sexta-feira, 30 de setembro de 2011

para fazer morrer!


Surgistes em meio 
às palavras rotas do apocalipse
(rotas e atuais).
Corcunda,
entrevada pela não-vida, 
rastejavas.
Incólume à qualquer sinal de vida 
que se aproximasse de teu opaco existir, 
flutuavas em torno da órbita estéril 
de tua própria loucura.
Adornada de morte, 
dançavas a dança paralisada 
dos não-quereres, dos não-desejos.
Rasa, putrefata, incolor, inodora, estéril, 
transitavas entre-a-morte-e-o-fazer-morrer.
Recitavas poesias 
que copiavas dos poetas 
e colavas em tua lápide.
Carregavas flores e as distribuías.
Não sabias tu, 
que as flores que portavas, 
eram as mesmas que enfeitavam teu túmulo.
(Eram de plástico) as flores que nos entregavas.
Do mesmo plástico cravado em teu coração 
necrosado por tua existência sem oxigênio.
Calamo-nos, em respeito às flores (de plástico)
Quando até elas, em tua mão, murcharam.
Então fomos ver que, 
antes de serem plástico, 
elas foram vivas.
Fugimos, 
diante da revelação apocalíptica, 
do que tuas mãos podem fazer 
com os corpos e com as gentes, 
visto que assim 
também o fazes com as flores.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

VER-SUS Brasil


hoje é um daqueles dias bonitos de primavera, em que, num repente, plantas e flores florescem e se apresentam à vida/em vida/pra vida... gosto de dias assim... gosto da vida que pulsa naquele último raio de sol que brilha na última linha do horóscopo e nos faz crer no oráculo que diz qualquer coisa e nos atravessa! 
bueno! digo isso, pra contextualizar umas coisas que venho pensando... estou alinhavando os panos para o meu projeto de pesquisa para o doutorado e venho dedilhando o assunto na questão da educação permanente em saúde (e, por extensão, nas políticas públicas)... mas reconheço que, olhando a realidade, fica um pouco desanimador!
eis que, já tem um tempão que a paulinha scaim (psicóloga de primeira grandeza e amiga querida que, de canoas, foi pra são leo e, dali, pra bahia) enviou-me um mail-convite para divulgação entre os interessados em participar do projeto de estágios e vivências, do VER-SUS... não lembro se postei aqui no blog, mas tenho certeza de que enviei o mail para uma penca de gente... e depois disso fiquei interessada por essa coisa bonita d'os estudantes estarem mexendo na buchada do SUS e fazendo, assim, pulsar outros afetos na formação dos trabalhadores!
no dia de hoje, em que a primavera me traz seus ramalhetes de raios de sol e de vida, me vem também a gisáh michels chein (acadêmica de enfermagem, da UNICRUZ) e a liamara denise ubessi (agricultora, psicóloga, enfermeira, professora substituta na enfermagem CESNORS/UFSM, Mestranda em Educação nas Ciências), me chamando pra essa animação... prometi um texto decente para os próximos dias, visto que já tenho algumas coisas anotadas sobre o assunto... mas até que a coisa sai, postarei, no correr dos dias, algumas coisas sobre os bons ventos do VER-SUS! então, segue a Apresentação do Caderno do Ministério da Saúde sobre o Projeto de Vivências e Estágios na Realidade do SUS – VER-SUS/Brasil... e depois outras coisas virão!
Apresentação
A atual Política de Educação para o Sistema Único de Saúde – EducarSUS – foi construída a partir da análise cuidadosa e organizada das iniciativas anteriores no campo do desenvolvimento dos profissionais de saúde, das experiências de mudança na graduação, dos estudos a respeito do processo de especialização em serviço, das experiências de educação popular em saúde e da busca e análise de práticas inovadoras de educação na área da saúde. EducarSUS busca articular todos os elementos que são necessários para criar um contexto de formação mais favorável às transformações nas práticas de saúde e de educação, que são complexas e profundas. Várias estratégias vêm sendo criadas a fim de contemplar essa necessidade. Os processos de mudança na graduação estão sendo ampliados. Os estudantes universitários, dentre os diversos atores sociais, têm aprofundado de maneira importante a discussão acerca dos desafios da implementação do SUS em todo o País. Os docentes e os dirigentes universitários estão sendo mobilizados para atividades do processo de mudança.
Uma das estratégias que integram a Política de Educação para o SUS é o Projeto de Vivências e Estágios na Realidade do SUS – VER-SUS/Brasil. O Projeto, construído em parceria entre o Ministério da Saúde e o Movimento Estudantil dessa área, tem como principal objetivo proporcionar aos estudantes a vivência e a experimentação da realidade do SUS.
A meta é contribuir para a formação de profissionais críticos e sensíveis às necessidades da população brasileira e do fortalecimento do SUS. Além disso, com o VER-SUS/Brasil, espera-se a criação de novas relações de compromisso e de cooperação entre estudantes, gestores da saúde, instituições de ensino superior e movimentos sociais, para efetivar a integralidade em saúde e a educação significativa de profissionais. 
Durante o VER-SUS, os protagonistas têm a oportunidade de vivenciar conquistas e desafios inerentes a um sistema amplo e complexo como o SUS. Podem, também, aprofundar a discussão sobre o trabalho em equipe, a gestão, a atenção, a educação e o controle social no Sistema, configurado em distintas formas de operar nas diversas regiões do Brasil. 
Este caderno de textos, cujo material solidariamente foi cedido por autores e editoras, pretende ajudar a VER o SUS. Agrega idéias que contribuem para provocar, sustentar e elucidar reflexões e experiências em um período que compreendemos como intenso e frutífero, por isso mesmo, de produção de vida e de saúde!
Vamos aproveitar?

Extrema direita universitária se alia a skinheads

Jovens estudantes neoconservadores fogem ao estereotipo de arruaceiros mas defendem ação violenta das gangues
por Nara Alves e Ricardo Galhardo, iG São Paulo 26/09/2011 07:00
Eles não são fortões, não lutam artes marciais, não usam tatuagens com suásticas e preferem os livros e computadores às facas e socos ingleses. Em vez de estações de metrô e shows de punk rock, seu habitat natural são as quitinetes apertadas do Crusp ou os vastos gramados da USP (Universidade de São Paulo). Eles são os neoconservadores, jovens universitários que defendem valores como o direito à propriedade e a fidelidade matrimonial.
À primeira vista, parecem mais universitários comuns, magricelas, com suas calças largas, camisetas amarrotadas e a barba por fazer. Mas apesar de estarem longe do estereotipo do jovem arruaceiro, cerraram fileiras ao lado de skinheads musculosos nas marchas em defesa do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) e na anti-Marcha da Maconha.
“Estamos aqui para batalhar tanto intelectualmente quanto fisicamente”, apregoa Celso Zanaro, 22 anos, estudante de Geografia da USP. “O que precisamos é de homens dispostos a morrer por seus valores”, completou.
Foto: ReproduçãoAmpliar
Folheto faz propaganda da UCC na USP
Zanaro é um dos quatro integrantes do núcleo duro da União Conservadora Cristã (UCC), organização criada em julho do ano passado nos corredores da USP com os objetivos declarados de defender valores como o casamento, a fidelidade conjugal, direito à propriedade e combater o predomínio do pensamento marxista no meio acadêmico e político.
Pouco mais de um ano depois da criação, a UCC conta com 16 membros, 14 da USP e dois da Unicamp. Parece pouco mas nas eleições para o diretório central da USP, os neoconservadores ficaram em 5º lugar entre as dez chapas concorrentes.
“Na época da campanha fomos procurados pela juventude do PSDB mas não dá para fazer aliança aqui dentro”, disse Zanaro.


