segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

divulgação: O Ocidente não enxergou a liberdade

Por McCormick (do Cairo) e Geoff Curfman (de Londres), Policymic
Tradução: Coletivo Vila Vudu
Hipocrisia do discurso ocidental
É possível que analistas ocidentais tenham ficado mais chocados com a resposta de Saif al-Islam Gaddafi à violência que tomou conta da Líbia essa semana, do que, diretamente, com a violência? Seja como for, a crise de culpas e desculpas começou, de fato, depois que o jovem Gaddafifoi à televisão líbia e anunciou que o regime de seu pai combateria a oposição “até a última bala”.
“O homem que fez aquele discurso não é o Saif que cheguei a conhecer bem ao longo de vários anos” – disse David Held, orientador da tese de Saif al-Islam na London School of Economics (LSE). “Conheci um homem cada vez mais liberal em seus valores, comprometido com reformas e transparência no governo.”
A London School of Economics, por sua vez, passou os últimos vários dias tentando separar-se do suposto reformador modernizador da Líbia, que presenteou a instituição, logo depois da formatura, com uma doação de 1,5 milhão de libras. “Nas difíceis circunstâncias atuais, a LSE decidiu suspender todo aquele programa” – disse a instituição, sobre o programa financiado com a doação de Gaddafi.
Como poderiam ter adivinhado?! Refinado, eloqüente, aparentemente liberal, Saif al-Islam foi, em vários sentidos, a encarnação das esperanças ocidentais para a democratização do mundo árabe.
É autor de dois livros sobre a sociedade civil (agora sob risco de desaparecerem no triturador de papel da Oxford University Press), e sua organização Fundação Gaddafi Internacional de Caridade e Desenvolvimento tinha o compromisso – pelo menos até bem recentemente – de promover os direitos humanos e a liberdade de imprensa. Além disso, o jovem Gaddafi várias vezes clamou por uma Constituição, clamores que só foram superados, em prestígio, quando começou a trabalhar para deslocar a Líbia, do rol dos “rogue States”, para os braços da comunidade internacional. Como o embaixador otomano Sadik Rifat Pasha, que voltou de Viena em 1837 pregando reformas que incluíam “direitos de liberdade”, Saif al-Islam seria a prova viva de que a simples exposição a ideias ocidentais e à educação ocidental dos ‘líderes’, bastaria para promover reformas políticas completas.
A cumplicidade de Gaddafi Filho na violência que desaba hoje sobre o povo líbio expõe a óbvia fragilidade dessas ideias. E, de fato, outro “reformador ocidentalizante” Gamal Mubarak – também mostrou sua verdadeira face na Revolução Egípcia. Cada dia mais, a ideia de que o ocidente poderia promover a democracia no Oriente Médio, na África, na América do Sul, apenas com ensinar “On Liberty” às elites milionárias locais aparece como de fato é: tolice, nonsense.
Revolução sem precedentes
Se a torrente que agora avança pelo Oriente Médio já ensinou alguma coisa, é que as pessoas comuns desejam democracia – tema que, acreditem ou não, já foi discutido em círculos acadêmicos – e que massas qualificadas e desempregadas podem criar força poderosa a favor de reformas. Talvez o aspecto mais surpreendente dos protestos que derrubaram as ditaduras do Egito e da Tunísia, e agora avançam para derrubar também os regimes da Líbia, Bahrein, Iêmen e Jordânia, é a escala gigantesca das manifestações. A Revolução Francesa foi feita por apenas 2% da população. As revoluções árabes de 2011 trouxeram número imenso de pessoas para as ruas, um corte transversal na população e na sociedade.
No Egito, estimativas do número de participantes nas manifestações de rua são de 10-20% dos 80 milhões de habitantes do país. Estimativa do jornal israelense Haaretz calcula que havia, só na Praça Tahir, cerca de 1 milhão de pessoas, um dia antes da queda de Mubarak. No Bahrein, Sarah Topol, de Slate.com estima que 100 mil, dos 500 mil habitantes do país saíram às ruas. São números sem precedentes, que mostram mudança como jamais se viu no pensamento regional.
Refletindo um pouco sobre os protestos no Egito há apenas poucas semanas, vê-se uma interessante capacidade de organização, nos grupos que iniciaram, orientaram e mantiveram a revolução. Longe de ser reação compulsiva aos eventos na Tunísia, os protestos da praça Tahir no Egito foram resultado de planejamento complexo por, dentre outros, o grupo “6 de abril” , criado em resposta à prisão de grevistas pacíficos em El-Mahalla El-Kubra.
Membros desse grupo mantiveram contato ao longo de vários anos com o grupo “Otpor”, de jovens sérvios, que ajudou a iniciar uma revolução pacífica e bem sucedida em 2000, contra Slobodan Milosevic. Embora tenham optado por conduzir as coisas a seu modo, os membros do movimento “6 de abril” aproveitaram várias dos instrumentos e conceitos estratégicos dos companheiros sérvios.
Além de outras manobras táticas inteligentes, o grupo priorizou a derrubada de Mubarak, antes de qualquer democratização; tivessem feito o contrário, deixariam abertas as portas para que o regime respondesse com reformas políticas que tradicionalmente são conservadoras, ou absolutamente vazias. Essa capacidade de organizar-se na rua, mais a participação dos movimentos militantes para identificar possíveis candidatos para as futuras eleições, mostra bem que os movimentos querem, mesmo, reestruturar o governo egípcio, não apenas alguma qualquer ‘democratização’ sempre tão ampla quanto vaga.
Platitudes teóricas do ocidente
O ocidente, que investiu suas esperanças em déspotas só pressupostos iluminados, como Saif al-Islam ou Gamal Mubarak, que seriam os encarregados de conduzir as reformas em seus respectivos países, parece quase cego, se se consideram os acontecimentos correntes no Oriente Médio e norte da África. Um movimento democrático organizou-se no próprio mundo árabe, com pequena contribuição das platitudes ditas teóricas de ocidentais carregados de MBAs e de PhDs – e, com certeza, sem qualquer necessidade dela.
É verdade que a Líbia ainda enfrentará um duro período de lutas internas. E que o Egito – há muito tempo controlado pelos militares – ainda está longe de qualquer tranqüilidade democrática, mas ninguém mais poderá ignorar, como até agora, demandas simples de participação democrática e vida digna, que soam também naqueles países.
Enfeitiçados por cosmopolitanismo, secularismo que mal disfarça a islamofobia, ternos elegantes e abotoaduras de ouro, analistas ocidentais não souberam identificar – até que os viram nas ruas – os agentes mais ativos e bem sucedidos do avanço da democracia no mundo árabe e no mundo muçulmano.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

a liberdade é juliette binoche!

hoje, revendo "a liberdade é azul", de kieslowski, com juliette binoche, fiz muitas anotações para escritos que talvez nunca venha a escrever. faço dessas, às vezes, para simplesmente lembrar do que não quero esquecer.
binoche é a atriz que posso ver vezes infinitas e sempre que revejo a cena, tenho a sensação de que nunca tinha visto antes aquela nuance. ela é intensa. é precisa. é integral. é o que é. se emociona com as coisas que passam na cabeça do personagem. vive-o como se fosse o último dardo de vida a ser lançado na existência. fora da tela, no esbrugar de seu trabalho para ver o que há dentro, mostra-se muito mais impactante. é bonita como gente. é sábia. é linda. é despontuada de ponteios afixados em murais conservadores. é surpreendente. é surpreendente principalmente quando se permite fazer exatamente o que lhe dá nas telhas, sem se importar com qualquer quadro analítico ou policialesco da vida. ela sente, vai e faz.
binoche e kieslowski juntos, é algo mágico. ele mostra a leve pluma vibrando com a leve brisa, e binoche sente isso e atravessa o sentimento da pluma, para se mostrar com a mesma leveza. com ele, ela simplesmente sente e vai.
ela. a pessoa e a personagem. entende o outro. entende os movimentos dos sentimentos e vive. vive sem o fardo que a vida lhe deixou pra carregar. olha pra vida e vai se desfazendo daquilo que não tem porque carregar.
juliette é a leveza que seu olhar espalhado no horizonte estampa de forma precisa. ela não é uma alegria boba. é uma alegria consumada. uma alegria pontuada. destilada.
juliette é a densidade milimétrica de cada gesto, de cada afeto, de cada cena, de cada movimento, de cada sentimento.
juliette é a precisão feita do entendimento das coisas imprecisas. é o bater de uma porta em seu marco exato, não porque foi feita com exatidão, mas porque o vento simplesmente conduz aquilo que está nos movimentos de encaixe ou desencaixe.
juliette é o sussuro que, mesmo sem ser emitido, é ouvido. é o pensamento que corre solto no ambiente. é o olhar que atravessa as superfícies e as divisas, e olha o que deve ser olhado. é a encarnação do que se quer e espera que seja dito.
numa de suas falas, comenta o sentimento de, a partir de um recorte, poder viver uma vida dentro de uma vida. é como se esse recorte abrisse uma janela na vida oficial e corrente, e nos levasse a breves instantes de uma outra jornada, de um outro momento, de um outro existenciamento.
é como encontrar um fio de cabelo perdido em lençóis guardados, sentar num canto qualquer, entrar no fio e reviver a vida que se viveu com quem portava aquele pequeno fio.
é como me senti ontem, estando desabituada a ouvir coisas que já não se ouve mais e, em pleno século xxi, ouvir alguém dizendo que não vê problema em crianças e adolescentes entregarem jornais por alguns trocados, pois é melhor que façam isso, do que se porem a esmolar nas portas de um supermercado.
é como sentir uma leve brisa e em seu cheiro, você ser levado junto no imaginário da brisa.
é como a pessoa ter parado no tempo e ter ficado perdido, vinte anos atrás, e voltar hoje, pensando as mesmas coisas de antanho, supondo que isso é tudo o que o mundo viu e viveu.
é como ouvir uma música que nos leva para uma outra vida.
é como ver uma cena e reorganizar toda a existência, depois de ter entrado na janela dessa cena. mas juliette, desde "perdas e danos", mostra que ela vive tudo na janela da cena... nunca se permite transpor a janela e reorganizar a vida conforme às coisas que encontra depois do umbral. talvez esteja aí a sua sabedoria. como atriz. e como gente.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

