, o insistente pedido de sugestões que seriam utilizadas na formulação de ações a serem propostas para operacionalização das políticas públicas... ora! O Fórum tem exatamente a perspectiva de provocar a mobilização e o protagonismo popular e não o embasamento às ações do Estado... é claro que a construção e operacionalização das políticas públicas seja do interesse de todos, mas para muito além disso, deve estar a possibilidade de provocar nas gentes a mobilização para a construção de práticas protagonistas, libertárias e produtoras de autonomia, ou seja, ao invés de nos atrelarmos cada vez mais ao Estado, dele devemos nos libertar cada vez mais!
Ouvimos, na fala daqueles que pensam que um outro mundo já não seja impossível, a tessitura dos sons que nos evocam a cultura indígena... é de se lembrar que estávamos a discutir essas coisas no Vale das Borboletas (Panambi)... e é de se desenhar a lembrança de que os povos indígenas são aqueles que melhor existenciaram a relação com a vida, com a terra e com a natureza (e grande parte dos sobreviventes, ainda existencia), por isso, quando quase estamos a ver o Planeta desaparecer, é deles que lembramos para evocar a necessidade de resgatarmos e preservarmos a casa em que vivemos: a Terra... a pachamama!
Lembro, com isso, de duas situações que vivenciei no Fórum Social Mundial, em POA, neste ano. Uma: estava perambulando, num breve intervalo, entre as barracas de artesanato e, numa delas, deparei-me com uma porunga pequena... estava a cata de uma dessas para tirar as sementes e plantá-las, mas a moça que detinha os domínios daquela barraca informou que não estava vendendo a porunga, pois a utilizava para produzir música... fiz mil-propostas e nada foi aceito... fiquei pensando que, além da música que aquela porunga produzia sozinha com suas sementes balançando em seu interior, poderia produzir muitas outras porungas se suas sementes fossem lançadas à terra e, assim, teríamos muitas outras porungas para produzir música!
Outra: estava ainda com a história da porunga fazendo ponteios em meus pensamentos, quando mais tarde, naquele mesmo dia, cruzei em outra barraca em que um indígena expunha e comercializava sementes, chás, ervas e outras coisas vindas da terra... encontrei ali, muitas que coisas que não conhecia, sendo que uma certa vagem, em especial, chamou minha atenção... perguntei ao indígena o que era aquilo e ele se colocou a explicar (agora não lembro o nome e nem as funções da semente contida na vagem), abrindo uma das vagens, serviu a semente para que eu a provasse e perguntou se o meu interesse era em conhecer, ou plantar, ou apenas curiosidade... quando respondi que era em conhecer e plantar, ele juntou três vagens e disse: para isso, é de graça e não aceitou nenhum pagamento em troca!
É isso que me faz pensar que os movimentos que produzem os Fóruns, assim como, os movimentos produzidos pelos Fóruns, em algumas situações podem ser equivocados ou estéreis, propondo apenas o som do balançar das sementes e não a sua germinação, mas ainda assim, não podemos deixar de aproveitar a música para embalar uma outra possibilidade de dança, que não a da feroz dança-única-capitalística! Esse deve ser nosso incansável desafio!