Sobre a ditadura militar, Zanaro diz: “Se negarmos com veemência a ditadura não estaremos fazendo nada a mais do que reforçar o discurso comunista. A ditadura foi necessária num contexto”.
Em mais de duas horas de conversa, entre um cigarro e outro, o estudante citou pelo menos 15 autores conservadores, muitos deles nunca traduzidos para o português. Mas as principais referências do grupo são o jornalista Olavo de Carvalho (que defende a pena de morte para os comunistas), o integralismo (versão nacional do nazismo) de Plínio Salgado e o ultra-conservadorismo de Plínio Correia de Oliveira, fundador da extinta TFP (Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade).
Na verdade, ele lamenta a falta de pulso do comando atual das Forças Armadas por não intervir no governo Luiz Inácio Lula da Silva durante o escândalo do mensalão.
“A função das Forças Armadas é respaldar as instituições democráticas. O Legislativo é uma delas. A partir do momento em que existiu um esquema para comprar o Legislativo e as Forças Armadas não depuseram o presidente, elas não cumpriram seu papel”.
Para os jovens da UCC, a USP é um antro comunista, nenhum partido político é suficientemente conservador, a pedofilia na Igreja é fruto da infiltração de agentes da KGB, o sexo é uma forma de idiotização da juventude, Geraldo Alckmin colocou uma mordaça gay na sociedade paulista, Fernando Henrique Cardoso foi o criador de Lula e Lula é o próprio anticristo.
Embora tenha resistido à abordagem da juventude tucana, a UCC votou em massa em José Serra nas eleições presidenciais do ano passado, mas com ressalvas. “Serra é um sujeito que, embora tenha se aliado a setores conservadores e renegado uma postura mais virulenta de esquerda, não abandonou totalmente estes ideais”, justificou.
Os integrantes da UCC dizem ser contra qualquer tipo de violência mas não escondem a admiração pelos skinheads, aliados de ocasião. “Essa postura de combate me inspira muito. Uma inteligência que não está disposta ao combate é uma inteligência vazia”, disse Zanaro que, no entanto, faz questão de demarcar o território. “Eles se dizem de extrema-direita mas o líder deles é vegetariano”.
A aproximação tem base na argumentação ideológica dos neoconservadores, segundo a qual é necessária uma elite intelectual que sirva de referência para a massa. “Uma massa conservadora sem uma elite é uma massa de manobra. Não existe educação para as massas. Precisamos de uma alta cultura que sirva de referência para estas massas”, disse Zanaro.
Apesar da aproximação com grupos que, no limite, praticam a intolerância contra minorias, o líder da UCC esclarece que o movimento não tem ligações como nazismo. “Não somos neonazistas. Ao contrário. Defendemos o estado de Israel”.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Esperança - de Mário Quintana

Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...
(em "Nova Antologia Poética", Editora Globo - São Paulo, 1998, pág. 118)

O que substituirá a social-democracia?

A social-democracia prometeu um futuro melhor para as gerações seguintes, algo como a elevação permanente da renda nacional e das famílias. Chamou-se isso de “estado do bem-estar social”. Era uma ideologia que refletia o ponto de vista segundo o qual o capitalismo poderia ser “reformado” e assumir uma face mais humana. A solução social-democrata tornou-se uma ilusão. A questão é: o que irá tomar o seu lugar?
O artigo é de Immanuel Wallerstein.

domingo, 25 de setembro de 2011

Sobre o Grupo de Trabalho Intersetorial de Saúde Mental

estou postando o chamamento para o próximo encontro do GT Intersetorial de Saúde Mental. aí vai:
Para o Encontro, nesta segunda (26.09.2011), às 16 horas, no Galpão Crioulo da 9ª CRE, estamos sublinhando os traços que delinearam, originariamente, a constituição deste GT. Vejamos (em fonte de cor verde) o que dizíamos no Convite para composição do Grupo:
Caros Parceiros Intersetoriais e Trabalhadores do campo da Saúde Mental em Cruz Alta,
No ano de 2010 realizamos as Conferências Municipal, Estadual e Nacional de Saúde Mental – Intersetorial, quando discutimos e elaboramos propostas para o campo da saúde mental no que se refere aos seguintes eixos e temas:
Eixo 1 - Saúde Mental e Políticas de Estado : Pactuar Caminhos Intersetoriais (Eixo da Política e da Pactuação)
1. Organização e Consolidação de Rede. 2. Financiamento. 3. Gestão do trabalho em saúde mental. 4. Política de assistência farmacêutica. 5. Participação social, formulação de políticas e controle social. 6. Gestão da informação, avaliação, monitoramento e planejamento em saúde mental. 7. Políticas sociais e gestão intersetorial. 8. Formação, educação permanente e pesquisa em saúde mental. 9. Reforma Psiquiátrica, Reforma Sanitária e o SUS.
Eixo 2 - Consolidar a Rede de Atenção Psicossocial e fortalecer os movimentos sociais (Eixo do Cuidado)
1. Cotidiano dos serviços: trabalhadores, usuários e familiares na produção do cuidado. 2. Práticas clínicas no território. 3. Centros de Atenção Psicossocial como dispositivo estratégico da Reforma Psiquiátrica. 4. Atenção às pessoas em crise na diversidade dos serviços. 5. Desinstitucionalização, inclusão e proteção social: residências terapêuticas, Programa de Volta pra Casa e articulação intersetorial no território. 6. Saúde mental, atenção primária e promoção da saúde. 7. Álcool e outras drogas como desafio para a saúde e políticas intersetoriais. 8. Saúde mental na infância, adolescência e juventude: uma agenda prioritária para a atenção integral e intersetorialidade. 9. Garantia de acesso universal em saúde mental: enfrentamento da desigualdade e iniquidades em relação à raça/etnia, gênero, orientação sexual e identidade de gênero, grupos geracionais, população em situação de rua, em privação de liberdade e outras condicionantes sociais na determinação da saúde mental.
Eixo 3 - Direitos Humanos e Cidadania como desafio ético e intersetorial (eixo da intersetorialidade)
1. Diretos humanos e cidadania. 2. Trabalho, geração de renda e economia solidária. 3. Cultura/ diversidade cultural. 4. Justiça e sistema e garantia de direitos. 5. Educação, inclusão e cidadania. 6. Seguridade social: previdência, assistência social e saúde. 7. Organização e mobilização dos usuários e familiares de saúde mental. 8. Comunicação, informação e relação com mídia. 9. Violência e saúde mental.
Destacamos que na etapa municipal foi decidido, entre várias questões, no Eixo 1, Item 8. Formação, educação permanente e pesquisa em saúde mental: - Criar e implantar Programa de Formação Permanente e Continuada em Saúde Mental – Intersetorial, voltado para a qualificação e humanização dos trabalhadores atuantes nas políticas públicas no Município; - Desenvolver trabalho de pesquisa para levantamento e mapeamento das informações sobre a operacionalização da rede de Políticas Públicas no Município de Cruz Alta, visando verificar as necessidades e potencialidades da mesma, visando à articulação do trabalho intersetorial; - Desenvolver trabalho de pesquisa para levantamento e mapeamento das informações sobre a operacionalização da Política de Saúde Mental no Município de Cruz Alta, visando elaborar cartografia sobre a mesma e a rearticulação do trabalho.
