aí vai um texto longo, mas fundamental, sobre a formação de trabalhadores para o SUS!
(para quem quer ler todo o texto, basta clicar em "mais informações")
por Ricardo Burg Ceccim (Departamento de Gestão da Educação na Saúde/SGTES/MS) & Luiz Fernando Silva Bilibio (Departamento de Gestão da Educação na Saúde/SGTES/MS9)
Introdução
Pode-se afirmar que há um consenso (tácito) entre os observadores da reforma sanitária brasileira de que a formação dos recursos humanos para o setor é um dos mais graves problemas do Sistema Único de Saúde (SUS). O despreparo dos profissionais recémformados para atuarem na complexidade inerente ao sistema de saúde, compreender a sua gestão e compreender a ação de controle social da sociedade sobre o setor é uma constatação freqüente.
A essa constatação se alia outra: a de que a formação em saúde reproduz uma visão mais centrada nas técnicas biomédicas que nos valores da saúde coletiva. As aprendizagens relativas ao mais elevado acolhimento dos usuários nos serviços do SUS terminam substituídas pela reprodução de uma imagem dos serviços de saúde com tratamento impessoal e uma visão autoritária da educação em saúde (higienista).
Embora não seja privilégio do setor da saúde, o profissional recém-formado na maioria das vezes não conta com suficiente experiência em serviço, não estando suficientemente preparado para exercer consistentemente sua função. No caso da saúde, os programas de residência e aperfeiçoamento especializado há muitos anos vêm ocupando o lugar privilegiado para a habilitação dos profissionais no desempenho técnico nos vários núcleos de conhecimento da prática clínica.
Entretanto, uma outra especificidade, talvez a mais grave, é o fato de o estudo sobre o SUS e a saúde coletiva ocuparem um lugar de pouco prestígio na organização curricular que compõe os cursos de graduação da área da saúde. A concepção hospitalocêntrica, médico-centrada e procedimento-centrada (medicalizadora) da saúde ocupa um espaço hierarquicamente superior na cultura acadêmica ou na imagem do trabalho em saúde.
Nos currículos tradicionais, quando não há total ausência de conteúdos sobre o Sistema Único de Saúde, o que é menos freqüente nos cursos clássicos, como Medicina, Enfermagem e Odontologia, mas comum nos cursos como a Psicologia, o Serviço Social, a Biologia, a Educação Física e a Medicina Veterinária, esse conhecimento termina apresentado como um dado isolado e não uma produção. A ênfase nos procedimentos supera amplamente o pensar saúde, constatando-se que os gestores e os formadores em saúde não têm gerado suficiente contato dos acadêmicos das áreas com o SUS e nem assegurado a eles o conhecimento em
saúde coletiva e a necessária familiaridade para que se componha como núcleo de práticas de cada profissão. Trata-se de um paradoxo, no qual a realidade de saúde e os recursos fundamentais de atuação no SUS permanecem desconhecidos dos estudantes.
Depois de formados, entretanto, é nesse Sistema que os profissionais estarão majoritariamente desempenhando suas funções, bem como exercerão seu papel de lideranças técnico-científicas e gestoras do setor da saúde. O exercício do ofício intelectual das profissões da saúde não pode prescindir, então, do farto relacionamento de aprendizagem com o SUS e da adequada aproximação com os saberes da saúde coletiva. A própria população, em suas instâncias, de participação e controle social tem reiterado que não encontra com regularidade profissionais capazes de realizar sua prática individual com a qualidade do cuidado assistencial que almeja, nem profissionais capazes de refletir em seu discurso a desejada organização do sistema e dos serviços de saúde.
A insuficiência do estudo sobre o SUS no percurso da graduação tem sido uma preocupação freqüente de gestores, formadores e usuários do setor da saúde. Os próprios estudantes da saúde, por meio de suas instâncias organizadas, têm demonstrado sua preocupação em relação a esse tema. No entanto, na formação de recursos humanos para o SUS, o estudante, personagem central dos processos formativos ocupa uma posição periférica de produção política desses processos. A força do coletivo estudantil, entretanto, já foi comprovada historicamente em diferentes conquistas sociais nas quais este movimento se fez presente. A interferência estudantil organizada, não apenas é capaz de mobilizar poderes e interpor conceitos à sociedade como marca um modo peculiar de existir no mundo que exige transformações sociais. Se o imaginário de profissão de saúde representa o profissional como um especialista, inserido em um hospital, atuando em consultório particular, trabalhando por algumas horas em um serviço público ambulatorial que assegure salário e exercício de algum trabalho social, enquanto se atualiza para o acesso às melhores tecnologias e atração das melhores clientelas para exercício do saber clínico ou para auferir renda, parece necessário desenvolver a potência de outras configurações possíveis, não necessariamente a substituição de imagem, mas o estabelecimento de outros circuitos de conexões que façam emergir novas figuras à realidade.
Pensando dessa maneira, a geração de cenários de encontro e problematização podem contribuir para a produção de subjetividade e de uma nova suavidade no desmanchamento dos perfis identitários, que coloquem em ato a multiprofissionalidade, o Sistema Único de Saúde, as concepções de saúde e a questão da formação de pessoal, entendendo a atenção integral à saúde como um projeto de gestão, de assistência, de promoção, de participação social e de educação dos profissionais da saúde.
Diante das graves questões presentes na formação de recursos humanos para o SUS, da pouca presença das instâncias estudantis organizadas nas discussões sobre esse tema, como também da desperdiçada força político-cultural desse ator social, a Escola de Saúde Pública do Estado do Rio Grande do Sul (ESP/RS) decidiu implantar uma política de articulação com o segmento estudantil da área de saúde na busca de novos desafios à produção social do setor, mais especificamente, em relação à formação de recursos humanos capacitados para o projeto da reforma sanitária brasileira.
Nessa direção, a ESP/RS, órgão da Secretaria de Estado da Saúde (SES/RS), a partir da aproximação com os próprios estudantes, criou em 2002 a Assessoria de Relações com o Movimento Estudantil e Associações Científico-Profissionais da Saúde. Essa Assessoria teve a incumbência de dialogar de maneira organizada com os estudantes da área da saúde, a fim de desenvolver projetos destinados à educação dos profissionais, principalmente do ponto de vista da produção de uma imagem multiprofissional do trabalho em saúde, de valorização da saúde coletiva e de prestígio do SUS. Dessa articulação, surgiram três projetos realizados já no ano da 2002: o projeto Escola de Verão, o projeto VER-SUS/RS – VivênciaEstágio na Realidade do Sistema Único de Saúde do Rio Grande do Sul e o 1º Congresso Gaúcho de Estudantes Universitários da Saúde. Essas três atividades representaram um avanço importante no resgate do protagonismo dos estudantes da saúde para o destino de sua própria formação, além de legitimar sua presença nos espaços de debate sobre outras importantes questões do contexto da saúde coletiva no estado gaúcho.
