sexta-feira, 22 de junho de 2012

fragmentos de MICROPOLÍTICA: CARTOGRAFIA DO DESEJO


Félix Guattari/ Suely Rolnik

Ed. Vozes, Petrópolis, 1986

II Subjetividade e História

1.      Subjetividade: superestrutura-ideologia-representação X produção (p.25)

Ao invés de ideologia, prefiro falar sempre em subjetivação, em produção de subjetividade.


O sujeito, segundo toda uma tradição da filosofia e das ciência humanas, é algo que encontramos como um “être-là”, algo do domínio de uma suposta natureza humana. Proponho, ao contrário, a idéia de uma subjetividade de natureza industrial, maquínica, ou seja, essencialmente fabricada, modelada, recebida, consumida.
As máquinas de produção da subjetividade variam. Em sistemas tradicionais, por exemplo, a subjetividade é fabricada por máquinas mais territorializadas, na escala de uma etnia, de uma corporação profissional, de uma casta. Já no sistema capitalístico, a produção é industrial e se dá em escala internacional.

domingo, 17 de junho de 2012

O homem está morto? - entrevista com michel foucault


L'homme est-il mort? (entrevista com C. Bonnefoy), Arts et Loisirs, no 38, 15-21, junho de 1966, pp. 8-9. Traduzido a partir de FOUCAULT, Michel.  Dits et Écrits. Paris: Gallimard, 1994, vol. I., p. 540-544, por Marcio Luiz Miotto. Revisão de wanderson flor do nascimento.  


[... primeiro pedimos a Michel Foucault que definisse o lugar exato e a significação do humanismo em nossa cultura. ]


    - Cremos que o humanismo é uma noção muito antiga que remonta a Montaigne e bem mais além. Ora, a palavra "humanismo" não existe nos Ensaios. Na verdade, com essa tentação da ilusão retrospectiva à qual sucumbimos muito freqüentemente, imaginamos de boa vontade que o humanismo sempre foi a grande constante da cultura ocidental. Assim, o que distinguiria esta cultura das outras, das culturas orientais ou islâmicas, por exemplo, seria o humanismo. Comovemo-nos quando reconhecemos vestígios deste humanismo noutro lugar, num autor chinês ou árabe, e temos então a impressão de nos comunicar com a universalidade do tipo humano.

Nunca fomos humanos – nos rastros do sujeito

Sumário
Modos de endereçamento: uma coisa de cinema; uma coisa de educação também
Elizabeth Ellsworth  07- 76

Corpos sem órgãos: esquizoanálise e desconstrução
Marcus Doel    77 – 110

A dobra: psicologia e subjetivação
Miguel Domenech, Francisco Tirado, Lucía Gómez  111 – 136

Inventando nossos eus
Nikolas Rose 137 – 204

Sobre as autoras e os autores 205

Investigaciones en Antropología política



por Pierre Clastres,
Gedisa, Barcelona 1981.

Cap. 8 La Economía primitiva
"<>" (143)
"En la mayor parte de las sociedades primitivas se exige del jefe dos cualidades esenciales: talento oratorio y generosidad, No se reconocerá como líder a un hombre que no sepa hablar o que sea avaro. Es claro que no se trata de rasgos psicológicos personales sino de propiedad formales de la institución: es propio de la posición de líder el excluir la retención de bienes. Sahlins examina, en páginas penetrantes, el origen y los efectos de esta verdadera obligación de generosidad. El punto de partida de una carrera de big-man es <>: gusto estratégico por el prestigio, sentido táctico de los medios de adquirirlo. Es evidente que para ser pródigo en bienes el jefe debe primero poseerlos. Dejando de lado el caso, no pertinente desde el punto de vista del problema planteado, de los objetos manufacturados que el líder recibe de los misioneros o de los etnólogos, por ejemplo, para redistribuirlos inmediatamente entre los miembros de la comunidad; y teniendo en cuenta, por otra parte, que en estas sociedades rige el principio según el cual <>, resulta que para cumplir su obligación de generosidad el big-man deberá producir sólo los bienes que necesita: no puede contar con los otros. Sólo le prestarán ayuda y asistencia aquellos que, por diversas razones, consideran útil trabajar para él: sus parientes, que a partir de ese momento mantienen con él una relación de clientela..." (144)

Os marxistas e sua antropologia*


por Pierre Clastres

Não que seja muito divertido, mas é preciso refletir um pouco sobre a antropologia marxista, sobre suas causas e seus efeitos, suas vantagens e seus inconvenientes. Pois se o etnomarxismo constitui, por um lado, uma corrente ainda poderosa nas ciências humanas, a etnologia dos marxistas é, por outro, de uma nulidade absoluta ou, melhor, radical: é nula na raiz. Eis por que não é necessário entrar no detalhe das obras: pode-se sem dificuldade tomar em bloco homogêneo igual a zero. Convém portanto interrogarmo-nos sobre esse nada transbordante de ser (veremos de qual se trata), sobre essas conjunção entre discurso marxista e sociedade primitiva.
 Antes algumas referencias históricas. A antropologia francesa desenvolveu-se, de vinte anos para cá, graças a promoção institucional das ciências sociais ( criação de numerosos cursos de etnologia nas universidades e no CNRS [ Centre National de Recherches Scientifiques], mas também na esteira de um empreendimento muito considerável por sua originalidade, o de Lévi-Strauss. Assim a etnologia desenvolveu-se, até uma data recente, sob o signo principalmente do estruturalismo. Mas, há cerca de uns dez anos , produziu-se uma mudança de tendência: o marxismo ( o que chamam marxismo) aos poucos se impôs como linha importante de pesquisa antropológica, reconhecida por numerosos pesquisadores não marxistas como discurso legitimo e respeitável sobre as sociedades que os etnologos estudam. O discurso estruturalista cedeu assim o passo aos discurso marxista, como discurso dominante da antropologia.
 Por quais razões?