Assim, considerando o acima exposto, constituímos um Grupo de Trabalho Intersetorial de Saúde Mental, visando à problematização e produção da discussão sobre os processos de trabalho intra e intersetoriais no campo da saúde mental, sendo que vimos realizando reuniões quinzenais, desde o mês de Janeiro de 2011, fazendo os alinhavamentos inicias sobre a composição, metodologia, proposta de trabalho e demais condições para o funcionamento do referido GT. Alguns parceiros já estão participando, enquanto outros vão se agregando aos poucos.
Isto posto, vimos, por meio deste, convidar formalmente, os parceiros das políticas de saúde e intersetoriais a participarem ou a se fazerem representar junto ao Grupo de Trabalho Intersetorial de Saúde Mental. O referido GT foi pensado e articulado com base na seguinte perspectiva:
Considerando os princípios e diretrizes preconizados pelo SUS, para o campo da saúde pública;
Considerando as modificações produzidas no campo da saúde mental, a partir da luta antimanicomial e da Reforma psiquiátrica;
Considerando os dispositivos preconizados pela política nacional sobre drogas;
Considerando as deliberações produzidas pela I Conferência Municipal, IV Conferência Estadual e III Conferência Nacional de Saúde Mental – Intersetorial;
Considerando a necessidade de garantirmos a produção do trabalho no campo da saúde mental, de forma efetivamente intersetorial, em rede, territorializado e transversalizado;
Considerando a necessidade de constituirmos um processo permanente de problematização e discussão sobre as práticas em vigor no campo da saúde mental intersetorial municipal, assim como, de produzirmos novas práticas consonantes com o ideário do SUS, da luta antimanicomial e da Reforma Psiquiátrica;
A Secretaria Municipal de Saúde está propondo pontos de discussão para o debate sobre a educação permanente, a política e os serviços de saúde mental ofertados na comunidade de Cruz Alta/RS, para o que, constitui o GT sobre Saúde Mental, a ser formado pelos trabalhadores nos serviços de saúde mental (Clínica Municipal Especializada e Centro de Apoio Psicossocial), e demais trabalhadores dos campos das políticas intra e intersetoriais, assim como, aos usuários e comunidade em geral.
Fica definida como pauta inicial:
- a problematização e o debate sobre as práticas, a estrutura e os processos de trabalho em vigor no campo da saúde mental municipal;
- a revisão das práticas em vigor no campo da saúde mental municipal;
- a construção do Plano de Formação Permanente em Saúde Mental para os trabalhadores nesse campo e intersetoriais;
- a produção do Plano Municipal de Saúde Mental – Intersetorial.
Para isso, o GT Intersetorial realizará encontros quinzenais, sendo que os parceiros intersetoriais deverão participar mensalmente dos encontros –nos encontros intersetoriais-; doutra banda, orientamos que os trabalhadores da Política de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde de Cruz Alta organizem suas cargas horárias de forma a contemplar a participação em encontros quinzenais –um encontro intersetorial e outro específico da saúde mental-. Os dias e o cronograma deverão ser definidos pelos participantes do GT. Os encontros específicos dos trabalhadores em saúde mental deverão acontecer no Auditório do Conselho Municipal de Saúde e no CAPS; já, os encontros intersetoriais contarão com rodízio do local, contemplando as sedes de trabalho dos parceiros. Ressaltamos que os encontros e desdobramentos do GT Intersetorial de Saúde Mental deverão fazer parte dos processos de trabalho, sendo que os trabalhadores em Saúde Mental do SUS deverão atuar sintonizados com as perspectivas de trabalho daí produzidas, assim como, essas perspectivas produzidas pelo GT, serão balizadoras para a área de saúde mental, no município de Cruz Alta.
Os parceiros convidados a fazerem parte do GT, são os seguintes: da Secretaria Municipal de Saúde: Centro de Saúde da Mulher e da Criança, Pronto Atendimento Municipal, SAE, ESFs, EACS e PIM; da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social: Atenção Básica e Atenção Especializada; Secretaria Municipal de Educação; 9ª Coordenadoria Regional de Educação; 9ª Coordenadoria Regional de Saúde; UNICRUZ – Universidade de Cruz Alta; Conselho Tutelar; Hospital São Vicente de Paulo; COTEFEM; AJEN e Usuários.
(...)
O relatório das propostas produzidas na I Jornada Intersetorial de Saúde Mental, realizada em Junho/2011, aponta os aspectos mais pontuais que devem ser contemplados no trabalho com usuários do SUS com transtorno mental e com uso abusivo de álcool e outras drogas:
Saúde Mental Municipal:
1. Implantar equipe de atenção ambulatorial ao uso de álcool e outras drogas.
2. Ampliação e qualificação da Equipe de Atenção Ambulatorial em Saúde Mental.
3. Estruturação do trabalho de atenção na crise, para usuários do campo da saúde mental.
4. Organizar e redimensionar a Política de Saúde Mental.
5. Produzir processo de matriciamento intersetorial/transversal no campo da saúde mental e do uso de álcool e outras drogas, nas políticas públicas.
Saúde Mental Estadual e Nacional:
1. Ampliar financiamento para atenção ambulatorial ao uso de álcool e outras drogas.
2. Credenciamento do Hospital São Vicente de Paulo para disponibilização de leitos psiquiátricos e álcool e outras drogas, no Município de Cruz Alta/RS.
3. Modificar os critérios para implantação e financiamento dos CAPS (excluir o critério quantitativo populacional e incluir verificação da demanda).
Vê-se que em nenhum momento atentamos para uma questão básica que tem aparecido em todos os espaços de discussão que temos desenvolvido e que se refere à saúde mental dos trabalhadores em políticas públicas (exatamente os que seriam responsáveis pela produção dessas políticas e pela construção da intersetorialidade). Alguns acontecimentos ocorridos nos espaços de trabalho de alguns colegas de GT, que atuam na política de Assistência Socail, nos fizeram atentar para essa questão e olhar para todos os demais trabalhadores. Vale sublinhar a situação dos trabalhadores em Educação que, pelos mais diversos fatores, contam com mais ou menos 80% de sua totalidade fazendo uso de medicamentos psicotrópicos; ou a situação dos trabalhadores em saúde que lidam cotidianamente com a questão da doença (sem esquecermos os trabalhadores em hospitais, que vivenciam, em grande parte, a prática de jornadas de trabalho dobradas), entre tantos outros aspectos. Assim, nosso barco mudou temporariamente de rumo, para podermos pensar e discutir isso que é nosso bem mais precioso: a saúde mental dos trabalhadores em políticas públicas.
E no correr do leito desse caudaloso rio em que estamos navegando, haveremos de ir, aos poucos retomando o curso de nossa navegação!
Para finalizar, lembramos que o GT não foi formalizado através de Decreto do Prefeito Municipal, portanto, não é institucionalizado, assim como, a participação é aberta a todo e qualquer interessado (seja trabalhador, usuário ou gestor).