O Projeto Escola de Verão Um dos desencontros entre o estar formado e o estar capacitado acontece na gestão do sistema de saúde. É reconhecido que pelo menos em algum momento da carreira o profissional da saúde estará exercendo uma função gestora. A dimensão da gestão do sistema de saúde é central para o próprio funcionamento do Sistema. Trata-se da função na qual as questões sobre fontes de financiamento; configuração do controle social; princípios reguladores; diferenças de atuação e responsabilidades entre as administrações federal, estadual e municipal; fluxos e dinâmicas de trabalho; produção de conhecimento para a formulação de políticas; organização e condução de políticas públicas, enfim, toda a conjuntura que caracteriza a gestão do Sistema não é significada pelos estudantes no percurso da formação acadêmica da saúde, pois não se trata de uma vivência que tenha efetiva chance de experimentar.
Nos resultados dos debates entre os gestores das três esferas da federação que configuraram o Projeto Agenda (1), dois itens foram diretamente apontados sobre este problema: de um lado, a incoerência entre o processo de formação acadêmica e as necessidades dos serviços e ações desenvolvidas no SUS e, de outro lado, os gestores com dificuldades no exercício do cargo, devido ao desconhecimento da administração do SUS (Castro, 2000, p. 23-24).
O problema da discrepância entre formação em saúde e gestão do setor da saúde, muitas vezes, termina confundido com a integração ensino-serviço, com a oportunidade de trabalho em atenção básica à saúde ou em vigilância à saúde. Os estudantes universitários organizados no Movimento Estudantil vêm atuando em diferentes frentes de trabalho para potencializar a presença dos estudantes na busca de uma formação profissional mais compromissada com as reais demandas da população, pela defesa do SUS e outras importantes reivindicações sociais, mas segue hegemônica entre os estudantes a orientação pela prática clínica assistencial, pelas práticas de prevenção e pela atenção primária/saúde comunitária.
No final do ano de 2001, a Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina (Denem) procurou a ESP/RS, solicitando o apoio para a realização de seu V Estágio Nacional e I Estágio Regional de Vivência no Sistema Único de Saúde (V ENV e I ERV – SUS). A ESP/RS apoiou a proposta da Denem, criando o Projeto Escola de Verão. Essa iniciativa visou abrir campo de vivência na gestão de sistemas e serviços de saúde no Estado do Rio Grande do Sul.
Em janeiro de 2002, aconteceu a Escola de Verão, que teve a duração de 15 dias. Como estratégia de execução, foram abertas vagas de estágio com bolsas de apoio ao estudante, em colaboração com Associação Médica do Rio Grande do Sul (Amrigs). Desse modo, foi oportunizado o contato e a convivência com a gestão do Sistema Único de Saúde nas macrorregiões de saúde do Rio Grande do Sul. Para tanto, mobilizou-se esforços da estrutura de gestão da SES/RS e de formação de recursos humanos da ESP/RS, a fim de promover o acolhimento dos estudantes estagiários e desenvolver a programação do estágio.
Nessa primeira iniciativa, somente os estudantes de Medicina foram reunidos e, assim, a Escola de Verão correspondeu ao V Estágio Nacional de Vivência no SUS e I Estágio Regional de Vivência no SUS da Denem. Abrangeu 6 das 7 macrorregiões de saúde do SUS/RS, envolvendo 6 das 19 Coordenadorias Regionais de Saúde (CRS) da SES/RS. A mobilização inicial de conhecer a rede assistencial e tecnologias do cuidado na atenção básica à saúde foi redesenhada para o conhecimento da gestão do SUS – o sentido inovador da gestão descentralizada – da atenção integralizada à saúde e da participação da população na gestão de saúde.
A atividade focou a gestão do Sistema Estadual de Saúde, com suas estruturas central e regional, mais o órgão de formação de recursos humanos para a saúde e aconteceu, com visitas monitoradas pelos Núcleos Regionais de Educação em Saúde Coletiva (NURESC) das CRS envolvidas, tanto às Secretarias Municipais de Saúde (SMS) como às universidades com curso de Medicina ou universidade de interesse regional nas regiões sem oferta de formação médica, além dos locais que integram a rede do SUS no Rio Grande do Sul (serviços) e Conselhos de Saúde (estadual, regionais, municipais, distritais, locais ou de serviços). Toda a
programação ocorreu sob a coordenação docente da ESP/RS.
Foram parte integrante das atividades de acolhimento e capacitação aulas dialogadas, oficinas de integração e exposições de trabalhos vinculados à área da saúde coletiva, tanto de trabalhadores e estudantes quanto de instituições de ensino superior, serviços de saúde, Coordenadorias Regionais de Saúde, Secretarias Municipais de Saúde e demais instituições vinculadas ao SUS. A Escola de Verão obteve a participação de 56 estudantes de Medicina, oriundos de diversas Instituições de Ensino Superior (IES) de todo o território nacional.
O projeto Escola de Verão sofreu uma avaliação tão positiva que coube à ESP/RS, dentro da sua missão de qualificar a formação de recursos humanos para o SUS, ampliar a proposta e o alcance desse projeto.
O Projeto VER-SUS/RS
O projeto VER-SUS/RS – Vivência-Estágio na Realidade do Sistema Único de Saúde do Rio Grande do Sul foi uma proposta da ESP/RS que se caracterizou pela ampliação do seu projeto antecessor, o projeto Escola de Verão. A partir do VER-SUS/RS, a ESP/RS, em parceria com os estudantes universitários da saúde organizados no Núcleo Estudantil de Trabalhos em Saúde Coletiva (Netesc) (2), pretendeu difundir a oferta sistemática dessa Vivência-Estágio aos estudantes dos diferentes cursos de graduação do setor da saúde. A idéia foi utilizar os tradicionais períodos de férias letivas universitárias para a realização sistemática da Vivência-Estágio.
Além do foco de atividade na gestão do SUS, fortalecido pelo aprofundamento do conhecimento sobre o controle social em saúde e sobre a intersetorialidade, como estabelecido no planejamento do projeto anterior, outra instância que se tornou objeto do VER-SUS/RS foi a implantação do Programa Saúde Família (PSF) no estado. Esse programa acontece em vários municípios do estado, assim, aspectos específicos do programa em cada município onde está acontecendo a implantação foram observados, mas principalmente no que se refere à gestão, uma vez que a resolutividade do sistema e a produção do ordenamento das ações e serviços deveriam se tornar visíveis aos estudantes.
Essa política de desenvolvimento da formação de recursos humanos para o sistema de saúde na ESP/RS implicou inserção de outros atores sociais do setor na composição do coletivo responsável pelo projeto. Além da Amrigs, parceira na ação com os estudantes de Medicina, outras duas associações científico-profissionais foram convidadas a apoiar o VER-SUS/RS e atenderam à solicitação: a Associação Brasileira de Odontologia – Seção Rio Grande do Sul (ABO/RS) – e a Associação Brasileira de Enfermagem – Seção Rio Grande do Sul (ABEn/RS).