a vida segue

hoje sofri uma alta descarga de pressão na parte superior de meu cérebro. sou surda, ou melhor, pelas metades surda, portanto quando começo a ouvir coisas que não acredito que alguém ainda possa pensar e dizer isso, imediatamente aciono um mecanismo de defesa que cria uma ilusão de que eu não esteja ouvindo direito o que esteja sendo falado, o que provoca a tal descarga que congela a parte superior do cérebro. quando me acontece isso, há uma só coisa que pode aliviar tal quadro: caminhar! não adianta conversar. não adianta pensar. não adianta tentar desligar. tenho que caminhar. e nessas de caminhar, sempre encontro alguém com quem possa, depois de um pouco aliviada, ir conversando... quando vejo, a coisa passou!
antes de caminhar pensei: malditos sejam todos os dias, todas as horas, todas as pessoas e todas as coisas que me ensinaram a pensar! malditos, todos!
o primeiro livro com que minha mãe me presenteou e que me fez querer ler outros e outros livros. as professoras que me provocavam a ler e escrever. o bolicho em que aprendi conversar, escutar, escrever, calcular, ser meticulosa, racional. o moinho de grãos, que me ensinou a idéia e os movimentos de um processo. a água, que me ensinou a respeitar a natureza. o dínamo, que me ensinou as formas de se produzir energias, movimentos, luz e outros desdobramentos. o mundo e as convenções conservadoras, que me ensinaram a indignação com as coisas pré-moldadas. tantas coisas, tantas coisas! malditas sejam todas!
maldito seja, também, o dia em que conheci a literatura, foucault, deleuze, guattari, niezstche, bergson, spinoza e tantos outros.
maldito seja o dia em que aprendi a pensar e problematizar tudo o que via, sentia ou percebia!
poderia ter sido uma pacata conservadora, alienada, indiferente, defensora dos males que acabam com as dignidades humanas, cega, surda e muda frente às injustiças sociais, humanas e outros quetais.
poderia achar "normal" que os rebentos dos pobres vendessem o corolário escrito em papiros, nos cruzamentos cruzados pelos ricos motorizados, travestidos com suas gravatas podres (como diz meu amigo roger), com seus panos propositadamente amassados para parecerem rotos, com seus vidros fumês, com suas vidas blindadas às pragas das outras vidas, com seus descasos programados, com suas hipocrisias com jeito de modo de viver superior, com seus perfumes feitos das essências das vidas alheias, com suas horas marcadas nos manicures, pedicures e cabeleireiros, com suas sandálias feitas com passos programados sempre nos mesmos rumos!
poderia ser assim, sim, mas depois de cinco goles e meio de uma aguardente forte, percebo que então não seria eu! não sofreria essas descargas de pressão na parte superior de meu cérebro. teria cara de quem não está entendendo exatamente o sentido dos idealismos e das conversas. baixaria meus olhos e olharia somente para o infinito do chão que, incompreensivelmente, estaria sob os meus pés. arranjaria compromissos bestas para correr de meus compromissos não bestas. marcaria as coisas bestas para o mesmo horário das coisas não bestas. tomaria meu medicamento de dormir, de não pensar e de não viver. cruzaria os braços. seria uma casca portadora de um grande vazio, de um imenso vácuo. provavelmente não teria orgasmos e nem outras emoções intensas, ou me diria depressiva, fortemente depressiva. não faria literatura e nem intempestivas declarações de afetos. não acreditaria em poesia. e nem em gente. seria somente uma linha no horizonte do infinito do nada.
isso, não seria eu!
olho para o dia e para as coisas que me provocaram a pressão na parte superior do cérebro, esqueços os malditos todos que citei e rendo-lhes minha reverência, agradecendo por essa parte superior do cérebro, que reage às coisas que lhe provocam pressão! lembro de uma índia que me olhou no fundo da existência e disse: "vai, porque a vida segue!"... era uma índia do fogo... só quem sabe o que isso significa, sabe o poder desse ensinamento! a vida segue somente para quem está em movimento... quem está correndo atrás do prejuízo, já perdeu, pois parou no ponto da imobilidade! sem idealismos! sem pensamentos! sem problematizações! sem vida! sem movimento! de braços cruzados!

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

divulgação: flecheira libertária. 192

jovens e o governo
Em Bruxelas, na Bélgica, milhares de jovens saem às ruas para ferver e fritar na denominada revolução da batata frita. O motivo da insatisfação e dos protestos são 249 dias sem a formação de um governo de coalizão no parlamento belga. Isso mesmo! Os manifestantes protestavam contra a falta de governo! Um deles declarou: "Já estamos cheios de tantos jogos políticos. Precisamos de um governo rápido, e de uma reforma de nossas instituições, que será benéfica para todos os belgas". Para marcar seu protesto 249 jovens tiraram a roupa (claro que menos as cuecas e as calcinhas) para lembrar os dias sem governo. Sem governo, não estão nus, porém pudicos.
ainda as multidões ocas...
Ao mesmo tempo em que belgas, quase nus, mas enrolados na bandeira do país, fizeram manifestações engraçadinhas, as multidões na Tunísia e no Egito voltaram para casa, satisfeitas com as promessas de democratização. Então, foi a vez de protestos se espalharem pelo Iêmen, Líbia e Bahrein. Os acontecimentos se parecem aos egípcios e tunisianos: ditaduras ou monarquias estabelecidas há muitas décadas enfrentam, com o exército, manifestantes que pedem mais democracia. Batalhas nas ruas, mortos, prisões e um desfecho ainda por vir: será a mesma acomodação articulada no Cairo e em Túnis? Onde estará Gadaffi, na Venezuela?
uma notícia...
A circulação é livre para aqueles que andam na linha, podem pagar pelo transporte público e não interferem no trânsito das coisas. Na semana passada, um grande grupo de jovens tomou a entrada da prefeitura de São Paulo para protestar contra os abusivos aumentos dos ônibus na cidade. O ato insubordinado irritou de pronto os mantenedores da ordem e, com violência, um grupo truculento de policiais dispersou a manifestação investindo com cassetetes, bombas e tiros de borracha, tudo para manter a boa e coerente circulação do estado das coisas.
jovens e a polícia
Há em São Paulo e outras capitais do país um movimento pelo passe livre ou pela redução da tarifa de ônibus. O intolerável, nessa semana, foi a polícia espancando os jovens durante a manifestação que acontecia no centro da cidade. No entanto, é preciso alertar que há mais impedimentos para circulação pela cidade do que apenas o preço da passagem. Mais que isso, há muito investimento atrativo para imobilização espacial, especialmente nas periferias e em áreas demarcadas do chamado centro velho. O que querem esses jovens preocupados com o serviço de administração estatal dos transportes, comandados por partidos de oposição com vistas à próxima eleição? A polícia, cotidianamente, segue batendo e matando, no centro e na periferia. Será que estes jovens notam isso? A política faz de cada cidadão um policial de si, dos chamados serviços públicos e dos excessos administrados no campo. Eis o reino da necessidade!
revolução e democracia
A democracia contemporânea para alguns, parece estar composta por Internet, celular smart phone, sanduíche e batata frita. Revolução, agora, parece designar a maneira pela qual se ajusta uma vida melhor para isso. Revolta? Nem pensar. Só pressão para negociar. O Brasil, pioneiro, já teve seus oito anos de sindicalista no governo: um primor da negociação e da mudança para melhor agradar a burguesia. No Oriente Médio a Internet, segundo uma das lideranças do movimento egípcio, é apenas uma ferramenta que depende da vontade política democrática. Mas este é o princípio de funcionamento da ferramenta!

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

divulgação: CORTINA DE FUMAÇA - novo vídeo

para quem não conseguiu ver o vídeo na primeira postagem, aí vai uma versão aos pedaços. em seis partes contínuas, organizadas por antonio arruda.
O longa Cortina de Fumaça é um projeto independente movido pela vontade de colaborar na construção de uma sociedade mais equilibrada e alinhada com os princípios de liberdade, diversidade e tolerância. Trata-se de um documentário ousado, sobre um tema polêmico que interessa a todos e que precisa ser debatido de forma honesta. A política de drogas no Brasil e no mundo, baseada na proibição, precisa ser repensada porque muitas de suas consequências diretas, como a violência e a corrupção, atingiram níveis inaceitáveis.
O filme fala sobre a relação entre o homem e as drogas psicoativas; revela a discordância entre a atual classificação das drogas e o conhecimento científico sobre essas substâncias; discute a situação particular da Cannabis (maconha), seu uso industrial e medicinal; levanta fatos relacionados ao surgimento dos projetos proibicionista e aponta para o colapso social que algumas cidades, como o Rio de Janeiro, vivem por causa da violência e da corrupção.
Com 94 minutos, o documentário traz informação fundamentada para o grande público através de depoimentos nacionais e internacionais. Além do Brasil, o diretor Rodrigo Mac Niven gravou na Inglaterra, Espanha, Holanda, Suíça, Argentina e Estados Unidos; visitou feiras e congressos internacionais, hospitais, prisões e instituições para conversar com médicos, neurocientistas, psiquiatras, policiais, advogados, juízes de direito, pesquisadores e representantes de movimentos civis. Dentre os 34 entrevistados, o ex-presidente da República, Fernando Henrique Cardoso; o Ministro da Suprema Corte da Argentina, Raúl Zaffaroni; o ensaista e filósofo espanhol autor do tratado "Historia General de Las Drogas", Antonio Escohotado, o ex-Chefe do Estado Geral Maior do Rio de Janeiro, Jorge da Silva e o criminalista Nilo Batista.


capturado em: http://www.youtube.com/watch?v=bUiujh-xAi8&feature=related


capturado em: http://www.youtube.com/watch?v=bThHssM8EmM&feature=related


capturado em: http://www.youtube.com/watch?v=HcSqzGKm6gk&feature=related


capturado em: http://www.youtube.com/watch?v=xCtXCtcwqsA&feature=related


capturado em: http://www.youtube.com/watch?v=1uY0X5Vv2ok&feature=related


capturado em: http://www.youtube.com/watch?v=13aHWoKP7zI&feature=related

sintonia

ela enterrou uma galinha em diagonal com meu travesseiro e não acertou meu sono em cheio, pois durmo com a cabeça em outro lugar. ela encomendou uma dança em pontos de mandala, em frete à minha casa, e não fechou meu círculo, pois vivo em redes. ela bebeu meu gozo e tentou ficar prenhe de meus prazeres, mas não conseguiu, pois meus orgasmos são feitos com pensamentos postos em outro corpo. ela fez meu mapa astral, me pesquisou no tarot, me jogou nos búzios, me buscou nas cartas, me caçou na numerologia e inventou métodos para ler minhas artimanhas, mas não decifrou meus quereres, pois estou noutra estação, feita de ondas longas. só encontra quem sabe onde é. e isso é muito raro. além disso, alguém já encontrou e capturou o sinal.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

divulgação: Políticas para Álcool e outras drogas: retrocesso para a Reforma Psiquiátrica?