sábado, 24 de setembro de 2011

“Aqui não é espaço pra isso!”

Já tem uns quantos dias que estou com algumas anotações feitas em meus papéis de embrulho, para compor um escrito sobre a questão do Conselhos Comunitários... inclusive o título anotado era: “Conselhos Comunitários – Sociedades Secretas”, mas eis que hoje, depois de um relato de uma colega trabalhadora pública municipal de nossa comunidade, mudei o título para “Aqui não é espaço pra isso!” (depois conto mais sobre isso).
O tema relacionado à formação e qualificação dos Conselheiros Municipais Comunitários não é de hoje! Dentro do processo de democratização brasileira, apesar das dificuldades, foi possível garantir, formalmente, a participação da sociedade no controle social das ações do Estado. Qualquer pessoa que tenha atuado em políticas sociais ou que acompanha os movimentos sociais cuja atuação vem sendo absolutamente importante na promoção do protagonismo e da participação popular, sabe o quão caro nos é esse processo!
Vejamos que, só para citar uma política específica, na lei do SUS (8080/90), que já tem 21 anos, foi deixado de fora, entre outras coisas, a garantia da participação do controle social, o que foi corrigido na 8142/90; portanto, essa participação não é mais uma condição a ser buscada formalmente, pois já existe, seja no campo da saúde, da educação, da assistência social, entre outros. Mas não podemos esquecer que, apesar de formalmente garantida, a participação popular ainda é algo a ser efetivamente produzido!
Isto posto, vale lembrar que os espaços de participação popular são os principais instrumentos que geram acontecimentos de mudança micro política no desenvolvimento das políticas sociais e, por consequência, na vida do cidadão que usufrui dos serviços públicos. As Conferências, os Fóruns, entre outros espaços de discussão, têm sido ferramentas preciosas na produção das políticas públicas.
Mas não podemos esquecer que as Conferências, na verdade, em muitas comunidades, têm sido realizadas de forma centralizada e com pouca participação de usuários e trabalhadores... raramente são realizadas etapas preparatórias de discussão... são Conferências esvaziadas de discussão e de participação... em muitas situações, os Trabalhadores são convocados a participar... em muitos casos, as “demandas” já são induzidas na pseudo-discussão e, é comum, a Conferência deliberar sobre dadas pautas e, depois, o Gestor fazer o Relatório Final, colocando no mesmo, aquilo que lhe dá nas telhas rachadas do autoritarismo.
Já, no que se refere aos Conselhos Municipais, sabemos que em boa parte das comunidades, a maioria dos Conselheiros indicados por Instituições e Entidades não têm a mínima noção sobre o que seja o espaço do Controle Social, assim como, a função de Conselheiro. Geralmente, as decisões e discussões nos Conselhos Comunitários são feitas a partir da posição pessoal dos Conselheiros e não a partir da discussão feita no âmbito das Instituições e Entidades que representam, ou seja, os Conselheiros participam dos espaços do Conselhos Comunitários e não levam para os espaços que representam, aquilo que está sendo discutido.
Se perguntarmos às Instituições e Entidades de nossa comunidade (ou de qualquer outra comunidade) que têm assento nos Conselhos Comunitários, o que tem sido discutido e deliberado sobre as questões públicas, coletivas e populares, a maioria não saberá dizer! Aliás, a maioria não saberá sequer quais sejam os propósitos formais dos Conselhos Comunitários e, muito menos, os propósitos políticos! E isso se dá, mesmo com a previsão orçamentária para realizar atividades de formação para os Conselheiros (mas não podemos esquecer que, em muitos casos, não há formação que dê conta de deformar o já formado no imaginário do Conselheiro!).
(Ah! Em tempo: antes que me apareça algum gaiato dizendo que os Conselhos Comunitários não tenham nada a ver com POLÍTICA, já vou esclarecendo! Não estou falando de política partidária e sim da condição de todo e qualquer cidadão ou questão relacionada à polis/ à cidade/ à comunidade, ou seja, mesmo sendo morto, não há como escapar aos meandros políticos!)
Mas cabe dizer, também, que algumas Instituições e Entidades de nossa comunidade, que têm assento nos Conselhos Comunitários (e algumas os têm em praticamente todos os Conselhos), vêm se preocupando e organizando espaços de formação e qualificação para as pessoas que as representam, para que, na condição de representante do espaço, saibam o que estão fazendo nos Conselhos, assim como, possam tornar o que aí seja discutido e deliberado, assunto efetivamente público e coletivo!
Para quem não tem noção de quais sejam as Instituições/Entidades que fazem parte dos Conselhos Comunitários de nossa comunidade, podemos citar algumas (e cito aquelas que me vem à lembrança):
GOVERNAMENTAIS: Gabinete do Prefeito; Secretaria Municipal de Educação; Secretaria Municipal de Saúde; Secretaria Municipal de Esporte; Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social; Secretaria Municipal de Planejamento; Secretaria Municipal de Habitação, entre outras Secretarias; Conselho Tutelar; Polícia Civil; Brigada Militar; 9ª CRE; 9ª CRS, entre outros espaços Estaduais.
NÃO-GOVERNAMENTAIS: CPERS/Sindicato; SINDIESCA; UAMCA; UAMECA; Instituições religiosas; Universidade de Cruz Alta - UNICRUZ; Associação dos Cabos e Soldados da Brigada Militar; OAB Cruz Alta – RS; LIONS CLUB – Cruz Alta; ROTARY CLUB CRUZ ALTA; ACI/Sindilojas; entre outros espaços.
É claro que todos os espaços públicos de participação popular são operados a partir de relações de forças e de poder, mas no que se refere ao embate político e ideológico, ou seja, entre aqueles que defendem os interesses coletivos e populares, e aqueles que defendem o ideário dominante, mercadológico, individualista e capitalístico. O que não podemos aceitar é a aberta opção de gestores ou conselheiros em se fazer valer através de atitudes rasteiras, precárias e politicamente miseráveis! Pelo menos, formalmente, a Ditadura é algo que já ficou pra trás!
Digo isso, pois já tem quase um mês que alguns colegas procuraram o Conselho Municipal de Assistência Social para conversar com os Conselheiros sobre os propósitos de um determinado programa federal, ao qual a secretaria em que trabalham, aderiu, recebendo, assim, recursos federais para desenvolver o referido programa, recursos estes que devem servir exatamente para tal e não para outras ações.
Os colegas, depois de já terem procurado várias instâncias para discutir o assunto, recorreram ao Conselho, tentando dar a ver aos Conselheiros, as informações relacionadas à situação. Nessa ocasião, a Gestora interferiu na reunião e, poucos dias depois, removeu os colegas de suas funções e locais de trabalho... removeu, usando, entre outros argumentos, a justificativa de que “eles estariam dando problemas já há algum tempo”!
No dia de ontem (dia 24), dois dos colegas que já haviam procurado o Conselho, retornaram à reunião seguinte, quando foram surpreendidos por novos atos de autoritarismo e miséria política.
Sentados à mesa de reuniões, foram “convidados” a se retirar da mesa e tomar assento separado! Não entendo como que, em pleno século XXI, os espaços de participação coletiva e popular ainda se façam pautar por esses modelos hierarquizados de organização dos espaços de discussão, em que a “diretoria” e os demais participantes tenham espaços físicos distintos de assento, principalmente, se considerarmos que o Conselho Comunitário seja um espaço aberto à participação de todo e qualquer cidadão, não sendo “comandado” pelo Gestor, pois, seja pelo modelo conservador, seja pelo modelo participativo, a condução formal das reuniões é de responsabilidade da mesa diretora, da equipe de coordenação, ou seja lá o nome que tiver! E isso é muito comum nos Conselhos Comunitários, de uma forma geral, que os mesmos sirvam para simplesmente homologar as vontades dos Gestores!
Num segundo momento, mediante a leitura da ata da reunião anterior, os colegas tentaram dizer que aquilo que estava registrado, não era o que realmente havia acontecido e, assim, foram informados que não tinham direito à voz e voto com relação a qualquer coisa que estava sendo discutido ali, pois sequer haviam solicitado a inserção da participação na pauta da reunião (o que está certo)... mas não está certo que os colegas não pudessem sequer sublinhar o que estava registrado equivocadamente, visto que os mesmos tinham sido protagosnistas da situação... enfim, foram tratados como meros e irresponsáveis denuncistas, recebendo, inclusive, a advertência vinda da Conselheira que redigira (precariamente) a ata da reunião anterior: “AQUI NÃO É ESPAÇO PRA ISSO!”... ora, se o Conselho Comunitário não é espaço para discussão sobre a operacionalização da Política Pública que lhe cabe acompanhar e fiscalizar, qual é então o espaço? É na patente que fica nos fundos do galpão? É na moita? Só falta virem nos dizer que não podemos falar publicamente de questões que são do âmbito e do interesse público! Para não me assustar muito com a autoritária posição da Conselheira, preferi pensar que ela não tenha mesmo noção do que esteja fazendo no Conselho e nem qual seja a função do Conselho.
Vê-se que ainda há muito a se avançar... enquanto usuários e trabalhadores que pensam e problematizam as coisas públicas forem tratados como inimigos ou traidores, teremos andado muito pouco além dos liames da ditadura... e, também, convenhamos, se não encontramos espaços para conversa com aqueles com que trabalhamos e dentro dos lugares em que atuamos, onde haveremos de buscar? A questão da Educação Permanente nos espaços de trabalho perpassa essas condições, ou seja, a avaliação e revisão da atuação de todos (gestores, trabalhadores e usuários) deve se dar cotidiana e permanentemente, sem retaliação ou paranóias esterilizantes! Enquanto poderíamos estar produzindo vida no âmbito do trabalho e das políticas públicas, acabamos tendo que sobreviver à barbárie! Num repente, os trabalhadores começam a ter medo de participar!
Mas temos que dizer que há coisas que muito nos mobilizam... os espaços de atuação e de discussão que temos produzido nas políticas públicas em nossa comunidade, têm feito rizoma e se tranversalizado também na vida e na atuação de colegas daqui e de outras comunidades, gerando discussões, problematizações e produções de muita potência e vitalidade!
Essas coisas que se produzem, essas potências e vitalidades que se produzem na vida de colegas, dos usuários e da comunidade, é algo que transcende toda a barbárie e esterilidade que tenta abortar a vida que pulsa em cada um de nós!
EM TEMPO: dois dos colegas afetados pelas ações “democráticas” já sublinhadas aqui, encontram-se, neste momento, afastados para recuperar a saúde física e mental, pois não há corpo que resista a tanto! Ah! Se as relações de trabalho se dessem de outra forma, com certeza o retrato que estaríamos pintando aqui, seria outro, assim como, nossa atuação estaria sendo muito mais potente do que já é!

Esquizoanálise do currículo

por Clermont Gauthier
em: Dossiê Gilles Deleuze. Educação e Realidade, Porto Alegre, v.27 n.2 p.143-155, jul./dez. 2002
Resumo – Esquizoanálise do currículo Ao invés de definir currículo como sendo “isso” ou “aquilo”, este artigo pensa em termos de agenciamentos curriculares. Nessa perspectiva, não haveria, portanto, um objeto “currículo” ou um “ser-do-currículo” a ser explorado, mas um devir-x do currículo. Assim, currículo é aqui entendido da mesma forma pela qual Deleuze e Guattari concebem o inconsciente, ou seja, como máquina: que não pára de produzir, que é produzida por sua produção, cuja essência não se pode determinar a priori e que não pára de efetuar novas ligações. A intenção não é a de realizar uma análise totalizante do currículo, mas, antes, uma esquizoanálise do currículo. Trata-se, portanto, de propor três aspectos de um uso “menor” da pedagogia. O primeiro deles está ligado à desterritorialização do ofício de pedagogo; o segundo, à política; e, por fim, o tercero, ao agenciamento coletivo de enunciação.

conversações

dia desses postei aqui, um escrito de Deleuze, que faz parte do Livro Conversações. postarei outros, ainda. hoje, depois de algumas conversas e acontecimentos da semana, quero usar só o breve escrito com que Deleuze apresenta seu livro:
"Por que reunir textos de entrevistas que se estendem por quase vinte anos? Certas conversações duram tanto tempo, que não sabemos mais se ainda fazem parte da guerra ou já da paz. É verdade que a filosofia é inseparável de uma cólera contra a época, mas também de uma serenidade que ela nos assegura. Contudo, a filosofia não é uma Potência. As religiões, os Estados, o capitalismo, a ciência, o direito, a opinião, a televisão são potências, mas não a filosofia. A filosofia pode ter grandes batalhas interiores (idealismo - realismo, etc.), mas são batalhas risíveis. Não sendo uma potência, a filosofia não pode empreender uma batalha contra as potências; em compensação, trava contra elas uma guerra sem batalha, uma guerra de guerrilha. Não pode falar com elas, nada tem a lhes dizer, nada a comunicar, e apenas mantém conversações. Como as potências não se contentam em ser exteriores, mas também passam por cada um de nós, é cada um de nós que, graças à filosofia, encontra-se incessantemente em conversações e em guerrilha consigo mesmo" (em: Conversações, ed. 34).

