quarta-feira, 19 de outubro de 2011

hypomnemata 137


 Boletim eletrônico mensal
 do Nu-Sol - Núcleo de Sociabilidade Libertária 
do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP
no. 137, setembro de 2011

Proibições moduladas
Em setembro, o Escritório da ONU para Drogas e Crime (UNODC) publicou um relatório sobre as drogas sintéticas conhecidas como ATS – estimulantes do tipoanfetamínico, na sigla em inglês – como o ecstasy. O documento apresenta dados que mostram que essas drogas já são as mais consumidas no mundo depois da maconha.
As ATS são similares em composição química e efeitos psicoativos às anfetaminas, usadas na indústria farmacológica, mas com uma diferença: são ilegais. As anfetaminas foram desenvolvidas em indústrias farmacêuticas europeias, no final do século XIX, e, durante a II Guerra Mundial, foram fornecidas a soldados, dos dois lados em luta, para combater o cansaço. Em seguida, foram utilizadas para o que hoje chamam de depressões e como moderadores de apetite amplamente vendidos em todo mundo.
Mesmo antes da II Guerra Mundial, já na década de 1920, ao ser ressintetizada, a anfetamenina foi usada, inicialmente, como descongestionante dos pulmões, e na década seguinte passou a ser empregada para extrair energia física dos trabalhadores nas fábricas. Na década de 1960, mais especificamente em 1965, passaria a ter seu uso regulado por prescrições médicas a partir de regulamentação da FDA (United States Food and Drug Adminstration) e, em 1971, ingressaria no rol de classificação de outras substâncias psicoativas como cocaína, ópio e morfina pelo Controlled Substances Act (EUA).
Hoje, o consumo das anfetaminas, quando relacionado a otimizadores de performances, são bem-vindos, não só em baladas ajustadas ou para acelerar produtividades de inteligências governadas, conjugando uma era de estímulo às eficientes empregabilidades, com a pacificação de bebês, crianças e jovens pela medicação, sob os pretensos diagnósticos de transtornos de déficit de atenção e hiperatividade, compondo a educação preventivo-terapêutica para ajustes de conduta.
Apesar da produção e consumo massivos de anfetaminas, o relatório da UNODC dirige-se ao perigo colocado pelas suas correlatas ilícitas. Esse danger volta-se, tanto à saúde dos consumidores, quanto à segurança pública e internacional, pois novos narcotraficantes teriam assumido o negócio.
Para a agência da ONU, a guerra às drogas deveria, então, passar por uma adaptação, abandonando a ênfase à ofensiva contra camponeses, plantations de coca e papoula, laboratórios em selvas e traficantes com avionetas, para visar o negócio das “drogas sintéticas”, com seus novos traficantes: jovens urbanos, de classe média, vendendo em festas, boates e raves.
A publicação corrobora os relatórios anuais divulgados pela própria UNODC que têm afirmado, principalmente, a partir do final dos anos 1990, que o uso de drogas ilícitas como a cocaína e a heroína tem diminuído, enquanto cresce o consumo de drogas sintéticas. Desse modo, para a ONU, o proibicionismo deve se readaptar, perseguindo novos usuários e traficantes. É como se recomendasse a necessidade de apavorar a moçada classe média pela precaução e dissuasão; é como se já controlasse o mundo do crime a um estágio de déficit aceitável como recomenda a racionalidade neoliberal; enfim, é forçar ao desconhecimento a existência de miseráveis incluídos, também nestes mercados.
Enquanto isso, a droga mais consumida, a maconha, caminha no sentido da aceitação como bandeira de intelectuais, personalidades públicas e jovens classe média e burguesia. São muitas e variadas as personalidades que têm se manifestado, mundo a fora, em favor de sua legalização. O argumento de que é uma droga “leve” e com várias aplicações médicas ganhou espaço e anuncia a elaboração de leis mais brandas.
Abrandamento que significa pouco para o proibicionismo, que já elege novos alvos. Assim, seria possível notar a emergência de uma redimensionada repressão, não mais centrada na cocaína e na heroína, as drogas negociadas pelo narcotráfico dos anos 1970 e 1980, contra as quais a guerra às drogas foi declarada.
Apesar desse quase atestado de obsolescência da cocaína e heroína pela própria ONU, o combate aos produtores e traficantes dessas substâncias continua justificando investidas diplomático-militares – o Plano Colômbia ou a Iniciativa Mérida, no México – e programas de segurança pública e pacificações militares, como asUPPs, no Brasil.
A lucratividade econômica (para a indústria bélica e de segurança, por exemplo) e o potencial para o aprisionamento (de pobres, favelados, chicanos, etc.) possibilitado pelo combate ao narcotráfico da cocaína, antes de dificultar uma alteração abrupta na guerra às drogas, redesenham suas novas configurações para as intervenções, agora sob a rubrica de missões de paz.
No entanto, as informações da UNODC – críveis ou não – anunciam um redimensionamento do proibicionismo que pode conviver com abrandamentos punitivos – como as penas alternativas para usuários – sem deixar de atualizar e ampliar punições e controles.
Maconha legalizada e ecstasy ainda mais perseguido: essa pode ser uma modulação contemporânea do proibicionismo.
Entretanto, a perseguição às drogas sintéticas é sempre temporária, para dar uma ‘moralizada’ nas classes média e alta. Pelo viés dos controles ‘mais brandos’ em voga – com penas alternativas, tratamentos, etc. –, a perseguição do tráfico das drogas sintéticas traduz-se em acoplamento e conexões com as penalizações a céu aberto, sem descartar a perseguição ao ‘velho’ e lucrativo tráfico, fundamental para o sistema financeiro e para as indústrias bélicas, farmacêuticas e de controle do crime.
O problema do tráfico de drogas não se resolve com leis, programas e conexões punitivas. Ele existe para ser governado. O uso de drogas, ao contrário, não se equaciona com a sociedade mais justa ou igualitária, simplesmente porque não é um problema, mas um inevitável estado do humano colocado pela presença constante do ingovernável, e dos animais, por transitarem livremente pelas paisagens, antes de serem domesticados.