A sociedade contra o Estado - por Pierre Clastres


A sociedade contra o Estado - 1974 - por Pierre Clastres
(Artigo)

As sociedades primitivas são sociedades sem Estado: esse julgamento­ de fato, em si mesmo correto, na verdade dissimula uma opinião, um juízo de valor, que prejudica então a possibilidade de constituir uma antropologia política como ciência rigorosa. O fato que se enuncia é que as sociedades primitivas estão privadas de alguma coisa –  o Estado – que lhes é, tal como a qualquer outra sociedade - a nossa, por exemplo - necessária. Essas sociedades são, portanto, incompletas. Não são exatamente verdadeiras sociedades - não são policiadas -, e subsistem na experiência talvez dolorosa de uma falta - falta do Estado - que elas tentariam, sempre em vão, suprir. De um modo mais ou menos confuso, é isso mesmo o que dizem as crônicas dos viajantes ou os trabalhos dos pesquisadores: não se pode imaginar a sociedade sem o Estado, o Estado é o destino de toda sociedade. Descobre-se nessa abordagem uma fixação etnocentrista tanto mais sólida quanto  é ela, o mais das vezes, inconsciente. A referência imediata, espontânea ­'é, se não aquilo que melhor se conhece, pelo menos o mais familiar. Cada um de nós traz efetivamente em si, interiorizada como a fé do crente, essa certeza de que a sociedade existe para o Estado. Como conceber então a própria existência das sociedades primitivas, a não ser como espécies à margem da história universal, sobrevivências anacrônicas de uma fase distante e, em todos os lugares há muito ultrapassada? Reconhece-se aqui a outra face do etnocentrismo, a convicção complementar de que a história tem um sentido único, de que toda sociedade está condenada a inscrever-se nessa história e a percorrer as suas etapas que, a partir da selvageria, conduzem à civilização “Todos os povos policiados foram selvagens”, escreve Raynal. Mas o registro de uma evolução evidente de forma alguma fundamenta uma doutrina que, relacionando arbitrariamente o estado de civilização com a civilização do Estado, designa este último como termo necessário atribuído a toda sociedade. Pode-se então indagar o que manteve os últimos povos ainda selvagens.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

hypomnemata 144 - nu-sol


 Boletim eletrônico mensal
 do Nu-Sol - Núcleo de Sociabilidade Libertária
do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP
no. 144, maio de 2012.
 

Castigos, códigos e reformas
  
Mais uma vez o desfile infindável de reformas e códigos. 2012 é brindado pelos volteios de reforma ao redor do Código Penal e do Código Florestal.
Quando não se abre mão das penas não surpreende que a vida seja reduzida às órbitas em torno de juízos, suas reformas e novos-velhos castigos.
Criação de “novos crimes” em consonância a novíssimos negócios condizentes com a inerente seletividade do sistema penal, agora rejuvenescida em nome da “democratização das penas”.
E hoje, em tempo de programas e programações, códigos, senhas, decodificações, algoritmos, repisa-se e redecodifica-se os carcomidos lugares penalizadores, legais, jurídicos, institucionais, governamentais e não-governamentais na sanha de balizar o futuro projetado e inatingível.
Chamam isso de reforma do código X, reforma do código y... reforma do código, reforma...
E o instante presente passa, mais uma vez, a se situar no sequestro mínimo e exponencial de cada um.
Eis o rebaixamento que isto espera e expressa.
O rebaixamento, consentido, reivindicado, vangloriado que culmina no continuum da maioridade de existência do próprio Código Penal e seus sistemas correlatos em perfeita simetria de cima para baixo e de baixo para cima.
Para usar um termo cada vez mais em voga por programadores e empreendedores, aprimorada sinergia, com seus diletos defensores participando emtransversalidades conjuntas e não lineares.

 Código Penal: castigos, reformas e recodificações

O Código Penal brasileiro de 1940, vigente até hoje, promulgado na ditadura de Getúlio Vargas, e agora em “fase de reforma”, foi transposto do Código Rocco da Itália, já como uma das expressões acabadas do fascismo, mesmo antes de sua instituição formal.
O Código Penal italiano promulgado em 1931, foi inspirado no Código Napoleônico de 1808 que parametrava, também por vias transversas, a “nacionalização do ensino”.
Por sua vez, o Código Penal Brasileiro de 1940 foi promulgado quando Francisco Campos ocupava o cargo de Ministro da Justiça de Getúlio.
A mesma ditadura e o mesmo Francisco Campos que, quando Ministro da Educação, formulou o programa Educação para o que der e vier, que balizaria, posteriormente, a denominada “universalização da educação” e “unificação do ensino” na ditadura civil-militar no Brasil sob a égide da Lei de Segurança Nacional.
 Não foram poucas as vezes que o Código Penal de 1940 foi revisitado por juristas, especialistas, parlamentares, autoridades renomadas, tanto em momentos ditatoriais como nos democráticos.
Muitos dos que colaboraram em revisões e reformas da vez, o fizeram tanto na ditadura quanto na democracia.
Dentre eles encontra-se José Sarney, expressão do ranço da oligarquia escravocrata, racista e coronelista, conivente e colaborador dos militares, que atualmente preside a Comissão do Senado para reforma do Código Penal.
O mesmo José Sarney que quando ocupou a presidência nomeou para cargo diplomático o abominável torturador coronel Ustra como Adido Militar no Uruguai.
O mesmo Sarney que foi arrolado como testemunha de defesa de Ustra diante das acusações de tortura e morte perpetradas pelo DOI-CODI durante a ditadura civil- militar.
Este é apenas um detalhe ínfimo das infindáveis expressões de onde nos leva a crença na lógica do tribunal, da qual Estado algum abre mão, que assume inúmeras formas e fôrmas, e se inicia no quinhão de ajuizamento que se incrusta em cada um no ordinário de cada dia.
Sem este último não há juízo que se sustente, não há código penal ou sistema penal que emerja, sobreviva ou prolifere.
A comissão do Senado para reforma do Código Penal está atrelada à sub-comissão do Senado, que tem como relator Renê Dotti, um dos encarregados pelas proposições do anti-projeto de reforma da parte geral do Código Penal.
Dotti é jurista criminal renomado e considerado “progressista” por ter defendido homens e mulheres perseguidos pela ditadura civil-militar no Brasil.
Entretanto, o mesmo Renê Dotti participou de reforma anterior do Código Penal, ainda durante a ditadura, e foi um dos corredatores dos projetos convertidos na Lei n. 7.2009/1984 que concerne à revisão da parte geral do Código Penal e da Lei n.7.210/1984 relativa à Lei de Execução Penal.
Em textos acadêmicos não se furta a se respaldar, também, em autores das mais variadas vertentes, dentre eles os da criminologia crítica, que muitas vezes lançam mão de contundentes análises do abolicionismo penal, não para abolir o sistema penal e os derivados que o acompanham, mas apenas para reciclar seu discurso, sustentando a falaciosa distinção entre Estado Social e Estado Policial e sedimentar uma nova política criminal.
No mais, é ainda René Dotti uma das referências na área criminal a fornecer escopo teórico, científico e político ao espraiamento da articulação dos conceitos de vulnerabilidade e qualidade de vida, coadunado às práticas que conjugam saúde e segurança, tomando por base o direito penal.
Lança mão para isso, objetivando novas regulamentações e institucionalizações, do denominado “bem jurídico tutelado” que recobre termos não fortuitos como a própria “qualidade de vida”, “vida humana”, “liberdade”, “patrimônio”, “meio-ambiente”, dentre outros.
Subsídio conveniente mesmo aos seus críticos, por equalizar em vias complementares variados matizes dos defensores de crimes e penas que não abrem mão do regime dos castigos, de polícias de toda ordem, do sistema penal e do aperfeiçoamento carcerário intra e extramuros.
No esteio das sobreposições de comissões figura ainda a comissão específica de reforma do Código Penal, presidida por Gilson Dipp, Ministro do Tribunal de Justiça (STJ), que em função do ano 2012 ser “ano de eleições”, pretende que o “novo” Código Penal passe a vigorar no ano de 2013.
Nesse entremeio, a comissão do senado, as subcomissões e a comissão de juristas estabelecem contatos preferenciais com autoridades da área de segurança do país.
Não é fortuito o fato de Dipp destacar que “uma boa lei penal, condizendo com a realidade do Brasil atual, é o ponto de partida, a base, a plataforma para que as entidades envolvidas na segurança pública, no sistema de prevenção e no sistema de penalização possam trabalhar adequadamente.”
Simultâneo a isto, o site do Senado recebe todos os dias propostas provenientes da população que regularmente exigem o endurecimento das penas, preferencialmente, para jovens considerados infratores.
E que ninguém se faça de surpreso diante do fato de que o Código Penal jamais deixou de ser o parâmetro de referência para a aplicação do próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e de que a chamada proteção integral é a mais atual expressão do investimento político promissor na continuidade aprimorada das penas e dos castigos.
  
