Entrevista especial com Lincoln Secco
Foi lançado no último mês pela Ateliê Editorial o livro História do PT. A IHU On-Line entrevistou por e-mail o autor da obra, Lincoln Secco, que explica seu trabalho: “não havia uma história do PT que contemplasse as distintas fases do partido, da formação ao poder. Eu quis escrever um ensaio fácil de ser lido e conciso o suficiente para os jovens militantes e estudiosos da nossa história recente. Por isso, o livro traz um histograma das tendências do PT e até um glossário do jargão petista”. A partir de suas pesquisas, Secco chega à conclusão de que o Partido dos Trabalhadores, ao contrário do que diziam seus documentos, “teve uma típica trajetória de um partido social democrata desde o início”. Na opinião do historiador, “o PT mimetizou a democracia eleitoral brasileira e isso inclui poder econômico e o jogo de celebridades do mundo midiático”.
Lincoln Secco, historiador, é professor da USP e membro do Conselho Editorial da revista Perseu, além de colaborador da revista Teoria e Debate.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual foi o propósito do livro “História do PT”?
Lincoln Secco – Não havia uma história do PT que contemplasse as distintas fases do partido, da formação ao poder. Eu quis escrever um ensaio fácil de ser lido e conciso o suficiente para os jovens militantes e estudiosos da nossa história recente. Por isso, o livro traz um histograma das tendências do PT e até um glossário do jargão petista.
IHU On-Line – Nessa perspectiva, o que lhe chamou a atenção revisitando a história do PT?
Lincoln Secco – O PT, ao contrário do que diziam seus documentos, teve uma típica trajetória de um partido social democrata desde o início. É claro que nas condições e especificidades brasileiras do fim do século XX. Eu mesmo não pensava isso. Quando era militante do partido nos anos 1980-1990, eu considerava que o PT era um partido socialista em disputa e que ele poderia vir a ser uma agremiação de vanguarda revolucionária.
IHU On-Line – Na avaliação do senhor, qual foi a contribuição de cada um dos grupos fundadores do PT: sindicalistas, membros da igreja progressista e militantes provenientes de grupos de esquerda que combateram a ditadura? É possível identificar contribuições específicas da cada um deles para o PT?
Lincoln Secco – No meu livro eu desdobrei as três fontes de formação do PT que você citou e acentuei as contribuições de cada uma. Creio que, ao lado de sindicalistas e militantes católicos, tiveram importância também os intelectuais, os “dissidentes” do MDB, os remanescentes da luta armada e os trotskistas (no caso dos dois últimos é importante separá-los, pois vieram de tradições distintas). Mas é claro que, sem o movimento sindical do ABC e a conjuntura de crise econômica internacional, seria difícil que o PT surgisse.
IHU On-Line – Qual é o peso de Lula no PT?
Lincoln Secco – Há muita especulação sobre o lulismo hoje. Eu considero que Lula e o PT formam um par indissociável. Especialmente depois de 2006, Lula ficou muito além do PT em termos eleitorais. Mas não é verdade que o partido não tenha vida própria e que seja totalmente manipulado por Lula. O PT precisa mais de Lula do que o contrário, é verdade, mas Lula seria inconcebível sem o seu partido. Suas políticas sociais que lhe deram amplo respaldo popular vieram todas de um acúmulo de discussões ou práticas administrativas petistas anteriores. Se é inegável que ninguém no PT consegue tanta audiência popular quanto Lula, isso vale, na verdade, para qualquer partido. Qual político brasileiro atual está acima de Lula?
IHU On-Line – O PT está também se tornando um partido de caciques?
Lincoln Secco – As tendências petistas garantiam não só a originalidade do partido como o debate democrático. Curiosamente, quando o PT adotou critérios democráticos como o Processo de Eleição Direta, o debate diminuiu e a participação das bases também. Em minha opinião, o PT mimetizou a democracia eleitoral brasileira e isso inclui poder econômico e o jogo de celebridades do mundo midiático.
IHU On-Line – O PT se transformou de um partido de militantes em um partido de funcionários?
Lincoln Secco – A militância do PT renovou-se pouco e perdeu sua influência na vida interna. Mas é preciso observar que, mesmo nas condições de uma base cheia de funcionários de gabinetes, funcionários de cargos de confiança, etc., a militância não é passiva. Pouca gente prestou atenção à “revolta de Sumaré”. Em julho houve o primeiro Encontro das Macrorregiões paulistas e ali a maior parte dos delegados presentes revoltou-se contra a direção partidária e negou-se a aprovar uma aliança com o PSD do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. Por outro lado, é claro que a militância pode se revoltar sem mudar muita coisa. Mas eu perguntaria: qual partido hoje tem um número importante de militantes? Quando a participação militante no PT e na esquerda declinava nos anos 1990, não era só a conjuntura neoliberal que causava isso. Houve uma mudança estrutural assinalada pela Revolução da Informática e nós ainda não sabemos como isso afeta o interesse no trabalho político voluntário e no quotidiano em geral. Hoje, nós usamos diariamente um tempo muito grande na internet, no celular, etc. Parte de nossas discussões e decisões são tomadas por e-mail. Há 15 ou 20 anos, muitos militantes do PT não tinham nem telefone fixo em casa, só que os comícios e passeatas de rua eram para centenas de milhares de pessoas. Atualmente, só manifestações religiosas ou festivas alcançam tal número. No entanto, as rebeliões do Egito, Tunísia, Grécia, Espanha, Chile, etc. demonstram que ainda há motivos para ocupar as praças. Mas os partidos de esquerda, cujo modelo é do século XIX, não parecem capazes de liderar os protestos.
IHU On-Line – Como o senhor interpreta as decisões do 4º Congresso Nacional do PT? Há novidades?
Lincoln Secco – O encerramento do IV Congresso do PT em 2011 chegou a me surpreender. O PT mostrou que ainda tem vida interna. Mais surpreendente do que a importantíssima quota de 50% para mulheres na direção do partido, foi a decisão de que a partir de 2014 vereadores, deputados estaduais e federais só podem ter três mandatos consecutivos e os senadores, dois mandatos. Tal resolução não existe em nenhum partido brasileiro. No entanto, no dia seguinte alguns parlamentares já desrespeitaram publicamente a norma, afirmando que era só uma “orientação”. Veja que até uma medida que sequer afeta os políticos petistas atuais causa em parte deles forte oposição.
IHU On-Line – Fazendo um balanço dos já mais de trinta anos do PT, o que permanece fiel às suas raízes e o que mudou substancialmente?
Lincoln Secco – O PT no governo realizou muito do que dizia em suas resoluções anteriores. O mercado interno de massas era a base do governo democrático e popular. Por outro lado, embora haja socialistas no PT, ele perdeu sua referência socialista.
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