O movimento antimanicomial, nascido no Brasil em 1987, trouxe transformações na concepção do atendimento às pessoas com transtorno mental e criou a base para a Reforma Psiquiátrica, que busca combater o modelo de tratamento hospitalocêntrico, baseado na internação. Nos últimos anos, a luta tem obtido ganhos, como o fechamento de leitos em hospitais psiquiátricos e mudanças na forma de atendimento aos usuários da rede de saúde mental.
Entretanto, retrocessos ainda precisam ser combatidos. Um exemplo é o anúncio, pelo governo Federal, em setembro deste ano, da abertura de 6.120 leitos previstos no Plano de Enfrentamento ao crack e outras Drogas. Desses, 2.500 serão abertos em Hospitais Gerais, 2.500 em Comunidades Terapêuticas, 600 em Centros de Atenção Psicossocial álcool e drogas (CAPS-AD) 24 horas e 520 em Casas de Acolhimento Transitório.
Para a conselheira do Conselho Federal de Psicologia, Elisa Zaneratto, o problema do plano é o retrocesso, pelo tema álcool e drogas, das conquistas da Reforma Psiquiátrica. “Levamos anos para fechar leitos e agora se abrem tantos para compensar”, destaca. Para ela, contudo, é positivo que entre os seis mil existam os destinados aos Caps-AD e a hospitais gerais para tratamento dos usuários.
Além disso, Elisa lembra que, em junho de 2010, foi realizada a IV Conferência Nacional de Saúde Mental – Intersetorial que, entre suas deliberações, votou contra o repasse de verba do Sistema Único de Saúde (SUS) para iniciativas privadas. “A criação de 2.500 leitos em Comunidades Terapêuticas é contrária a tudo que foi discutido na IV CNSM”, aponta.
Para o coordenador da área de Saúde Mental do Ministério da Saúde, Pedro Gabriel Delgado, as propostas contempladas com recursos do plano “não se tratam de terceirização da saúde mental, já que não fazem parte do sistema público de saúde, mas pertencem à rede de Proteção Social. O colegiado de coordenadores de Saúde Mental apontou que essas entidades não devem fazer parte da Rede SUS”, afirma, em resposta a entrevista via e-mail. Ainda de acordo com Delgado, as secretarias municipais de saúde são responsáveis pela indicação de leitos em comunidades terapêuticas, que devem ser habilitados para financiamento pelo SUS, segundo as condições do edital do plano.
A fiscalização, o monitoramento, a avaliação e a auditoria dos leitos em Comunidades Terapêuticas serão feitas, segundo Delgado, pela gestão local de saúde, apoiada pelo ministério e pela Secretaria Nacional sobre Drogas (Senad). A fiscalização será realizada com base em norma da Anvisa que define condições mínimas de funcionamento dessas entidades.
É a primeira vez que municípios receberão recursos para habilitação de leitos em Comunidades Terapêuticas – iniciativas do terceiro setor ou de igrejas – que visam à recuperação e à reinserção social dos usuários de drogas. O texto do edital do plano aponta que o paciente “não pode ser obrigado a participar de atividades de cunho religioso durante o período de acolhimento”.
Elisa Zaneratto destaca a gravidade de se reconhecer um dispositivo de tratamento que, como o próprio ministério coloca, não faz parte do SUS. E reforça as deliberações da IV CNSM, que, além de votar contra o repasse de verbas do SUS para Comunidades Terapêuticas, aprovou que todo o tratamento de usuários de álcool e de outras drogas esteja de acordo com os princípios da Reforma Psiquiátrica. “A conferência votou que todo o tratamento de álcool e drogas fosse realizado prioritariamente na rede substitutiva de saúde mental, fortalecendo os Caps-AD. Além disso, a CNSM não reconheceu as Comunidades Terapêuticas para tratamento dos usuários de álcool e drogas, pois não funcionam de acordo com as diretrizes da reforma psiquiátrica”, ressaltou.
A preocupação com o repasse de verbas do SUS para essas entidades também é colocada pela Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial (Renila). “O financiamento dos leitos em comunidades terapêuticas pode colocar em risco a implementação de uma rede de atenção para usuários de álcool e de outras drogas pautada pelos princípios do SUS, da redução de danos e da reforma psiquiátrica. Mais do que a oferta de leitos, oferta-se a possibilidade, no campo de álcool e outras drogas, de afirmação de concepções e propostas de assistência que mais contribuem para a segregação dos usuários”, afirma a secretária da Renila, Ivarlete França.
Para ela, o Ministério da Saúde não pode privilegiar a ampliação de leitos de internação. “Essa política pretende segregar, ‘tratar’ e devolver o usuário ‘curado’ para a sociedade”, disse. O momento, segundo Ivarlete, é uma oportunidade para ampliar o número de Caps II AD, para implantar Caps-AD III e outros dispositivos de cuidados, bem como envolver os três entes da Federação na construção de políticas públicas que possam alargar os horizontes desses usuários. “O fenômeno do crack coloca em xeque, permanentemente, a efetividade das políticas públicas de atenção integral à saúde mental e nos coloca o desafio de acolher o sofrimento dos usuários em dispositivos de cuidados que não os excluam do meio social”, indica.
O Ministério da Saúde estima que existam 600 mil dependentes de Crack no Brasil. Para o órgão, o fenômeno de uso de crack implica numa grande heterogeneidade, de acordo com o perfil do usuário e contexto de uso, além de apresentar desdobramentos clínicos e psiquiátricos. Por isso existe a necessidade de uma rede diversificada de atendimento, com diferentes dispositivos articulados entre si, complementares e de funcionamento coordenado. Assim, um mesmo usuário de crack pode, em determinado período, necessitar ser atendido diariamente em um CAPS e, em outro instante, necessitar de internação em hospital geral por apresentar alguma complicação decorrente do uso de drogas.
Avanço
Como avanço do plano, a conselheira Elisa Zaneratto aponta a implantação de CAPS-AD-III (24 horas), que inova ao trazer para o CAPS-AD o lugar do acolhimento à crise em tempo integral, ou seja, não apenas durante o dia, mas também o acolhimento noturno.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

