Boletim eletrônico mensal
do Nu-Sol - Núcleo de Sociabilidade Libertária
do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP
no. 133, maio de 2011
política, direito e justiçaOsama is dead. Na noite de 1º de maio, Obama, investido como comandante-em-chefe de seu país, anunciou que uma operação militar localizou e eliminou Osama Bin Laden, terrorista wanted dead or alive pelos Estados Unidos desde os atentados de 11 de setembro de 2001. “Foi feita a justiça”, afirmou Obama, e os estadunidenses foram às ruas, com suas líderes de torcida erguidas como troféus por corados e orgulhosos jovens, vangloriados de seu país, sentindo-se uniformemente vingados.
Osama foi assassinado. So what? E é evidente que a operação foi “ilegal”: a soberania paquistanesa foi violada, Bin Laden não foi preso e julgado, seu corpo não foi enterrado. E daí? De imediato, os principais chefes de Estado do mundo saudaram o acontecido, outros simplesmente calaram, e no dia seguinte, o secretário geral da ONU disse que se sentia mais seguro. “Foi feita a justiça”, disse Obama, e todos consentiram. Assim como todos consentiram com a tortura em Guantánamo, considerada fundamental, por Obama, para que se extraíssem as informações que tornaram possível encontrar Osama.
Proudhon, no século XIX, mostrou como o direito da força, por meio da guerra, era o instaurador de todo direito. Denunciar a “ilegalidade” do assassinato de Osama é apenas o complemento indispensável ao funcionamento das instituições. Os EUA, sociedade e Estado, o queriam morto e o mataram. Pronto. Foi feita a sua justiça e, possivelmente, se anuncia o fortalecimento de um novo direito conforme, uniforme e multiforme: o de determinar quem deve viver e quem deve morrer em nome da segurança do Estado e do planeta!
Nos EUA, a celebração constante da democracia e seu Estado de direito se faz com incontáveis filmes, séries de televisão e livros que glorificam o tribunal e seus personagens, com o espetáculo da aplicação da regra. Mas antes das “instituições” está a “Justiça” a ser protegida e viabilizada pelo Estado ou pelo cidadão de bem. Se as instituições falharem, a mesma tradição liberal estadunidense que defende o Estado de direito autoriza, também, que se reforme, altere, redimensione leis e organizações jurídico-políticas para que a “Justiça” seja feita. Para que impere a “Justiça” e sua “ordem”, pode ser necessário suspender ou ignorar a lei. Daí a outra figura hollywoodiana constante – ao lado do “juiz” e do “advogado” – que é a do “homem que faz justiça com as próprias mãos” – o justiceiro ou punisher − quando o Estado, incompetente ou corrompido, não é capaz de fazê-lo.
Osama era procurado “vivo ou morto”, com cartazes ao estilo western disseminados pela internet, porque atacou os EUA em seu próprio território, na vitrine da cara da grana, da propriedade, da força militar e dos superiores tribunais. Eis a sua injúria. Eis o fato pelo qual foi moralmente julgado e condenado à execução, mesmo sem processo jurídico. Assim pensam e agem os estadunidenses: se o direito internacional não tem categorias para amparar a caçada a Bin Laden, é ele, o direito, que não se adéqua mais à busca da sagrada “Justiça”. Osama is dead e os seus mortos estão vingados.
Por fim, com um discurso atravessado por tanta “Justiça” e “vingança”, Obama despediu-se, pela televisão, de seus cidadãos (e do mundo), com um God bless America. A bênção final de Obama explicita, como sempre, que a política moderna, ou pós-moderna não existe desvinculada da religião.
Religião e política formam um duplo que leva a conflitos prolongados, promete soluções definitivas, anuncia povos escolhidos, mas também, possibilidades de acordos e alianças entre guerras e contínuas situações que vão dos choques entre terroristas e aparatos de segurança estatais, passando pelas ações militares de coalizões de Estados em defesa dos direitos humanos, ou ainda, pelas ocupações militares para imposição da democracia que deixam as guerras tradicionais cada vez menos frequentes diante da emergência de imediatos e fluídos estados de violência.
fonte: http://www.nu-sol.org/hypomnemata/boletim.php?idhypom=160
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