Outra ampliação que aconteceu nesse projeto em relação ao anterior foi a característica do coletivo estudantil configurado no processo de construção do VER-SUS/RS. Considerando o leque de profissões da saúde, foi incorporada a participação multiprofissional dos estudantes para a elaboração, execução e a própria participação na vivência-estágio. Com o auxílio dos próprios estudantes de Medicina, foi desenvolvida uma rede de contatos com os Diretórios e Centros Acadêmicos dos outros cursos da área da saúde, a fim de constituirmos a multiprofissionalidade do VER-SUS/RS.
Para fins institucionais e como ponto de partida para a construção dessa diversidade, foi utilizada como parâmetro de configuração do grupo de profissões da saúde a Resolução nº 287/98, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que define 14 profissões como carreiras de saúde. Essa definição tem-nos permitido ordenar a política de formação e desenvolvimento de recursos humanos do setor, especialmente os processos de educação permanente, educação continuada e cooperação técnica interinstitucional.
Dentre as 14 profissões estão a Biologia, Biomedicina, Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina, Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia, Psicologia, Terapia Ocupacional e Serviço Social. Como o Rio Grande do Sul é o único estado da federação que possui um curso de graduação em saúde coletiva – curso da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs), sediado inicialmente na Escola de Saúde Pública/RS, o curso de bacharelado em Administração de Sistemas e Serviços de Saúde – foi acrescida esta carreira.
As instituições formadoras também foram chamadas para participar dessa construção. Sua participação foi solicitada, principalmente, quanto ao desencadeamento do processo de seleção dos estudantes interessados em participar do projeto. A idéia, que tinha também como objetivo estabelecer a aproximação entre docentes e discentes em torno do assunto SUS, era que a comissão de seleção de cada instituição de ensino superior fosse de natureza mista entre as carreiras e entre docentes e discentes.
Outro aspecto da participação na construção do VER-SUS/RS diz respeito à própria organização do Sistema. O sistema de saúde do estado do Rio Grande do Sul está regionalizado em 7 macrorregiões sanitárias e em 19 CRS. Essa distribuição organizativa cobre todo o território estadual. Em cada uma das Coordenadorias Regionais, funciona um Núcleo Regional de Educação em Saúde Coletiva (NURESC). Esses Núcleos também foram solicitados a participar da construção coletiva do VER-SUS/RS e também responderam positivamente a esse chamado, possibilitando que o alcance da proposta atingisse todas as 19 regiões de administração do setor da saúde. Tamanha participação garantiu à vivência-estágio a possibilidade de uma experiência em boa parte do sistema de saúde do estado, com suas múltiplas diversidades.
O trabalho coletivo de tantos parceiros significou uma potencialização em relação ao projeto antecessor. O grupo de trabalho responsável pela execução do VER-SUS/RS foi composto pela Assessoria de Relações com o Movimento Estudantil da ESP/RS, o Netesc (3), os Nuresc das 19 CRS/SES/RS, a Amrigs, a ABO/RS, a ABEn/RS e docentes das IES/RS.
Ao comparar a Escola de Verão com o VER-SUS/RS, aconteceram avanços:
1. do apoio de uma única associação científico-profissional para o apoio de 3 associações científico-profissionais;
2. de 6 regiões sanitárias para todas as 19 regiões sanitárias da Secretaria da Saúde(SES/RS);
3. de 18 sistemas municipais de saúde visitados para um total de 66 organizações de saúde;
4. de estudantes somente de Medicina para o grupo multiprofissional de 15 carreiras da saúde;
5. de um grupo de 56 estudantes para um coletivo 112 participantes.
A primeira edição do VER-SUS/RS aconteceu de 1º a 9 de julho de 2002 e teve como objetivos os seguintes pontos:
1) promover o encontro entre estudantes das várias carreiras de graduação em saúde de todo o estado(4) e proporcionar estágio de vivência na gestão do Sistema Único de Saúde;
2) possibilitar o intercâmbio sobre a gestão do SUS entre os estudantes da saúde de todo o estado; docentes de saúde coletiva do Rio Grande do Sul; trabalhadores da área da saúde no Sistema; gestores regionais, municipais e de serviços de saúde; usuários nos serviços de saúde e conselheiros de saúde;
3) constituir fóruns regionais de discussão e aproximação entre Instituições de Ensino Superior, serviços de saúde, órgãos de gestão do SUS e de controle social na área da saúde;
4) propiciar para estudantes de graduação em saúde o debate das políticas públicas de saúde no SUS e estágio de vivência nas instâncias de um Sistema Estadual de Saúde (âmbitos estadual, regional, municipal, distrital e local).
No quadro 1, demonstramos a distribuição da vivência-estágio pelas 7 macrorregiões de saúde, o envolvimento das 19 CRS (por meio de seus Nuresc), dos municípios (sedes de CRS) e das IES no VER-SUS/RS.
Todos os atores envolvidos no projeto desenvolveram uma avaliação positiva em relação à vivência-estágio. Um relatório foi exigido de cada universitário participante. A proposta do relatório objetivou atingir dois resultados: o primeiro foi fornecer uma avaliação sobre a organização do VER-SUS/RS e, deste modo, a comissão organizadora poderia contar com um instrumento composto com sugestões e críticas a serem consideradas para a próxima edição do VER-SUS/RS; o segundo resultado foi instigar os participantes, por meio da produção escrita, à reflexão crítica sobre a gestão da saúde na região visitada no período do estágio.
Na sessão de avaliação final da vivência-estágio, os estudantes pronunciaram expressões como: agora eu sei o que é uma Coordenadoria e um Conselho de Saúde; quero voltar para minha cidade e participar da construção do SUS como cidadão; o SUS pode ser legal sim; me vejo trabalhando no SUS; foi muito bom conviver com gente de outros cursos e discutir sobre nossas futuras profissões; vou falar para todo mundo o que aconteceu aqui: meus colegas precisam vir na próxima; a gente precisa falar mais de SUS nas nossas faculdades: é muito pouco; eu não sabia nada de SUS: agora sei alguma coisa e quero saber mais; deu para a gente ver de frente o tipo de profissional que a gente quer ser; não podemos estar de fora do que acontece no controle social da saúde; parece incrível, mas a população fala melhor do que seria o SUS de qualidade do que gestores e profissionais.
Essas poucas frases foram colhidas do conjunto dos 112 relatos por representarem a maioria das opiniões explicitadas. Cada um desses enunciados pode motivar diferentes interpretações. Dentre elas, o quanto mobilizou a subjetividade dos estudantes envolvidos no que diz respeito a sua antiga relação, ou falta dela, com o SUS. O imaginário, o desejo, o pensamento dos 112 integrantes foi tocado pela visão de algumas realidades da gestão da saúde no estado do Rio Grande do Sul e, assim, outras coisas também aconteceram.