divulgação: A população gosta do SUS e mais ainda, da saúde da família

O Sistema de Indicadores de Percepção Social (Sips) sobre saúde do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) foi divulgado recentemente e revela que a população, sobretudo a parcela que usa os serviços da saúde pública, avalia positivamente o SUS. De acordo com o estudo, isso não significa que os usuários do sistema não tenham críticas; eles querem, por exemplo, mais profissionais atuando. Nesta entrevista, o médico e professor do departamento de saúde coletiva da Unicamp, Gastão Wagner, analisa os dados da pesquisa e conclui: os indicadores "confirmam que o SUS é uma política pública importante e prioritária e que os governos precisam dar mais atenção à saúde". Para ele, os dados indicam também qual deve ser a prioridade para os gestores do SUS: a Estratégia Saúde da Família, em um sistema mais integrado e regionalizado.
A entrevista é publicada pelo sítio da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio - Fundação Osvaldo Cruz, 17-02-2011.
Eis a entrevista.
O Sips sobre saúde, divulgado pelo Ipea recentemente, mostrou, que de uma forma geral, a população avalia positivamente o SUS. O que esse dado revela sobre a importância de um sistema universal de saúde no Brasil?
Esse dado e alguns outros demonstram a importância do SUS para assegurar o direito à saúde e o atendimento de uma parte importante da população. Mostra também como, apesar dos problemas, o SUS consegue desempenhar um papel positivo. Isso confirma que o SUS é uma política pública importante e prioritária e que os governos precisam dar mais atenção à saúde.
De acordo com a pesquisa, a população considera como pontos positivos do SUS o fato de o atendimento ser gratuito e universal, mas estes são justamente os princípios do Sistema. A partir desse dado, podemos analisar se de fato a população entende a saúde como um direito?
A pesquisa não investigou isso, não fica claro se a população toma a saúde como um direito. Então, não podemos tirar uma conclusão sobre isso, mas há alguns dados interessantes. A população, ao mesmo tempo que elogia, também aponta problemas no SUS: a falta de médicos, as filas, a espera, a dificuldade de acesso a especialistas e exames. Além disso, a pesquisa confirmou o dado de que quem usa o SUS confia mais e o valoriza mais do que a classe média e a elite que não usam, que têm um preconceito sobre o SUS. Outro aspecto interessante é que quem usa o SUS avalia melhor a Saúde da Família do que os outros serviços; depois vem o atendimento especializado, e lá em baixo está o atendimento em pronto-socorro e postos de saúde tradicionais. Isso demonstra que a população não é tonta. Na Saúde da Família faltam médicos, mas quem tem acesso sabe que o atendimento tende a ser melhor, de mais qualidade do que o do pronto-socorro. Eu achei isso muito significativo, e é uma coisa que várias autoridades vêm negando, em vários estados do Brasil: cidades como Rio de Janeiro e São Paulo têm priorizado a extensão do acesso através do pronto-atendimento em vez de uma atenção primária decente de Saúde da Família. Essa pesquisa é um sinal de alerta. Se por um lado há falta de médicos, não adianta encher de pronto-atendimentos, não adianta colocar médico de plantão 12 horas fazendo consultas feito loucos e dando remédios.
E como o senhor avalia as prioridades do Brasil para o SUS hoje? Qual o lugar da Estratégia da Saúde da Família nacionalmente?
Eu sinto que na última campanha nacional [eleições 2010], em vários estados, a ênfase maior de vários governadores foi nas tais Unidades de Pronto Atendimento, as UPAs. A presidente prometeu 500 unidades pelo Brasil, e essa é a política que predomina também na prefeitura de São Paulo e no Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, a Saúde da Família tem muita dificuldade de inserção do médico, de carreira, problemas de expansão, chegou aos 40 %, 50 % de expansão e não sai disso. Tem um problema de expansão muito grande aqui no Sul, no Sudeste e no Centro-oeste. Nesse sentido é que a pesquisa é um alerta muito importante, mas eu creio que o Ministério da Saúde e as secretarias estaduais de saúde ainda não deram uma solução adequada para a qualificação e expansão da Saúde da Família. Há um impasse de financiamento, de modelo, que está muito rígido, com problemas de pessoal. Mas a pesquisa indica que o caminho é por aí e que a Saúde da Família tem que ser priorizada.
Uma das principais melhorias sugeridas pela população na pesquisa é o aumento do número de médicos. Como o senhor avalia a política atual do país para a formação e manutenção desses profissionais atuando no SUS?
A Estratégia de Saúde da Família, onde falta muito médico também, e até os ambulatórios ficaram a cargo das prefeituras, e as prefeituras sozinhas, sem uma política de apoio financeiro, aposentadoria, de educação permanente, de formação do Ministério da saúde e das secretarias estaduais, não conseguem resolver esse problema da política de pessoal. Se deixarmos cada município se virar, se não conseguirmos fazer concursos de carreiras pelo menos estaduais, com fundos e financiamentos entre o Ministério e as secretarias estaduais e com gestão municipal, teremos muita dificuldade de consolidar a Saúde da Família, e também os ambulatórios de especialidades. Está faltando psiquiatra nos Caps [Centro de Atenção Psicossocial] e não se consegue profissionais; faltam também anestesistas nos hospitais, profissionais na terapia intensiva, inclusive pediatras. E não é falta de formação , porque temos expansão desse mercado: bastante enfermeiros, bastante médicos, bastante odontólogos.
A dificuldade é a carreira do SUS que não está atrativa, porque é muito irregular, há muita contratação ilegal, precária, salários abaixo do mercado. Então, estamos tendo uma dificuldade de fixação, não é nem o número de profissionais. O que falta, do ponto de vista da formação, é a residência., As vagas de residência na Saúde da Família, multiprofissionais para médicos e enfermeiros principalmente, está muito abaixo do necessário. Então, como a Saúde da Família é uma política fundamental , é preciso investir muito em residência nessa área, aumentar seis, oito vezes o número de alunos.
Mas, para fazer isso tem que melhorar o mercado, tem que ter capacidade de absorção, tem que criar o interesse para os profissionais se dedicarem a essa carreira do SUS. Outra coisa é que a Estratégia de Saúde da Família está muito isolada da rede; fala-se muito hoje em rede, mas a Saúde da Família fica num canto.
No mundo inteiro, para se fixar um médico, o médico de família - que se chama generalista por aí afora - tem prioridade para dar o plantão no pronto-atendimento, para participar da enfermaria, porque uma porcentagem pequena dos médicos pensa em trabalhar a vida toda na atenção primária. Então, as estratégias são de trabalhar com a ideia de sistema, de rede: fazer com que não só os pacientes, mas também os profissionais e as equipes circulem. No Brasil se fala muito em rede, mas como a Saúde da Família está a cargo dos municípios e os hospitais e centros de referência são das secretarias estaduais, nós não temos rede de fato, a integração é muito baixa, isso tudo tem dificultado. Mas considero a pesquisa uma boa avaliação do SUS, indica rumos e indica que o que foi feito está tendo um resultado positivo reconhecido pela população.
Atualmente, há processos em curso de mudança de gestão do SUS e administração do sistema pelo setor privado. Mas isso enfrenta resistência por parte de grupos organizados de trabalhadores e pesquisadores da saúde que veem estes processos como tentativas de desmantelamento e privatização do SUS. Essa avaliação da população revelada pelo Sips da importância do SUS ser gratuito pode se contrapor a essa corrente de privatização?
Defender a gratuidade e o caráter público em alguma medida é positivo. Mas isso não indica que a população rechace a privatização, até porque, na verdade, é uma semiprivatização, porque uma fundação privada e uma organização social não têm direito de cobrar da população. Elas têm dupla porta, outras coisas, mas o grosso do atendimento das Organizações Sociais [OSs] no Rio e em São Paulo, por exemplo, é gratuito. Os hospitais também continuam gratuitos, então, essa privatização tem mais a ver com a gestão.
E como o senhor avalia estes processos de mudança de gestão do SUS com as OS e fundações de direito privado?
Tem aí um aspecto ideológico que faz parte do programa neoliberal e liberal, que é de diminuir a área estatal, pública, com um certo descrédito na gestão estatal e pública. Existe esse lado ideológico, mas tem também um lado que são a inércia e a incapacidade do SUS de fazer a sua reforma administrativa, de construir as suas carreiras, com avaliação, pagamento adequado, progressão por mérito, criação de rede, integração. São 20 anos de SUS e nós avançamos muito pouco na reforma de gestão. A atenção primária continua isolada, cada hospital é autônomo. Aí no Rio de Janeiro, por exemplo, o Hospital Geral de Bonsucesso não tem nada a ver com a Rede Teias de Manguinhos. O Hospital é estatal, a rede Teias é uma OS, mas é uma organização social da Fiocruz, pública e não tem nada a ver. E essa não é uma exceção, é a regra em todo o país.
Então, essa inércia vai dando impaciência na população, que quer um desempenho de gestão adequado, quer produtividade, qualidade, quer diminuir fila, e boa parte da fila no Brasil é problema de gestão, não é nem de capacidade instalada. Não temos avaliação de risco, não há ninguém que se responsabilize para garantir o acesso imediato de quem tem um diagnóstico de risco, por exemplo. Então é muito mais um problema de gestão, ainda que haja um problema de acesso também. Não tem informatização da rede até hoje unificada, é um absurdo isso, o quanto já gastamos em informatização!
Alguém que está na Saúde da Família, por exemplo, não sabe onde há vaga para tratar de câncer e também não tem acesso imediato se ele achar que tem o diagnóstico, como acontece em Portugal, na Espanha, em vários outros países. Então, a alternativa a essa privatização, que é apresentada como alternativa gerencial, é avançarmos nas diretrizes do SUS, não apenas na universalidade e gratuidade, mas na regionalização, nar avaliação de risco. O SUS municipal não tem saída, ele precisa ser regionalizado, com vários municípios, uma rede unificada, gestão unificada, se não vamos fragmentar o SUS mais ainda com essas OSs, fundações. E isso não é uma saída.
Mas como garantir que, mudando a gestão para que ela seja mais regionalizada, os problemas de desintegração não persistam?
Criando uma rede única. O hospital aí de Bonsucesso [Rio de Janeiro], por exemplo: ele tem que estar dentro da gestão regional de toda a rede básica do entorno. Alguém tem que comandar isso tudo, fazer o planejamento, avaliação e tem que prestar contas para o mesmo gestor regional. Temos que ter carreiras. O médico de família poderia dar plantão no pronto-socorro desse hospital ou nas UPAs dessa região, o enfermeiro também.
O SUS, apesar do nome, sistema único, é um sistema fragmentado, não é bem um sistema, é um semi-sistema com um grau de fragmentação muito grande, que as OSs e fundações estão ampliando. A gente já tinha a fragmentação município, estado, Ministério da saúde, e também dentro do município, onde a diretoria de atenção primaria é uma, de hospitais é outra, de aids é outra, de saúde mental é outra. E no estado é a mesma coisa. A gestão do SUS tem que ser territorial, regional, no mundo inteiro é assim. A atenção primária senta junto com os hospitais no mesmo território e região, a saúde mental da mesma região. O pessoal fica falando em rede de saúde mental, em rede de linha de cuidado, mas não é isso. E aí, como temos muita deficiência de gestão, de carreira, de regionalização, aparece uma saída mágica que é: ‘vamos colocar mecanismos de gestão privada, de OSs, de fundação privada, contratação por CLT, quem não trabalha a gente põe para fora'. Isso aumenta o poder do gestor, óbvio; diminui o poder das corporações; e aí fazem metas, produtividades, os pacientes têm que ficar internados só quatro dias na clínica médica, se passar disso perde-se dinheiro, os médicos perdem dinheiro, as enfermeiras, o hospital. Então, pegam meta da gestão privada, de fábrica de automóvel, de banco, de restaurante e colocam no setor saúde tentando responder a esta crise de gestão que tem outra complexidade. Então, são duas alternativas que estão em jogo.
Como este quadro interfere no crescimento da mercantilização da saúde?
Aconteceu uma coisa no Brasil que fiquei surpreendido, mas com o crescimento econômico é esperado. Como o SUS está empacado, o setor privado, de saúde suplementar, cresceu muito, ele tem 50% do recurso financeiro. Então, para fisioterapeuta, médico, enfermeiro, o SUS não é o único mercado de trabalho. Por isso essa falta de gente, ainda que seja pouca gente para ser atendida - cerca de 24% da população brasileira - há muito dinheiro. É a mesma quantidade de recursos do SUS, que é distribuída para os profissionais de saúde trabalharem atendendo menos gente, com menores condições de trabalho.
Então, esse crescimento do setor privado é preocupante, ameaça o SUS e ameaça inclusive do ponto de vista ideológico e cultural. Quem não está ainda no seguro privado tem sonho de entrar. Aí na Fiocruz deve ter um plano privado de saúde, o Ministério da saúde tem também, este é um sentimento da nova camada de trabalhadores, das chamadas classe C e D. Apesar de o pessoal gostar de o SUS ser gratuito, do ponto de vista da luta cultural e ideológica, estamos mais fracos.
E como se contrapor a esse processo do ponto de vista político e ideológico?
Tem que melhorar o SUS, divulgar direito as formas de atendimento e resolver todas essas coisas que eu estou falando. Eu falei da necessidade de se priorizar a Estratégia de Saúde da Família, mas eu vou falar uma coisa que dificulta essa legitimidade cultural: o governo brasileiro designa quem é o seu enfermeiro e médico de família, então, a liberdade de escolha é muito baixa. Na Inglaterra e na Espanha, a população pode escolher na região, no distrito de saúde, entre 20 e 30 equipes.
Outro exemplo: nós queremos que o pré-natal seja feito na Saúde da Família, só que o médico de família não faz o parto. Quem hoje em dia, que vai adquirindo cidadania e consciência, não quer que o médico que fez o pré-natal seja quem acompanhe o parto? O SUS tem que pensar nisso. Nós não estamos mais trabalhando apenas com miseráveis, mas com pessoas que começam a lutar por qualidade de vida, por humanização.
Um dos programas prioritários do governo federal agora é sobre a saúde materno-infantil, com a intenção de priorizar esse atendimento. Está correto, tem que priorizar mesmo, mas não pode ser só o acesso. Como é que o médico que faz o pré-natal poderá acompanhar a maternidade? Como é que o SUS irá pagar? Com a visão que nós temos de quatro horas de trabalho, jornada, bater ponto, salário fixo, fica difícil, porque em todos os países com sistemas universais, o honorário é variável, se o profissional faz três partos ganha tanto, se faz um só por mês, ganha outro tanto. Então, é preciso pensar em outras coisas para criar legitimidade cultural sem privatização; é todo um caminho a ser feito.
E como a população desses países vê o sistema de saúde?
Isso varia muito de país para país e varia também conforme a época. Tem época que o sistema avança, recua, isso é dinâmico, mas em geral os sistemas nacionais europeus e o cubano são muito bem avaliados. E quando há alguma ameaça, a opinião pública e os trabalhadores defendem o sistema contra alguma restrição. As pesquisas são muito variáveis.
Na Inglaterra é lei, eles fazem a cada quatro anos um relatório que se chama Black report, um "informe negro", eles chamam de negro porque fala dos problemas do sistema, mas isso para defender o sistema.
A população fala, há também dados técnicos, de infecção hospitalar, filas, tempo de espera, mortalidade, divulgam tudo e tornam tudo transparente exatamente para defender. Esconder os problemas, ao contrário do que muito marqueteiro pensa, não ajuda o amor da gente pelas políticas públicas. Então, esse hábito seria uma outra forma de o SUS ganhar legitimidade. Por exemplo, abrir as filas, quais são as filas? Onde tem fila? O que se pode fazer para acabar com elas? Tornar transparente uma por uma e isso virar um problema público. Qual é a fila para o câncer de mama? Qual é a fila para o diagnóstico, para o tratamento? Qual é a fila para reabilitação física do AVC [Acidente Vascular Cerebral]? Então, acho que todos estes são mecanismos de legitimação, de vincular a gestão à qualidade e à ideia de controle social. Esta ideia na teoria é muito forte no SUS, mas ficou limitada às conferências, com a militância profissional, que são os mesmos de sempre, que perdeu potência, e isso é outro problema.
E as conferências tem tido resolutividade?
Elas perderam muito peso, a minha análise é que da 11ª para cá elas são quase um risco n'água, uma coisa da burocracia interna, perdeu muita força política, inclusive de interferir na gestão, na sociedade. Este ano é ano de conferência, o conselho nacional está em discussão, vários conselhos municipais estão emperrados, outros funcionam. Então, temos que pensar o que fazer, e, por exemplo, este Black report é uma forma de controle social fundamental, sai dos conselheiros e vai para a sociedade inteira. Esta pesquisa do Ipea tem este papel, precisa ser divulgada e comentada, tanto os aspectos positivos quanto os negativos.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

