hoje é um daqueles dias em que saí a tropeçar no inusitado em cada esquina em que andei. já fazia uns quantos dias que não me acontecia um dia desses. o último foi quando um nobre edil desta cidade (que legisla na sala de jantar) saiu aos borbotões verbais, propondo um projeto que pretendia proibir a distribuição do kit anti-homofobia, organizado pelo ministério da educação.
ainda não tive tempo para me deter na apreciação crítica de tal kit, portanto, ainda não sei o que dizer sobre ele. doutra banda, sei muito bem o que dizer sobre o disparate de um legislador que, em vez de se ocupar em discutir as pequenas e grandes questões que permeiam e circulam no contemporâneo da comunidade em que vivemos e do mundo que habitamos, põe-se a resgatar o gosto ácido, mofo e fedorento do preconceito, da discriminação e do proibicionismo. noutro dia escrevo mais sobre isso!
hoje quero falar do inusitado em que tropecei durante o dia. durante o almoço (na sala de almoçar), ouvi mal-e-mal, um apresentador da tv local (veículo da mídia dominante) anunciar algo assim-assim, meio que bombástico que seria exibido em rede estadual. ouvi, mal-e-mal e esqueci. recém saída da sala de almoçar, uma amiga, sabedora de que não costumo dar de olhos na tv, avisou-me por telefone que exibiriam cenas de uma foda em praça pública. estava eu quase chegando na praça, corri os olhos e pensei: uai, cadê a foda? não encontrei a foda e nem o povo com quem sempre dou um dedo de prosa.
aproveitei a proximidade e fui aos camelôs comprar um rabo-quente (os prosaicos da sala de jantar gostam de pronunciar: ebulidor... eu não, gosto mesmo é de rabo-quente! é uma boa pronúncia!). não sabia onde encontrar uma tv ligada, mas eis que na procura do rabo-quente, dou de cara com os vendedores reunidos em torno duma que estava ligada... ali estava a cena gravada no dia anterior, de uma foda de pobre, acontecida a poucos metros dali... logo veio a cena do mesmo nobre edil de que já falei, agora fazendo um discurso higienista e de outros quetais.
há poucos meses, numa medida patética e higienista, foi determinada a internação compulsória de uma moradora de rua (parceira dessa que teve a foda gravada), como se morar e viver na rua fosse doença a ser curada... como se as escolhas que não estejam emolduradas na sala de jantar, não fossem escolhas... como se a praça pública pudesse ser palco somente para os presépios adormecidos das famílias que vieram da arimatéia e foram para não sei onde! por sorte ela foi internada e não se curou de si e nem da volúpia asséptica dos que pretendem assoprar dos seus caminhos as gentes, como se estivessem assoprando o pó lanudo de suas mesas de jantar!
agora, de poucos dias, recebo a notícia de que um-não-sei-quem estaria querendo internar também essa moradora de rua que teve sua singela foda filmada.
sublinho essas duas situações, só para lembrar como é fácil o pensamento psiquiatrizante ressucitar e retomar a institucionalização à luz do dia, com a assinatura de técnicos, gestores, promotores, juízes e outros quetais... sem falar no pensamento asséptico e higienista... para quem segue essa via de mão única, é mais fácil limpar do que mudar o mundo e as cabeças.
não quero abrir aqui, nenhuma pendenga sobre o uso dos espaços públicos. só quero anotar o ridículo da situação... e a mídia dominante se presta a publicizar esses intentos, pois é muito fácil e simples filmar festa de pobre, foda de pobre, vida de pobre, existência de pobre, para mostrar (como tanto lhes apraz) "a que ponto pode chegar uma pessoa"... filmam tudo, dão uma esmaecida na cena e mandam ver em rede local, estadual e nacional... mas não arriscam filmar festa da burguesia, foda da burguesia, vida da burguesia (só para mostrar como deve ser a vida ideal preconizada pelo putrefato ideário capitalístico), existência da burguesia do jeito que a coisa é mesmo! não arriscam filmar isso e mostrar!
se é pra fazer alarde com a foda de pobre, então vamos colocar tudo no mesmo balaio: os que fazem orgias sexuais com adolescentes; os que estacionam potentados carrões e contratam serviços sexuais bem próximo da praça; os que vivem da corrupção; os que vivem da receptação e venda de cargas de mercadorias roubadas; os que vivem do roubo da dignidade das gentes; os que fazem tantas coisas que não caberiam nas sóbrias molduras da sala de jantar e que fazem discursos que se fazem parecem tão bem emoldurados... vamos todos ao mesmo balaio!