Está em atividade no estado uma rede de discussão eletrônica (meio virtual) entre os estudantes que estagiaram no VER-SUS/RS e outros tantos que se agregaram a eles. Mais de uma dezena de seminários foram organizados por alguns estudantes que participaram da vivência-estágio ao regressarem às suas instituições de origem. Em todos esses seminários, a temática era o SUS, as concepções de saúde e a formação dos profissionais.
Está acontecendo a regionalização do Netesc, que começa também a existir em regiões do interior do estado. Esses estudantes já estão procurando os gestores municipais e regionais para organizar, nas suas regiões, atividades de aproximação entre os graduandos da saúde e o SUS. Algumas comunicações sobre a vivência-estágio já foram realizadas fora do estado gaúcho. Estudantes do estado do Pará, do estado de São Paulo e do estado de Sergipe já demonstraram interesse de que aconteça um VER-SUS também nesses estados.
No município de Santa Maria, o Centro Acadêmico dos estudantes de medicina da Universidade Federal de Santa Maria organizou, em articulação com o Nuresc da região, o I Estágio Local de Vivência no SUS (I ELV-SUS), supondo uma trajetória semelhante à do I Estágio Regional de Vivência no SUS em relação ao VER-SUS/RS. Trata-se de constituir um hábito e uma competência, nesse segmento estudantil para o SUS, para a perspectiva do controle social em saúde, para as dimensões da saúde coletiva como gestão de processos e de pessoas e para os princípios do SUS e, então, depois, distender esse espaço para a multiprofissionalidade.
O impacto do VER-SUS/RS na formação de recursos humanos para a saúde no Rio Grande do Sul ainda carece de uma maior investigação. O pioneirismo da experiência no cenário da formação e os acontecimentos citados apontam para um caminho cheio de desafios, mas bastante promissor. Congregar estudantes, formadores e gestores mostrou-se ser uma importante estratégia política para o desenvolvimento do setor. Foi nas discussões que surgiram no próprio VER-SUS/RS que aconteceu a idéia de criar um espaço de maior participação estudantil para debater conjuntamente com outros importantes atores sociais
envolvidos, a formação e o SUS.
Assim, coube à ESP/RS dar mais um passo na construção da política de articulação com o Movimento Estudantil para fortalecer o desenvolvimento dos recursos humanos para o SUS no estado.
O 1º Congresso Gaúcho de Estudantes Universitários da Saúde
Em setembro de 2002, aconteceu em Porto Alegre o 1º Congresso Gaúcho de Estudantes Universitários da Saúde. Este Congresso foi germinado nos espaços informais do VER-SUS/RS e organizado pela mesma Comissão Organizadora da Vivência-Estágio. Congregou 21 participantes, na sua maioria estudantes, mas também estiveram presentes professores universitários, profissionais, gestores e representantes dos usuários do Sistema de Saúde.
Contou com a participação de um significativo conjunto de acadêmicos das diferentes Instituições de Ensino Superior do Rio Grande do Sul e outros Estados e ensejou, a partir de uma abordagem multiprofissional, a formulação de proposições para o fortalecimento da formação e ação dos estudantes no contexto do Sistema Único de Saúde.
O Congresso, sob o lema estudantes*agindo*SUS, realizou-se de 6 a 8 de setembro, nas dependências da Associação Médica do Rio Grande do Sul (Amrigs), e foi promovido pela ESP/RS e pelo Netesc. O evento contou com o apoio da Associação Brasileira de Enfermagem (AbEn/RS), Associação Brasileira de Odontologia (ABO/RS) e Associação Médica do Rio Grande do Sul (Amrigs), que também acolheram plenamente esse desafio.
A tarefa era ambiciosa: integrar pioneiramente, em um estado, estudantes dos diferentes cursos da saúde em torno do debate da saúde coletiva, bem como inaugurar entre os estudantes da área um novo espaço de discussão e proposição sobre temas como: concepções de saúde, gestão do SUS, formação de recursos humanos para o SUS e outros temas de interesse da integração ensino-gestão-controle social em saúde.
A idealização do evento partiu da mesma constatação presente nos projetos anteriores: os gestores e os formadores em saúde não têm gerado suficiente contato e aprendizado dos acadêmicos das áreas com o SUS e nem assegurado a eles o conhecimento em saúde coletiva e a necessária familiaridade para que se componha com o núcleo de práticas de cada profissão. A idéia era criar um espaço de contraponto ao paradoxo, no qual os estudantes fossem prestigiados e privilegiados no acesso e na produção de conhecimento sobre a realidade de saúde e a atuação no SUS, além de um novo protagonismo na reflexão
sobre a educação dos profissionais de saúde.
A operacionalização deste fórum se deu por meio de uma Mesa de Abertura sobre Ensino, Gestão e Controle Social em Saúde, três painéis temáticos – “Concepções de saúde”, “Sistema Único de Saúde” e “Formação de Recursos Humanos para o SUS” – e grupos respectivos de reflexão, cujos debates predominantes versaram sobre a implementação de ações que possibilitassem maior aproximação e interação entre a Formação e o Sistema Único de Saúde, e o fortalecimento de ações conjuntas entre os estudantes da área da saúde para o aprofundamento do debate de sua formação e para a inserção articulada desse debate nos espaços de controle social.
Os temas foram escolhidos principalmente pelos estudantes que participaram da organização do Congresso. Diante da diversidade de concepções advindas da multiplicidade dos cursos envolvidos na área, o primeiro debate necessário era justamente sobre concepções de saúde. Os diferentes entendimentos sobre o que é saúde, ou, ainda, o que é pensado quando a saúde é desejada, pareceu ser, na visão dos estudantes, uma das primeiras dificuldades encontradas na construção de uma proposta integradora da área e, assim, o primeiro debate a ser estabelecido no Congresso.
A partir dessa discussão, a atividade abordou o próprio sistema de saúde. Esse painel temático teve mais um caráter informativo. Para grande parte dos estudantes, aquele era o primeiro espaço no qual se defrontavam com os assuntos que configuram o contexto do SUS. Várias informações foram trabalhadas sob os diferentes enfoques abordados. Foi presentificada a opinião de gestores, de usuários, de formadores, de trabalhadores da saúde e dos próprios estudantes.
Por fim, o tema formação de recursos humanos para o SUS. A escolha de que este tema ocupasse o último espaço do Congresso não foi aleatória. Os estudantes vivenciam, no seu dia-a-dia, a própria realidade da formação em saúde. São nos espaços e instituições formadoras que os estudantes estão aceitando, rejeitando, interagindo, buscando, esperando, fazendo, acreditando, combatendo, enfim, agindo e reagindo sobre o necessário percurso da profissionalização em saúde. Nesses espaços e instituições, talvez mais que em quaisquer outros espaços e tempos, é que os estudantes universitários da saúde podem, mediante sua mobilização, fazer a mudança, cumprindo o propósito de engendrar um profissional qualificado e humanizado para trabalhar com a saúde da população.