divulgação: Por um novo modo de nascer no Brasil


por: Sônia Lansky*
Há algumas décadas enfrentamos no Brasil um paradoxo no nascimento. A intensa medicalização influenciou de forma determinante o modo de nascer, reduzindo este grande acontecimento fisiológico e natural da vida familiar e social a uma intervenção médica- cirúrgica. Ao mesmo tempo, os índices de mortalidade materna e infantil persistem muito altos e incompatíveis com o nível de desenvolvimento do país, e as causas de morte são em grande parte evitáveis por ação dos serviços de saúde. É preciso mudar o modelo de atenção ao nascimento no Brasil para a solução deste grave problema de saúde pública. É preciso alcançar os níveis os patamares desejáveis na mortalidade materna e infantil, e melhorar a satisfação da mulher e da família no momento do nascimento de seus filhos. O foco deve ser o parto respeitoso e digno, apoiado na rede de atenção articulada que garanta acesso oportuno à atenção qualificada desde o pré-natal até o parto. Que garanta o protagonismo e os direitos da mulher e da criança neste momento ímpar de celebração da vida e do afeto, de forma a promover sua saúde e as relações humanas e da sociedade.
O paradoxo perinatal brasileiro se exprime de forma peculiar nos diferentes modos de nascer na nossa sociedade, refletindo a desigualdade social brasileira. Em linhas gerais há dois cenários predominantes. De um lado o chamado ?parto normal? desvirtuado, o parto traumatizante, fruto do excesso de intervenções médicas e das imposições da conveniência dos profissionais e dos serviços de saúde, que se sobrepõem aos desejos da mulher e ofuscam a sua participação e a da família no processo. Neste cenário, muito propagado pela mídia, a mulher sofre e grita de pavor durante o nascimento de seu filho. Está sozinha em um espaço exíguo, impessoal e frio, sem privacidade, com freqüência um dos piores locais da maternidade, o chamado ?pré-parto?. Este funciona como uma etapa da linha de produção dos hospitais, que operam com regras rígidas para atender à racionalização do trabalho, privilegiando o interesse da instituição e dos profissionais sobre o da mulher. Neste modelo tradicional, com o intuito de acelerar o processo do parto, a mulher sofre inúmeras intervenções sem indicação técnica ou respaldo científico, que interferem no processo fisiológico e natural do trabalho de parto. Intervenções que podem provocar e aumentar a intensidade das contrações uterinas e, por consequência, a dor, o stress e até mesmo as complicações no parto, muitas vezes contrariando o pressuposto da ética médica de ?primeiro não causar dano?. Exemplos clássicos são o uso indiscriminado da ocitocina (medicamento que aumenta as contrações), o jejum e a imobilização no leito durante o trabalho de parto.
Neste cenário, práticas baseadas em evidências científicas que propiciam o conforto da mulher, auxiliam na diminuição do stress e aumentam a liberação da ocitocina endógena que ajuda na evolução do parto, não são incorporadas: a livre movimentação, a escolha da posição de maior conforto durante o trabalho de parto e no parto, o apoio emocional por acompanhante de livre escolha e por doulas, entre outros.
Assim, frustra-se a expectativa da mulher de aconchego e conforto na hora do parto, de cuidado particularizado e pessoal, prestado por pessoas de confiança, seus laços afetivos - que representam inclusive a rede de proteção social da mulher e da criança após o parto - em um momento de extrema importância na sua vida. Especialmente por que não se trata, na sua essência, de uma situação de doença que demanda intervenção médica, mas sim um momento marcante da fisiologia da vida, que pode transcorrer da forma mais natural possível na maioria das vezes. Precisamente, a definição de parto normal da Organização Mundial da Saúde é o ?parto que transcorre naturalmente, em que qualquer intervenção deve ter uma justificativa técnica válida e respaldada cientificamente...?.
No outro cenário está o nascimento por cesariana desnecessária, com grande freqüência programada, paradoxalmente o modo de nascer predominante entre as classes sociais mais altas e escolarizadas. A cultura da cesariana se coloca como propaganda enganosa do nascimento sem dor, riscos ou prejuízos à saúde, atendendo ao anseio do homem de controle da situação, da possibilidade de se libertar dos imprevistos ou surpresas inerentes ao parto. Ceder às forças da natureza parece diminuir a condição humana e se distancia do imaginário do status social e tecnológico aspirado pela ?moderna civilização?. É apresentada como alternativa ao parto traumatizante anteriormente descrito e expressa a conquista de mais um bem de consumo que a panacéia tecnológica oferece, no afã de se racionalizar o tempo e o nascer, maiores expressões da natureza e da vida.
Entrar em trabalho de parto a qualquer hora do dia ou da noite e em qualquer dia da semana parece totalmente anacrônico em relação aos valores de se programar tudo na vida e atender às máximas de ?não perder tempo? e ?tempo é dinheiro? da sociedade contemporânea, que, antes de tudo, tem pressa.
A artificialização do nascimento passa a ser um valor, incentivando todo tipo de exploração mercadológica. Assim, a cesariana desnecessária (a ?desnecesária?) se apresenta, segundo alguns autores, como mais uma ?desnecessidade? da sociedade de consumo, banalizada como uma opção fácil, rápida e indolor, valores superficiais que se contrapõem à intensidade e profundidade das emoções e desafios que a vida, em especial a maternidade, colocam.
Nascer no Brasil é, portanto, um fenômeno complexo que conjuga tanto o efeito da incorporação pela sociedade brasileira da condenação bíblica do ?parirás com dor?, quanto o efeito de interesses mercadológicos se sobrepondo a valores essenciais da vida, simbolizado pelo nascimento de uma criança.
Para superar esta contradição brasileira na atenção ao nascimento, é preciso explicitar e aprofundar a reflexão sobre as imposições colocadas à mulher na experiência do parto. Tomar como referencial ético, a dignidade no nascimento, o parto respeitoso, para contrapor à violência institucional, à violação dos direitos da mulher e da criança, ao abuso de poder nas relações entre homens e mulheres, entre gestores e profissionais de saúde e os usuários, que repercutem como iatrogenia e negligência no cuidado.
As relações de gênero influenciam diretamente o significado cultural do sofrimento no parto, expressão da punição da mulher pela própria experiência da sexualidade, da singularidade feminina e da maternidade. No Brasil e em vários países da América Latina em que a desigualdade de gênero é muito forte, a violência institucional no parto aparece em cena emblemática: no momento do parto a mulher deitada numa maca hospitalar estreita e fria, numa sala de cirurgia, rodeada por profissionais encapuzados, sem seus familiares, pernas abertas e para o alto, muitas vezes até amarradas, vítima de manipulações desnecessárias de seu corpo como o toque vaginal freqüente (e não recomendado), a manipulação do períneo e a episiotomia - o corte da vagina, na maior parte das vezes desnecessário - ferindo sua integridade moral e corporal.
O impedimento de ter um acompanhante de livre escolha durante o parto, apesar de garantido por lei desde 2005, é outro emblemático abuso de poder e violência contra a mulher. Do mesmo modo, a separação de mãe e filho saudáveis após o nascimento - que representam a maioria absoluta dos nascimentos - por conveniência institucional e dos profissionais, é exemplar abuso e violência contra a mãe e a criança. Outras práticas não recomendadas são realizadas de rotina. O corte imediato do cordão, prejudicando o aporte sanguíneo para o bebê, podendo resultar em anemia na infância, altamente prevalente no Brasil. A aspiração de vias áreas, a tomada do peso e da altura do bebê e a aplicação da vitamina K e do colírio de nitrato de prata, ainda nos primeiros minutos de vida, interferindo diretamente na interação plena entre mãe e filho. Os ?berçários de normais?, que deveriam estar extintos desde dezembro de 2008, com a nova legislação da ANVISA para funcionamento de maternidades (a RDC 36), mas persistem como rotina nos hospitais privados do país. Mantêm os recém-nascidos afastados de suas mães nas primeiras horas de vida, momento sensível e fundamental para o contato efetivo mãe e bebê e promoção de vínculo, do aleitamento materno e, portanto, da saúde do bebê.
O valor do trabalho de parto e do parto normal ? de que parto normal estamos falando?
Com o início do trabalho de parto a natureza indica a hora certa de nascer nas gestações sem risco, cerca de 85% dos nascimentos. Nascer antes do tempo, com a retirada brusca do bebê numa cesariana programada sem justificativa técnica, como vem ocorrendo em 80 a 90% dos nascimentos nos hospitais privados, traz sérias conseqüências que vem sendo demonstradas por vários estudos científicos. As repercussões físicas de uma cirurgia do porte de uma cesariana são reconhecidas, trazendo maiores riscos de infecção, de dor, de recuperação lenta, de complicações anestésicas. Outros efeitos adversos pouco valorizados pelos profissionais ocorrem com frequencia, como a interferência na relação mãe e bebê (pela própria condição da mulher no pós-operatório, que não está plena como no parto normal), o atraso na descida do leite e início da amamentação, e, portanto, a maior dificuldade de estabelecimento do vínculo, a insatisfação com a experiência pouco natural de parir.
A retirada artificial do bebê leva à prematuridade iatrogênica (efeito adverso decorrente de intervenção sem justificativa) ou à imaturidade, ou seja, um bebê que mesmo a termo, com mais de 37 semanas, não está completamente formado, que não alcança inclusive o peso que poderia ter, componente fundamental de proteção da saúde infantil. Priva o bebê dos benefícios do trabalho de parto, quando ocorre a liberação de substâncias e hormônios da mãe que promovem a maturação e o desenvolvimento final do bebê (neurológico, intestinal, pulmonar). Sua passagem pelo canal do parto auxilia na saída de líquidos do pulmão e favorece a colonização pelas bactérias do corpo da mãe e não pelas bactérias hospitalares. A internação do bebê por adaptação respiratória é mais freqüente na cesariana, além das complicações decorrentes da prematuridade e/ou imaturidade, como infecções, icterícia e repercussões sobre o seu desenvolvimento.
O crescimento e desenvolvimento fetal intra-útero está diretamente associado à obesidade, à diabetes e hipertensão do adulto, e, portanto, os efeitos da interrupção iatrogênica da gravidez não se restringem à saúde imediata do bebê, podendo comprometer a sua saúde na vida futura. Assim, a promoção da saúde da mulher e do bebê e do adulto se relaciona com a gravidez e o modo de nascer. Portanto, as intervenções desnecessárias aumentam os riscos ao nascimento e ao longo da vida, contribuindo para os índices preocupantes de doenças crônico-degenerativas no país.
Outro efeito relevante e ainda pouco divulgado sobre as repercussões da vivência frustrante e traumatizante do parto, do processo de gestação e nascimento é a depressão pós-parto, cujos índices são muito elevados no país, segundo pesquisas recentes.
Nascer naturalmente demanda disponibilidade e tempo. Da família e dos profissionais que assistem o trabalho de parto, ou seja, que literalmente assistem a atuação da mulher no seu processo particular de dar a luz, e que deveriam estar à disposição para agir apenas quando necessário apenas. Que devem promover apoio, informação e segurança, além de ofertar práticas que favorecem a evolução fisiológica do trabalho de parto e do parto e trazem maior conforto à mulher.
Os benefícios do parto normal estão amplamente comprovados pela ciência, porém o aval do conhecimento não parece suficiente para a mudança das práticas no Brasil. É preciso rever o significado, ressignificar o parto e o nascimento na sociedade brasileira. Recuperar o valor do nascimento como momento único para a mulher no sentido maior da subjetividade feminina e da maternidade, assim como para o bebê, para propiciar o seu pleno desenvolvimento. E, em última análise, para o favorecimento do afeto para toda a família e a sociedade.
E ressignificar a dor. A dor do parto é um mecanismo natural de concentração e mobilização da mulher para o momento que demanda dedicação e reunião de todas as energias. Não necessariamente significa sofrimento. Em diversas culturas no mundo a dor do parto é vivida com maior naturalidade e o parto é reconhecido como momento de força e potência da mulher. Na cultura brasileira a dor é evocada como algo intolerável e humilhante, visão que desqualifica a mulher e sua capacidade de vivenciar o parto plena e singularmente, com conforto e dignidade. Várias técnicas reconhecidas popularmente e cientificamente para alívio da dor podem ser utilizadas, mas via de regra, não são ofertadas à mulher brasileira. A começar pela ambiência, o espaço social do parto, que não deve ser um ambiente cirúrgico, asséptico e isolado como praticado nos hospitais, e sim local agradável e aconchegante, mais próximo possível do ambiente domiciliar, com privacidade, área para ampla movimentação e banheiro acessível com chuveiro e/ou banheira, técnicas importantes para conforto e relaxamento, que favorecem o bom andamento do parto.
Pelo direito de dar a luz e de nascer de forma digna
Alguns preceitos fundamentam o movimento de mudança do modelo assistencial ao parto e nascimento. Preservar o nascimento como um momento familiar, social e fisiológico, em que cerca de 85% das famílias podem vivenciar este momento de maneira integral e mais natural possível. Assegurar os direitos em saúde da mulher e da criança. Ampliar a participação e o protagonismo da mulher no processo do nascimento. Favorecer os processos naturais e fisiológicos e intervir apenas quando necessário. Reequilibrar e redimensionar o uso da tecnologia médica, para garantir os benefícios incontestes que aporta nas situações de risco e de complicações durante o parto, salvando vidas. Amplificar a importância da tecnologia leve, a tecnologia relacional para promoção da saúde e do bem-estar físico e emocional da mulher e do bebê. Pactuar, adequar e seguir (!) protocolos baseados no melhor conhecimento disponível, com a utilização da tecnologia apropriada para a atenção ao parto e nascimento. Garantir o direito à informação adequada, muitas vezes não observado na relação hierárquica entre o médico e a gestante, por conveniência ou interesse de ordem pessoal. Fomentar o trabalho em equipe, com o devido reconhecimento da importância e da necessidade de se ampliar a participação de cuidadores de saúde, que agregam valor na atenção ao parto e nascimento fisiológicos, como a enfermagem obstétrica, a doula e as parteiras tradicionais.
Mudar o paradigma do nascimento e superar o paradoxo perinatal brasileiro para reduzir mortalidade materna e infantil: o papel do governo e da sociedade
Iniciativas do Ministério da Saúde e de alguns governos locais vem sendo realizadas para a mudança do cenário do nascimento no Brasil. Ao mesmo tempo a sociedade civil vem se organizando cada vez mais neste sentido. No entanto, os índices de cesariana são crescentes no país (47,0% em 2009) e associados ao aumento da prematuridade e o baixo peso ao nascer, os fatores mais importantes para a sobrevivência e a qualidade de vida da criança. Este aumento decorre da interrupção indevida da gravidez, por cesarianas desnecessárias. Mortes maternas também ocorrem por cesarianas desnecessárias. Portanto, reduzir a mortalidade e infantil e a materna no país passa necessariamente pela reversão deste quadro, com o uso da tecnologia apropriada para prevenir riscos desnecessários e mortes evitáveis.
Desde 2009 a experiência inovadora e potente do Plano de Qualificação das Maternidades e Redes Perinatais integra o Plano de Redução da Mortalidade Infantil na Amazônia Legal e Nordeste Brasileiro. Enfoca 26 maternidades de referência para a atenção ao parto e para formação profissional, em municípios prioritários. O apoio institucional a estas maternidades vem promovendo a transformação técnica e cultural com relação ao modelo de atenção ao parto e nascimento, revisitando conceitos e promovendo a reflexão sobre os direitos da mulher e da criança e as boas práticas em obstetrícia e neonatologia. Reavalia ainda os processos de trabalho e de gestão das maternidades, que repercutem diretamente nas relações entre gestores e os profissionais e na relação destes com os usuários.
A centralização e o autoritarismo nos serviços de saúde perpetuam relações de poder abusivas e desrespeitosas entre gestores, profissionais (com forte teor corporativista) e usuários. Com freqüência a manutenção de práticas obsoletas e sem respaldo técnico no cotidiano dos serviços decorre da dificuldade de se estabelecer um processo de construção coletiva de acordos para funcionamento, de protocolos de atenção, que inclui os usuários, maiores interessados e a quem se destina o cuidado em saúde. A relação de igualdade e de identidade entre pessoas reconhecidas como sujeitas de direitos é fundamento básico neste processo de melhoria e humanização da atenção. Que não haja espaço para qualquer tipo de discriminação, social, econômica ou étnica-racial. Reconhecer o direito à melhor tecnologia em saúde, se colocar no lugar do outro e promover a atenção que desejamos para nós mesmos, como princípio ético-profissional do trabalho em saúde.
Movimentos contra-hegemônicos como este, que propõem uma mudança de paradigma, requerem persistência e participação ampliada das diversas representações da sociedade. Sobretudo dos gestores da saúde e profissionais, que trabalham pelo interesse coletivo. Este movimento precisa definir-se claramente como uma política pública e impulsionar a mudança da cultura da cesária na sociedade e na formação profissional, muito distanciada das tecnologias apropriadas de atenção ao parto. As universidades e o os hospitais públicos de ensino devem ser foco de atuação do Ministério da Saúde em conjunto com o Ministério da Educação para o ajuste de seus conteúdos, das residências médicas e a incorporação das boas práticas, em um prazo mais próximo possível. Uma política de formação e de inclusão da enfermagem obstétrica na equipe de atenção ao parto e nascimento, assim como a inclusão das doulas, pode impactar mais rápida e efetivamente a mudança do modelo, e, conforme aponta a literatura científica, trazer melhores resultados maternos e perinatais. Campanhas do porte do aleitamento materno ? que de forma muito semelhante ao parto é um processo fisiológico que promove saúde e sofreu grave interferência de interesses comerciais - devem ser continuamente realizadas. Que seja divulgado (e ofertado) o direito da mulher e da criança ao bom parto.
Ação específica deve se dirigir ao fortalecimento e construção das redes de atenção perinatal nos territórios, baseadas na necessidade da população, sem o que não haverá resposta definitiva e satisfatória na saúde da mulher e da criança no país. A base deve ser a saúde integral da mulher, saúde sexual na adolescência (forte lacuna no país) e saúde reprodutiva, tendo a atenção primária de saúde como eixo estruturante e coordenador do cuidado, perpassando todos os níveis de complexidade da atenção de saúde. Destaca-se a integração entre o pré-natal e o parto, uma vez que a maioria dos partos no país são hospitalares, e a rede articulada de atenção é fundamental para a vinculação desde o pré-natal para uma maternidade, de forma a prover segurança e tranqüilidade para a mulher neste momento. A peregrinação da mulher em busca de vaga hospitalar para o parto é outra grave violação de direitos da mulher e omissão de cuidados pelo sistema de saúde, impactando na mortalidade materna e infantil. A regulação assistencial deve ser fortalecida no país, de modo a garantir equidade e ampliar acesso ao pré-natal de alto risco e à internação hospitalar no nível de complexidade adequado à necessidade de cada mulher e criança.
Expandir o Plano de Qualificação das Maternidades e de Redes Perinatais para as demais regiões do país é um passo importante para consolidar o processo em curso, uma vez que o Sul, Sudeste e Centro-Oeste apresentam os maiores índices de cesariana no país (cerca de 54% dos nascimentos) e são formadores de opinião, exercendo forte influência para o modelo cesarista.
A expectativa em relação ao governo da primeira mulher presidente do país não pode ser pequena. Traz consigo o forte simbolismo da importância da mulher na sociedade e a possibilidade de se concretizar o anseio de que seja dada a devida consideração ao parto e nascimento. A decisão por uma política pública efetiva de saúde, de cultura e educação que promova o parto e nascimento respeitoso e saudável, o bom parto, pode ser uma marca do governo Dilma. O apoio aos processos em curso e a ampliação das ações para a sua consolidação pode contar com a participação ativa da sociedade mobilizada e dos profissionais de saúde que há décadas lutam por isto. Espera-se assim expandir e fortalecer este movimento de recuperação do valor do nascimento no país, respondendo à grave e histórica dívida social com as mulheres e a crianças brasileiras.
*Sônia Lansky é pediatra, doutora em saúde pública (UFMG) e supervisora do Plano de Qualificação das Maternidades e Redes Perinatais da Amazônia Legal e Nordeste