Janelas abertas

Vivemos uma época do instantâneo, do rápido, da comunicação eletrônica e das respostas ligeiras sem muito tempo para maturação e reflexão.
A universidade não está imune a esse traço de uma época de windows. No entanto, ela segue sendo um espaço para pesquisa, discussão e problematização das questões relativas à existência de cada um e dos problemas que rodam ou afligem a chamada sociedade. E estes se renovam a cada instante, surpreendendo até mesmo com a proposta de supressão de condutas criminalizáveis.
A PUC-SP é uma grande universidade exatamente porque nunca deixou de enfrentar os tempos e os espaços em que vivemos. Quando esses tempos eram de repressão, cassação e perseguição, seus professores, estudantes, funcionários e reitoria, souberam dar repostas inventivas e firmes que favoreceram a liberdade, não apenas da chamada comunidade puquiana, inovando seu espaço e também o brasileiro.
Hoje, quando a cidade se desdobra em marchas de toda ordem a PUC-SP não pode fechar suas portas e janelas. É preciso estar firme e corajosa para enfrentar, não mais os sinistros tempos de repressão, mas essa macabra época que diz ser tudo possível sob o signo da proibição e das penas.
Se a universidade moderna é o castelo da crítica, o lugar onde pensar livremente é a condição para o avanço de homens e mulheres, ela deve também ter a liberdade para que toda sorte de temas e problemas sejam discutidos em seu interior, sem que autoridades externas selecionem o que podemos ou não debater. A PUC-SP, sempre gostou mais dos questionadores, dos críticos, dos problematizadores e, por isso, sempre foi um espaço aberto aos inventivos, aos contestadores, aos rebeldes.
Quando a polícia invadiu a PUC-SP, sob a reitoria de Nadir Kfoury, o fez com base na Lei Falcão que proibia reunião de estudantes. Ela foi rechaçada pela comunidade. Se a festa anunciada era para saudar coisa ainda proibida é conveniente lembrar que, hoje em dia, muitas personalidades públicas de expressão se manifestam favoráveis à sua descriminalização. Não há lei que não deva ser modificada ou suprimida, assim como a escrota Lei Falcão. Não há lei que antecipe a história!
Hoje, a PUC-SP fecha as portas, receosa de um debate sobre a legalização da maconha, incomodada com as festas de seus estudantes e seus parceiros. As universidades estatais há muito tempo estão tristemente tomadas pelos policiais fardados em seus campus, tentando estrangular incômodos que permanecem.
O que move a PUC-SP é gosto pela liberdade!
A contenção, a proibição e o medo da liberdade nunca produziram nada interessante para ninguém!

Nenhum comentário:

Postar um comentário