No dia 8 de setembro de 2002, após várias exposições, grupos de trabalho, painéis e conversas marcadas pela informalidade, aconteceu a plenária final do congresso. Nessa plenária, foram aprovadas as resoluções desenvolvidas no processo de discussão nos grupos de trabalho.
Pela primeira vez no país, um grupo multiprofissional e multiinstitucional de estudantes universitários da saúde, apoiado por uma gestão estadual, votava encaminhamentos destinados a diferentes instâncias institucionais da área da saúde: proposições impregnadas do vigoroso desejo estudantil de alcançar uma qualidade resolutiva e humana dos serviços e da atenção prestada no sistema de saúde brasileiro, desenvolver o SUS e estruturar Sistemas Gestores em Saúde. O texto das resoluções da plenária final(6) do 1º Congresso Gaúcho de Estudantes Universitários da Saúde está no Anexo 1.
Considerações Finais
O Sistema Único de Saúde, advindo das conquistas sociais engendradas no movimento sanitário, contou com a colaboração do Movimento Estudantil na elaboração dos ideais de universalidade, eqüidade, integralidade e participação no Sistema Único de Saúde, contudo, mesmo sendo autores da história do SUS e profissionais da saúde em formação, continuam sendo raras as políticas públicas de desenvolvimento de recursos humanos para o SUS que têm como objetivo o público de estudantes universitários da saúde.
No texto constitucional federal (artigo 200, inciso III), está determinado como uma das atribuições do SUS o ordenamento da formação de recursos humanos no setor da saúde. Mesmo com essa orientação da lei, ainda são escassos os projetos destinados aos estudantes das profissões da saúde.
Está muito presente na cultura formativa brasileira que formação é assunto de exclusiva responsabilidade das Instituições de Ensino Superior, ficando historicamente para as instâncias governamentais a responsabilidade pela capacitação continuada e pela educação permanente dos trabalhadores já formados e engajados no SUS. Não é difícil constatar, quando falamos de formação de recursos humanos para o SUS, que atividades voltadas para os estudantes durante a graduação, para familiarizá-los com o sistema da saúde, seriam profundamente produtivas para o setor.
Não esperar que os universitários se formem para, daí sim, serem apresentados ao SUS foi uma das políticas de desenvolvimento de recursos humanos da saúde implantadas pela ESP/RS no ano de 2002. Essa estratégia visou à qualificação dos trabalhadores da saúde a médio e longo prazos, bem como à promoção e valorização desse ator social, enquanto um dos protagonistas dos debates pertinentes aos desafios de implantação do Sistema, mais especificamente, sobre a própria formação de recursos humanos para o SUS e sobre a imagem representativa de profissionais da saúde. Esses dois aspectos dessa estratégia política acontecem no contrafluxo de valores presentes na intersecção educação-saúde.
O primeiro aspecto, é sobre uma política de recursos humanos voltada para médio e longo prazos.
Investir na mudança do ideal de profissão em saúde não se faz imediatamente. Em desacordo com grande parte dos projetos para a qualificação da força de trabalho, esta não trata de uma política de reprofissionalização (educar o pessoal já formado/realizar a formação em serviço de saúde). Cursos de aperfeiçoamento, especialização, atualização, enfim, todas as iniciativas que buscam atender às demandas da atenção e dos serviços do sistema são válidas e importantes, entretanto, o pensamento presente na política da ESP/RS de articulação com os estudantes também é legítimo e necessário.
A proposta de intervir no próprio processo de formação acadêmica parece ser extremamente promissora.
Trata-se do período em que garotos e garotas estão significativamente abertos a novos valores, sedentos por objetivos justos e buscando uma estética para a própria existência. Essas tendências aliadas ao conhecimento das diferentes realidades, necessidades, oportunidades, demandas, urgências, potencialidades, dificuldades, possibilidades, desafios, enfim, alegrias e tristezas do sistema de saúde brasileiro podem representar um verdadeiro fluxo de força na direção de uma significativa qualificação profissional das pessoas que trabalham no SUS.
O segundo aspecto não hegemônico da proposta política articulada pela ESP/RS diz respeito ao próprio processo de construção dos projetos. A construção coletiva configurada por diferentes atores do setor da saúde aponta para uma ação comprometida e forte em função da participação social. Entretanto, a força de um ator social em particular marca esta política de articulação: a parceria com os próprios estudantes da saúde. Trata-se de um processo delicado e desafiador este de gestores sentarem juntos com estudantes para,
unidos, compor propostas para a própria aprendizagem dos profissionais em formação. Engana-se quem idealiza as instâncias organizadas dos estudantes enquanto coletivo que possa ser conduzido pelas mãos habilidosas de gestores fazedores de cabeça, ou, quem sabe, por formadores acertados com o setor privado da saúde.
Os estudantes organizados representam uma força social forte. Trata-se de uma potente aliança de parceiros interessados em implantar políticas direcionadas ao fluxo dos desejos dos próprios estudantes. Não temos dúvida de que essa foi a única iniciativa que reuniu estudantes com caráter multiprofissional e realizou o encontro de estudantes de saúde com o gestor estadual do Sistema de Saúde e órgãos formadores.
Para os estudantes, foi surpreendente também porque a própria configuração atual do conhecimento em saúde não permite ver do que se trata a gestão nesse setor. A inteligência do setor da saúde é a da gestão, sendo a atenção de qualidade um de seus produtos privilegiados e a educação a própria produção dos efeitos desejáveis. Educação no SUS aprendemos agora, é ensino, pesquisa, extensão, documentação, cooperação técnica e ação social direta com os vários segmentos de desenvolvimento do SUS.
Os métodos dos estudantes organizados são extremamente ágeis e deslizantes. Sua informalidade possibilita arranjos, contatos, acordos, encaminhamentos, transmissões, proliferação de orçamentos, comunicados, recados, projetos, documentações, informações, convites, notícias, avisos, advertências, comprovantes, autorizações, enfim, uma agilidade e leveza que chegam a arrepiar a exigente e lerda burocracia pública de cada dia. Uma agilidade e leveza que não comprometem a idoneidade do processo que é compensada pela
transparência coletiva e a revisão, no coletivo, das situações em que algum procedimento foi avaliado como indevido. A garra dessa gente estudante que faz o que acredita denuncia a possibilidade de sucesso de uma política que conta com a parceria do Movimento Estudantil.