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

para ser

a vida, essa coisa tosca, me pega, de quando em vez, com pouca roupa. digo pouca roupa, por ter sido criada nessa coisa de que se deve usar muita roupa. cobrir as pernas. cobrir os braços. cobrir o pescoço. cobrir tudo o que se possa cobrir. tem dias que esqueço disso e, imaginariamente, anda quase pelada. as pessoas podem ver o que penso e ouvir o que não falo. sou uma vadia bem largada. tem gente que acha que psicóloga não pode ser essas coisas. tenho orgulho de ter deixado de ser muita coisa pra ser isso. ser livre, fazer o que quero e gosto. falar o que me dá nas telhas. capturar o que me dá nas teias. ficar rubra quando fico rubra. gritar quando me vem o grito. gemer quando me sai o gemido. nessas e noutras, a vida, essa coisa tosca, me mostrou que posso ser gente. nunca mais deixei de ser

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

divulgação: A Lua cresce no céu de Friburgo

Hoje, no entardecer deste dia lindo, olhei para a rainha dependurada no céu e saí a pensar coisas para dizer-lhe. Gosto da lua, porque ela é uma atrevida que aparece em todos os lugares ao mesmo tempo e, mesmo com o céu nublado, ela está lá, faceira por detrás do gelo. Atribulada com as coisas que ainda tenho que dar conta para atender aos imprevistos de amanhã, que já se anunciaram no hoje, chega-se esse escrito gostoso e cheio de vida, vindo das prateleiras da Val. Aí vai.
A Lua cresce no céu de Friburgo
por: Sebastião Guerra
9 de fevereiro de 2011, lentamente a lua volta a crescer no céu de cada um de nós. Assim, mais ou menos de forma direcionada, mantemos nossos movimentos cotidianos externos. Cada um de nós, repletos de memórias densas, importantes e fecundas, lida como pode, no fundo da alma, na noite profunda de nosso interior com a riqueza doída e luminosa de estarmos vivendo 'estes dias' de nossas vidas, nestas serras queridas.
Nos últimos dias, algumas pessoas e a mídia em geral têm usado, em nome do desejo de criar uma onda positiva, otimista, uma frase que me dói: "Estamos finalmente voltando ao normal". Como assim, voltando ao normal? Se o normal é como era antes, não posso aceitar que voltemos a ele. O normal de antes era feito de muitos interesses separados; seja por grupos sociais e econômicos; seja por grupos de famílias; seja por religiões ou entre pessoas 'do bem e do mal'. O normal de antes era civilmente muito solitário, era feito de conselhos municipais esvaziados, envelhecidos antes de florescerem; era feito de instituições sociais importantes e maduras, atuando ingenuamente em nossa sociedade. O normal de antes tinha muito pouco tempo para solidariedade, para servir ao outro acima de tudo. E que fique claro, quando falo servir ao outro, não estou dizendo servir ao outro que precisa, que é pobre. Estou falando em construir uma sociedade de tal forma, que não se produza o acúmulo de bens por uns poucos. O normal de antes não tinha tempo para longas, gostosas, profundas e preguiçosas conversas ao redor da mesa de refeições ou na calçada de casa.
Sem dúvida, o normal de antes também tinha práticas de grande valor humano e potencial transformador. MAS...pouco, muito pouco, diante do tamanho da tarefa.
Nestes dias vivemos fora do normal. Ah, com certeza vivemos.
Nestes dias que passamos sem eletricidade, pude reaprender sobre o silêncio de nenhum motor funcionando, de nenhuma rede virtual ativa, de nenhum aparelho áudio visual emitindo estímulos; pude sentar com minha família, amigos e desconhecidos, na penumbra da luz de raras velas, e suspirar sob o sentimento humilde do tamanho dos meus braços, de minha força real de transformação e de ser ajuda. A eletricidade amplia nossa força de atuação e também nos ilude sobre nosso tamanho.
Nestes muitos dias que passamos sem água encanada e potável, pude reaprender sobre tudo que se lava com dois litros d´água(medida das muitas garrafas pet que me chegaram). Pude conviver com os meus dejetos(urina e fezes) e os de minha grande família, guardados dentro de nossos belos vasos sanitários sem água e sentir a fragilidade e insanidade de nossa civilização que sequer sabe lidar com as fezes, a não ser dando descarga e se esquecendo delas. Pela falta d´água pude aprender os nomes de meus vizinhos, que comigo partilharam a água que tinham.
Nestes dias, no meio da lama fedida, buscando corpos, lavando corpos, enterrando corpos de pessoas amadas, pude aprender sobre o amor. Amor como cuidado; amor como honra ao que vive no outro, seja isto fato presente ou memória. A crueza inesperada das situações que vivemos não poderá ser expressa por palavras jamais, está muito além delas. O sentimento do que vivemos está buscando seus caminhos de expressão. Fiquemos atentos! Agora é tempo de contar histórias sobre o amor que descobrimos; amor cru, desnudo, amor enlameado. Contar muitas histórias entre nós e para outros que aqui não estiveram. Apesar da eletricidade ter voltado; apesar da água potável e encanada ter voltado; apesar de todas as redes virtuais terem voltado. Apesar de todos estes instrumentos mágicos da civilização estarem reestabelecidos, é simplesmente hora de sentar e contarmo-nos histórias, as histórias do amor que descobrimos; debaixo da lama, esta lama fecunda do que poderemos nos tornar.
Nunca mais voltarmos ao normal que era antes é o mínimo de honradez devida aos nossos queridos que se foram. Nunca mais voltarmos ao que era antes é o mínimo de responsabilidade frente a nós mesmos e a todas as crianças que sobreviveram, sobreviveram para o novo.
Nestes dias em que a lua volta a estar no mesmo lugar de um mês atrás, onde estamos nós? O que temos aprendido? Será possível caminharmos sem ingenuidades frente ao modelo de civilização que temos adotado: ele é brilhante, ilusório, desumano, inodoro, definitivamente inodoro. Nosso modelo de civilização não suporta o cheiro libertador de lama de enchente.
Sebastião Luiz de Souza Guerra - Consultor de processos de desenvolvimento, desde 1979 trabalha em instituições sociais, em especial as que atuam no âmbito da infância e juventude. É fundador da Associação Criançasdo Vale de Luz, onde desenvolveu habilidades de gestão organizacional e de apoio ao desenvolvimento de pessoas e de organizações sociais. Já atuou como professor e diretor de escolas, tendo sido diretor do Instituto de Educação de Nova Friburgo (1985/1986) e Coordenador Regional (Região Serrana do Rio de Janeiro) da FIA/RJ - Fundação para Infância e Adolescência, em 2002. Realizou estágios na área educacional na França e Suíça. É graduado em pedagogia, com especializações em Pedagogia Waldorf e Pedagogia Social. Também é músico e pratica e acredita na arte como instrumento de trabalho e de desenvolvimento pessoal e social.