Código Florestal: castigos, reformas e recodificações
  
Depois de dez anos, entre idas e vindas, o projeto para o novo Código Florestal tem seu trâmite intensificado a partir de 2009, sendo aprovado na Câmara dos Deputados pela grande maioria de seus parlamentares, em maio de 2011.
A partir daí começaram os debates a respeito da anistia para os desmatadores, uma vez que se incluíam no projeto a impossibilidade de punições àqueles que tivessem realizado desmates considerados ilegais antes de 2008, quando o Decreto 6514 regulamentou a Lei 9.605/98 e estabeleceu novas infrações e sanções administrativas à chamada “Lei de Crimes Ambientais”.
ONGs ambientalistas, artistas de TV e fundações ligadas à indústria cosmética manifestaram-se contra a proposta.
No Senado, elaborou-se novo texto considerado mais equilibrado, que continuou não atendendo ao que reivindicavam os militantes do meio-ambiente.
De volta à Câmara, um novo texto foi produzido, e no dia 28 de maio de 2012, foram publicados no Diário Oficial da União as alterações e vetos da presidência ao projeto do novo Código Florestal.
Diziam respeito a alguns dos temas polêmicos do texto: decidiu-se por manter os estatutos que definem Reservas Legais e Áreas de Preservação Permanente (de acordo com o projeto da Câmara, deveriam ser estabelecidos pelos Estados) e a limitação ao crédito de produtores que não se adéquem, num prazo de cinco anos, às exigências de preservação ambiental.
No entanto, permaneceram a diminuição da extensão de APPs e a regularização de atividades exploratórias em manguezais estabelecidas antes de 2008, sob o argumento de proteger os pequenos produtores, mesma justificativa que possibilitou à presidenta isentar de recuperação as áreas consideradas ilegalmente desmatadas antes de 2008 em pequenas propriedades.
Diante dos vetos e alterações publicados, ambientalistas lamentaram a falta de coragem da presidenta em não enfrentar a base ruralista, a despeito do apoio da chamada opinião pública.
Lamentam o que definem como uma nova prova da impunidade que marca o nosso país.
Constatam que setores da base governista não se dispõem a bater de frente com os interesses daqueles que constituem o alicerce político e econômico do Estado brasileiro.
Por fim, retomam os antigos Códigos Florestais, o primeiro promulgado em 1934, por Getúlio Vargas e o seguinte em 1965, um ano após o golpe civil-militar de 1964, durante o governo de Castelo Branco, para concluir que o “novo” Código não avançou como o esperado em relação aos textos anteriores, sobretudo, no que diz respeito à criminalização de proprietários acusados de desmatarem áreas protegidas.
Não é de hoje que o denominado meio-ambiente e os recursos naturais são alvo das políticas do Estado.
Prosseguindo com as reformas institucionais como as demarcadas pelo “Código Eleitoral” de 1932, que concedia o direito de voto às mulheres e criava a chamada Justiça Eleitoral, Getúlio Vargas promulgou, em janeiro de 1934, o primeiro Código Florestal brasileiro.
Conforme o país expandia suas fronteiras agrícolas para o interior do Brasil, o centro oeste e Amazônia, cresciam as críticas às limitações ao desmate e uso da terra preconizados pelo Código Florestal e algumas tentativas de reforma do texto foram iniciadas.
Todavia, é somente em 1962, sob o governo de João Goulart, que um grupo de trabalho é solicitado para a formulação de um novo código.
O resultado das propostas é sancionado em 1965, um ano após o golpe que inaugurou o governo da ditadura civil-militar.
Nessa mesma época, o governo visou atrair para a Amazônia, por meio de concessões públicas, proprietários interessados em explorar a região.
No início da década seguinte, as contestações políticas a esta devastação eram silenciadas pela propaganda do “milagre econômico”.
Simultâneo ao investimento em obras como a “Transamazônica”, amparado pelos efeitos do “milagre”, a ditadura civil-militar intensifica as perseguições, prisões, torturas e assassinatos de homens e mulheres que resistiam ao governo.
No auge da violência do Estado, a delegação brasileira enviada por Garrastazu Médici a Estocolmo para a Conferência das Nações Unidas sobre o Homem e o Meio Ambiente, em 1972, defendia a posição da Primeira Ministra da Índia, Indira Gandhi, a quem se atribui a frase: “a pior poluição é a miséria”. A comissão chegou a alardear que a “poluição é sinal de progresso”.
As contestações ecológicas que irromperam com vigor nos Estados Unidos, aliadas ao antimilitarismo diante da Guerra do Vietnã, e na Europa, com o movimento antinuclear que arregimentou os jovens incendiários de 1968, ganham força no Brasil, entre o final dos anos 1970 e início da década 1980.
Ao mesmo tempo, a partir da chamada “abertura política,” e visando atender aos órgãos internacionais ligados ao Meio Ambiente, os temas ambientais ganharam cada vez mais espaço nos programas de governo do Estado brasileiro.
Em 1981, o último presidente militar, General Batista Figueiredo, sancionou a Lei 6938, que instituiu a Política Nacional para o Meio Ambiente, criando o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), e um Conselho que previa a participação de representantes da sociedade civil organizada, dos setores produtivos e de departamentos da administração estatal nas decisões ambientais, o Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA).
