Revolução 2.0 - Sem minimizar o papel das redes sociais, foi sobretudo sua combinação com as televisões via satélite e a mais influente entre elas, a Al-Jazeera, que permitiu às “novas mídias” uma máxima difusão. De qualquer forma, a web participativa semeou a palavra democrática nos ventos da história
O regime de Hosni Mubarak cometeu o ato mais liberticida do mundo em relação ao acesso à internet, segundo o jornal Libération de 18 de janeiro de 2011. Nem a Birmânia em 2007, a China em 2008 ou o Irã em 2009 foram tão longe quanto o Egito na reação contra a rede mundial de computadores. Apenas no país do rais o acesso à rede foi totalmente bloqueado para 90% dos 23 milhões de internautas egípcios com uso ocasional ou regular da web – dos quais 5 milhões são inscritos no Facebook.
Essa censura, no entanto, não impediu a queda de Mubarak. A revolução egípcia, assim como a precedente na Tunísia, demonstrou o poder das novas mídias, a dificuldade de combatê-las com forças clássicas de controle e repressão, e a articulação – em geral diminuída – com os meios de comunicação tradicionais, como a televisão e o jornal.
Voltemos ao famoso bloqueio à internet: em 2 de fevereiro, após cinco dias de interrupção, as autoridades egípcias decidiram restabelecer a rede. Na véspera, o Google havia lançado a possibilidade de “tuitar” por telefone, uma forma de contornar a censura. Bastava discar um número e deixar uma mensagem de voz, que logo a comunicação era retransmitida pelo Twitter. Esconder os acontecimentos do mundo digital, portanto, não é mais possível. A prisão do responsável pela área de marketing do Google no Oriente Próximo (que seria ovacionado pela multidão da praça Tahrir após sua libertação) revelou-se rapidamente inadequada à situação. O regime tentou abafar a internet da mesma forma que se livrou de testemunhas inconvenientes ao manter em cativeiro os jornalistas que cobriam as manifestações. Mas a rede das redes não é, por natureza, incontrolável?1
Contrarrevolução virtual
Uma nova estratégia, mais ajustada aos aparatos modernos de telecomunicação, foi então desenvolvida. Em vez de fecharem a torneira digital e censurarem sem discernimento as mensagens dos opositores, as autoridades egípcias tomaram a iniciativa de também usar as novas tecnologias a seu favor. Assim, as forças armadas obrigaram as operadoras de telefonia móvel associadas ao Estado (Mobinil, filial da France Télécom e da Vodafone) a difundir mensagens de texto que apelavam para a delação ou divulgavam informações sobre hora e lugar das manifestações de apoio a Mubarak. Alguns dias antes da queda do velho presidente, um torpedo do Exército convidava os “homens honestos e leais do Egito a enfrentar os baderneiros e criminosos e proteger nosso povo e a honra de nosso precioso Egito”.2Hoje, depois do papel exercido pelo Exército na destituição de Mubarak, a mensagem pode soar ambígua, mas ela foi divulgada naquele momento com o intuito de apoiar o poder vigente, enquanto o raisse agarrava ao trono. Seja como for, esse exemplo é testemunho de certa sofisticação da repressão: não se trata mais de interditar blogs ou sites hostis ao regime – especialmente aqueles que divulgaram vídeos de tortura em delegacias egípcias –, mas de usar os mesmos meios dos opositores para promover nas redes sociais a palavra do governo. O único problema é que a ação do regime chegou tarde demais. Na era digital, qualquer autoridade que se considere vítima da rede, e em particular de um mecanismo de busca, deve postar sua própria produção de conteúdos on-line com o objetivo de interferir na comunicação e influenciá-la. Mas esse uso “proativo” implica antecipar-se aos acontecimentos, e não simplesmente reagir a eles.
Agora, que lugar essas novas ferramentas de comunicação ocupam nas rebeliões árabes? A maior parte das análises concorda que as redes sociais tiveram um papel importante nas mobilizações egípcia e tunisiana. Para expressar descontentamentos, reagrupar-se por afinidade ou se sentir reconfortado por agir de alguma maneira, foram criados grupos no Facebook; utilizou-se o Twitter de forma mais marginal para lançar alertas sobretudo ao exterior do país. Contudo, como atestam as numerosas prisões de jornalistas ou a perturbação das emissões da Al-Jazeera em um dos satélites gerenciados pelo Estado egípcio, as autoridades dirigiram suas atenções à televisão e ao jornalismo. Os canais de informação ao vivo de fato têm esse poder de refletir a realidade das manifestações e estimular a participação imediata (a cobertura dos acontecimentos no Egito pela BBC Mundo incitou o Irã a causar interferência nas emissões do canal como medida de precaução).
A ideia de uma “revolução 2.0” (como foi batizada pelo blogueiro egípcio Ghonin) deve ser relativizada? Na realidade, antigas e novas mídias parecem estreitamente ligadas. Se hoje a informação pode contornar a censura, escapar de qualquer contingência e ser amplamente divulgada, é graças à internet e aos espaços de compartilhamento constituídos pelas redes sociais. Porém, a revista Telos, editada pela Fundação Telefónica na Espanha, mostrou recentemente que 80% das notícias que circulam pelo meio digital são provenientes de edições on-line da mídia impressa.3 O mesmo ocorre com a televisão. Na Tunísia, a Al-Jazeera – proibida de entrar no país pelo governo de Ben Ali – se consolidou como o meio audiovisual livre do país, em detrimento dos canais nacionais e estrangeiros, de acordo com o escritor Taufik ben Brik, enquanto os “canais tradicionais da rua exaltada – internet, Facebook, Twitter, YouTube – foram relegados a segundo plano”.4 O canal de notícias se distinguiu sobretudo por sua capacidade de captar para sua antena imagens de telefones celulares, como as das primeiras manifestações reprimidas pela polícia em Sidi Bouzid.