no mais, os alucinados que alucinam em torno da moral dominante da clássica sala de jantar esquecem, na maioria das vezes, o que é que fica escondido por detrás das puídas cortinas de suas existências. esquecem disso e se põem a escancarar a vida daqueles que dispensam o cortinado hipócrita dos que escolhem uma existência encortinada.
para desabrir este escrito, deixo a canção de caetano e gil, cantada por marisa monte: "Panis Et Circenses"... sempre tomei essa expressão por "pão e circo", mas hoje recorro ao meu velho dicionário preto, da FAE (é a ele que recorro sempre que necessito de alguma definição em fiunção de algo advindo de alguma manifestação de primitividade -no caso, o caso em que tropecei hoje)... assim, lá vai: "panem et circenses - pão e palhaços. (Era o único ideal da plebe de Roma segundo Juvenal: comida e diversões. É o que a maioria ainda deseja.)"... o pão e o circo de uns não é o mesmo de outros! os da sala de jantar ficam menos ansiosos com suas molduras, mas não deixam de filmar os da praça, para ver e comentar depois!
ps: ver também o texto postado: "Punição e sociedade de controle", de edson passetti
Marisa Monte - Composição : Caetano Veloso / Gilberto Gil Laiê! Laiê! Laiê! Laiê!
Laiê! Laiê! Laiê! Laiê
Bom! Bom! Bom
Uhuhuuuuu! Uhuhuuuuu!
Bom! Bom! Bom
Uhuhuuuuu! Uhuhuuuuu!...
Eu quis cantar
Minha canção iluminada de sol
Soltei os panos
Sobre os mastros no ar
Soltei os tigres
E leões nos quintais
Mas as pessoas da sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer...
Mandei fazer
De puro aço luminoso punhal
Para matar o meu amor e matei
Às 5 horas na Avenida Central
Mas as pessoas da sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer..
Mandei plantar
Folhas de sonho no jardim do solar
As folhas sabem procurar pelo sol
E as raízes, procurar, procurar...
Mas as pessoas da sala de jantar
Essas pessoas da sala de jantar
São as pessoas da sala de jantar
Mas as pessoas da sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer...
Mas as pessoas da sala de jantar
Mas as pessoas da sala de jantar
Mas as pessoas da sala de jantar
Mas as pessoas da sala de jantar
Mas as pessoas da sala de jantar
Essas pessoas da sala de jantar
São as pessoas da sala de jantar
Mas as pessoas da sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer...
ouvir em: http://letras.terra.com.br/marisa-monte/26831/
ainda não tive tempo para me deter na apreciação crítica de tal kit, portanto, ainda não sei o que dizer sobre ele. doutra banda, sei muito bem o que dizer sobre o disparate de um legislador que, em vez de se ocupar em discutir as pequenas e grandes questões que permeiam e circulam no contemporâneo da comunidade em que vivemos e do mundo que habitamos, põe-se a resgatar o gosto ácido, mofo e fedorento do preconceito, da discriminação e do proibicionismo. noutro dia escrevo mais sobre isso!
hoje quero falar do inusitado em que tropecei durante o dia. durante o almoço (na sala de almoçar), ouvi mal-e-mal, um apresentador da tv local (veículo da mídia dominante) anunciar algo assim-assim, meio que bombástico que seria exibido em rede estadual. ouvi, mal-e-mal e esqueci. recém saída da sala de almoçar, uma amiga, sabedora de que não costumo dar de olhos na tv, avisou-me por telefone que exibiriam cenas de uma foda em praça pública. estava eu quase chegando na praça, corri os olhos e pensei: uai, cadê a foda? não encontrei a foda e nem o povo com quem sempre dou um dedo de prosa.
aproveitei a proximidade e fui aos camelôs comprar um rabo-quente (os prosaicos da sala de jantar gostam de pronunciar: ebulidor... eu não, gosto mesmo é de rabo-quente! é uma boa pronúncia!). não sabia onde encontrar uma tv ligada, mas eis que na procura do rabo-quente, dou de cara com os vendedores reunidos em torno duma que estava ligada... ali estava a cena gravada no dia anterior, de uma foda de pobre, acontecida a poucos metros dali... logo veio a cena do mesmo nobre edil de que já falei, agora fazendo um discurso higienista e de outros quetais.