Entretanto, assim como ocorreu rapidamente com os movimentos ecológicos na França e na Alemanha, os quais acabaram sendo colmatados em estruturas partidárias, muitos ecologistas brasileiros aderiram rapidamente à política parlamentar proposta internacionalmente pelos Partidos Verdes.
Em 1986, no ano seguinte à criação do PV e a formação de inúmeras ONGs ambientalistas, a Assembleia Constituinte iniciava seus trabalhos.
Na Constituição Federal de 1988, o artigo 225, “Do Meio Ambiente”, assegura que um meio ambiente equilibrado é um direito de todos e prevê a criminalização decondutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente.
Na década seguinte, sob efeito da realização da Rio-92, da aprovação de diversos documentos na Conferência da ONU e da criação, em 1993, do Ministério do Meio Ambiente, os reclames dos cada vez mais organizados ambientalistas foram celebrados pela sanção, em 1998, da “Lei de Crimes Ambientais”.
Tais políticas, desde a década de 1930, atravessaram as ditaduras civis-militares, e ao mesmo tempo em que criaram mecanismos que auxiliaram as lutas pela sobrevivência de matas, florestas e diversos animais, não deixaram em momento algum de beneficiar os proprietários de terra, latifundiários que sustentaram e sustentam uma política conservadora.
Ambientalistas, por sua vez, insistem cada vez mais a partir dos anos 1980, em reivindicações junto ao governo que combatam as chamadas ilegalidades ambientais em nome de maior segurança e bem-estar da população.
Os negócios político-econômicos são celebrados no interior do Estado contando com os acertos com a chamada sociedade civil organizada em torno o eternoramerrame que produz leis: o que não deve impedir o desenvolvimento inovador da propriedade relacionado à aplicação de penas como prática justa da aplicação da lei.
Espera-se governar pela continuidade do regime da propriedade e contar com o equilíbrio e a moderação dos movimentos ambientalistas, em favor do atual programa de desenvolvimento sustentável. Governar com a colaboração dos movimentos ambientalistas.
Em Estocolmo, em 1972, começou a ser formulado um conjunto de regras articuladas por tratados que pretenderam instaurar um regime internacional do meio ambiente.
Então, vieram os relatórios como o “Nosso futuro comum”, de 1987, as manifestações da chamada sociedade civil global, como a Carta da Terra, os compromissosda Rio 92, o Protocolo de Kyoto, e Johanesburgo 2002.
Agora, na Rio+20, ambientalistas, organizações não-governamentais e governos apostam na construção de uma economia verde que efetive o desenvolvimento sustentável e combata a pobreza. Ao mesmo tempo, buscam formular uma “governança ambiental mundial”, ou seja, a articulação entre tratados e novas institucionalidadesque venham para executar programas para a gestão global do meio ambiente.
O debate, então, gira em torno da proposta de se criar um Conselho de Desenvolvimento Sustentável que seria um organismo da ONU equivalente à Organização Mundial do Comércio (OMC).
Se for moldado nos parâmetros da OMC, esse Conselho teria autorização para reunir, sistematizar e atualizar todas as normas de direito internacional sobre a preservação ambiental e desenvolvimento sustentável em vigor, além de concentrar capacidades de monitoramento da ação dos Estados e, no limite, de julgamento de causas ambientais.
A diplomacia brasileira é reticente com relação a essa proposta, fazendo coro aos que se opõem ao Conselho, sob o argumento de que o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), criado a partir das decisões de Estocolmo, poderia ser fortalecido ao invés de extinto ou transformado numa nova burocracia.
O cuidado da diplomacia brasileira pode ser compreendido pela preocupação de que autoridades internacionais (agências multilaterais como a ONU ou outros Estados) possam monitorar, avaliar, sentenciar e agir no Brasil em nome da preservação ambiental.
O Itamaraty e os militares temem que após o avanço das justificativas de intervenções internacionais amparadas pela denominada proteção humanitária, comece-se a se propor intervenções em nome da preservação ambiental.
Então, é de se esperar que os diplomatas brasileiros troquem, como sempre, muitas gentilezas e tapas nas costas com ambientalistas e governos mais ativos na causa ambiental, mas não embalem a criação de um Conselho com mandato amplo.
Ainda assim, as discussões sobre a “governança ambiental” sinalizam para a produção de nova dimensão jurídico-política, interessada no governo do planeta e associada à possibilidade de intervenções diplomático-militares em nome da preservação desse mesmo planeta.
O termo “governança” ficou consagrado no direito internacional, na ciência política recente e nas Relações Internacionais ainda associando “governo” com “Estado”, o que tornaria impossível um “governo sem poder central”.
No entanto, é possível notar a emergência de práticas de governo que não prescindem de centralidades do poder político, mas que as redimensionam em conglomerados de Estados ou arranjos diplomáticos mais ou menos amplos e duradouros.
Esses arranjos aproximam e articulam Estados em nome de sua segurança que, agora, passa a ser tomada como conectada à segurança do planeta: a segurança dos fluxos, contra certos fluxos; das pessoas; contra certas pessoas; segurança e controle dos ambientes planetários; enfim, explicitam que a democracia liberal sempre sustentou sua defesa da liberdade tendo por referência principal a segurança.