divulgação: Carta aberta ao ministro da Saúde sobre a política nacional de saúde mental


Excelentíssimo Sr. Ministro da Saúde Alexandre Padilha,
O Conselho Federal de Psicologia (CFP) parabeniza a nomeação de Vossa Excelência para o cargo de Ministro de Estado da Saúde, reconhecendo seu histórico como médico sanitarista e pela defesa da Saúde no país. Parabenizamos também a nomeação de Roberto Tikanori, um dos nomes importantes do processo da Reforma Psiquiátrica brasileira, para assumir a Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde.
Este Conselho acompanha atentamente as linhas e diretrizes da política de saúde no Brasil. Muitas vezes, temos caminhado com o Ministério da Saúde, defendendo marcos importantes para a saúde da população brasileira e para a atuação dos psicólogos; em outros casos, divergimos, mas temos mantido diálogo respeitoso com o Ministério.
O CFP tem lutado pela superação dos manicômios no país e participado do processo de transformação da política de assistência em saúde mental iniciado há cerca de 20 anos, processo este que vem sendo criticado por alguns segmentos, em clara tentativa de fazer retroceder a implementação da Reforma Psiquiátrica, que devolveu a muitos brasileiros a condição de cidadania.
Reconhecemos o protagonismo do Ministério da Saúde em prol da luta antimanicomial, bem como as inegáveis conquistas de cidadania dos portadores de sofrimento mental, arduamente alcançadas pelo movimento social. Reconhecemos, ao mesmo tempo, os desafios que ainda estão postos para a consolidação desse projeto.
A Marcha dos Usuários de Saúde Mental, realizada em 30 de setembro de 2009 pela Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial, em parceria com o CFP, foi organizada para exigir avanços na direção de uma assistência efetivamente antimanicomial. Isso quer dizer exigência pela completa substituição dos leitos em hospitais psiquiátricos por uma rede comunitária de serviços; ter a cidadania como prerrogativa essencial para a promoção e a garantia da saúde mental; e denunciar todas as formas de violência e opressão operadas contra as pessoas, assim como as lamentáveis e ainda recorrentes mortes ocorridas no interior dos hospitais psiquiátricos existentes.
O princípio de que não existe saúde mental sem reconhecimento dos sujeitos, dos seus direitos, da sua plena condição de participação na vida social, a qual precisa então suportar diversidade e novas formas de ordenação, seja no campo da cultura, do trabalho, da educação, da assistência, e de tantos outros, levou a Marcha dos Usuários pela Reforma Psiquiátrica Antimanicomial a apresentar exigências não apenas às políticas públicas de saúde, mas também a outros setores.
Reconhecendo o avanço que a ação intersetorial proporciona ao projeto antimanicomial, destacamos, contudo, o protagonismo da política pública de Saúde que, de modo ousado e contrário a posições de cunho liberal e corporativo, sustenta a saúde como bem público e como um direito, cuja garantia depende da conjugação de sabres e práticas diversas que têm como centro o usuário. Ou seja, sem ceder a pressões do mercado ou das categorias profissionais, a política pública de saúde brasileira investe em empreendimento no qual se arrisca a partilhar o poder para melhor cuidar. Esta diretriz é reafirmada na política pública de saúde mental e é central para o projeto antimanicomial.
A Marcha reconheceu que a Reforma Psiquiátrica precisa de uma dimensão intersetorial. A IV Conferência Nacional de Saúde Mental - Intersetorial foi uma exigência desse ato político, que trouxe avanços no campo do debate técnico e político sobre as necessidades de política nacional de saúde mental intersetorial e integral. Essa Conferência, realizada no ano de 2010, como espaço legítimo e democrático do controle social, envolvendo oficialmente todos os segmentos implicados com o campo da saúde mental no país, teve como resultado uma avaliação que aponta para a necessidade de continuidade, avanço e fortalecimento da política de saúde mental. Ela exigiu, no âmbito das políticas de saúde, a total substituição dos hospitais psiquiátricos pela rede de atenção c! omunitária, que precisa ser qualificada e pública.
A Conferência também orientou pela garantia da aplicação dessas mesmas diretrizes na atenção aos usuários de álcool e outras drogas, alvo de preocupações no cenário brasileiro e no atual campo de embates políticos. Entendemos serem essas diretrizes, firmadas em amplo processo democrático de avaliação e deliberação das conferências de saúde mental realizadas em todo o país, que devem orientar a condução das políticas de saúde mental no âmbito do SUS.
Compreendendo que a garantia dos direitos dos usuários de saúde mental e a implementação efetiva da política antimanicomial prevista na Lei 10.216/01 são lutas comuns ao Ministério da Saúde e ao CFP, colocamo-nos à disposição e abertos ao diálogo para avançarmos na concretude dessas políticas urgentes à população brasileira.
Brasília, 10 de fevereiro de 2011
Conselho Federal de Psicologia
Autor: Redação
Fonte: Psicologiaonline

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

um dia quieto

Eu só quero, antes de mais nada, a simplicidade. Só faço a simplicidade. Ando pelas ruas e pelo mundo com meus próprios pés. Vôo pelo mundo com minhas próprias idéias, atravessadas, é claro, pelos ideamentos alheios, daqueles com quem comungo a vida e os pensamentos. Tento cantar com minha voz precária, um canto bonito que a muitos de gosto em ouvir. Sonorizo meus dias com o canto desensaiado dos pássaros. Enfeito a casa com os restos que a natureza deporta de si. Não gosto de cidade grande. Uso as roupas e os sapatos até que o puído seja maior do que o inteiro. Gosto de cozinhar. Arrecado rejeitos para compor o fora do dentro. Enlaço-me no roto, pois porta a beleza de já ter sido. Meu pensamento anda feito lápis em papel prá escrita. Gosto de cachaça, palheiro e conversa fiada. Não sei pronunciar a letra R. Esqueço as palavras que muitas vezes quero expressar. Não uso cremes para rugas e nem para outras coisas. Não sigo modas feitas para ditar os tempos para as gentes trocarem de coisas. Gosto muito mais das noites do que dos dias. Não sei usar as regras da língua portuguesa, nem hífen, nem ponto, nem vírgula, nem acento tônico, nem outras coisas importantes para quem preza a língua (portuguesa). Invento minha própria língua. Fico vermelha por qualquer pensamento à toa (sério ou não-sério). Tenho dificuldades imensas para entender as coisas. Sou intolerante à muitas coisas. Perco o controle com facilidade. Gosto de contar causos e histórias. Não acredito em doenças e em patologias. Sou apaixonada. Não arrumo a cama todos os dias. Paro pra conversar com todos que me interpelam na rua. Pego carona em carroça e jardineira. Escrevo com lápis de carpinteiro. Faço anotações em papéis de embrulho amassados. No chuveiro, não sei cantar, apenas penso. Na patente, penso muito mais. Queria escrever como Guimarães Rosa e Manoel de Barros. Falo sozinha. Ouço vozes. Vejo coisas. Fico impressionada com caboclos. Acolho entidades que batem em minha porta durante a noite. Não falo com quem não me interessa falar. Gosto de viver em meio ao verde, ao verde da natureza e ao verde das coisas. Não ando de pé descalço porque tenho traumas estranhos com a poeira na sola dos pés. Sou meio surda. Já tive muito medo de andar de avião. Tenho orgasmos múltiplos com tudo o que gosto de ter orgasmos. Gosto de dizer coisas ao pé do ouvido. Prefiro palavras bonitas em vez de dizer coisas plastificadas... gosto de buceta em vez de vagina. Gosto de foda e trepada, em vez de relação sexual. Gosto do desavergonhamento das palavras, em vez de seus usos comedidos e arraigados. Gosto da poesia que brota das entranhas das gentes, em vez daquela feita para agradar aos tormentos hipócritas. Gosto disso que me disse, num sussurro dum livro, o Guimarães Rosa: “Sei que não atentaram na mulher; nem fosse possível. Vive-se perto demais, num lugarejo, às sombras frouxas, a gente se faz ao devagar das pessoas. A gente não revê os que não valem a pena. Acham ainda que não valia a pena? Se, pois, se. No que nem pensaram; e não se indagou, a muita coisa. Para quê? A mulher – malandraja, a malacafar, sua de si, misericordiada, tão em velha e feia, feita tonta, no crime não arrependida – e guia de um cego. Vocês todos nunca suspeitaram que ela pudesse arcar-se no mais fechado extremo, nos domínios do demasiado? (em: A benfazeja)”. Ah! Gosto da liberdade! E como gosto!

divulgação: operação guilhotina

Governo do estado deveria ser responsabilizado pelo “garimpo” de policiais
Operação da Polícia Federal comprovou  denúncia das organizações de direitos humanos
por: JUSTIÇA GLOBAL - Rio de Janeiro, 14 de fevereiro de 2011.