Ipiranga, 894

por Antonio Martins
“Outras Palavras” lança webdocumentário sobre ocupações de prédios em São Paulo e convida para seminário “Jornalismo de Profundidade na Era Digital”
Em 30 de setembro de 2010, a redação de Outras Palavras vivia uma noite literária e política. O escritor e poeta cubano Félix Contreras comandava um sarau de poesias e discutia a Revolução, suas conquistas e dívidas. Perto do final, o jornalista Breno Castro Alves interrompeu a sessão para um anúncio-convite. Outras Palavras realizaria uma experiência nova, para a qual todos estavam convidados: a produção de um webdocumentário, algo ainda pouco comum no jornalismo brasileiro.

''Embora haja socialistas no PT, ele perdeu sua referência socialista''

Entrevista especial com Lincoln Secco
Foi lançado no último mês pela Ateliê Editorial o livro História do PT. A IHU On-Line entrevistou por e-mail o autor da obra, Lincoln Secco, que explica seu trabalho: “não havia uma história do PT que contemplasse as distintas fases do partido, da formação ao poder. Eu quis escrever um ensaio fácil de ser lido e conciso o suficiente para os jovens militantes e estudiosos da nossa história recente. Por isso, o livro traz um histograma das tendências do PT e até um glossário do jargão petista”. A partir de suas pesquisas, Secco chega à conclusão de que o Partido dos Trabalhadores, ao contrário do que diziam seus documentos, “teve uma típica trajetória de um partido social democrata desde o início”. Na opinião do historiador, “o PT mimetizou a democracia eleitoral brasileira e isso inclui poder econômico e o jogo de celebridades do mundo midiático”.

Moção de Repúdio – Recolhimento e Internação Compulsória

O Conselho Nacional de Assistência Social - CNAS, em reunião plenária realizada no dia 17 de agosto de 2011, decidiu vir a público repudiar as ações de “RECOLHIMENTO E INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA” da população com trajetória de vida nas ruas, em especial de crianças e adolescentes usuárias de crack, fato que vem acontecendo principalmente no Rio de Janeiro e São Paulo, e que tem obtido grande visibilidade na mídia e na sociedade.
Estas ações caracterizam-se pela retirada das pessoas que se encontram em situação de rua, as quais, estando sob efeito de drogas, são encaminhadas para unidades de abrigamento, sem decisão pessoal das mesmas ou de suas famílias. A ação do Poder Público – especialmente das Secretarias Municipais de Assistência Social, que se utiliza da presença ostensiva e arbitrária da polícia – se sobrepõe à decisão e participação das famílias, as quais apenas são comunicadas sobre o lugar para onde as pessoas recolhidas foram levadas, muitas vezes, após ocorrido largo espaço de tempo entre a retirada da rua e o contato com as famílias.
Muito mais do que proteger as pessoas, estas ações podem agravar ainda mais a situação, ao utilizar-se de práticas punitivas e muitas vezes “higienistas” no enfrentamento de um problema tão complexo, numa postura segregadora, que nega o direito à cidadania, de total desrespeito aos direitos arduamente conquistados na Constituição Federal, contemplados no Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, no Sistema Único da Saúde – SUS e no Sistema Único da Assistência Social - SUAS.
O “alvo” destas ações são, em sua maioria, crianças e adolescentes que se encontram em uma situação de extrema vulnerabilidade e risco pessoal e social, muitas vezes provocada pela falta de acesso aos direitos sociais básicos como educação, saúde e assistência social.
Este Conselho não poderia ficar em silêncio diante destes acontecimentos, tendo em vista sua história e sua luta pela consolidação dos direitos sociais e humanos, expressados no SUAS, sistema que defende a intersetorialidade entre as políticas públicas, assegurando atendimento digno a todos os cidadãos que necessitam da assistência social e das políticas públicas de forma ampla.
Sabemos que grande parte dessas pessoas, que se encontra em situação de rua, também são resultados de um processo histórico de exclusão social e de ausência do Estado. Atualmente, esta questão constitui-se em grave problema de saúde pública e não de polícia ou de coerção. Negamos a ação impositiva do estado e defendemos um atendimento digno, compartilhado intersetorialmente entre as diversas políticas que respondem pelo atendimento às pessoas usuárias de drogas, onde o Estado e as famílias possam se co-responsabilizar pela atenção e cuidado dessas pessoas afetadas pela vulnerabilidade das drogas e das ruas.
O trabalho intersetorial e em rede, desenvolvido no próprio território, com ações articuladas de promoção e de proteção, que envolvam equipamentos diversos, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e Centro Psicosocial Álcool e Drogas (CAPS-AD), os Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) e os Centros de Referência Especializado da Assistência Social para população em situação de rua (CREAS-POP), os projetos de redução de danos, a escola, o Programa Estratégia Saúde da Família, poderão garantir o acesso aos direitos sociais e à convivência familiar e comunitária às crianças e adolescentes.
Somente com este olhar poderemos avançar nas lutas democráticas e na construção de políticas públicas que atendam às necessidades de todos os cidadãos brasileiros.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

sobre o exame da OAB

Fora da Ordem
Decisões de tribunais não são irreversíveis, menos ainda inquestionáveis. Ninguém precisa dominar o jargão técnico para rechaçar as descabidas imposições da OAB para exercício da profissão de advogado
Por Guilherme Scalzili, no Amálgama
O Supremo Tribunal Federal recebeu um parecer do subprocurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirmando que a exigência de aprovação no exame da Ordem dos Advogados do Brasil viola os princípios constitucionais das liberdades de escolha e de exercício profissional. A resposta dos ministros deve sair nos próximos meses, pois há diversos questionamentos parecidos aguardando o escrutínio da corte.
É preciso salientar que o argumento central de Janot limita-se a apenas um ou dois aspectos jurídicos da controvérsia. Especialistas também acusam a OAB de contrariar o direito soberano à isonomia (só ao bacharel em Direito é vedado exercer o ofício automaticamente), ou de extrapolar os poderes estabelecidos para a qualificação de profissionais. Há ainda os que vêem na prova um instrumento para reserva de mercado, reproduzindo irregularmente o método seletivo dos vestibulares e concursos públicos: mesmo que em tese não sejam cerceados por uma restrição formal de vagas, os avaliadores da OAB podem regular a acessibilidade dos exames, porque manipulam vastos universos de informações específicas e critérios subjetivos de avaliação.
Está claro que o Ministério Público evita desperdiçar seu latim na defesa de teses já desgastadas por inúmeras jurisprudências contrárias. Mas decisões de tribunais não possuem natureza irreversível, menos ainda inquestionável. E ninguém precisa dominar o jargão técnico para rechaçar as descabidas imposições da OAB.
Nada sustenta a ilusão de que o exame possui “notória utilidade pública”. Além de propiciar fortunas milionárias a uma instituição privada que não admite controles externos, a obrigatoriedade serve a propósitos puramente corporativos. A limitação do número de advogados no país interessa apenas à categoria, pois valoriza os seus serviços, e não à clientela, que paga mais por eles. O prejuízo recai também sobre a esmagadora maioria dos formados em Direito, milhares de pessoas que desperdiçam tempo, recursos e miolos graças a uma arbitrariedade excludente que não reflete a prática efetiva e cotidiana da advocacia.
A tal “credibilidade” que a OAB pretende conferir a seus associados carece, no mínimo, de base científica. Até os defensores da peneira admitem que ela é inútil, pois não coíbe a ação de incompetentes e salafrários. Toda a escandalosa mediocridade que prolifera nos fóruns de qualquer comarca brasileira foi, um dia, considerada satisfatória pelos escrutinadores locais da Ordem. Aliás, se a prova detectasse a má formação acadêmica, as piores instituições de ensino jamais forneceriam um advogado sequer. Agora é fácil (e ilegítimo) responder à disseminação de faculdades caça-níqueis lesando seus clientes e favorecendo o mercado rentável dos cursos preparatórios.
Infelizmente, porém, resta pouco a fazer contra esse lobby ancestral, enraizado nos Poderes republicanos e temido pelos conglomerados midiáticos. No STF, onde vigora o espírito corporativista, o advogado recebe tratamento de cavaleiro magnânimo, impermeável aos desígnios dos reles mortais. Considerando-se que os ministros julgam absurdo estipular diplomas e mensalidades para o exercício de muitas outras atividades remuneradas, a saída mais cômoda talvez seja permitir que todo órgão laboral institua seu próprio selo de capacitação. Cobrando caro, evidentemente, através de imposição legislativa, em nome do interesse comum.