A resposta dada pela articulação com o Movimento Estudantil transborda o desenho das diversas políticas de integração docente-assistencial e de contato dos estudantes com a saúde comunitária. O desafio que bancamos foi o da geração de fatos micropolíticos. As intervenções políticas (macropolítica(7)) que se ocupam de conquistar hegemonia e legitimidade operam no campo legal e moral, pleiteando as mudanças formais de currículo, a introdução formal de novos cenários de práticas ou a modernização didática. Novas
diretrizes, novos locais ou novos métodos sem novas micropolíticas chegam às mesmasmacropolíticas. No campo da ética viva – que se faz o tempo todo durante as relações – as intervenções são micropolíticas. A micropolítica, expressão inventada por Félix Guattari, se ocupa da desindividualização, isto é, de encontrar os focos de unificação, os nós de totalização e os processos de subjetivação que devem ser desfeitos, a fim de seguirmos a formação do novo, o que está emergindo de forma inédita ou a atualidade (no sentido de Foucault), conforme esclarece Deleuze (1992). Para a micropolítica, interessa a vitória das forças que engendram e afirmam a vida, a dissolução das identidades e a reconfiguração das formas e figuras de ser-pensar-agir-perceber.
O que as três experiências relatadas atestaram é que é possível um trabalho com fluxos, vetores e conexões inéditas (micropolítica), relativas à gestão do SUS e ao pensamento em saúde e não apenas à assistência, mesmo com privilégio aos seus conteúdos de promoção, prevenção e educação.
Foi entabulada uma relação com estudantes que sequer se pensavam componentes de um mesmo setor de resposta à qualidade de vida. Reunimos 15 carreiras profissionais e discutimos em estágio ou em congresso a reorganização das relações de trabalho em saúde; discutimos abertamente os trânsitos administrativos e gerenciais, não para depor sobre sua ineficiência/ineficácia, mas sobre o potencial de avanços gerados pelo SUS, se levado cabalmente a efeito; buscamos o reconhecimento da epidemiologia, não como uma técnica ou método, mas como leitura, interpretação e ação política em saúde, capaz de cruzar coletividade e singularidade de maneiras inéditas na gestão descentralizada do setor e desencadeamos o debate precoce das atividades que não são específicas do campo da atenção, mas que, por pertenceram à gestão setorial, pertencem aos profissionais de saúde.
Na articulação com essa gente estudante, desafiamo-nos à introdução do tema da gestão no sistema de saúde, a atenção fazendo parte de um conceito maior, tal como a criação do SUS pela lei: a inovação da gestão descentralizada, da atenção integralizada e da participação popularizada, um SUS de verdade.
Foi na parceria com essa gente estudante que a ESP/RS desenvolveu os três projetos voltados para os estudantes universitários da saúde durante o ano de 2002. Foram eles: Escola de Verão, Vivência-Estágio na Realidade do Sistema Único de Saúde do Rio Grande do Sul – VER-SUS/RS – e o 1º Congresso Gaúcho de Estudantes Universitários da Saúde – estudantes*agindo*SUS. Todos esses projetos foram apoiados pelas representações científicas dos profissionais do setor. Também contamos com a colaboração dos representantes de IES/RS que compõem o Pólo de Educação em Saúde Coletiva, dos trabalhadores do SUS, bem como dos representantes dos usuários do próprio Sistema que atuam nos Conselhos de Saúde. Ao todo, as três atividades atingiram um público de aproximadamente 600 estudantes da saúde no estado.
Essa construção coletiva e solidária foi uma atitude da ESP/RS para democratizar a elaboração das próprias políticas voltadas para o desenvolvimento de recursos humanos da saúde. A efetiva participação das instâncias organizadas da sociedade, na elaboração dos projetos voltados para o desenvolvimento do sistema de saúde, significa uma grande possibilidade de avanço quanto à configuração do perfil desejado ao futuro profissional de saúde. A reunião de estudantes, docentes, profissionais, usuários e gestores para trabalhar a
formação de recursos humanos para o SUS ainda pode ser considerada um tipo de reunião inovadora para a construção do sistema de saúde desejado pela população, entretanto, necessária e legítima.
Notas
1 Trata-se do Projeto Políticas de Recursos Humanos de Saúde – Agenda de Prioridades para a Ação dos Gestores do SUS. Esse projeto atingiu os gestores de saúde dos estados da federação e ficou conhecido como Projeto Agenda.
2 O Netesc foi uma importante produção dos estudantes universitários da saúde do Rio Grande do Sul. Esse
Núcleo é composto por estudantes de diferentes cursos da saúde e de diferentes IES do estado. A partir dos
trabalhos realizados por esse coletivo estudantil, estão sendo implantados outros Núcleos, nos mesmos moldes, em outros estados da federação. No estado do Pará, recentemente foi inaugurado o Netesc/PA, a partir de troca de experiências com o Netesc/RS. O Netesc surgiu para responder à busca da ESP/RS de um diálogo com o segmento estudantil da saúde.
3 Naquele momento, o Netesc era composto por estudantes de Administração de Sistemas e Serviços de Saúde, Enfermagem, Farmácia, Fonoaudiologia, Medicina, Medicina Veterinária, Odontologia e Serviço Social de diferentes IES e regiões: Centro Universitário Instituto Porto Alegre (IPA), capital; Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA), capital; Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), capital; Universidade de Caxias do Sul (UCS), região da serra; Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), região metropolitana; Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs), capital; e, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), capital. Hoje o Netesc também está ampliado.
4 Alguns estudantes de outros estados, bem como de outros países, participaram do projeto, entretanto, a prioridade das vagas foi destinada aos estudantes do Rio Grande do Sul.
5 Centro Universitário Federação de Estabelecimentos de Ensino Superior do Vale dos Sinos em Novo Hamburgo (Feevale); Centro Universitário Franciscano (Unifra); Centro Universitário La Salle (Unilasalle); Centro Universitário Vale do Taquari de Ensino Superior (Univates); Faculdades Integradas Instituto Porto Alegre (IPA); Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA); Fundação Universidade Federal de Rio Grande (Furg); Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS); Universidade Católica da Pelotas (UCPel); Universidade de Caxias do Sul (UCS); Universidade de Cruz Alta (Unicruz); Universidade de Passo Fundo (UPF); Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc); Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos); Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs); Universidade Federal de Pelotas (UFPel); Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Universidade Luterana do Brasil (Ulbra); Universidade Regional da Campanha (Urcamp); Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí); Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI).
6 Neste sentido, talvez o relatório de proposições do 1º Congresso Gaúcho de Estudantes Universitários da Saúde fale por si só.
7 A macropolítica inaugura muitos movimentos micropolíticos, como é o caso do Programa de Incentivo à Mudança Curricular nos Cursos de Graduação em Medicina (Promed), desencadeados pelo governo federal, cuja capacidade de mobilizar e de envolver atores externos às faculdades de medicina está gerando processo de mudança nos espaços local (relações interdepartamentais, aproximação ciclo básico-ciclo clínico, etc.) e global (relações ensinoserviço, presença nos Conselhos de Saúde etc.), mas é preciso, como diz Guattari, colocar a micropolítica por toda parte (Guattari e Rolnik, 1986).
