Já tem uns quantos dias que estou com algumas anotações feitas em meus papéis de embrulho, para compor um escrito sobre a questão do Conselhos Comunitários... inclusive o título anotado era: “Conselhos Comunitários – Sociedades Secretas”, mas eis que hoje, depois de um relato de uma colega trabalhadora pública municipal de nossa comunidade, mudei o título para “Aqui não é espaço pra isso!” (depois conto mais sobre isso).
O tema relacionado à formação e qualificação dos Conselheiros Municipais Comunitários não é de hoje! Dentro do processo de democratização brasileira, apesar das dificuldades, foi possível garantir, formalmente, a participação da sociedade no controle social das ações do Estado. Qualquer pessoa que tenha atuado em políticas sociais ou que acompanha os movimentos sociais cuja atuação vem sendo absolutamente importante na promoção do protagonismo e da participação popular, sabe o quão caro nos é esse processo!
Vejamos que, só para citar uma política específica, na lei do SUS (8080/90), que já tem 21 anos, foi deixado de fora, entre outras coisas, a garantia da participação do controle social, o que foi corrigido na 8142/90; portanto, essa participação não é mais uma condição a ser buscada formalmente, pois já existe, seja no campo da saúde, da educação, da assistência social, entre outros. Mas não podemos esquecer que, apesar de formalmente garantida, a participação popular ainda é algo a ser efetivamente produzido!
Isto posto, vale lembrar que os espaços de participação popular são os principais instrumentos que geram acontecimentos de mudança micro política no desenvolvimento das políticas sociais e, por consequência, na vida do cidadão que usufrui dos serviços públicos. As Conferências, os Fóruns, entre outros espaços de discussão, têm sido ferramentas preciosas na produção das políticas públicas.
Mas não podemos esquecer que as Conferências, na verdade, em muitas comunidades, têm sido realizadas de forma centralizada e com pouca participação de usuários e trabalhadores... raramente são realizadas etapas preparatórias de discussão... são Conferências esvaziadas de discussão e de participação... em muitas situações, os Trabalhadores são convocados a participar... em muitos casos, as “demandas” já são induzidas na pseudo-discussão e, é comum, a Conferência deliberar sobre dadas pautas e, depois, o Gestor fazer o Relatório Final, colocando no mesmo, aquilo que lhe dá nas telhas rachadas do autoritarismo.
Já, no que se refere aos Conselhos Municipais, sabemos que em boa parte das comunidades, a maioria dos Conselheiros indicados por Instituições e Entidades não têm a mínima noção sobre o que seja o espaço do Controle Social, assim como, a função de Conselheiro. Geralmente, as decisões e discussões nos Conselhos Comunitários são feitas a partir da posição pessoal dos Conselheiros e não a partir da discussão feita no âmbito das Instituições e Entidades que representam, ou seja, os Conselheiros participam dos espaços do Conselhos Comunitários e não levam para os espaços que representam, aquilo que está sendo discutido.
Se perguntarmos às Instituições e Entidades de nossa comunidade (ou de qualquer outra comunidade) que têm assento nos Conselhos Comunitários, o que tem sido discutido e deliberado sobre as questões públicas, coletivas e populares, a maioria não saberá dizer! Aliás, a maioria não saberá sequer quais sejam os propósitos formais dos Conselhos Comunitários e, muito menos, os propósitos políticos! E isso se dá, mesmo com a previsão orçamentária para realizar atividades de formação para os Conselheiros (mas não podemos esquecer que, em muitos casos, não há formação que dê conta de deformar o já formado no imaginário do Conselheiro!).
(Ah! Em tempo: antes que me apareça algum gaiato dizendo que os Conselhos Comunitários não tenham nada a ver com POLÍTICA, já vou esclarecendo! Não estou falando de política partidária e sim da condição de todo e qualquer cidadão ou questão relacionada à polis/ à cidade/ à comunidade, ou seja, mesmo sendo morto, não há como escapar aos meandros políticos!)
Mas cabe dizer, também, que algumas Instituições e Entidades de nossa comunidade, que têm assento nos Conselhos Comunitários (e algumas os têm em praticamente todos os Conselhos), vêm se preocupando e organizando espaços de formação e qualificação para as pessoas que as representam, para que, na condição de representante do espaço, saibam o que estão fazendo nos Conselhos, assim como, possam tornar o que aí seja discutido e deliberado, assunto efetivamente público e coletivo!
Para quem não tem noção de quais sejam as Instituições/Entidades que fazem parte dos Conselhos Comunitários de nossa comunidade, podemos citar algumas (e cito aquelas que me vem à lembrança):
GOVERNAMENTAIS: Gabinete do Prefeito; Secretaria Municipal de Educação; Secretaria Municipal de Saúde; Secretaria Municipal de Esporte; Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social; Secretaria Municipal de Planejamento; Secretaria Municipal de Habitação, entre outras Secretarias; Conselho Tutelar; Polícia Civil; Brigada Militar; 9ª CRE; 9ª CRS, entre outros espaços Estaduais.
NÃO-GOVERNAMENTAIS: CPERS/Sindicato; SINDIESCA; UAMCA; UAMECA; Instituições religiosas; Universidade de Cruz Alta - UNICRUZ; Associação dos Cabos e Soldados da Brigada Militar; OAB Cruz Alta – RS; LIONS CLUB – Cruz Alta; ROTARY CLUB CRUZ ALTA; ACI/Sindilojas; entre outros espaços.
