quinta-feira, 30 de junho de 2011

Saúde do trabalhador: entre o antigo e o novo

Entrevista especial com Carlos Minayo
Ao apresentar o livro Saúde do Trabalhador na Sociedade Brasileira Contemporânea (Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2011), o professor Carlos Minayo destaca a importância de se pesquisar e discutir a respeito dos estudos e das interpretações em torno desta questão: saúde do trabalhador.
Em entrevista à IHU On-Line realizada por e-mail, Minayo fala que “há problemas muito sérios que misturam doenças antigas com novos problemas derivados das relações atuais de trabalho, muitos deles de caráter psicossocial”. Ao analisar o modelo de trabalho chinês, em alguns casos já copiados no Brasil, o professor afirma: “A cultura chinesa do trabalho não é nada recomendável. É um regime tremendamente absorvente, uma exigência a tais níveis que, como foi divulgado recentemente, levou trabalhadores a cometerem suicídios”,
Carlos Minayo Gomez é graduado em Ciências pela Universidad de Santiago de Compostela (Espanha), mestre em Sociologia pela New York University (Estados Unidos) e doutor em Ciências pela Universidad de Salamanca (Espanha). Atualmente, é pesquisador na Fundação Oswaldo Cruz.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Sobre o que deve-se ficar atendo quanto à saúde do trabalhador na sociedade brasileira contemporânea?
Carlos Minayo – O livro é fruto do primeiro simpósio brasileiro sobre a saúde do trabalhador. Nesse evento, debatemos as questões que avançaram na área de saúde do trabalhador de hoje, as tendências dos estudos e da prática institucional, os desafios para quem pesquisa esse tema, as principais carências, etc. Foi um momento de reflexão a respeito dos avanços do conhecimento e da prática no campo quanto à saúde do trabalhador.
Os problemas que assolam atualmente a saúde do trabalhador no país são os mais variados. É fundamental discutirmos como nós estudamos, interpretamos esses problemas e como atuar diante deles.
Para melhoria do quadro de saúde dos trabalhadores no país, é necessário intensificar as ações da vigilância em saúde, sobretudo em articulação com setores do trabalho e do ambiente. O Sistema Único de Saúde ainda está muito aquém de responder às necessidades específicas de atenção aos problemas dos trabalhadores.
IHU On-Line – Quais seriam as principais doenças modernas da sociedade contemporânea?
Carlos Minayo – Precisaríamos, para tanto, de uma discussão mais ampla. Isto porque ainda convivemos com problemas ditos antigos, mas que permanecem na nova realidade, como é o caso das intoxicações por diversos agentes e de todo tipo de acidentes. Além disso, há os efeitos da chamada reestruturação produtiva, do avanço tecnológico e do crescente setor de serviços. Há problemas muito sérios que misturam doenças antigas com novos problemas derivados das relações atuais de trabalho, muitos deles de caráter psicossocial.
IHU On-Line – Podemos dizer que, no mundo do trabalho contemporâneo, o desemprego, a precarização, a divisão sexual do trabalho, a violência, o trabalho informal e formal adquirem novas dimensões e significações?
Carlos Minayo – Certamente, todas essas questões vêm tendo maior visibilidade. Fazem parte das agendas de pesquisa e começam a estar presentes nas reivindicações de organizações representativas dos trabalhadores.
IHU On-Line – Que novas implicações foram impostas ao trabalhador nos últimos anos de forma que influenciassem sua saúde?
Carlos Minayo – Com as transformações tecnológicas, houve uma redução de determinadas situações que geravam grandes agravos para a saúde. No entanto, foram introduzidas mudanças na gestão do trabalho que, ao valorizarem as potencialidades dos trabalhadores, demandam maiores exigências de produtividade geradoras de estresse e manifestações de sofrimento. Em determinados setores, o trabalhador deixou de ser considerado um mero executor de tarefas e tem certo grau de autonomia para sugerir e mudar situações adversas que influenciam em seu dia a dia e, principalmente, em sua saúde. Em outros, porém, observa-se uma tendência contrária, submetendo o trabalhador a um rígido controle no modo de realizar as atividades, como no exemplo clássico dos operadores de telemarketing.