Outros caminhos

Em suas andanças diárias, ao escrever “Caminhando”, no final do século XIX, Henry David Thoreau anotara: o homem e os seus afazeres, igreja, Estado e escola, ofício e comércio, manufaturas e agricultura, até mesmo política, o mais alarmante de todos eles – fico feliz em ver como é pequeno o espaço que ocupam na paisagem. A política não passa de um campo estreito (...). Em meia hora posso caminhar até uma superfície da terra onde um homem não fica parado ao cabo de um ano ao outro; ali, por conseguinte, a política não existe, pois ela não passa da fumaça do charuto de um homem.
 O pensador, que foi preso por recusar-se a pagar impostos ao governo estadunidense destinados a financiar o avanço militar do país sobre o México, não imaginaria que a política alargasse seu campo de tal modo que encobrisse no século seguinte também as florestas e matas mais distantes da América.
 A fumaça do charuto, isto é, a política, dominou as discussões e práticas relacionadas com o chamado Meio Ambiente.
 Entretanto, mesmo diante desta História, certos homens e mulheres libertários ousaram, como sugeriu o pensador estadunidense, por fogo nas cercas e deixar de pé as florestas, inventando outros percursos por fora de códigos e governos, de relações com a natureza.
 Em 1890, seis anarquistas italianos desembarcaram em Paranaguá, no Brasil, a bordo do navio Cittá de Roma.
 Com o correr da experiência que iniciaram, outros companheiros chegaram para compor com eles o que ficaria conhecido como Colônia Cecília.
 Para além de abolirem a propriedade privada da terra, experimentarem relações livres e superarem as adversidades na lida com a lavoura, os libertários, em especialGiovani Rossi, ensinavam música às crianças fazendo-as primeiro sensibilizarem-se com o toque nas variadas flores, folhas, nervuras dos troncos das árvores.

Na década de 20 do século passado, Avelino Fóscolo publicaria o texto teatral “O semeador”, o qual apresenta a história de um jovem herdeiro que, contrariando a família, após retornar de seus estudos na Rússia, decide reduzir a carga horária de trabalho e dividir a propriedade com os camponeses.
 Naturistas e vegetarianos libertários, no final da década seguinte, convivem na “Nossa Chácara”, interior do estado de São Paulo, inventando congressos e rearticulando os anarquistas depois de intensa repressão sofrida durante a ditadura de Getúlio Vargas.
 Nos anos 1980, ainda sob forte efeito dos desdobramentos dos acontecimentos de 1968, a equipe anarquista do jornal O Inimigo do Rei articulava seu modo deavacalhar com a militância tradicional de esquerda e combater a ditadura civil-militar com ensaios ecológicos e divulgação de Manifestações Antinucleares.
 Na mesma década, Roberto Freire por meio das maratonas de Somaterapia em Visconde de Mauá e de seus livros, sobretudo, o ensaio Sem Tesão não há Solução e o romance Coiote, afirmou seu posicionamento ecológico ligado diretamente às contestações jovens que irromperam nos anos 1970, em favor das liberações do sexo e das drogas.
 Em 1992, às vésperas da Conferência da ONU, Freire ainda publicaria A farsa ecológica. Ao escancarar o Encontro como mais um negócio capitalista, o lançamento do livro provocou reação violenta de certos ambientalistas ligados à organização da Cúpula Internacional.
 Se muitos destes libertários propuseram modos de vida ecológicos com reduzida tecnologia, outros tantos reivindicaram, seguindo as análises de Pierre-JosephProudhon, o que há de mais avançado tecnologicamente no planeta, escancarando que as misérias não são efeitos restritos das mais avançadas das tecnologias, mas sim dos inúmeros governos sobre a vida.
 Souza Passos, garçom anarquista da primeira metade do século XX, escrevera: os anarquistas não condenam a existência do automóvel, do rádio, do avião, de todas as coisas belas e úteis. Condenam o privilégio que têm alguns de possuir e usar essas coisas todas (...). Condenam, principalmente, o fato de que, para usarem essas coisas, alguns explorem o trabalho dos outros, que construam seus prazeres, e até mesmo seus vícios, com a miséria dos seres a quem exploram o trabalho, os sentimentos, a honra e a dignidade.
 Diante das permutas políticas em torno do melhor controle do Meio Ambiente cabe a nós aprendermos um pouco mais com o ritmo das marés, dos rios, das florestas e das matas.
 Afinal, como afirmou certo anarquista: a natureza não tem leis apenas hábitos.

estamira

domingo, 10 de junho de 2012

psicologia e sociedade: engajamentos insalubres.


