domingo, 22 de janeiro de 2012

Dor, sofrimento e erro de cálculo



Do ponto de vista de política pública, a Operação Centro Legal foi repressão pura. Como política de assistência social, foi desassistência. E, do lado da Saúde, um reforço à doença
Por Maria Inês NassifCarta Maior | Charge de Maringoni

Por qualquer ângulo que se analise, a tal política de combate ao crack pela “dor e sofrimento”, inaugurada pelo governo do Estado de São Paulo (aparentemente de forma coordenada com a prefeitura paulista), é mais um capítulo da política higienista que foi a marca dos governos José Serra e Gilberto Kassab na prefeitura da capital, nos últimos quase oito anos; e é mais um episódio da opção preferencial do governador Geraldo Alckmin pelo uso da força policial, a exemplo do que aconteceu nas suas gestões anteriores (2001-2002 e 2003-2006).
A ação policial, enfim reconhecida como fonte de desgaste e abandonada pela Secretaria de Segurança Pública do Estado, não obteve nenhum resultado positivo. Foi simplesmente um ato de truculência. Os dois mandatários, do Estado e da capital, apenas conseguiram reforçar suas imagens de governantes conservadores, com o cerco e a agressão aos dependentes químicos da Cracolância paulistana – a chamada “Operação Centro Legal” -, o presente de Ano Novo da polícia paulista aos maltrapilhos que se aglomeram no centro da cidade para consumir a pedra.
Crianças, jovens e adultos, após o desalojamento e sem opção de moradia, de acesso a assistentes sociais ou a serviços de Saúde, formaram batalhões de zumbis que andavam sem rumo pela cidade. A “dor e o sofrimento”, estratégia de combate à dependência química, não deu sequer a alternativa do tratamento das crises de abstinência, que devem ser avassaladoras em pessoas comprometidas com uma droga como essa: a rede pública não dispunha de vagas para atender qualquer tipo de demanda.
Do ponto de vista de política pública, a Operação Centro Legal foi repressão pura. Como política de assistência social, foi desassistência. E, do lado da Saúde, um reforço à doença. Não existe uma única qualidade na ação policial contra craqueiros, exceto as que dizem respeito aos interesses imobiliários de recuperação da zona central da cidade, o projeto Nova Luz, que derrapa na vizinhança de drogados e favelados. A Polícia tentou eliminar a comunidade de drogados pela força; a Prefeitura teve uma ajudazinha providencial, e quase simultânea à ação policial: o incêndio da Favela do Moínho, nas imediações.
A opção pela truculência no momento em que existe, de fato, uma tentativa de integração de políticas de desenvolvimento social e Saúde, nas três esferas de poder, às quais a ação policial seria apenas complementar, é inexplicável. Uma hipótese pode ser a tentativa do Estado e do Município, que são oposição ao governo federal, de se anteciparem ao programa federal, num ano de eleições municipais. Pelos resultados pífios da ação, imagina-se que nem a elite conservadora da cidade tenha gostado muito do desfile de zumbis do crack pelas zonas mais nobres. A outra é a de que a polícia fugiu ao controle da Secretaria de Segurança Pública e do próprio governador de Estado, e resolveu passear na Cracolância com balas de borracha e bombas de efeito moral por sua conta e risco. Isso não seria nada bom, do ponto de vista das instituições.
A última possibilidade é que se optou por uma política higienista que não pegou bem junto ao eleitorado que será chamado às urnas em outubro, no pior momento do bloco tucano-kassabista no Estado. Pela repercussão e resultados que teve, no mínimo o dono da ideia merece ser demitido. A ação policial apenas pegou mal.

2 comentários:

  1. Tem se muito falado em ausência de estado, faltariam políticas públicas que fizessem frente às demandas da população. No caso especifico do crakc a ausência do Estado é sempre reclamada.
    De fato, este quando mostra se, o faz pela via da repressão, é cultural esta pratica, e, é legitimada pelo voto. Norberto Alayon cientista político Argentino vai alem nesta analise da atuação do Estado. Diz ele; “A rigor o Estado nunca esta ausente por presença ou por ausência o Estado esta sempre presente” quando nos parece ausente na verdade atua forte contra os interesses das maiorias.
    Não a interesse na resolução desta problemática, pois para isso seria primeiro necessário reconhecer as mazelas do sistema, admitir que não a alternativas viáveis em uma sociedade onde um ganha enquanto o outro perde, onde o objetivo é tomar para si tudo que a de riquezas, uma sociedade onde você vale pelo que você tem. Nesta lógica capitalista somos rivais. Não existe espaço no centro da cidade de São Paulo para os vitoriosos com seus comércios e os perdedores com suas drogas, promove se, então a limpeza do local. É o local que importa nesta lógica, as pessoas são o estorvo o empecilho ao desenvolvimento interminável, a incessante busca por mais valia.

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  2. acredito que contemplei esse comentário em minha comentação postada em: http://marialuizadiellooutrascompotas.blogspot.com/2012/01/o-capital-vomita-os-nomades.html
    abraço grande

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