há poucos meses, numa medida patética e higienista, foi determinada a internação compulsória de uma moradora de rua (parceira dessa que teve a foda gravada), como se morar e viver na rua fosse doença a ser curada... como se as escolhas que não estejam emolduradas na sala de jantar, não fossem escolhas... como se a praça pública pudesse ser palco somente para os presépios adormecidos das famílias que vieram da arimatéia e foram para não sei onde! por sorte ela foi internada e não se curou de si e nem da volúpia asséptica dos que pretendem assoprar dos seus caminhos as gentes, como se estivessem assoprando o pó lanudo de suas mesas de jantar!
agora, de poucos dias, recebo a notícia de que um-não-sei-quem estaria querendo internar também essa moradora de rua que teve sua singela foda filmada.
sublinho essas duas situações, só para lembrar como é fácil o pensamento psiquiatrizante ressucitar e retomar a institucionalização à luz do dia, com a assinatura de técnicos, gestores, promotores, juízes e outros quetais... sem falar no pensamento asséptico e higienista... para quem segue essa via de mão única, é mais fácil limpar do que mudar o mundo e as cabeças.
não quero abrir aqui, nenhuma pendenga sobre o uso dos espaços públicos. só quero anotar o ridículo da situação... e a mídia dominante se presta a publicizar esses intentos, pois é muito fácil e simples filmar festa de pobre, foda de pobre, vida de pobre, existência de pobre, para mostrar (como tanto lhes apraz) "a que ponto pode chegar uma pessoa"... filmam tudo, dão uma esmaecida na cena e mandam ver em rede local, estadual e nacional... mas não arriscam filmar festa da burguesia, foda da burguesia, vida da burguesia (só para mostrar como deve ser a vida ideal preconizada pelo putrefato ideário capitalístico), existência da burguesia do jeito que a coisa é mesmo! não arriscam filmar isso e mostrar!
se é pra fazer alarde com a foda de pobre, então vamos colocar tudo no mesmo balaio: os que fazem orgias sexuais com adolescentes; os que estacionam potentados carrões e contratam serviços sexuais bem próximo da praça; os que vivem da corrupção; os que vivem da receptação e venda de cargas de mercadorias roubadas; os que vivem do roubo da dignidade das gentes; os que fazem tantas coisas que não caberiam nas sóbrias molduras da sala de jantar e que fazem discursos que se fazem parecem tão bem emoldurados... vamos todos ao mesmo balaio!
no mais, os alucinados que alucinam em torno da moral dominante da clássica sala de jantar esquecem, na maioria das vezes, o que é que fica escondido por detrás das puídas cortinas de suas existências. esquecem disso e se põem a escancarar a vida daqueles que dispensam o cortinado hipócrita dos que escolhem uma existência encortinada.
para desabrir este escrito, deixo a canção de caetano e gil, cantada por marisa monte: "Panis Et Circenses"... sempre tomei essa expressão por "pão e circo", mas hoje recorro ao meu velho dicionário preto, da FAE (é a ele que recorro sempre que necessito de alguma definição em fiunção de algo advindo de alguma manifestação de primitividade -no caso, o caso em que tropecei hoje)... assim, lá vai: "panem et circenses - pão e palhaços. (Era o único ideal da plebe de Roma segundo Juvenal: comida e diversões. É o que a maioria ainda deseja.)"... o pão e o circo de uns não é o mesmo de outros! os da sala de jantar ficam menos ansiosos com suas molduras, mas não deixam de filmar os da praça, para ver e comentar depois!
ps: ver também o texto postado: "Punição e sociedade de controle", de edson passetti
Marisa Monte - Composição : Caetano Veloso / Gilberto Gil Laiê! Laiê! Laiê! Laiê!
Laiê! Laiê! Laiê! Laiê
Bom! Bom! Bom
Uhuhuuuuu! Uhuhuuuuu!
Bom! Bom! Bom
Uhuhuuuuu! Uhuhuuuuu!...
Eu quis cantar
Minha canção iluminada de sol
Soltei os panos
Sobre os mastros no ar
Soltei os tigres
E leões nos quintais
Mas as pessoas da sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer...
Mandei fazer
De puro aço luminoso punhal
Para matar o meu amor e matei
Às 5 horas na Avenida Central
Mas as pessoas da sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer..
Mandei plantar
Folhas de sonho no jardim do solar
As folhas sabem procurar pelo sol
E as raízes, procurar, procurar...
Mas as pessoas da sala de jantar
Essas pessoas da sala de jantar
São as pessoas da sala de jantar
Mas as pessoas da sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer...