Referências
ALMEIDA, Evandro da Fonseca; PEDRO, Fábio Lopes; ARISTIMUNHA Jr., Jorge Luiz & PAUL, Luís Carlos. I Estágio Local de Vivências no SUS na Área de Abrangência da 4ª CRS. Projeto de Extensão/Universidade Federal de Santa Maria. Universidade Federal de Santa Maria. Centro de Ciências da Saúde. Curso de Medicina. Diretório Acadêmico de Medicina “Professor Dr. José Mariano da Rocha Filho”. I ELV-SUS/4ª CRS/UFSM. Santa Maria, ago. 2002.
CASTRO, Janete Lima de (Rel.) Projeto Agenda: políticas de recursos humanos de saúde. Agenda de prioridades para a ação dos gestores do SUS: relatório final. Natal: UFRN, 2000.
CECCIM, Ricardo Burg. Saúde e doença: reflexão para a educação da saúde. In: MEYER, Dagmar E. Estermann (Org.) Saúde e sexualidade na escola. Porto Alegre: Mediação, 1998, p. 37-50.
CECCIM, Ricardo Burg. Escola de Verão: projeto de estágio de vivência no SUS para estudantes de medicina. Porto Alegre: Escola de Saúde Pública/RS, 2001.
CECÍLIO, Luiz Carlos de Oliveira. Programa UNI: uma necessária ampliação de sua agenda. In: ALMEIDA, Márcio; FEUERWERKER, Laura & LLANOS C., Manuel. Educação dos profissionais de saúde na América Latina: teoria e prática de um movimento de mudança. São Paulo: Hucitec; Buenos Aires: Lugar Editorial; Londrina: UEL, 1999, p. 129-136.
DELEUZE, Gilles. Conversações: 1972 – 1990. Trad. de Peter Pál Pelbart. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992.
GUATTARI, Félix & ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1986.
Anexo 1
Deliberações e recomendações do 1º Congresso Gaúcho dos Estudantes Universitários da Saúde.
Os Estudantes Universitários da Área da Saúde no Estado do Rio Grande do Sul, reunidos em congresso, deliberaram e recomendam o que a seguir se agrupa em três eixos temáticos.
I - QUANTO ÀS CONCEPÇÕES DE SAÚDE
1. Os serviços e os órgãos formadores devem privilegiar a atuação em equipe de forma cooperativa, integrada e não competitiva, estimulando a troca de saberes entre profissionais, acadêmicos e usuários.
2. Os gestores, formadores e estudantes da área da saúde devem incentivar reflexões sobre conceitos de respeito e atenção ao usuário na perspectiva da humanização da atenção à saúde.
3. As Instituições de Ensino Superior devem proporcionar, desde o início dos cursos da área da saúde, disciplinas do campo da Educação em Saúde Coletiva, promovendo debates e reflexões que se voltem para práticas de conhecimento e ação em saúde da população.
4. Com o objetivo de qualificar os conceitos e práticas relativas à saúde e ampliar a sua correspondência às necessidades do setor, as Instituições de Ensino Superior, Centros e Diretórios Acadêmicos devem promover debates abertos, inclusive nos espaços populares, com a participação de docentes, profissionais, acadêmicos e usuários para a discussão de seus direitos e deveres na condução do Sistema Único de Saúde.
5. Em todos os espaços formativos, sejam eles escolares, universitários ou de educação e ação popular ou de participação social em saúde deve-se buscar a concepção integralizadora da saúde, onde todos os componentes da vida fazem parte indissociável da promoção da saúde.
II - QUANTO AO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS)
6. Os gestores do SUS devem estruturar mecanismos e estratégias de comunicação permanente referentes às informações em saúde entre os setores da Secretaria da Saúde, entre as demais Secretarias envolvidas com as políticas sociais e com a sociedade, assegurando a construção e avaliação de políticas e práticas de modo cooperativo.
7. O Conselho Estadual de Saúde e os Conselhos Municipais de Saúde devem aprimorar os mecanismos de divulgação à população das informações sobre as decisões tomadas.
8. Os Centros e Diretórios Acadêmicos, a Escola de Saúde Pública (ESP/RS) e demais órgãos formadores, bem como os gestores do SUS devem estimular o controle social em saúde, trabalhando pela compreensão e respeito à participação popular desde o ensino fundamental.
9. Os Centros e Diretórios Acadêmicos devem promover e criar condições para a participação dos estudantes nos espaços do controle social.
10. Os estudantes universitários da área da saúde devem inserir-se em práticas de educação popular – em espaços como salas de espera, entre outros onde estagiam e aprendem a assistência de saúde - promovendo a consciência e o exercício de direitos sociais e civis.
11. Os Centros e Diretórios Acadêmicos devem cobrar a participação da Direção das Instituições de Ensino Superior em projetos de educação multiprofissional permanente dos trabalhadores do SUS, oportunizando a participação vivencial dos estudantes em todas as etapas constitutivas da proposta, sua formulação, sua execução e sua avaliação.
12. Os Centros e Diretórios Acadêmicos devem cobrar a participação da Direção das Instituições de Ensino Superior no que diz respeito à formulação de pesquisa no interesse do município e regiões de saúde, bem como o apoio na avaliação e proposição de protocolos e ações assistenciais multiprofissionais, oportunizando a participação dos estudantes em todas as etapas constitutivas da proposta, sua formulação, sua execução e sua avaliação.
13. Os gestores do SUS devem favorecer a educação permanente dos trabalhadores de saúde, de forma a familiarizar os mesmos com as mudanças pertinentes ao Sistema, aperfeiçoar conhecimentos multiprofissionais e a refletir sobre seu compromisso social.
14. Os gestores do SUS devem pautar sua ação pelo fortalecimento dos processos descentralizados de planejamento, organização e avaliação dos sistemas e serviços de saúde, contemplando de forma privilegiada as necessidades de cada município e sua população, inclusive para compor as equipes mais apropriadas em cada caso.
15. O Núcleo Estudantil de Trabalhos em Saúde Coletiva (Netesc), os Centros e Diretórios Acadêmicos e demais representações estudantis devem organizar grupos multiprofissionais que formulem estratégias de participação na reformulação curricular dos cursos da área da saúde para que estejam asseguradas atividades sistemáticas de formação acadêmica multiprofissionais e integradas aos serviços de saúde.
16. A ESP/RS deve apoiar financeiramente o Netesc, garantindo a manutenção de uma rede virtual de discussão e informação a respeito de temas referentes à Saúde Coletiva e que se caracterize como instrumento que favoreça a articulação dos estudantes universitários da área da saúde.
17. A ESP/RS deve reconhecer e incentivar o papel de estruturas, redes e organizações aglutinadoras do segmento estudantil multiprofissional, como o Netesc, para a interlocução com os estudantes da área da saúde no Rio Grande do Sul.
18. Todas as Conferências de Saúde devem prever a participação organizada em delegação dos estudantes universitários da área da saúde.
