quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

“Mulher Alternativa” estreia em Outras Palavras


Coluna semanal defende radicalmente a igualdade, não crê em libertação “definitiva” e aposta que feminismo combina com liberdade sexual
Por Marília Moschkovich | Imagem: Kollontai Diniz

Era dois mil e pouco, eu entrava no auge da adolescência já rodeada de militância e relativamente engajada. Eram os primeiros Fóruns Sociais mundiais, e bradávamos pela liberdade, pela democracia, pelo acesso à informação, por um outro mundo possível. Não imaginava então que a experiência me levaria a escrever um blog regular (Mulher Alternativa), participar de coletivos (como Biscate Social Club eBlogueiras Feministas), terminar um mestrado com pesquisa fortemente ligada ao debate sobre gênero e participar de uma publicação como editora de “gênero, relações humanas e sustentabilidade”. Muito menos que teria a oportunidade de dialogar com ainda mais gente, através do Outras Palavras. Esta sou eu, vos digo oi, e agradeço às boas vindas.
Na primeira vez em que participei de um Fórum Social Mundial (era o segundo) me tocaram com força as bandeiras feministas. Já me sabia feminista, embora não tivesse lá muito contato com o movimento institucionalizado. Incomodaram-me algumas coisas que eu não sabia exatamente o que eram. Talvez um certo tom moralista em algumas falas, um feminismo que vejo hoje como um tanto conservador (não que nada tenhamos a aprender com este também). Andei, passeei, fucei e descobri, pouco a pouco, que este não era o único feminismo possível. Percebi que os mesmos pressupostos de liberdade e igualdade entre gêneros e corpos eram objeto de disputa e interpretação – como eram também as pautas de outros movimentos como o movimento estudantil e os movimentos de trabalhadores, um pouco mais próximos de mim à época.
Ao longo dos anos que se seguiram, sobretudo na primeira metade da década de dois mil, me incomodava o lugar secundário (ou terciário, ou ainda mais abaixo disso) a que se relegava – tanto nos movimentos sociais quanto na política partidária e entre as ONGs – as pautas de direitos sexuais e reprodutivos e de igualdade de gênero em seus mais variados aspectos. Se por um lado os companheiros comunistas com quem convivi pareciam acreditar que a revolução do proletariado bastaria para desintegrar todo e qualquer outro tipo de discriminação e dominação (como o racismo ou o machismo), os colegas ambientalistas e meio pós-modernos das ONGs atribuíam este papel de “chave-mágica-do-desenvolvimento-social” à sustentabilidade. Quando reduzirmos nossas emissões de carbono e reorganizamos a vida urbana em vilas autossustentáveis, não haverá mais dominação. Tudo mentira, claro.
As primeiras teóricas desta coisa chamada “gênero” que nos faz ver como natural uma diferença que é produto da nossa cultura entre as categorias “homem” e “mulher” – e que assim transforma esse diferença em desigualdade – examinaram com a ajuda da antropologia sociedades não-capitalistas-globais. Perceberam que em vários casos também há uma dominação de gênero ali, embora não exatamente igual à nossa (recomendo uma corridinha atrás de Gayle Rubin, Margaret Mead e Marilyn Strathern, para saber mais). Da mesma forma que o racismo ou a dominação étnica, de forma geral, também parece independer do sistema de organização social e econômica para existir. Já a “classe” como a conhecemos e no sentido mais marxista possível – essa sim está ligada diretamente ao capitalismo que hoje é global.
Esses chamados “marcadores sociais” formam um clássico trinômio para a sociologia, a antropologia e a ciência política. “Classe”, “raça” e “gênero” são dispositivos de poder que produzem relações sociais e são produzidos por relações sociais responsáveis por manter a desigualdade na distribuição de poder e outros recursos. No caso da nossa sociedade, vale lembrar. Esse trinômio articula-se para diferenciar e hierarquizar pessoas, práticas, cultura, gostos, associações, etc. Sem pensá-lo, portanto, não importa o quanto desejemos, não alcançaremos esse outro mundo possível – seja ele organizado num conglomerado de vilas autossustentáveis ou pelo socialismo de Estado ou como um comunismo dos mais puros.
Chegando hoje e prometendo outras reflexões às segundas-feiras, no Outras Palavras, gostaria de deixar clara para vocês minha bandeira, minha proposta, minha militância: um mundo sem desigualdade. Onde não sejamos hierarquizados pelas categorias que ocupamos a partir do nascimento, do corpo, da cor, da cultura. A construção de um outro mundo possível passa primeiro pela construção de outras relações possíveis. Em cada ONG, em cada partido, em cada coletivo, em cada empresa, em cada cooperativa, em cada blog, em cada associação de bairro, em cada escola, em cada família, em cada grupo de amigos e convivência.
Prometo passar por temas menos sisudos – vamos falar de comportamento, sexo, notícias, política, maquiagem, vale-tudo. Juro. Mas sempre com esta perspectiva de uma igualdade incondicional, ao celebrar e valorizar a diferença em cada contexto.
Bem-vindos à coluna da Mulher Alternativa!

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