Mas as pessoas da sala de jantar
Mas as pessoas da sala de jantar
Mas as pessoas da sala de jantar
Mas as pessoas da sala de jantar
Mas as pessoas da sala de jantar
Essas pessoas da sala de jantar
São as pessoas da sala de jantar
Mas as pessoas da sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer...
ouvir em: http://letras.terra.com.br/marisa-monte/26831/
Este cabra da peste ( tenho lido Guimaraes Rosa bem melhor que ver tele jornal), é o mesmo que defendeu a idéia de levar os guris abrigados para um local isolado, que se manifestou contra o material informativo que certo ou errado (tambem não o conheço) pretendia discutir a questão da diversidade nas escolas. Agora como reacionário que é aproveita se da euforia de mais um candidato a Sid Moreira para aparecer como o defensor da moral e dos bons costumes. É a dona perpetua de Cruz Alta! Cruz Alta alias esta cheia de moralistas, mas os cabares no entorno da cidade se multiplicam, e aos travestis na praça, parece não faltar clientes.
ResponderExcluirSexo é bom saudavel. Quem não gosta? Se todos tivessem esta coragem viveriamos em um mundo melhor. Quantos destes moralistas viveriam felizes com seu par do mesmo sexo?
Olá, desculpe invadir seu espaço assim sem avisar. Meu nome é Nayara e cheguei até vc através do Blog Eu e meu medo. Bom, tanta ousadia minha é para convidar vc pra seguir um blog do meu amigo Fabrício, que eu acho super interessante, a Narroterapia. Sabe como é, né? Quem escreve precisa de outro alguém do outro lado. Além disso, sinceramente gostei do seu comentário e do comentário de outras pessoas. A Narroterapia está se aprimorando, e com os comentários sinceros podemos nos nortear melhor. Divulgar não é tb nenhuma heresia, haja vista que no meio literário isso faz diferença na distribuição de um livro. Muitos autores divulgam seu trabalho até na televisão. Escrever é possível, divulgar é preciso! (rs) Dei uma linda no seu texto, vou continuar passando por aqui...rs
ResponderExcluirNarroterapia:
Uma terapia pra quem gosta de escrever. Assim é a narroterapia. São narrativas de fatos e sentimentos. Palavras sem nome, tímidas, nunca saíram de dentro, sempre morreram na garganta. Palavras com almas de puta que pelo menos enrubescem como as prostitutas de Doistoéviski, certamente um alívio para o pensamento, o mais arisco dos animais.
Espero que vc aceite meu convite e siga meu blog, será um prazer ver seu rosto ali.
http://narroterapia.blogspot.com/
olá, cláudio! hoje fui à praça (cruzo por lá todos os dias) para um dedo de prosa com o pessoal que mais a usa (afinal, a praça pública é de quem desfruta dela!)... sempre vou conhecendo as novas parcerias que por lá chegam... há alguns que estão por ali há mais tempo do que eu estou morando nesta cidade!
ResponderExcluirsaí dali com muita coisa pra pensar... pensando nos varredores morais, nos que querem "revitalizar" a praça para que todos possam usar... não sei, mesmo, o que esteja impedindo que todos usem a praça... logo adiante tropecei numa dessas que acham que a praça deva ser "revitalizada"!
passei o dia pensando nas coisas que vi e ouvi... esse cabra-oportunista que vem tentando empreender uma cruzada moralista em nossa comunidade esquece que apenas o imperador (daquela história infantil) não sabe que está nú... os demais, todos sabem que os suntuosos mantos que cobrem o deprimente corpo do rei, não existem.
É claro, é óbvio, sabemos todos, que essa cruzada moralista atende interesses bem precisos desse e doutros cidadãos... institucionalizar e criminalizar as crianças e adolescentes em situação de abrigamento/acolhimento; criminalizar e patologizar as escolhas sexuais; esquecer que vivemos num Estado laico... são práticas e pensares comuns dessa estirpe!
olá, nayara! não é invasão, não... fique sempre à vontade para chegar, chegando!
ResponderExcluireste é um blog que tem servido, principalmente para o compartilhamento de escritos que nos servem de subsídio para nossos espaços de discussão de por aqui e de outros lugares também.
já fui conferir o blog do fabrício e já estou por lá!
gosto dessa coisa da escrita simplesmente pelo que ela é e pelas potências que produz em nós e no outro que le, provocando movimentos em ritornelo, incessantes, transversais, aleatórios... a vida é isso: o pensar e o sentir feito letra para dizer de outro jeito, aquilo que só sabemos dizer mostrando!
beijo grande e seja bem-chegada!