hypomnemata 134
Boletim eletrônico mensal
do Nu-Sol - Núcleo de Sociabilidade Libertária
do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP
no. 134, junho de 2011
A arte[manha] de remixar e o roubo capitalista em nome da cultura transgressiva.
Bancos roubam. Vivem de cuidar e de tomar o que não é deles, de criar situações que rendam dígitos, senhas e investimentos. Bancos não são abstrações: são pessoas, negócios, cultura, acertos, redes e fluxos.
Hoje, em tempos do que se chama capital imaterial, estão em tudo. São parceiros, fazem junto. Financiam ações culturais, redes de colaboração, parcerias, eventos, e atestam sua presença na variedade ao conectar empresas, universidades, governos, organizações internacionais e organizações não-governamentais. Preenchem e produzem a opacidade e a apatia das vidas cansadas nas reluzentes telas de computadores, tablets, smartphones e suas redes sociais digitais e afins. Promovem e garantem a segurança ao seu roubo cotidiano.
Não se trata apenas de economia e de mercado, como troca financeira e produtiva, mas de uma política que tem explícita intenção de anular o potente que pulsa com a força de invenção e não se presta a negócios, negociações e compartilhamentos.
Pretendem absorver resistências e sugar o que não é deles para disso fazer algo palatável, bacaninha ou vendável. E conseguem, usando a disponibilidade do que circula na supostamente livre web.
Não surpreende que financiem muitas criações artísticas que dependem da disponibilidades, colaboração, remixagem e mobilização de usuários e comunidades, por meio de conexões que valorizam suas capacidades “inventivas” para, enfim, capturá-las e docemente incluí-las.
A transgressão estética se resume a um hedonismo reconfigurado e palatável para atrair os usuários, seus colaboradores. Produzem uma mixórdia entre os conceitos em nome de uma criativa produção, supostamente comum. Entretanto, funcionam para a produção intelectual imantada ao financiamento de produtos pelos bancos e seus departamentos culturais, dinamizando a apropriação de energias inteligentes, como requer a atual sociedade de controle.
Assim é que autogestão, anarquia e transgressão tornam-se palavras usadas para renovar uma retórica sobre a transformação social da multidão em alternativos e remunerar ondas de artistas, intelectuais, ativistas e ongueiros ávidos por estarem nas vitrines dos inventivos repaginados, filantropos e rentáveis negócios. Tudo mesclado e despotencializado como tática para esse roubo que objetiva pacificar, acomodar, conformar.
ágora, agora
Bancos roubam e bancam quem rouba para eles. Com financiamento do Banco Santander e apoio do Santander Cultural, os curadores Angélica Moraes, Giselle Beiguelman, Karla Brunet, Juan Freire e Estúdio Nômade encenam em seu projeto nomeado “Agora/ágora — Criação e Transgressão em Rede”, transformação, empreendedorismo social e novos usos para redes sociais e sites de venda. Viabilizam o neoliberalismo e sua teoria do capital humano.
O conteúdo está protegido pela elástica licença creative commons e o compartilham em facebook, wordpress, twitter e flickr, onde colecionam seguidores e cliques no curtir. Convocam os usuários ao armazenamento virtual, modulam programas e protocolos. Servem ao regime da propriedade, com esfarrapada roupa situacionista. São agentes da captura da multidão.
Lançam mão da tradicional artimanha dos imitadores. Consomem o tempo e o pensamento das resistências com suas apropriações pleonásticas. Chegam a afirmar que partem de um título para remixarem seus projetos com filantropia hedonista e comunitária. Funcionam para conter o apodrecimento da linguagem e abortar inventores antes mesmo que estes aconteçam. Chupam e secam a filosofia da diferença, seu principal alvo de desmobilização e repaginação.
ágora, agora é uma experimentação libertária do Nu-Sol (Núcleo de Sociabilidade Libertária), iniciada em 2007; são antiprogramas, avessos às programações da sociedade de controle, produzidos de maneira autogestionária e veiculados pelo CNU/TV-PUC e lançados em DVDs, que se encontram em sua terceira série. Não está disponível a ser remixada ou capturada por artistas cultos, bancos ou empreendedorismos. As palavras têm história, portanto se os artistas e bancos querem inventar palavras e títulos de programas culturais, está aí um bom momento para serem criativos.
Ágora e empreendedorismo social ou empreendedorismo de si são termos antinômicos.
Nada teríamos a objetar se ágora, agora remixado em “Agora/ágora” mantivesse coerência, abrisse conversações, revolvesse a mixórdia que também atravessa as universidades. É menos e mais que um mero jogo de palavras; trata-se de uma representação arbitrária, autoritária e deliberadamente equivocada.
Espertinhos da web e redes sociais digitais, atenção! Não toquem no que não lhes pertence. Não imaginem que só porque vocês viram e acharam up-to-date podem usar a ideia, metamorfoseados na fantasia de antropófagos acomodados em exuberantes restaurantes.
ágora, agora não é uma ideia. ágora, agora é uma prática que tem um modo de fazer e um jeito de usar. Não é propriedade, é trabalho de muita gente que não está disponível a ser apropriada por qualquer títere recheado de currículo adequado a qualquer capitalista. Não está disponível ao corta e cola da atualidade, nem aos designers da moda com seus visuais palatáveis e palavrório livresco.
ágora, agora é um trabalho de libertários que recusam o governo, o direito e propriedade! É um trabalho único, de homens e mulheres corajosos, e pode te pegar. Fique esperto! Deem ao seu evento o nome que lhe cabe. Este não lhes pertence!
Dentre os adversários da liberdade não estão apenas o asceta político e o fascismo histórico e cotidiano. Há, também, os técnicos do desejo que operam pela dicotomia estrutura e falta. Entre eles os semiólogos. “Entre” o on-offline que configura a nuvem eletrônica que pretende constituir cada um num terminal, sob comandos centralizados, estão os que produzem invenções horizontalizadas alheios às somas, reduções, melhorias, capturas e convocações à participação.
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