Internet semeia a palavra democrática

Revolução 2.0 - Sem minimizar o papel das redes sociais, foi sobretudo sua combinação com as televisões via satélite e a mais influente entre elas, a Al-Jazeera, que permitiu às “novas mídias” uma máxima difusão. De qualquer forma, a web participativa semeou a palavra democrática nos ventos da história
por Marie Bénilde - (Site da rede Al Jazeera - http://english.aljazeera.net/)

terça-feira, 20 de setembro de 2011

OS PARASITAS

por Neno Vasco
(em: Contos Anarquistas - ed. martins fontes)
Numa ilha fértil, solitária no meio de um grande mar, vivia uma família ociosa, bem nutrida e agasalhada, que se dizia dona e senhora de toda a ilha, proprietária das terras, casas, choupanas, arados, gado, tudo.
Para manter essa família na mandriice e na fartura, esfalfavam-se, desde manhã até a noite, meia dúzia de trabalhadores ossudos, sujos, tostados do sol, mal alimentados e mal abrigados, eles, suas mulheres e seus filhos. Só eles conheciam o seu trabalho, sabiam as épocas das semeaduras, os modos de cultivar as terras, o manejo do arado e de todos os instrumentos de trabalho, e eram eles que entre si combinavam e distribuiam as tarefas, ajuntando-se nas mais rudes, dividindo-se nas mais leves e curtas.
Quanto aos filhos do patrão, em vez de ajudar, como faziam os filhos e as mulheres dos trabalhadores, vinham estorvar e inquietar as pessoas e estragar as sementeiras. E o proprietário, então? Esse não fazia mais que vigiar os serviços, de mãos atrás das costas, dizendo de vez em quando, todo ancho e satisfeito:
- Ah! Se não fosse eu, como haviam vocês de viver?
E os pobres homens, muito humildes, respondiam, descobrindo-se:
- É verdade, é verdade: se não fosse o patrão que nos dá trabalho e nos sustenta, que havia de ser de nós?
Ora, um belo dia - belo no começo, feio depois -, o proprietário foi com a família toda dar um grande passeio pelo mar, na sua linda e veloz chalupa. E, tendo-se afastado muito da costa, sobreveio um grande temporal, que afundou a embarcação e afogou todos os que nela iam. Dias depois, os trabalhadores horrorizados encontraram na praia os cadáveres dos patrões, vomitados pelos vagalhões furiosos.
A princípio ficaram cheios de aflição e parecia-lhes que estavam ao desamparo. Mas os trabalhos não pararam. Acostumados a combinar e a distribuir entre si as tarefas, ajuntando-se nas mais rudes, dividindo-se nas mais breves e fáceis, os trabalhadores da ilha começaram a lavrar, a semear e a colher, a fiar e a tecer o linho e a lã, a criar o gado, a manejar o arado, a foice e o tear - e a terra continuou a produzir, os rebanhos a crescer e a multiplicar-se, o sol a brilhar sobre as searas.
Os trabalhadores não tardaram a reparar que tudo se fazia melhor do que antes, que já não tinham quem os estorvasse e vigiasse, que comiam melhor, andavam mais agasalhados e tinham melhor habitação e que podiam produzir mais e melhor. E por isso, no dia em que fez um ano que a tempestade os livrara dos patrões, quando palestravam sobre o caso e suas consequências, o mais velho disse tudo em poucas palavras:
- Que grandes cavalgaduras que nós éramos!
Assim dirão os teus iguais, quando se tiverem livrado dos amos, que, longe de serem úteis ou precisos, têm interesses contrários aos teus e aos dos teus irmãos de trabalho.
Os amos querem pagar de salário o menos possível, para ganhar o mais possível; e vós precisais de vos deixar roubar cada vez menos nos frutos de vosso trabalho - e isso só o conseguis associados, pois reparados, desunidos, nada podeis.
Os amos têm interesse em haver muitos trabalhadores desunidos e muitos desocupados, para que as soldadas sejam pequenas; e vós precisais de trabalhar todos, e de estar unidos, para não haver quem tenha de aceitar uma côdea por qualquer escasso serviço que apareça.
Os amos, para vender caro e com lucro, precisam de refrear a produção das coisas, de reter, enceleirar, açambarcar os produtos, e até de os deixar apodrecer; e vós quereis satisfazer as vossas necessidades. Assim é que há tantas terras incultas, tantas máquinas inativas, tantos materiais desempregados, quando há tanta gente a sustentar, a vestir e a abrigar e tantos braços desocupados ou mal ocupados.
Vós fareis como os trabalhadores da ilha; mas não podeis, como eles, contar com uma tempestade providencial. A tempestade libertadora tereis de a preparar e fazer vós mesmos.
Tu e os teus iguais tendes de vos associar desde já, ainda que não seja senão para resistir à constante ganância dos amos, para estudar e defender os vossos interesses, para conhecer bem o vosso trabalho e as vossas necessidades, assim como o melhor modo de arranjar e combinar o primeiro e de satisfazer as segundas.
E assim, quando tiverdes a força e as capacidades necessárias, com a ajuda indispensável dos vossos irmãos das cidades, passareis a viver sem amos nem mandriões, e a arranjar tudo por vossas mãos e vossa conta.
(A Plebe, SP, nova fase, ano III, nº. 86, 13 abr.1935)

