A partir de making of de filmes pornográficos, filme francês reflete sobre a representação idealizada do sexo e do prazer.
Por Bruno Carmelo, do Discurso-Imagem.
Il n’y a pas de rapport sexuel (“Não há relação sexual”) nasceu do encontro improvável entre Raphaël Siboni, famoso artista plástico, e HPG, diretor e ator de filmes pornográficos. Por coincidência, o trabalho de ambos é financiado pela mesma produtora, a marginal Capricci filmes, que propôs a Siboni pegar milhares de horas de making of do diretor pornô e fazer um documentário a respeito. Cada um impôs suas condições: Siboni exigiu que HPG não tivesse influência nenhuma na escolha das imagens, enquanto este último impôs que não se falasse na remuneração dos atores. Acordo fechado.
O título, o irônico “não há relação sexual”, faz referência ao psicanalista Jacques Lacan, que sugeria que mesmo no ato sexual a dois, o verdadeiro prazer não está na outra pessoa, e sim nos fantasmas projetados nela. Assim, o prazer seria mental mais do que corporal, e principalmente individual.
Esta escolha dá uma boa noção do conteúdo bastante acadêmico e teórico que se pode ver, contra todas as expectativas, nesta colagem de cenas de coito, esperma, pênis, vaginas, penetrações duplas, sodomia, sexo grupal e todos os tipos de fetiches.O início representa de maneira excepcional o discurso do diretor: uma bela atriz pornô espera sentada numa cadeira, enquanto HPG prepara a iluminação e a câmera. Ao seu lado, um homem se masturba para manter a ereção. Ela boceja de um lado, cutuca algumas pequenas feridas da pele, enquanto seu parceiro aumenta o ritmo frenético da masturbação. HPG grita: “Ação!”. Imediatamente, ela monta sobre seu parceiro, faz caras e bocas, geme, insinua todos os tipos de posa. A cena termina, ela volta para o seu canto, novamente entediada. Ele continua a se masturbar para a cena seguinte.
Este filme não é um ataque moralista sobre a “objetificação dos corpos”, sobre a exploração das mulheres nem nada do gênero. Ele tampouco é um tratado social, do tipo que observa a integração da profissão pornográfica com a vida cotidiana dos atores, com a família, amigos, salário, planos de carreira etc. Evitando a narração ou o desenvolvimento de uma história, a direção prefere colar cenas, uma ao lado da outra, sem grandes explicações, “como se faz nos vídeos da Internet de hoje em dia”, comenta Siboni.
Assim, o efeito produzido não é de crítica, nem de excitação – poucos filmes com tal quantidade de sexo explícito conseguiram ser tão pouco excitantes, aliás. Esta foi uma das razões pela qual Il n’y a pas de rapport sexuel foi classificado “apenas” um filme proibido para menores de 18 anos, e não um filme X, o que teria reservado sua projeção às salas de cinema pornográficas. E para a surpresa geral, a obra chegou aos cinemas independentes coroada de excelentes críticas.
De fato, Siboni efetua um mosaico um tanto triste, patético e mecânico da ilusão de prazer, da idealização do sexo, tanto heterossexual quanto gay. Os atores são vistos na espera entre as cenas, ensaiando frases ridículas como “Ai, como é gostoso o esperma dos desconhecidos!”, proferida por uma jovem cercada por três pênis em ereção. Raramente os atores se olham no rosto, de tão concentrados em suas performances individuais. A ausência voluntária de contexto, o confronto constante entre os personagens fetichizados e as pessoas comuns que os encarnam gera um efeito cômico, despretensioso, e uma certa forma de distanciamento em relação ao material – o que é contrário ao próprio princípio de imersão da imagem pornográfica.
Curiosamente, este discurso sobre a ilusão do sexo faz referência à ilusão da própria imagem. Enquanto os making of tradicionais, publicitários, revelam a parte técnica da realização mas mantém o fetiche do estrelato, Il n’y a pas de rapport sexuel ignora o aspecto técnico para humanizar estas figuras dotadas de uma imagem sobre-humana, com pênis imensos, seios superdimensionados e orgasmos múltiplos. O filme escolhe as imagens que as mostram apenas como pessoas comuns, sem prazer particular pelo que fazem, sendo penetradas com o mesmo profissionalismo indiferente de um operário padrão que produz a mesma peça dez vezes por dia. A pornografia é acima de tudo um trabalho, e as aulas de “como simular uma felação” dadas pelo diretor aos atores iniciantes no “softporn” (filmes sem penetração nem imagem de órgãos genitais) é um ótimo exemplo disso.
A cereja do bolo é o fato de Siboni ter conseguido aproveitar, e muito bem, a estética involuntária deste making of. A câmera está colocada num tripé, numa altura fixa, e ela permanece nesta posição por muitas horas, de modo que tanto o diretor quanto os atores se esquecem da sua existência. Esse enquadramento aleatório produz momentos interessantes do uso do extra-quadro, além de algumas composições que dificilmente teriam sido escolhidas por HPG ou o próprio Siboni (uma atriz, de pernas abertas sobre o sofá, geme enquanto sua vagina e seu ânus ocupam praticamente todo o enquadramento, durante longos minutos). Os corpos são reduzidos a um material plástico, órgãos genitais são vistos como ferramentas de trabalho e os gemidos de prazer parecem tão artificiais quanto os sorrisos em propagandas de margarina. Il n’y a pas de rapport sexuel é um excelente estudo sobre a ilusão e o fetiche dos corpos, do sexo, da imagem e do cinema.
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Il n’y a pas de rapport sexuel (2011)
Filme francês dirigido por Raphaël Siboni.
Com HPG, William Lebris, Phil Hollyday, Cindy Dollar, Stacey Stone, Dolce Elektra, Sexy Black, Nymphy, Superpussy.
Filme francês dirigido por Raphaël Siboni.
Com HPG, William Lebris, Phil Hollyday, Cindy Dollar, Stacey Stone, Dolce Elektra, Sexy Black, Nymphy, Superpussy.
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