sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Alegria. Nada a mais, nada a menos!


Por Rafael de Acypreste
O ano de 2011 foi de inquietações, de decisão no Supremo Tribunal Federal (avanço ou reconhecimento tardio e incompleto da qualidade de sujeitos, da visibilização de quem foi, e ainda é muito, invisibilizada/o e oprimida/o pela própria orientação sexual? Fica para outro post), de amores e de muita, muita violência e discriminação, desde os atos de agressão física noticiados (e não se noticia muitos, o que gera um senso comum de que a violência é mínima) até a imbecil estigmatização do “Projeto Escola sem Homofobia”.
Continuando a debater a necessidade de visibilização, compartilho com vocês o excelente texto que o amigo Daniel Jacó, companheiro de curso (Direito) e membro do Centro Acadêmico de Direito da UnB,  compartilhou em 25/12/2011:

“Depois de ver A Pele que Habito, entrei numa onda de ver todos os filmes do Almodovar. Férias. Hoje assisti A Má Educação. (Pra quem não viu, o filme é excelente. Impressionante o jogo de emoções que senti.) Depois de assisti-lo, comecei a ler críticas, um costume meu.
Foi então que me surpreendi: todas as críticas, sem exceção, falavam que o filme era muito marcado pelo “homossexualismo”, traço do diretor, e trazia uma crítica à Igreja. A crítica à Igreja, ok, embora pra mim isso seja apenas uma tangente que toca o filme. Minha surpresa aconteceu quando li que o filme tratava do “homossexualismo.”
Antes de mais nada, pra quem não está familiarizado com esse debate, “homossexualismo” deixou de ser usado. Google it e descubra as razões. Fala-se homossexualidade.
A razão da minha surpresa? O filme conta, sim, com inúmeros personagens homossexuais. Alguns transsexuais. Há cenas de sexo entre homens. Isso tudo deveria me alertar que o filme trata de homossexualidade. Por que a surpresa, então?
Talvez seja por que eu sou gay. Por ser aberta e orgulhosamente gay, não consegui ver que as histórias de amor (e interesse) que permeiam o filme tratavam “da homossexualidade.” Pra mim, tratavam do amor (e do interesse). Não consegui ver que o abuso sexual que ocorre no filme é um abuso “gay”, mas um abuso. Não consegui ver que a belíssima cena da piscina era uma cena de sensualidade “gay”. Era só sensualidade.
“Ah, mas você deveria saber! Quando você vê uma cena de sexo entre homem e mulher, não nota que é uma cena hétero?” Sim, noto. Mas isso não importa. Em geral, estou pensando em outros aspectos do roteiro, ou admirando a beleza da atriz e do ator. Não penso: “nossa, como esse filme retrata a heterossexualidade!”
Claro, por possuir orientação sexual minoritária, sei que há amor e desejo sexual além da heterossexualidade. Deve ser por isso que, desde sempre, quando via as representações artísticas do amor e do sexo, não via apenas a heterossexualidade. Sempre soube que há um mundo lá fora.
Mas e os héteros, que são a maioria? Pelo menos @s crític@s de cinema que escrevem para a internet não estão sabendo disso não. Ou, se o sabem, ainda lhes causa espanto, a ponto de a bela imagem do (cuidado, quase spoiler) renascimento de um amor infantil interrompido por mais de dezesseis anos (cena da piscina) ser ofuscada pela “temática homossexual”.
Isso me lembra as ideias de uma autora feminista: Iris Marion Young. Diria ela: a imparcialidade é impossível. Qualquer símbolo do amor e do sexo está associado a uma determinada experiência do amor e do sexo, e não representa os amores e os sexos. Da mesmo forma que a palavra presidente não representa qualquer pessoa que ocupa esse cargo – representa os homens.
Não representa a nós, as minorias. Oprime-nos. Serve para dizer que mulheres não podem ser presidentas. E que gays não amam. Nem trepam. As opressões e violências que partem dessas premissas torpes são logicamente deduzíveis, além de nojentas.
São em momentos de surpresa como esse que toda a raiva que sinto dos vetos às representações anti-opressivas volta à tona. Exemplo desse veto: Globo vetando beijo gay na novela. Quanto tempo demorou mesmo pra termos uma protagonista negra, einh?
Héteros, por favor, não me entendam mal: não é errado achar estranho um filme com tantos gays e trans. É errado que haja tão poucos filmes com gays e trans. É errado que haja tão poucas representações artísticas com gays e trans. É errado que haja tão poucas  representações artísticas com gays, trans, lésbicas, negr@s que não são empregad@s, mulheres que não sejam subalternas. É errado que sejamos tão invisibilizad@s. Que as violências e opressões que sofremos sejam tão invisibilizadas.
Apareçamos!
 Daniel Jacó

Nenhum comentário:

Postar um comentário