19. Os Conselhos de Saúde devem assegurar a representação dos estudantes universitários da área da saúde em seu plenário e comissões técnicas como forma de contribuição ao conhecimento e compromisso com o SUS pelos acadêmicos.
III - QUANTO À FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA SAÚDE
20. As Instituições de Ensino Superior e as Direções dos cursos universitários da área da saúde devem superar os paradigmas biologicista e preventivista e contemplar a atenção integral no ordenamento da formação dos profissionais de saúde, reconhecendo todos os processos sociais e subjetivos de determinação e recuperação dos estados de saúde.
21. Os gestores e formadores devem incentivar espaços e atividades de reflexão sobre conceitos de respeito e atenção ao usuário no âmbito da saúde que envolvam a participação de estudantes universitários da área, pela importância dos mesmos como futuros profissionais e construtores da imagem e das práticas do SUS.
22. As Instituições de Ensino Superior devem repensar suas práticas de ensino em saúde, mudando a forma como as aulas são ministradas, de maneira que confiram ao docente o papel de facilitador do processo de formação universitária e aos discentes maior protagonismo no processo ensino-aprendizagem.
23. As Instituições de Ensino Superior devem favorecer espaços de discussão curricular e debate das práticas de ensino e aprendizagem que contemplem o SUS.
24. Os estudantes da área da saúde devem mobilizar-se para a criação de espaços formais de interlocução entre direção, docentes e discentes das Instituições de Ensino Superior e participar na formulação de propostas de modificação curricular (garantindo a representação discente nas comissões pertinentes), com especial atenção às deficiências no ensino e na produção de conhecimento em Saúde Coletiva.
25. As Instituições de Ensino Superior devem ampliar a oferta curricular de disciplinas da área de ciências humanas e sociais ministradas por docentes habilitados nessas áreas, com conhecimentos e comprometimento em Saúde Coletiva.
26. Os Centros e Diretórios Acadêmicos e/ou estudantes devem promover nos seus cursos a discussão da necessidade de transformação do atual modelo assistencial em saúde, que é centrado na clínica médica e focado em procedimentos para uma clínica multidisciplinar e ampliada.
27. Os Centros e Diretórios Acadêmicos devem criar espaços para aprofundar a reflexão sobre a adequação ou não de cursos de formação de tecnólogos na área da saúde nas Instituições de Ensino Superior.
28. As Instituições de Ensino Superior - em particular os Centros e Diretórios Acadêmicos – junto aos gestores do SUS, devem ampliar sua interação na sociedade por meio de vivências, projetos, pesquisas, programas, estágios, grupos de estudos e canais de comunicação entre estudantes e profissionais das diferentes áreas da saúde, buscando a reflexão de suas experiências na realidade e buscando aproximar teorias e práticas.
29. Os gestores estadual e municipais, como também o gestor federal, e os serviços de saúde devem oferecer oportunidades para atividades extracurriculares de vivência nas ações de saúde, na gestão dos serviços e na gestão do próprio SUS, a exemplo da vivência-estágio no SUS (VER-SUS/RS) realizado pela ESP/RS.
30. As Instituições de Ensino Superior e os gestores do SUS devem incentivar a autonomia e protagonismo de seus acadêmicos na organização de estágios de vivência no SUS, por meio de apoio técnico, financeiro e operacional e liberação da carga horária de sala de aula para tais vivências, bem como valorizar formalmente estas oportunidades de aprendizagem intensiva.
31. Os estudantes universitários devem reivindicar o aumento do número de vagas de residência integrada em saúde (residências multiprofissionais de caráter interdisciplinar) como as que são oferecidas pela ESP/RS e a ampliação das residências no campo da saúde coletiva ao conjunto dos núcleos profissionais da área da saúde.
32. O Netesc e os Centros e Diretórios Acadêmicos devem promover e incentivar o envolvimento e a organização estudantil em ações que visem melhorar a sua formação acadêmica por meio de grupos de reflexão e ação na área da Saúde Coletiva.
33. As Instituições de Ensino Superior, o Netesc e os Centros e Diretórios Acadêmicos devem organizar e promover grupos de estudo e projetos de extensão de caráter multiprofissional para a formação dos profissionais de saúde.
34. O Netesc e os Centros e Diretórios Acadêmicos devem promover Semanas Acadêmicas multidisciplinares para discutir o Sistema Único de Saúde.
35. As Instituições de Ensino Superior, os Núcleos Regionais de Educação em Saúde Coletiva (Nuresc) das Coordenadorias Regionais de Saúde da SES/RS e o Netesc devem promover congressos e eventos locais e regionais sobre Saúde Coletiva e gestão do SUS.
36. A ESP/RS e o Netesc devem realizar eventos ampliando sua abrangência a profissionais e estudantes de áreas diversas da saúde, buscando o envolvimento destes estudantes e profissionais no âmbito da universidade, da sociedade e da ação em saúde.
37. O Netesc e os Centros e Diretórios Acadêmicos devem propor a criação do Espaço do SUS e/ou Espaço da Saúde Coletiva em todas as atividades e eventos institucionais em que a temática possa ser oportuna, tais como recepção de calouros, seminários, discussões, grupos de trabalho, jornadas, fóruns, conferências, simpósios e congressos dos quais os estudantes participem.
38. O Netesc e os Centros e Diretórios Acadêmicos devem organizar plenárias preparatórias, locais e regionais, para a realização do II Congresso Gaúcho de Estudantes Universitários da Saúde.
39. A Comissão Organizadora do II Congresso Gaúcho de Estudantes Universitários da Saúde deverá incluir em sua programação uma mesa de relatos e depoimentos que contemple as atividades da ESP/RS voltadas para a formação e o desenvolvimento dos recursos humanos do SUS, garantindo a participação de seus alunos e residentes que permita avaliar seu compromisso social.
40. As Instituições de Ensino Superior, Centros e Diretórios Acadêmicos e os órgãos formadores devem incentivar a produção de publicações pelos estudantes para a multiplicação de conhecimentos referentes à Saúde Coletiva.
41. O Netesc e os Centros e Diretórios Acadêmicos devem buscar se fazer representar em eventos da área da Saúde Coletiva, divulgando encontros, criando espaços e aproveitando os já existentes nas Instituições de Ensino Superior para a difusão e o fortalecimento da reflexão na área.
42. O Netesc e os Centros e Diretórios Acadêmicos devem divulgar as ações da ESP/RS e dos Nuresc e da gestão pública em saúde dentro dos espaços acadêmicos, permitindo assim a inserção do estudante nas diversas instâncias do SUS e no exercício do próprio controle social.
43. Cabe ao Netesc buscar sua ampliação, com a criação de instâncias regionais, por meio de agenda permanente.
44. A Comissão Organizadora deste congresso deverá assegurar acesso público às resoluções do I Congresso Gaúcho de Estudantes Universitários da Saúde, disponibilizando-as pela Internet, na página da ESP/RS.
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