Conheça e acesse: http://www.global.org.br/
A “Operação Guilhotina”, realizada pela Polícia Federal (PF), comprova as denúncias feitas por organizações de direitos humanos e moradores sobre a ocupação policial no Complexo do Alemão e da Penha. Em manifesto divulgado no dia 21 de dezembro de 2010, afirmávamos: “...toda a região está sendo ‘garimpada’ por policiais, no que foi classificado como a ‘caça ao tesouro’ do tráfico”. Na última sexta-feira, escutas telefônicas veiculadas pela imprensa mostraram policiais comparando a região com a Serra Pelada.
Durante visitas às favelas da região, tivemos contato com diversos moradores que tiveram suas casas reviradas e saqueadas. A confirmação dessas denúncias reforça ainda as suspeitas, levantadas também por moradores e organizações de direitos humanos, de que o número de mortos nessa operação foi maior do que aquele oficialmente divulgado.
A ação da PF demonstrou que, assim como no governo anterior, a corrupção continua incrustada na cúpula da polícia fluminense. Essa investigação puxou uma das linhas de um novelo que vai dar no conluio das milícias e seu poder econômico com a máquina do Estado. O fato de mais um policial do alto escalão da Polícia Civil ter sido preso por uma operação da PF – há menos de três anos, outra operação levou o ex-chefe e ex-deputado federal Álvaro Lins para a cadeia – reforça o que as organizações afirmaram em dezembro: “as forças policiais exercem um papel central nas engrenagens do crime. Qualquer análise feita por caminhos fáceis e simplificadores é, portanto, irresponsável.”
Neste sentido, é importante rechaçar mais uma vez o discurso da ‘vitória’ do ‘bem’ contra o ‘mal’, adotado pelo governo após as ocupações policiais de novembro. A prisão do inspetor que foi transformado em uma espécie de ‘herói’ da mega-operação do Complexo do Alemão em 2007 – que terminou com 19 mortos em apenas um dia – é um claro sinal de alerta para o perigo deste discurso. A tentativa do governo do estado de melhorar a imagem de suas tropas é evidente, mas essa é apenas uma estratégia de propaganda que não altera as condições estruturais que permitem que o crime se organize facilmente por dentro das corporações policiais.
O resultado da Operação Guilhotina reforça, portanto, a necessidade urgente de retomar de forma objetiva o debate sobre a reforma das polícias. Não podemos depender apenas de investigações eficientes da Polícia Federal e, muito menos, de investigações internas que frequentemente são contaminadas pelo corporativismo ou até mesmo por disputas internas. Temos que pensar em novas estruturas que garantam a transparência, a fiscalização e o controle externo e independente da atividade policial.
A Justiça Global acredita que o governo do estado do Rio de Janeiro deve ser responsabilizado pelos roubos e pelas invasões de domicílio praticados por policiais nas favelas do Complexo do Alemão e da Penha. Vamos lembrar que, logo após a ocupação, o coronel Mario Sergio Duarte, comandante da Polícia Militar, foi à imprensa e deu carta branca aos abusos e às violações de direitos na região ao afirmar: “A ordem é vasculhar casa por casa”. Acreditamos que, com as provas levantadas pela PF, o Estado tem obrigação de fazer um pedido de desculpas formal à população local, e de reconhecer e indenizar os danos morais e materiais dos moradores atingidos pela violência estatal.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

de que interesses falamos? ou, para cantar a ética no SUS!

Dia desses, capturei uma matéria de zhonline sobre "clínicas populares" e guardei no bolso do casaco. Lá ficou. Hoje recebi duma parceria de trabalho e pensaduras, outra matéria sobre o SUS. Juntei as duas para a postagem, mas antes quero dizer umas coisinhas.
Na semana passada, ao participar de um dos encontros num espaço de discussão sobre os processos de trabalho no campo do SUS, discutíamos o organograma vigente num dado espaço de trabalho, contemplando sua verticalidade, os profissionais que lá atuam, suas cargas horárias e os modos de trabalho que operam. Para isso, desde o começo de tal processo de discussão, todas as pessoas vinculadas a tal espaço de trabalho foram convidadas... obviamente, nem todos participam, mas eis que sempre aparece um novo integrante e a coisa vai crescendo, se movimentando e se transversalizando. O referido espaço ainda não está com a gestão definida... ainda não sabemos se será unificada, rotativa ou compartilhada (ou de outra forma) e, por questões práticas e teóricas, por ora, estou, conduzindo o processo... eis que, hoje, para minha surpresa, uma colega que participou pela primeira vez do trabalho, abordou-me de forma muito agressiva, dizendo que EU teria agido sem ética ou de forma anti-ética (não sei se coloca o hífen ou não e nem se foi exatamente nesses termos)... algo assim, ao falar sobre o que falamos no encontro e sem a presença de todos os mencionados (como se o fato de serem trabalhadores do SUS, chamados para o encontro de trabalho, estando ausentes por um ou outro motivo, não poderiam ser mencionados! Talvez seja de se estranhar que sempre os mesmos não estejam nem nos encontros e muito pouco no trabalho!)... bá, gaúcho! me caiu os butiá dos bolso! Uma, que os assuntos foram definidos e discutidos pelo grupo, assim como, toda a abordagem foi feita por todos os presentes... a colega, durante o encontro, em dúvida sobre os propósitos do encontro, foi devidamente esclarecida, inclusive com relato escrito, do processo percorrido até ali; outra, que levou os butiá, foi essa adaga cravada na questão da ética!
De que ética mesmo a colega falava? Da ética da hipocrisia? Da ética do silenciamento diante os corporativismos? Da ética da usurpação do SUS, utilizando-o como cabide de emprego ou como bico? Da ética privatista? Da ética do atendimento negligente ao usuário do SUS? Da ética do descaso com a coisa pública? Da ética do emperramento dos processos de trabalho público, por seres feitos por ética interesseira, elitista e individualista? Da ética da ocultação dos acontecimentos ocorridos nos espaços de trabalho público?
Bueno! Sei que sou, na maioria das vezes, uma intolerante! Ouvindo o clamor ético da colega, meus pensamentos já borbotavam de minha cabeça alguns decibéis acima do aceitável e minha voz, então, nem se fale! Mas consegui, entre muitas outras coisas, dizer que a minha ética não é a ética hipócrita, assim como, que pelo visto, ela não havia entendido nada do que se discutiu! Se perdi a parceria, vejo que nunca a tive. Não estamos no mesmo barco! Não interessa-me essa abordagem pessoalizada dos processos de trabalho público! No mais, quem trabalha nos espaços públicos deve, no mínimo, problematizar práticas arraigadas, ultrapassadas e esgotadas... se essa problematização produzir novas práticas, a andança já está ganha!
Outra coisa que quero falar, é sobre essas tais de clínicas populares. Aqui em Cruz Alta isso não é de hoje. Tem vários anos que uma pessoa, particularmente, "investe" nessa idéia. É uma figura que já ocupou cargos públicos eletivos e que, nessa condição, em vez de fomentar o protagonismo dos usuários e o fortalecimento do SUS, "investiu" na constituição de um espaço de "clínica popular", agregando "voluntários", voluntaristas, voluntariosos e aproveitadores da passividade e assujeitamento popular!
Clínicas que não promovem saúde, mas vendem produtos e cobram "preços populares" para procedimentos que em outras circunstâncias custam os "olhos da cara" dos mesmos populares! Desvitalizam e despotencializam as gentes, apostam na inexistência de protagonismo, fomentam a medicalização da vida e combatem o SUS!
Vejam as duas abordagens:
Clínicas populares atraem usuários que cansaram de esperar atendimento público
Operadoras de saúde no país elegeram a classe C como alvo preferencial de seus produtos
por: Flávio Ilha - flavio.ilha@zerohora.com.br
De olho num mercado potencial de R$ 800 bilhões, as operadoras de saúde em todo o país elegeram a classe C como alvo preferencial de seus produtos. Com dinheiro no bolso, mas sem planos de saúde e sem paciência para esperar nas filas do Sistema Único de Saúde (SUS), muitos consumidores com até R$ 2,5 mil de renda familiar estão migrando para clínicas particulares em busca de serviços rápidos e baratos.
E estão encontrando. Com a concorrência em alta, hoje já é possível entrar num consultório médico sem temer o risco de contrair uma dívida impagável. Clínicas de Porto Alegre e da Região Metropolitana chegam a cobrar R$ 25 por uma consulta, mesmo que o usuário não seja coberto por nenhum convênio ou plano de saúde. Também é possível fazer uma ecografia de pré-natal por R$ 24, quando a maioria das clínicas particulares cobra entre R$ 65 e R$ 80, além de parcelar exames mais caros em até seis vezes.
Um diagnóstico complexo, como uma ressonância magnética, também pode custar até 65% mais barato que a média do que é cobrado nas clínicas particulares. A demanda da classe média por serviços de saúde fez aumentar o número de empresas que atuam no setor: apenas entre 2009 e 2010, três novas operações de grande porte foram criadas em Porto Alegre. As duas maiores clínicas populares da cidade recebem cerca de 200 pacientes por dia. Cada uma.
Como a auxiliar de serviços gerais Dionara Pedroso. Aos 42 anos, ela não tem cobertura de nenhum plano de saúde na loja em que trabalha e, cansada das filas do SUS, consultou pela segunda vez em uma das clínicas populares da cidade na sexta-feira, 21 de janeiro. Marcou a consulta para o mesmo dia e desembolsou R$ 30 pela dermatologista, em um consultório confortável no Centro de Porto Alegre. Se fosse depender do SUS, levaria pelo menos 30 dias para agendar um horário.
— Vim aqui por indicação de uma amiga e fui muito bem atendida. Se puder, nunca mais boto os pés num posto de saúde — conta Dionara.
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14/02/2011 - Jornal VS - Comunidade - Pág. 8 - Clipado em 14/02/2011 07:02:32 (sem link)
Aposta contra o SUS
por: Julio Dorneles (professor, especialista em administração pública e diretor executivo do Pró-Sinos)
Ganhou impressionante destaque na mídia uma séria aposta contra o SUS. Em matérias especiais na TV, em jornais de grande circulação regional e nacional, nas rádios, na internet, enfim, por onde foi possível, atacou-se duramente as mazelas do SUS. Mas a questão não analisada é: a saúde no Brasil é o caos ou isso seria se justamente não existisse o SUS? Além disso, de um modo geral, muitas matérias apostaram no acesso de novas camadas sociais a planos de saúde suplementar, privados. Sendo assim, procuraremos analisar o sério risco que representa esse equivocado ataque ao nosso sistema de saúde público.
A verdade é que os problemas enfrentados ou apresentados pelo SUS são os mesmos dos planos privados, só que o primeiro atende um universo enquanto que os segundos atendem a um microcosmo quando comparado àquele. Disso decorre a diferença quando se compara determinado plano de saúde privado com o SUS. Via de regra, vão dizer que o atendimento do privado foi mais rápido ou mais eficiente que o do SUS e por aí vai. Mas como comparar quem atende alguns que o escolheram e podem pagar com um sistema que não pode escolher nem discriminar a quem vai atender?
Nossa memória é curta, mas se nos esforçarmos vamos lembrar que há bem pouco tempo não havia o SUS e somente tinham algum tipo de atendimento de saúde aqueles cidadãos que dispunham de carteira assinada e contribuíam para o antigo INAMPS, hoje INSS, ou que contribuíam com plano privado. Realmente era o caos. E mais que isso, a imensa maioria dos cidadãos brasileiros não tinha qualquer garantia de acesso a serviços de saúde, por mais básicos que fossem. Para acabar com essa realidade é que surgiu o SUS, como um sistema único, universal, hierarquizado e que promove a equidade nos serviços de saúde do Brasil.
Parece estranho, mas é essa a verdade. A estrutura da rede privada depende do SUS. Não há um plano privado sequer no Brasil que disponha de tal estrutura capaz de atender a demanda por serviços de saúde sem acessar os equipamentos do SUS. São rarissimos os planos privados que dispõem, por exemplo, de um hospital próprio para atender seus clientes. E se o têm, são um ou outro hospital aqui ou ali e não uma rede de hospitais em cidades-pólo ou muito menos em cidades de médio e pequeno porte. Aliás, a maior parte dos serviços prestados por planos privados é realizado utilizando-se equipamentos, hospitais, laboratórios e profissionais sustentados pelo SUS.
Quando um plano de saúde privado qualquer lhe encaminha para uma cirurgia no hospital de sua cidade, ele está utilizando-se do bloco cirúrgico, da estrutura de apoio e do laboratório bancado pelo SUS. Enfim, quem aposta contra o SUS pode literalmente quebrar.