aprendizado


por Luiz Fuganti

Aprender não é operação simples. É um processo complexo geralmente submetido a padrões e por isso frequentemente experimentado como um acontecimento frustrante e até mortal. Todo nosso procedimento educacional traz uma espécie de desgosto sutilmente dosado em cada etapa do processo de aprendizado,
 uma vez que o ensino dominante em nossas formações sociais não visa a um aprendizado potencializador das forças ativas imanentes aos modos criativos de vida. Ao contrário, é parte integrante dos mecanismos que operam a serviço de poderes de captura da vida, impondo um aprendizado a partir da inoculação de uma insuficiência de ser. É preciso desqualificar a experiência direta para depois requalificá-la pela aquisição de um sistema de mediação. É preciso desaprender o desejo intensivo imediato para poder inscrever nele uma intencionalidade que possa legitimá-lo - soldá-lo à norma para formar o sujeito moralmente responsável. É preciso desqualificar os movimentos intensos próprios do corpo, produtores de lugares inéditos, para quantificar movimentos segmentados tornados extensos e úteis, distribuí-los num espaço homogêneo e esquadrinhado - organizar o corpo para torná-lo eficientemente útil e atribuir-lhe seu devido lugar! É preciso desqualificar a potência singular dos tempos heterogêneos que emergem na experiência do pensamento, como carente de sujeito neutro e verdade universal, para requalificá-la com representações produzidas por uma cadeia de signos em um tempo homogêneo, submetendo o pensamento à ordem da linguagem com suas generalidades e associações - submeter o pensamento à consciência para formar o sujeito do conhecimento competente que opera com universais.
    Para encontrar um sentido ativo e potencializador na experiência do aprendizado, é preciso problematizar a própria noção de experimentação. Experimentar não é uma simples troca que produziria um enriquecimento instrutivo e agregador de valor, incorporando procedimentos e tempos como provas para uma unidade subjetiva em formação. Esse seria seu sentido aparentemente positivo, mas ordinário. Experimentar pode ter - e tem - um sentido mais nobre. Pôr-se em variação afirmativamente e de modo extraordinário a partir de um encontro intenso de desejo, é produzir diferença real no modo de existir e memória de futuro como condição de continuidade e de relançamento do desejo e do pensamento assim transmutados. 
    O processo do aprendizado depende: 1) do modo como se extrai o ser do devir que experimentamos e também do modo como se conserva no tempo e se disponibiliza esse algo naquilo que passa, esse passado na condição de ser que é, como função de futuro; e 2) do modo como o ser do movimento que produz corpos é extraído e acumulado na forma de dispositivos cerebrais, os quais disponibilizam o movimento extraído, acumulado e contraído no hábito, que se forma no devir do corpo presente. Isso implica o modo como, nesse processo, se produz e investe o registro, a memória, o hábito (modos de produção de cérebro como síntese de movimento e modos de produção de mente como síntese de tempo) e seus dispositivos de repetição. Toda experimentação, nesse sentido, implica um meio de transpor ou lançar-se fora de si, encontrar o lado de fora da fronteira do corpo e da mente como porvir inédito do movimento e do tempo, simultaneamente ao que se modifica ou devém dentro de si, estabelecendo um ritmo capaz de apreender o que pode atravessar a fronteira e amplificar o ser, segundo o que se passa na própria fronteira do devir. Encontrar não alguém ou coisa ou referência, mas algo no que acontece, enquanto acontece, como combustível e intensificador da diferença que quer diferenciar-se ou tomar distância de si mesma. 
    No relacional de cada relação está o meio imanente e a condição imediata da experiência real. E não haveria qualquer relação sem esse meio ou ser comum e necessário que põe (topológica e temporalmente) em contato imediato e direto realidades diferenciais. Aqui, experimentar confunde-se com ser modificado ao máximo, conforme a capacidade de abertura ou de dilatação de que se pode dispor para ser afetado, ao mesmo tempo que modificar e diferenciar ao máximo conforme a capacidade de tensionar ou concentrar, para se compor algo do acontecimento com a diferença que nos constitui, criando realidade ou eternidade (existência necessária). A primeira condição do aprendizado criativo é, portanto, a constituição de um entre, um meio comum afirmativo, extremo do acontecimento, como princípio motor de diferenciação e ampliação da diferença que nos constitui. A alegria do diverso como catálise de modos ativos de experimentação, cujo gosto primeiro é o da eternidade que se produz no acontecimento de cada encontro. 
    Nesse sentido, é preciso diferenciar dimensões, zonas autônomas e limiares de experiência na existência humana, capazes de conduzir diretamente ao aprendizado do encontro ou do reencontro com a fonte virtual imediata de produção de realidade, e evocar como primeiro o aprendizado da conquista ou tomada de parte dessa produção. A experiência do pensamento e o aprendizado dos modos imediatos de produção de diferenças e de sínteses do tempo como singularidades: aprender o que pode o pensamento. A experiência do corpo e o aprendizado dos modos imediatos de produção de diferenças e de sínteses de movimento na matéria: aprender o que pode o corpo. A experiência da escolha ou os modos imediatos de produzir diferenças e sínteses de maneiras de ser: aprender o que pode a ética. A experiência da continuidade do querer e o aprendizado dos modos imediatos de produzir diferenças e sínteses como memória de futuro: o que podem os modos de registro como concentração e re-disponibilização de tempo e movimento, como produção de consistência ou linha livre de continuidade auto-sustentável, incluindo aí a continuidade da capacidade sempre crescente de aprender.

drogas e liberação: enunciadores insuportáveis


por thiago rodrigues (Cientista político, poeta, pesquisador no Nu-Sol. Publicou Política e drogas nas Américas (Educ/FAPESP, 2004); Narcotráfico, uma guerra na guerra - Editora Desatino, 2003).
Persegui demais o mal
Busquei demais ter um corpo limpo
Antonin Artaud
Êxtase & medo
Fala-se em legalização, descriminalização, flexibilização das leis antidrogas. Os protestos contra a proibição das substâncias psicoativas se fazem por meio da apresentação de visões alternativas, novos receituários, projetos outros para enfrentar o que não foi possível pelo banimento e pelo expurgo. O presente regime internacional sobre psicoativos é o da política de guerra às drogas, na qual a produção, circulação, venda e consumo de um significativo rol de compostos que agem sobre o sistema nervoso central estão sob forte controle legal.
As regras desse controle estão cristalizadas na Convenção Única sobre Drogas Narcóticas da ONU, celebrada em 1961, e que é o documento-síntese de todos os tratados antipsicoativos acordados desde a primeira década do século XX. A pretensão dos Estados que se reuniram em Nova Iorque para discutir a Convenção Única era o de construir pautas rígidas que classificassem todas as drogas psicoativas segundo um critério elementar: potencial para uso médico. O tratado estabeleceu, assim, listas que instituíam a legalidade ou não de um composto pelo seu pretenso “uso médico”. Os alucinógenos, como o LSD, a mescalina e a maconha, foram completamente vedados. Como também o fôra a heroína. Para a morfina e cocaína, certa liberdade para aplicações médicas. Barbitúricos e anfetaminas, sintetizadas por grandes indústrias farmacêuticas transnacionais, foram brindados com mais tolerância por serem tidos como importantes para o tratamento de certos males.