Os riscos ocultos do crack


Há um problema no artigo recente em que Dráusio Varela propõe internação compulsória dos dependentes. As cracolândias exigem ação — mas também calma…
Por Antonio Lancetti, do DAR – Desentorpecendo A Razão
Um dos maiores riscos da incidência do crack no cenário nacional é o da interrupção do processo de construção do sistema público de saúde mental brasileiro, tido como exemplar por representantes da Organização Mundial de Saúde, inclusive para países de grande população, como Índia ou China.A lei argentina de saúde mental, recentemente promulgada, é baseada em nossa lei, a 10.216, com a diferença de que no país vizinho a internação compulsória deve ser decidida pela família e por uma equipe multidisciplinar com, pelo menos, a assinatura de um médico e um psicólogo. Aqui, basta a assinatura do médico.
Esse processo de construção de nosso SUS da Saúde Mental chama-se reforma psiquiátrica pelo fato de que, nas últimas décadas, foram fechados vários locais de horror (em torno de 60 mil leitos), onde a simples permanência de alguns dias deixaria qualquer leitor pelo menos mais deprimido do que entrou.O resgate de cada um desses seres humanos exigiu um enorme esforço por parte dos terapeutas. A suspensão dos procedimentos iatrogênicos, como sequestro, maus tratos, tempos e espaços fixos e repetitivos e outras formas de desrespeito aos direitos, não foi suficiente.Houve necessidade de criar, utilizando todos os saberes existentes (psiquiatria, psicanálise, psicologia social, socioanálise, esquizoanálise, arte, economia solidária, etc.), instituições velozes, criativas, que operam onde as pessoas habitam.
Os chamados CAPS – Centros de Atenção Psicossocial — vão se constituindo em serviços de 24 horas de funcionamento, com internações, integrados a serviços de emergência e moradias terapêuticas onde vivem oito pessoas que saíram de internações de 10 ou 20 anos, mostrando que o hospital psiquiátrico é cada vez mais prescindível.
Além desses serviços, hoje se faz saúde mental nos mais recônditos locais, por meio da parceria de equipes especializadas com médicos de família, enfermeiros e agentes comunitários de saúde, atendendo inclusive casos graves, ajudando na diminuição da internação psiquiátrica, da violência e do consumo de drogas legais e ilegais.
Mas o chamado Movimento da Luta Antimanicomial (que conta com usuários e familiares de usuários) está em uma encruzilhada. Aprendeu a cuidar de casos graves desconstruindo manicômios e atendendo as crises nos bairros, melhorando a reabilitação das pessoas com grave sofrimento psíquico. Agora, com o advento dos dependentes de crack, expostos na paisagem urbana e na mídia, devem enfrentar um clamor pelas internações em clínicas fechadas, primas-irmãs dos hospícios.
As cracolândias, onde qualquer um é aceito, são ao mesmo tempo manicômios a céu aberto, no dizer de Franco Rotelli, um dos principais líderes da Psiquiatria Democrática Italiana**.
Mas transformaremos esses manicômios criando outros manicômios?
As cracolândias são os manicômios pós-modernos e os craqueiros, os loucos do século XXI. E estão aí, nas regiões degradadas das cidades para mostrar nosso fracasso, nossa miséria existencial consumista. O modo como vamos enfrentar a questão expressará nossa sabedoria e ética.
O artigo de Drauzio Varella, da Folha de S.Paulo de 16 de julho, convoca a internação compulsória dos craqueiros e craqueiras e termina perguntando: “Se fosse seu filho, você o deixaria de cobertorzinho nas costas dormindo na sarjeta?”.
Essa pergunta sugere imediatamente a diferenciação de crianças e adultos. Mesmo com famílias que não se importem com o cobertorzinho nas costas, interná-los à força implica a existência de um vínculo que se aproxime ao de pai e mãe. Gerará ódio, ressentimento e futuras rebeliões se forem brutalmente recolhidos e amontoados em grande número ou com metodologias negativas e baseadas exclusivamente na abstinência.
Em segundo lugar, o que o doutor Drauzio talvez não saiba (e acredito que gostaria de saber) é que muitos desses homens, mulheres e crianças estão com graves problemas de saúde e já estão sendo internados em São Paulo (embora o sistema precise ser aperfeiçoado), em hospitais gerais e atendidos em Unidades Básicas de Saúde por equipes de Saúde da Família. Eles não pedem para ser tratados da dependência, mas demandam atendimentos clínicos e, como consequência do vínculo com seus cuidadores, muitos pedem ajuda para abandonar o uso do crack.
Internar ou prender todos os craqueiros é tão ideológico como pensar que eles vão sair daí pela própria vontade. Ou, dito de outra forma, o problema não é internar – que na prática funciona como uma redução de danos -, mas sim como internar e, principalmente, onde e com que perspectivas.
E o que faremos com instituições fechadas que já estão sendo criadas pelo Brasil afora, especialmente as denominadas comunidades terapêuticas? Como se sabe, as instituições de contenção fundamentadas na abstinência possuem uma tendência à cronificação e algumas usam recursos violentos ou não se adequam às regras sanitárias vigentes.
As instituições que cuidam de crianças e adolescentes usuários de drogas não podem ser de contenção, mas de aceleração e criatividade. Em São Bernardo, por exemplo, há Centros de Atenção 24 horas para adolescentes dependentes de drogas, moradias fundamentadas em propostas pedagógicas de ação: meninos e meninas têm atividades o dia inteiro e à noite, sessões de cinema. Em Vitória, Espírito Santo, o atendimento é feito a partir das equipes de Saúde da Família associadas ao CAPS Álcool e Drogas ou pelo consultório de rua… E há muitos trabalhos interessantes sendo realizados no Brasil.
Nessa hora de desespero, devemos tomar cuidado com os fenômenos que costumo chamar contrafissura ou tentação de cair no erro da guerra às drogas, infiltrados na clínica e no alarmismo infundido na população.
A intervenção nas cracolândias exige ação e calma. Por enquanto no Brasil, a única pesquisa que demonstrou ter êxito significativo, em torno de 70%, foi a realizada pela Unifesp – “O uso de cannabis por dependentes de crack – um exemplo de redução de danos”, Eliseu Labigaline Jr. in Consumo de Drogas Desafios de Perspectivas, de Fábio Mesquita e Sergio Seibel, Ed. Hucitec, 2000 -, livro que leva apresentação de Drauzio Varella. A pesquisa constata mudança de comportamento, como parar de roubar a família, voltar a estudar, trabalhar e, inclusive, parar de usar maconha.
Mas nenhuma estratégia parece ser aplicável como receita única. Calma não significa paralisia, mas enfrentar o problema em sua complexidade de modo a não interromper o processo vitorioso e eficaz da reforma psiquiátrica, mas aprofundá-lo.
Os riscos são muitos e, por isso, é sempre bom lembrar de que o problema das drogas está longe de depender exclusivamente da saúde. O termômetro que avaliará o valor e a ética do processo será a observância ou não dos diretos das pessoas assistidas e, consequentemente, a sua eficácia.
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*Psicanalista, autor de Clínica Peripatética, Editora Hucitec.
**Acompanhei os doutores Franco Rotelli e Angelo Righetti em uma visita à cracolândia de São Paulo e a expressão me foi transmitida por Roberto Tykanori, coordenador nacional de saúde mental.

MALUQUICES

d'Um grupo de alienados
(em: Contos Anarquistas, ed. Martins Fontes)

A nacionalidade é uma ficção absurda e
 perigosa. A idéia patriótica e a idéia religiosa
são superstições inventadas para conduzir a
vontade do povo".
O que é uma bandeira?Um farrapo. Ideia dum homem. Obra de um homem. Trapo colorido por meio de combinações químicas. 
Auriverde, azul e branca, alvirrósea ou rubro-negra, segundo a vontade dos maiorais da pátria, temos todos nós que aceitá-la como símbolo de que não partilhamos, venerá-la como um ídolo sagrado e único. Encarnação mais que perfeita do solo que nos viu nascer... no qual sempre estamos isentos de arrastar uma vida de baixezas e privações...
É dever de todos erguer-se e descobrir-se à passagem da bandeira"!
Bela patada, não acham? Como se concebe esse dever, essa obrigação,essa imposição disfarçada, se a ultracomocíssima Constituição da República nos assegura a liberdade de pensamento?
Ora, bolas... senhores patriotas!
Patriotas? Que dissemos nós?!... Pode lá haver patriotas, se há na vida humana um choque formidável de interesses, uma confusão latente de interesses, uma confusão latente de transações, um vaivém ininterrupto de venha a nós, um contraste flagrante em tudo o que se nos depara à vista e à imaginação? Se todos, nacionais e estrangeiros, estão à mercê dessas determinantes do atual estado de coisas?
O que há não é patriotismo, propriamente dito. Há, sim, a necessidade de segurança dos bens da classe alta e uma falta demonstrativa de raciocínio apurado, no gentio apalermado e infantil que compõe a classe baixa.
A idolatria não é senão um estado mórbido de compleições místicas. Logo, se a bandeira -como as imagens religiosas etc.- é um ídolo, o que vêm a ser os que o idolatram?
Se a bandeira içada nas fachadas dos edifícios públicos e particulares, em dias feriados, é tão brasileira, tão nacional como a dos batalhões, por que motivo há de a gente levantar-se e descobrir-se à passagem da bandeira, e não quando passa pela bandeira?
Pobre homem! Caricata besta humana!...
Há fome e prantos pelo Brasil afora. Filhos do país na maior miséria, sem comer e sem domicílio, fazem-se mendigos, vadios, gatunos, morrem de inanição ou se suicidam.
E não há coisa melhor do que ser brasileiro!
Lá no Norte -há quantos anos, desde quando?-, a fome e a sede no afã patético de exterminar milhares de criaturas úteis para a vida.
Cadáveres humanos e de animais eram devorados -e sê-lo-ão ainda, quem sabe?- pelos sertanejos famintos. Águas apodrecidas eram tragadas...
E não há coisa melhor do que ser brasileiro!
Operários nacionais explorados por estangeiros, no comércio, na indústria, na agricultura etc. etc., e, enquanto estes enriquecem fabulosamente, aqueles não passam de reles proletários, quase sempre a braços, em grande número, com a falta de quem lhes queira dar trabalho, muitos deles com família e sem crédito algum... porque são pobres...
E não há coisa melhor do que ser brasileiro!
A luta do Contestado, onde as maiores monstruosidades foram praticadas pelas forças federais, contra indefesos e ignorantes mambiras, vítimas da sanha política dum bando de magarefes; do governo que lhes roubou as terras que lhes haviam sido dadas, par avendê-las a um sindicato estrangeiro, e daquela tão ridícula quão caprichosa questão dos limites entre Paraná e Santa Catarina.
E não há coisa melhor do que ser brasileiro!
Há uma enorme dívida externa a pagar. Tinham-se, para isso, uns tantos por cento do ordenado dos pequenos empregados do Estado, criam-se novos impostos -não sobre o álcool, o fumo, a seda etc., não, mas sobre aquilo de que mais precisa o povo-, quando existem no Brasil milionários e até multimilionários, brasileiros, que lhe podiam saldar esse vergonhoso compromisso.
Um deles é o senhor Rui Barbosa, multimilionário, que se limitou a fazer uma conferência em Buenos Aires...
E não há coisa melhor do que ser brasileiro!
Brasileiros que vivem na opulência, desfrutando de tudo quanto é belo e indispensável à vida, e brasileiros que passam uma vida de cão, morando em choupanas infectas, sem muitas vezes ter um pão para dar ao filhinho estremecido que lho pede banhado em lágrimas.
Brasileiros, senhores? Brasileiros, escravos? Uns morrendo de fome, outros de indigestão.
E não coisa melhor do que ser brasileiro!
Estás doente? Aqui tens a Santa Casa. És mendigo? Ali tens o asilo. Dormes na rua? Tens, além, aquela outra infâmia que é o Albergue Noturno. És ladrão? Assassino? Vadio? Sem que sejas responsável do teu crime? Lá está a cadeia, onde vão perverter-te ainda mais.
E não há coisa melhor do que ser brasileiro!
Conclui-se então que não há coisa pior do que ser burro!
(Guerra Sociale, SP, ano II, nº. 32, 1º. set. 1916)

