Fora da Ordem
Decisões de tribunais não são irreversíveis, menos ainda inquestionáveis. Ninguém precisa dominar o jargão técnico para rechaçar as descabidas imposições da OAB para exercício da profissão de advogado
Por Guilherme Scalzili, no Amálgama
O Supremo Tribunal Federal recebeu um parecer do subprocurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirmando que a exigência de aprovação no exame da Ordem dos Advogados do Brasil viola os princípios constitucionais das liberdades de escolha e de exercício profissional. A resposta dos ministros deve sair nos próximos meses, pois há diversos questionamentos parecidos aguardando o escrutínio da corte.
É preciso salientar que o argumento central de Janot limita-se a apenas um ou dois aspectos jurídicos da controvérsia. Especialistas também acusam a OAB de contrariar o direito soberano à isonomia (só ao bacharel em Direito é vedado exercer o ofício automaticamente), ou de extrapolar os poderes estabelecidos para a qualificação de profissionais. Há ainda os que vêem na prova um instrumento para reserva de mercado, reproduzindo irregularmente o método seletivo dos vestibulares e concursos públicos: mesmo que em tese não sejam cerceados por uma restrição formal de vagas, os avaliadores da OAB podem regular a acessibilidade dos exames, porque manipulam vastos universos de informações específicas e critérios subjetivos de avaliação.
Está claro que o Ministério Público evita desperdiçar seu latim na defesa de teses já desgastadas por inúmeras jurisprudências contrárias. Mas decisões de tribunais não possuem natureza irreversível, menos ainda inquestionável. E ninguém precisa dominar o jargão técnico para rechaçar as descabidas imposições da OAB.
Nada sustenta a ilusão de que o exame possui “notória utilidade pública”. Além de propiciar fortunas milionárias a uma instituição privada que não admite controles externos, a obrigatoriedade serve a propósitos puramente corporativos. A limitação do número de advogados no país interessa apenas à categoria, pois valoriza os seus serviços, e não à clientela, que paga mais por eles. O prejuízo recai também sobre a esmagadora maioria dos formados em Direito, milhares de pessoas que desperdiçam tempo, recursos e miolos graças a uma arbitrariedade excludente que não reflete a prática efetiva e cotidiana da advocacia.
A tal “credibilidade” que a OAB pretende conferir a seus associados carece, no mínimo, de base científica. Até os defensores da peneira admitem que ela é inútil, pois não coíbe a ação de incompetentes e salafrários. Toda a escandalosa mediocridade que prolifera nos fóruns de qualquer comarca brasileira foi, um dia, considerada satisfatória pelos escrutinadores locais da Ordem. Aliás, se a prova detectasse a má formação acadêmica, as piores instituições de ensino jamais forneceriam um advogado sequer. Agora é fácil (e ilegítimo) responder à disseminação de faculdades caça-níqueis lesando seus clientes e favorecendo o mercado rentável dos cursos preparatórios.
Infelizmente, porém, resta pouco a fazer contra esse lobby ancestral, enraizado nos Poderes republicanos e temido pelos conglomerados midiáticos. No STF, onde vigora o espírito corporativista, o advogado recebe tratamento de cavaleiro magnânimo, impermeável aos desígnios dos reles mortais. Considerando-se que os ministros julgam absurdo estipular diplomas e mensalidades para o exercício de muitas outras atividades remuneradas, a saída mais cômoda talvez seja permitir que todo órgão laboral institua seu próprio selo de capacitação. Cobrando caro, evidentemente, através de imposição legislativa, em nome do interesse comum.
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