IHU On-Line – E hoje, em relação à saúde do trabalhador, qual a situação que mais preocupa?
Carlos Minayo – Não se pode falar de uma única situação. Elas são variadas. Por exemplo, é o caso dos trabalhadores da alimentação, do setor de frigoríficos, que se encontram submetidos a condições trabalho totalmente insalubres, geradores de diferentes tipos de agravos. O número de afastamentos do trabalho é elevadíssimo nesse setor.
Na área rural, temos a situação dos cortadores de cana migrantes que recebem pagamento por produção, com o qual reduzem a sua vida produtiva útil e, em casos extremos, conduz à morte por exaustão.
IHU On-Line – O Brasil é um dos países que mais contempla o regime informal de trabalho. Como analisar a saúde do trabalhador que está na informalidade?
Carlos Minayo – Temos uma grande carência de estudos sobre esse amplo e diversificado universo de trabalhadores. Precisam-se desenvolver estratégias que permitam identificar esses trabalhadores nas diversas portas de entrada do trabalhador no SUS, como emergências e urgências, atenção básica, média e alta complexidade. Em relação à atenção básica, a Estratégia de Saúde da Família pode desenvolver um papel importante.
IHU On-Line – A indústria da construção civil tem bastante informalidade?
Carlos Minayo – De fato, na indústria da construção civil tem um número elevado de trabalhadores com vínculos informais. Por outro lado, existem neste mesmo setor níveis de terceirização, a qual poderíamos qualificá-la de espúria, intermediada pelos conhecidos “gatos”. Nos canteiros de obra, há muita ausência de política de segurança e ocorrem muitíssimos acidentes, ao ponto de terem sido considerados o setor “campeão de acidentes de trabalho".
IHU On-Line – Como o senhor vê o modelo chinês de trabalho? Ele pode ser comparado, de alguma forma, ao modelo brasileiro?
Carlos Minayo – Graças a Deus, não. Mas corre-se o risco de ser implantado em algumas empresas. Nesse país, há grandes avanços tecnológicos, sofisticação nos processos produtivos e um variado sistema de exportação de mercadorias. No entanto, junto a esse processo moderno, há um alto grau de exploração que recai particularmente nos trabalhadores de níveis inferiores. Existe um controle brutal e rígido nas relações de trabalho; as jornadas são abusivas. A cultura chinesa do trabalho não é nada recomendável. É um regime tremendamente absorvente, uma exigência a tais níveis que, como foi divulgado recentemente, levou trabalhadores a cometerem suicídios.
IHU On-Line – Por que as grandes empresas como a Apple, a Nokia, a Adidas, escolhem a mão de obra chinesa? É só pelo preço?
Carlos Minayo – É o preço, é a disciplina. Sem dúvida, o salário médio dos trabalhadores chineses é baixo. E com essas condições de trabalho e mecanismos disciplinares impostos aos trabalhadores, diminuem-se ainda mais os custos de produção.
IHU On-Line – Como o senhor avalia a saúde do trabalhador ligado aos empreendimentos econômicos solidários? É diferente do trabalhador do setor econômico formal?
Carlos Minayo – É preciso fazer algumas distinções. Nesses empreendimentos, supostamente os trabalhadores mantêm o controle dos seus processos de trabalho. Há a possibilidade de se definir coletivamente, entre outros aspectos, as metas de produção, os ritmos, a distribuição das funções, as medidas para redução ou eliminação dos riscos. Mas para que isso aconteça, o desafio é mudar a cultura do assalariamento já introjetada por eles e se envolvam na gestão coletiva. Em alguns casos, os recursos são bastante limitados e as questões de saúde passam o ocupar um lugar secundário.

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