É claro que todos os espaços públicos de participação popular são operados a partir de relações de forças e de poder, mas no que se refere ao embate político e ideológico, ou seja, entre aqueles que defendem os interesses coletivos e populares, e aqueles que defendem o ideário dominante, mercadológico, individualista e capitalístico. O que não podemos aceitar é a aberta opção de gestores ou conselheiros em se fazer valer através de atitudes rasteiras, precárias e politicamente miseráveis! Pelo menos, formalmente, a Ditadura é algo que já ficou pra trás!
Digo isso, pois já tem quase um mês que alguns colegas procuraram o Conselho Municipal de Assistência Social para conversar com os Conselheiros sobre os propósitos de um determinado programa federal, ao qual a secretaria em que trabalham, aderiu, recebendo, assim, recursos federais para desenvolver o referido programa, recursos estes que devem servir exatamente para tal e não para outras ações.
Os colegas, depois de já terem procurado várias instâncias para discutir o assunto, recorreram ao Conselho, tentando dar a ver aos Conselheiros, as informações relacionadas à situação. Nessa ocasião, a Gestora interferiu na reunião e, poucos dias depois, removeu os colegas de suas funções e locais de trabalho... removeu, usando, entre outros argumentos, a justificativa de que “eles estariam dando problemas já há algum tempo”!
No dia de ontem (dia 24), dois dos colegas que já haviam procurado o Conselho, retornaram à reunião seguinte, quando foram surpreendidos por novos atos de autoritarismo e miséria política.
Sentados à mesa de reuniões, foram “convidados” a se retirar da mesa e tomar assento separado! Não entendo como que, em pleno século XXI, os espaços de participação coletiva e popular ainda se façam pautar por esses modelos hierarquizados de organização dos espaços de discussão, em que a “diretoria” e os demais participantes tenham espaços físicos distintos de assento, principalmente, se considerarmos que o Conselho Comunitário seja um espaço aberto à participação de todo e qualquer cidadão, não sendo “comandado” pelo Gestor, pois, seja pelo modelo conservador, seja pelo modelo participativo, a condução formal das reuniões é de responsabilidade da mesa diretora, da equipe de coordenação, ou seja lá o nome que tiver! E isso é muito comum nos Conselhos Comunitários, de uma forma geral, que os mesmos sirvam para simplesmente homologar as vontades dos Gestores!
Num segundo momento, mediante a leitura da ata da reunião anterior, os colegas tentaram dizer que aquilo que estava registrado, não era o que realmente havia acontecido e, assim, foram informados que não tinham direito à voz e voto com relação a qualquer coisa que estava sendo discutido ali, pois sequer haviam solicitado a inserção da participação na pauta da reunião (o que está certo)... mas não está certo que os colegas não pudessem sequer sublinhar o que estava registrado equivocadamente, visto que os mesmos tinham sido protagosnistas da situação... enfim, foram tratados como meros e irresponsáveis denuncistas, recebendo, inclusive, a advertência vinda da Conselheira que redigira (precariamente) a ata da reunião anterior: “AQUI NÃO É ESPAÇO PRA ISSO!”... ora, se o Conselho Comunitário não é espaço para discussão sobre a operacionalização da Política Pública que lhe cabe acompanhar e fiscalizar, qual é então o espaço? É na patente que fica nos fundos do galpão? É na moita? Só falta virem nos dizer que não podemos falar publicamente de questões que são do âmbito e do interesse público! Para não me assustar muito com a autoritária posição da Conselheira, preferi pensar que ela não tenha mesmo noção do que esteja fazendo no Conselho e nem qual seja a função do Conselho.
Vê-se que ainda há muito a se avançar... enquanto usuários e trabalhadores que pensam e problematizam as coisas públicas forem tratados como inimigos ou traidores, teremos andado muito pouco além dos liames da ditadura... e, também, convenhamos, se não encontramos espaços para conversa com aqueles com que trabalhamos e dentro dos lugares em que atuamos, onde haveremos de buscar? A questão da Educação Permanente nos espaços de trabalho perpassa essas condições, ou seja, a avaliação e revisão da atuação de todos (gestores, trabalhadores e usuários) deve se dar cotidiana e permanentemente, sem retaliação ou paranóias esterilizantes! Enquanto poderíamos estar produzindo vida no âmbito do trabalho e das políticas públicas, acabamos tendo que sobreviver à barbárie! Num repente, os trabalhadores começam a ter medo de participar!
Mas temos que dizer que há coisas que muito nos mobilizam... os espaços de atuação e de discussão que temos produzido nas políticas públicas em nossa comunidade, têm feito rizoma e se tranversalizado também na vida e na atuação de colegas daqui e de outras comunidades, gerando discussões, problematizações e produções de muita potência e vitalidade!
Essas coisas que se produzem, essas potências e vitalidades que se produzem na vida de colegas, dos usuários e da comunidade, é algo que transcende toda a barbárie e esterilidade que tenta abortar a vida que pulsa em cada um de nós!
EM TEMPO: dois dos colegas afetados pelas ações “democráticas” já sublinhadas aqui, encontram-se, neste momento, afastados para recuperar a saúde física e mental, pois não há corpo que resista a tanto! Ah! Se as relações de trabalho se dessem de outra forma, com certeza o retrato que estaríamos pintando aqui, seria outro, assim como, nossa atuação estaria sendo muito mais potente do que já é!