flecheira.libertária.250 - nu-sol


código florestal
Na última sexta-feira anunciou-se os 12 vetos e 32 alterações feitos pela presidente Dilma no projeto do  novo Código Florestal aprovado pela Câmara. Os ministros que representaram a presidente na coletiva de imprensa ressaltaram como premissa os princípios democráticos e o respeito aos acordos feitos ao longo de
mais de dois anos de tramitação. Como esperado, quebraram a cara aqueles que acreditavam que a bravura da guerrilheira que resistiu à ditadura civil-militar reverberaria em radicalidade da presidente da república. Quem decide entrar no jogo democrático precisa estar disposto a fazer acordos, encontrar meios termos e negociar nos mercados econômico e político . Quanto ao Código Florestal, o governo do Partido dos Trabalhadores defendeu as exigências da bancada ruralista e dos latifundiários, anteriormente elaboradas pelo PCdoB, ignorando as organizações ambientalistas. Decepcionados, os adeptos da campanha Veta Dilma! lamentam e constatam que, na democracia participativa, o meio ambiente só existe como alvo de negociações e acordos de ocasião. 
god save the queen
Há um ano, a aclamada rainha dos baixinhos era escolhida para embaixadora da campanha pela lei da palmada. Na última semana, ela volta em um programa dominical, retomando a discussão do abuso sexual sofrido por crianças e jovens. Para o próximo ano, para qual causa a rainha será usada e abusada?
ocupar, rastrear, pacificar
No centro do Rio de Janeiro, tropas da Força Nacional ocupam favelas e bocas em busca de usuários e traficantes de crack. Junto com eles, entram assistentes sociais e agentes de saúde pública, que recolhem crackeiros, a maioria muito jovem e pobre, levando-os para abrigos e centros de reabilitação, a maioria deles particulares conveniados com o governo estadual. A população local aplaude, num misto de compaixão, asco e alívio. Os secretários de segurança e assistência social defendem as ações como complementos necessários para completar a pacificação da cidade. Críticos da criminalização das drogas se dividem, incertos, entre os que repudiam o tratamento compulsório de usuários de crack e os que o consideram uma necessidade diante de mais uma epidemia. 
liberar-se! 
Enquanto se abranda o rechaço social a drogas como a maconha, outras passam a ocupar o lugar da degeneração social, física e moral e ser combatida. Os últimos anos têm sido do crack: eis a droga-alvo da vez, com seus mulambos-usuários como alvos de investimento humanitarista, sanitário e policial. Tudo junto, coligado, misturado. Moralismo e proibição das drogas caminham há um século junto de argumentos médicos e sanitários. Essa combinação de discursos, que hoje alivia o peso para a maconha, foi o mesmo que antes se voltou contra ela e que agora mira no crack. Os reformistas de plantão não veem ou fingem não ver que toda reforma recoloca o castigo e a punição. Liberar-se das reformas, da adição a elas é um exercício de saúde! Liberar as drogas vibra aí, nesse campo, e não na produção de novas amarras, preconceitos e controles. 
ainda hoje, coragem!
Investigadores de polícia do Estado de São Paulo que participaram das equipes de torturadores durante a ditadura civil-militar seguem em seus cargos de segurança em nome do Estado. Os cidadãos sustentam o emprego de torturadores canalhas, com o dinheiro dos impostos sequestrados pelo Estado. Nas vielas, celas das delegacias e prisões, outros agentes seguem recebendo holerite para torturar, sobretudo, jovens, em nome do Estado, pela segurança da propriedade. É preciso escancarar o que é indissociável: prisão, polícia e tortura. Quem sabe a partir daí colocaremos questões mais corajosas.

flecheira.libertária.249 - nu-sol


saúde e marcas vivas I 
Na última semana, em 18 de maio, foi comemorado, em várias cidades do país, o Dia Nacional da Luta Antimanicomial. Um dos temas recorrentes do ano de 2012 foi o fortalecimento da presença do SUS como garantia de acessos aos CAPS e aos tratamentos monitorados por eles. Manicômios e novos monitoramentos em meio aberto se complementam num vaivém entre internações, medicalizações, e agenciamentos colaborativos, engrossados hoje pelo chamado enfrentamento ao crack acompanhado de segurança e limpeza das ruas. Chamam isto de nova “estratégia para a saúde”. Disputam-se verbas, negociam-se projetos, escalonam-se especialistas e fecham-se novos negócios. 
saúde e marcas vivas II 
Basta de internações em hospitais psiquiátricos. Basta da internação de jovens considerados infratores, em manicômios, ou em qualquer unidade de aplicação de medida sócio-educativa. E basta do sequestro político de crianças, que, mesmo sob a democracia, são arrancadas de jovens mulheres internadas em instituições para usuários de drogas, que quando recebem alta são informadas que seus filhos, paridos lá dentro, foram ou serão dirigidos para programas de adoção. 
saúde e marcas vivas III 
O bairro do Bom Retiro em São Paulo, foi um espaço  que, historicamente, abrigou trabalhadores, imigrantes, anarquistas. Foi habitado por subversões e práticas transgressivas. Hoje, o Bom Retiro, faz parte da área coberta pelo projeto Nova Luz e suas atuais assepsias e limpezas de dejetos humanos. Lá, na Rua dos Italianos, é sediada uma unidade especial da Secretaria da Saúde, que dispensa medicamentos de “alto custo” não padronizados pelo SUS. Muita grana envolvida, intermináveis trâmites jurídicos, infindáveis procedimentos administrativo-burocráticos, novos fármacos de última geração, monumentais acertos políticos, atravessados por tráficos indissociáveis de drogas legais e ilegais. Tudo isto em nome das chamadas “estratégias de saúde” coadunadas com as de segurança. É de não esquecer que saúde e segurança são incompatíveis. 
saúde e marcas vivas IV 
E lá, próximo à Rua dos Italianos, no início do século XXI, dobrando a esquina, uma via estampa a placa: Rua Adolfo Gordo. É preciso não esquecer o inaceitável: a abominável Lei Adolfo Gordo, promulgada na primeira década do século XX, subsidiou, prisões, internações de crianças e jovens e respaldou a deportação preferencial de anarquistas e seu envio na década posterior ao campo de concentração Clevelândia, no Oiapoque. Nem mesmo isto conseguiu varrê-los do mapa. É preciso não esquecer onde habita a saúde das resistências. 
comissão da verdade I 
Falou-se em comissão do possível. Ela saiu e já perguntamos para onde vai. A solenidade de posse foi realizada com todos os cuidados para caracterizá-la como um ato de Estado e não de um governo. A emoção da presidente apenas mostrou que não há institucionalidade ou ritual burocrático que resista à memória dos que tombaram e a dor de parentes que veem seus desaparecidos morrerem todos os dias. De resto, seguirão negociações e acordos entre elites, dirigentes e gestores (estatais e privados), próprios de um país conservador e autoritário? A comissão da verdade seguirá como ritual de passagem de uma nova elite política e continuidade pacificadora do novo milagre brasileiro, com sua classe média contente com a redução de juros e  aumento do poder de consumo pelo crédito, em benefício dos empreendedores industriais brasileiros? Como se conduzirão os herdeiros da classe média covarde e assassina que sustentou a ditadura civil-militar de outrora? 
comissão da verdade II 
Duas irmãs de um desaparecido souberam pelos jornais – em matéria a respeito de duvidoso livro de um ex-militar convertido a pastor pentecostal – que seu irmão, Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira, tinha sido desaparecido numa fazenda de cana de um proprietário colaborador do regime. Seu corpo surrado e assassinado queimou junto com os bagaços de cana e os corpos de outros lutadores. Elas vivem, novamente, a dor da sua morte. O suplício soberano também foi chamado de espetáculo das mil mortes que expunha o corpo marcado. O poder do desaparecimento produz as mil mortes, escondendo os corpos. Mais uma vez, as duas irmãs choraram seu não-corpo. 
ordem assassina 
O Estado preocupa-se com sua estabilidade; faz o possível para que a urgente verdade forjada na luta não perturbe a ordem, nem fira as sensibilidades de militares e conservadores, de políticos e donos de fazendas, e meios de comunicação. Enquanto isso, quantos fernandos ainda desaparecerão? Quantas irmãs, mulheres, amigas, namoradas, mães viverão o suplício sem corpo dos que desaparecem em operações policiais de incursão em favelas, invasões de carandirus, contenções de febens, mandatos de reintegração de posse, operações de pacificação? São mais de centenas os chamados desaparecidos em atuais tempos já democráticos. A propriedade é um roubo, como a escravidão é assassinato; o governo, mais ou menos autoritário, é quem diz quem deve viver e quem deve morrer. Entre um e outro, faz desaparecer como tecnologia que não ousa mostrar sua face assassina, numa outra guerra que  hoje não conta os mortos. Em suma, o Estado, para poder governar, mata silenciosamente. 
dizem que ficou americanizada... 
Disseram que as prisões seriam modernizadas, sem superlotação e destinadas apenas aos casos extremos. Disseram que com o regime das penas alternativas haveria redução de prisões e superlotações. Disseram tudo isso: o Estado e seus secretários, os juízes, os promotores, os defensores dos direitos humanos, os reformadores do código penal, os funcionários das cadeias, os familiares, o PCC, os universitários com suas pesquisas financiadas pelo Estado e com empregos garantidos esbanjando proselitismo pelas mídias. Resultado atual: superlotação das prisões, falta de vagas, excesso de encarceramentos, demasiadas penas alternativas e mais monitoramentos em nome da segurança! E por fim, o melhor do pacote: as empresas privadas construirão e realizarão gestão compartilhada da prisão  como nos Estados Unidos. Deixemos de ser tão escrotos: não há programa de reforma da prisão que não seja para criar mais prisões, mais lucros e mais empregos aos parasitas. E os pobres, a população preferida e escolhida como a potencial criminosa, declaram amar a favela (ou melhor, a comunidade e a segurança!). 