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

A revolta dos cupins


Dia desses vi uma fita em que um dos personagens era ligado em colecionar moedas com defeitos, então lembrei de algo constrangedor que me aconteceu há alguns anos.
Na época, fui trabalhar num determinado espaço público e, tendo que organizar o espaço de trabalho numa sala que fora ocupada por um legendário senhor, encontrei muitas coisas antigas guardadas em armários e gavetas... numa das gavetas havia muitas moedas antigas (já sem valor monetário), o que me deixou intrigada... pensei: aguardarei o antigo ocupante da sala vir fazer o inventário de seus guardados e então conversarei sobre a história dessas moedas, para depois inventar outras histórias.
Eis que, uma colega de trabalho viu o achado e disse que queria levar aquelas moedas para o filho colecionador... respondi-lhe que não as daria, pois já tinha outros propósitos para aquilo... algum tempo passou e lá pelas tantas a maior parte das moedas sumiram... se sumiram, logo soube quem era a pessoa responsável pelo sumiço!... mas fiquei tão constrangida para tomar qualquer atitude, que nunca mais se apagou de minha memória o registro desse fato... agora, sempre que encontro com a pessoa que seqüestrou as moedas, penso: LADRA!
Esclareço que penso isso, não somente pelas moedas, mas principalmente, porque essa pessoa roubou outras coisas minhas e de outras tantas pessoas! Roubou idéias, dignidade, sonhos, vontades, potências, vida... roubou e jogou no lixo!
Enfim, a fita que vi me trouxe todas essas lembranças... eis que dormi e tive um sonho muito estranho... um sonho surreal... um sonho que me deixou meio fora do ar!
No sonho, toca a campainha aqui de casa... abro a porta e nada vejo, mas sinto um movimento no ar... no sonho, penso: deve ser Gentil, o gato que me escolheu para si... olho ao redor e não vejo Gentil... tranco as portas, pensando que seja uma tocaia... volto para o escritório e sento para retomar a leitura que estou fazendo, mas eis que ouço falas... olho ao redor e vejo cupins acenando sobre o computador... vejo que os cupins são do tamanho natural, mas uma ilusão de ótica os torna do tamanho de humanos... um deles fala: por favor, não pensa e apenas nos escuta!
No sonho (e em sonhos pode acontecer qualquer coisa!), recosto-me na cadeira e o cupim falante se põe a falar... primeiro tenta controlar a ansiedade... acalmo-lhe, dizendo que não acho estranho conversar com cupins, pois o faço com outros bichos também... ele explica que os cupins habitam aquela abóbada da prefeitura de nossa comunidade e que se alimentam das lembranças que têm das madeiras que já comeram, pois aprenderam, ao longo da etérea vida de cupins-penados, que não se come coisa pública... já entenderam que o que é feito com o dinheiro público não pode ser usado para o interesse privado... intrigada, digo que isso seja algo óbvio para qualquer trabalhador público que tenha a mínima noção sobre a coisa pública... e ele retruca que não seja assim para todos! Segue, explicando que vieram bater em minha porta, para pedir ajuda, pois estariam sendo acusados de prevaricação (e, para esclarecer, disse-me: “olhe em seu preto da FAE, que PREVARICAR significa: ‘Trair ou fugir do dever; faltar, por interesse ou má fé, aos deveres do seu cargo, do seu ministério; torcer a justiça; proceder mal; corromper; perverter’”)... peguei o preto (no sonho) e confirmei o dito... o cupim prosseguiu: “veja, você, que a fulana (e o nome da fulana era o mesmo da que me surrupiou as moedas antigas) levou para a sua própria casa, os móveis antigos que encontrou no local em que foi trabalhar como carrasco” (perguntei, no sonho: “como carrasco?”... e o cupim, confirmou balançando afirmativamente a cabeça)... olhei para o cupim (no sonho) e pensei: “esse cupim é maluco!”... o cupim, lendo meus pensamentos, disse (no sonho): “eu sei que você deve estar pensando que eu seja um cupim maluco, mas não sou!”... pensei (no sonho): “acordo ou não acordo?”... fiz cara de crença e o cupim prosseguiu explicando que a tal fulana levou os móveis para sua casa depois de dizer para os demais humanos que dera baixa (no registro patrimonial da prefeitura) nos móveis, sob o argumento de que estavam comidos pelos cupins... e esse era o motivo para estarem me pedindo socorro (os cupins), pois queriam que eu dissesse alguma coisa, esclarecendo que eles teriam a mais exata noção de que não deveriam comer os móveis públicos (temiam serem descobertos na abóbada da prefeitura e dizimados com algum veneno pior do que essa calúnia da dita que roubou os móveis antigos!)... perguntei-lhes se poderiam indicar alguém que pudesse comprovar o que diziam... exaustos, responderam que sim!
Disseram que uma tal Natalina poderia ir na casa da Ladra e comprovar que alguns dos móveis antigos que estão naquela casa, fizeram parte do mobiliário do local em atuara antes da Ladra assumir o posto... disseram, ainda, que outras pessoas que trabalham no mesmo lugar que ela, foram em sua casa e viram os móveis compondo o mobiliário de sua residência (e não apresentavam nenhuma mordida de cupim!)... passei algum tempo (no sonho) pensando... então, telefonei para algumas das pessoas indicadas pelos cupins e todas confirmaram o que eles diziam... tentava acordar, mas os cupins continuavam me olhando... percebendo meu conflito, disseram que poderia, também, conversar com uma vizinha que vira o caminhão descarregando os móveis (que eles foram acusados de terem comido!) na casa da Ladra... falei com a dita vizinha que confirmou o que me fora informado! Para me acalmar (no sonho), pedi um tempo aos cupins, para que pudesse pensar na melhor coisa a fazer... por sorte, eles entenderam o meu conflito!
Quando, enfim, consegui acordar, aquilo que senti no sonho me parecia tão real! Pensei que não havia como ser real, aquilo que os cupins me contaram... fiquei matutando como alguém poderia fazer aquilo que a tal “Ladra” teria feito, sem a conivência de alguém ou sem o conhecimento de outras pessoas... como poderia alguém ser tão idiota ao ponto de fazer o que até os cupins sabiam que não se deveria fazer?!
Levantei da cama, tomei um café forte, depois dois litros de chimarrão, tentando fazer apagar aquela sensação produzida pela surrealidade do sonho... mas as falas dos cupins não paravam de latejar em meu corpo e em minha memória onírica... então resolvi falar, efetivamente, com alguns personagens do sonho... estupefata, catatônica, incrédula, ouvi das pessoas para quem liguei, as mesmas falas que fizeram no sonho!... atordoada, tentava entender se ainda estava sonhando, ou se já havia acordado... numa última tentativa, liguei para uma amiga e colega que, diante da minha agonia, perguntou: “mas eu não havia lhe contado isso?”... então acordei, definitivamente!... acordei e pensei: “que é que eu faço com isso?!”!!!!!!!!!!!!!!
... tomei uma cachaça de alambique, fumei um cachimbo e fui ler... pensei: “é melhor continuar confundindo a realidade com a literatura, do que admitir que tudo isso seja verdade!”..