Em artigo do Monde.fr sobre a influência do canal de televisão do Qatar na revolução tunisiana, o jornalista Benjamin Barthe descreveu o processo de veiculação desses vídeos amadores publicados em sites alternativos como Nawaat ou Takriz, indicados pelo Twitter, retomados por redes sociais (Facebook, YouTube) e finalmente divulgados em massa e amplamente popularizados pelas emissões do canal catarense. “A Al-Jazeera se adaptou ao novo ambiente midiático ao recorrer rápida e criativamente aos conteúdos gerados pelo público”, escreve em seu blog o cientista político norte-americano Marc Lynch, especialista no mundo árabe, citado pelo Le Monde. “Outras televisões via satélite a imitaram. […] Essas plataformas midiáticas e esses colaboradores individuais inviabilizam a capacidade dos Estados de controlar o fluxo de informação. É a última etapa até agora da emergência de um novo espaço midiático árabe”, completa.
Para seguir a evolução dos acontecimentos no Egito, os oficiais responsáveis da Casa Branca, segundo oNew York Times, assistem a Al-Jazeera – apesar de esse mesmo canal, culpabilizado por divulgar vídeos de Bin Laden e estigmatizado por seu “islamismo”, ser ausente em quase todos os menus de televisão via satélite e a cabo nos Estados Unidos. Finalmente, a revolta egípcia se amplia à medida que a televisão egípcia transmite os discursos de Mubarak – autocrata que, do interior de seu palácio, figura literalmente desconectado das aspirações juvenis de seu país (a ponto de a imprensa francesa falar em “Maio de 68” árabe).
Drible nas fontes oficiais e na manipulação
Em matéria de informação, portanto, os novos canais digitais aparecem em segundo plano. Por outro lado, as redes sociais participativas (2.0) desempenharam uma função inédita na história da mídia: permitiram às redações jornalísticas ocidentais – em geral alheias à realidade desses países porque possuem acesso fácil somente às informações oficiais – avaliar que o argumento da islamização não era suficiente para descreditar os levantes populares.
A web 2.0 tem, sem dúvida, essa propriedade mágica de não comportar a imposição de jogos e manobras midiáticas, apesar de tentativas aqui e ali de construir o movimento como uma ameaça a Israel ou uma ação da Irmandade Muçulmana. Com a internet, a palavra do povo se amplifica ainda mais, mesmo se parcial.
A propósito: não é a internet ou as redes sociais que fazem a revolução. As imolações públicas, as manifestações proibidas e a ocupação da praça Tahrir são, antes de tudo, expressões físicas de contestação e luta popular. Ademais, como mencionado, o uso de novas tecnologias não é exclusividade das forças contestatórias – Teerã também as utilizou para conter as manifestações conectadas de 2009 –,5e pode ter grande tendência a priorizar o descontentamento intelectual em detrimento do engajamento militante. Seria legítimo perguntar-se, portanto, sobre o futuro de uma mobilização se ela não vem acompanhada de um trabalho de estruturação política que permita a transformação da massa digital em força revolucionária física e atuante. Ao mesmo tempo, a web participativa estimula novas formas de organização tecnológicas, mas que também semeiam a palavra democrática nos ventos da história.6
Do Oriente Próximo a Cuba, passando pela Argélia, a internet oferece ferramentas para interconectar povos e, ao mesmo tempo, permite que cada um se organize e estimule iniciativas locais. Diante da informação “imposta” pelos grandes meios de comunicação – cuja recepção é essencialmente passiva –, as novas mídias parecem ter inventado a fórmula da alquimia que transforma informação em participação, e participação em ação. Os internautas são convidados a compartilhar essa nova ideia surgida no Magreb: a ditadura não é o único horizonte político.
Marie Bénilde é jornalista, autora de On achète bien les cerveaux: la publicité et les médias, Paris, Raisons d'Agir, 2007.
1 A questão remete aos Estados Unidos, onde um controverso projeto de lei de segurança digital colocaria à disposição do presidente um interruptor da rede mundial (“botão fatal”) para controlar ataques cibernéticos oriundos do estrangeiro.
2 “Reaching for the kill switch” [Buscando o interruptor fatal], The Economist, Londres, 10 de fevereiro de 2011.
3 Dado citado em “El 80% del material informativo que circula por la Red procede de la prensa” [80% do material informativo que circula na rede procede dos meios impressos”], El Mundo, 2 de fevereiro de 2011.
4 “En Tunisie, le règne sans partage d’Al Jazeera” [Na Tunísia, a Al-Jazeera reina soberana], Slate.fr, 19 de janeiro de 2011.
5 Sobre esse tema, ver Philippe Rivière, “En Iran, Nokia connecte la répression” [No Irã, Nokia inicia a repressão], Information 2.0, 5 de março de 2010.
6 Sobre esse tema, ver Emmanuel Torregano, “Tunisie, Egypte... Algérie, ‘Inception’ de la révolution” [Tunísia, Egito...Argélia, “semente” da revolução], Electron Libre, 12 de fevereiro de 2011.
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