terça-feira, 20 de setembro de 2011

MALUQUICES

d'Um grupo de alienados
(em: Contos Anarquistas, ed. Martins Fontes)

A nacionalidade é uma ficção absurda e
 perigosa. A idéia patriótica e a idéia religiosa
são superstições inventadas para conduzir a
vontade do povo".
O que é uma bandeira?Um farrapo. Ideia dum homem. Obra de um homem. Trapo colorido por meio de combinações químicas. 
Auriverde, azul e branca, alvirrósea ou rubro-negra, segundo a vontade dos maiorais da pátria, temos todos nós que aceitá-la como símbolo de que não partilhamos, venerá-la como um ídolo sagrado e único. Encarnação mais que perfeita do solo que nos viu nascer... no qual sempre estamos isentos de arrastar uma vida de baixezas e privações...
É dever de todos erguer-se e descobrir-se à passagem da bandeira"!
Bela patada, não acham? Como se concebe esse dever, essa obrigação,essa imposição disfarçada, se a ultracomocíssima Constituição da República nos assegura a liberdade de pensamento?
Ora, bolas... senhores patriotas!
Patriotas? Que dissemos nós?!... Pode lá haver patriotas, se há na vida humana um choque formidável de interesses, uma confusão latente de interesses, uma confusão latente de transações, um vaivém ininterrupto de venha a nós, um contraste flagrante em tudo o que se nos depara à vista e à imaginação? Se todos, nacionais e estrangeiros, estão à mercê dessas determinantes do atual estado de coisas?
O que há não é patriotismo, propriamente dito. Há, sim, a necessidade de segurança dos bens da classe alta e uma falta demonstrativa de raciocínio apurado, no gentio apalermado e infantil que compõe a classe baixa.
A idolatria não é senão um estado mórbido de compleições místicas. Logo, se a bandeira -como as imagens religiosas etc.- é um ídolo, o que vêm a ser os que o idolatram?
Se a bandeira içada nas fachadas dos edifícios públicos e particulares, em dias feriados, é tão brasileira, tão nacional como a dos batalhões, por que motivo há de a gente levantar-se e descobrir-se à passagem da bandeira, e não quando passa pela bandeira?
Pobre homem! Caricata besta humana!...
Há fome e prantos pelo Brasil afora. Filhos do país na maior miséria, sem comer e sem domicílio, fazem-se mendigos, vadios, gatunos, morrem de inanição ou se suicidam.
E não há coisa melhor do que ser brasileiro!
Lá no Norte -há quantos anos, desde quando?-, a fome e a sede no afã patético de exterminar milhares de criaturas úteis para a vida.
Cadáveres humanos e de animais eram devorados -e sê-lo-ão ainda, quem sabe?- pelos sertanejos famintos. Águas apodrecidas eram tragadas...
E não há coisa melhor do que ser brasileiro!
Operários nacionais explorados por estangeiros, no comércio, na indústria, na agricultura etc. etc., e, enquanto estes enriquecem fabulosamente, aqueles não passam de reles proletários, quase sempre a braços, em grande número, com a falta de quem lhes queira dar trabalho, muitos deles com família e sem crédito algum... porque são pobres...
E não há coisa melhor do que ser brasileiro!
A luta do Contestado, onde as maiores monstruosidades foram praticadas pelas forças federais, contra indefesos e ignorantes mambiras, vítimas da sanha política dum bando de magarefes; do governo que lhes roubou as terras que lhes haviam sido dadas, par avendê-las a um sindicato estrangeiro, e daquela tão ridícula quão caprichosa questão dos limites entre Paraná e Santa Catarina.
E não há coisa melhor do que ser brasileiro!
Há uma enorme dívida externa a pagar. Tinham-se, para isso, uns tantos por cento do ordenado dos pequenos empregados do Estado, criam-se novos impostos -não sobre o álcool, o fumo, a seda etc., não, mas sobre aquilo de que mais precisa o povo-, quando existem no Brasil milionários e até multimilionários, brasileiros, que lhe podiam saldar esse vergonhoso compromisso.
Um deles é o senhor Rui Barbosa, multimilionário, que se limitou a fazer uma conferência em Buenos Aires...
E não há coisa melhor do que ser brasileiro!
Brasileiros que vivem na opulência, desfrutando de tudo quanto é belo e indispensável à vida, e brasileiros que passam uma vida de cão, morando em choupanas infectas, sem muitas vezes ter um pão para dar ao filhinho estremecido que lho pede banhado em lágrimas.
Brasileiros, senhores? Brasileiros, escravos? Uns morrendo de fome, outros de indigestão.
E não coisa melhor do que ser brasileiro!
Estás doente? Aqui tens a Santa Casa. És mendigo? Ali tens o asilo. Dormes na rua? Tens, além, aquela outra infâmia que é o Albergue Noturno. És ladrão? Assassino? Vadio? Sem que sejas responsável do teu crime? Lá está a cadeia, onde vão perverter-te ainda mais.
E não há coisa melhor do que ser brasileiro!
Conclui-se então que não há coisa pior do que ser burro!
(Guerra Sociale, SP, ano II, nº. 32, 1º. set. 1916)

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