flecheira.libertária.248 - nu-sol


comissão da verdade: agora vai? 
Menos do que punir ou rever a lei da anistia, a  Comissão da Verdade deverá situar os efeitos desastrosos que o capitalismo provoca em cada um quando lança mão de regimes ditatoriais para progredir em seu desenvolvimento. Não está em questão um julgamento, mas somente a exposição dos efeitos sobre os envolvidos (torturadores e torturados). Pode ser que daí em diante ninguém mais se assuste com a corajosa atitude dos jovens que produzem escrachos e tampouco com a constatação que se tortura diariamente em delegacias; que polícia e tortura formam um casamento indissolúvel; que toda pessoa livre tem o dever de impedir que qualquer autoridade meta mão no corpo de qualquer um; que nada se esgotará nos resultados da  Comissão da Verdade e que muitas outras verdades libertárias devem ser pronunciadas, sem o consentimento do Estado.
e para onde vai? 
Trata-se da coragem em pronunciar verdades e não de produzir mais um negócio político. Se toda criança e jovem deve saber o que se fez com os corajosos resistentes às ditaduras, é tempo também deles saberem que não há democracia sem dispositivos de exceção (dentre eles o voto obrigatório). Precisamos limpar o terreno deste “imbróglio” chamado segurança em nome da liberdade neoliberal e da obsessão dos cidadãos medianos pela punição como garantia de sobrevida. Até quando os tolerantes governantes e seu respectivo rebanho sustentarão a  necessidade da prisão para jovens? Dizem que entramos na era da cultura de paz, mas ainda tratam a paz como gestão do negócio político fundado na cultura do castigo. Nisso não há paradoxo, somente  capturas de revoltas, gerando novas institucionalizações do medo.  
verdades 
Lançado na mesma semana em que foram nomeados os integrantes da Comissão da Verdade, um livro sobre a história recente do Brasil – contendo algumas páginas com depoimentos de homens abomináveis que dedicaram suas sobrevivências às práticas de tortura e assassinato, em nome da segurança e do Estado – trouxe à tona alguns dos destinos reservados aos corpos de homens e mulheres resistentes à ditadura civil-militar. Os depoimentos revelam a existência desde propriedades rurais de torturadores, que serviram como cemitério dos chamados “desaparecidos”, até uma usina de cana-de-açúcar localizada ao norte do estado do Rio de Janeiro, onde foram incinerados mais de uma dezena de cadáveres. Aos poucos, são expostas as violências inomináveis perpetradas pelo Estado. Aos poucos caem as máscaras dos timoratos que defendiam em editoriais a argumentação de uma suposta brandura da ditadura civil-militar no Brasil. Aos poucos, para além das negociações políticas, irrompem verdades que escancaram a covardia e a violência do governo.
para mães e filhos 
Nos anos 1970 e início dos 1980, o governo argentino roubou as crianças filhas de militantes que resistiam à ditadura. Em entrevista concedida essa  semana, o ditador Jorge Videla justificou tal roubo como uma “solução humanitária”. No Brasil, muitas mulheres foram sistematicamente violentadas ainda grávidas por homens abjetos como Coronel Ustra, Delegado Calandra, entre outros canalhas. Algumas, torturadas diante de seus próprios filhos. Todavia, se na Argentina as ações de escraches organizadas pelos filhos dos “desaparecidos” expuseram homens desprezíveis como Jorge Magnaco, responsável pelos partos no interior da Escola de Mecanica da Armada, e que perdeu o emprego e a casa em que morava depois de terem sido revelados os serviços que prestara a ditadura, no Brasil, a maior parte da população desconhece quem torturou em nome da segurança e do Estado. É preciso, assim como ocorreu pelas ruas de Buenos Aires, expor por aqui o endereço e em que estão empregados hoje estes homens covardes que dedicaram suas vidas a derramar o sangue de mães, filhos, irmãos e amigos destemidos.
dia das mães, dia dos pais
No último domingo – dia dedicado à celebração das mães em todo o Brasil – mulheres desceram a rua Augusta em direção ao Largo do Arouche levantando a bandeira com o arco-íris e bradando com megafones contra as violências sofridas por seus filhos gays. Diante do ato, organizado por mães e a LGBT, cabe conclamar um novo protesto para adiante. A data propícia? O dia dos pais! Por que não convidá-los a deixar de lado a barriga, a cerveja morna, os programas de auditório? Por que não convidá-los a também descerem rumo ao Arouche entre purpurinas, plumas, beijos, amassos e faixas com reclames? Por que não incluí-los nessa dança em família? Talvez com essa festa no dia dos pais, certos gays decidam abdicar de uma vez por todas ao casamento, à união legal e ao direito do macho hetero.