Mestre em filosofia da medicina e um dos responsáveis pela revisão do Código de Ética Médica, Luiz Roberto Londres é um crítico do modelo de atenção à saúde centrado na hospitalização e no atendimento em emergência. Não soaria estranho, não fosse ele diretor-presidente da Clínica São Vicente, uma das mais conceituadas do Rio de Janeiro, onde o neurologista Paulo Niemeyer Filho mantém seu consultório. Em entrevista, Londres diz que é preciso "desmedicalizar a vida e desospitalizar a medicina".
A entrevista é de Clarissa Thomé
e publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo, 04-09-2011.
Eis a entrevista.
Na última década, o Rio perdeu hospitais importantes, outros foram vendidos. Agora há um forte investimento de operadoras na rede própria. Como o senhor vê essa movimentação?
Toda a medicina de São Paulo foi baseada nos hospitais de colônias e alguns beneficentes e de ordens religiosas. No Rio de Janeiro, o forte eram os hospitais públicos e alguns beneficentes. E por que isso? Porque saúde não pode ser encarada como comércio, senão a mercadoria vira gente. O que houve aqui no Rio é que, por algum motivo, foi aceito o desmonte dos hospitais públicos. E você tem incongruências hoje como se vê em São Paulo, que briga para que planos de saúde utilizem o Hospital das Clínicas; por outro lado, nega o financiamento para a saúde. É uma incongruência.
A quem interessa isso?
A minha opinião é de que a medicina deixou de ter o foco no paciente e passou a ter o foco no ganho financeiro. Deixou de ter o foco na atuação do médico e passou a ter na intermediação dessa atuação. É a grande distorção que existe hoje, principalmente no Rio de Janeiro.
Por que o senhor diz que é uma distorção?
Toda legislação para a saúde sempre teve por cuidado preservá-la de ser considerada comércio. A Constituição Federal mostra claramente que a saúde não é comércio e ninguém pode se aproveitar do trabalho do médico. E aí você vê donos de planos de saúde dizendo que ficaram bilionários porque o médico é mão de obra barata. O que vemos é a interferência nas ações do médico em detrimento daqueles que deveriam receber atenção total, que é o paciente. O artigo 133 do decreto-lei 73, de 1966, é bem claro: "É vedado às sociedades seguradoras acumular assistência financeira com assistência médico-hospitalar." E isso não é cumprido. Eu fugiria do seguro que tem rede própria.
Como o senhor vê a saúde voltada para o atendimento em emergências, até mesmo na medicina privada?
Numa emergência de hospital, quantas pessoas deveriam estar ali e precisam desse atendimento de emergência? São poucas. Um hospital nunca deveria ser o centro do atendimento à saúde. Ele deveria ser o último lugar. Cada pessoa deveria ter o seu médico de confiança, como as crianças têm o seu pediatra, a mulher têm o seu ginecologista, etc. Veja o parto, por exemplo: nascer não é medicina, é biologia. Você precisa ter uma estrutura para uma intercorrência - o médico pode acompanhar a parteira fazer o seu trabalho. É preciso desmedicalizar a vida e desospitalizar a medicina. Esse é o meu conceito.
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