Para cumprir os Objetivos do Milênio, seria preciso erradicá-lo, até 2015. Porém, 4 milhões de brasileiros entre 5 e 17 anos trabalham — 30% deles, mais de 40h semanais.
Por Expedito Solaney, no Escrevinhador
No dia 12 de junho comemorou-se o Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil. A Organização Internacional do Trabalho (OIT), órgão das Nações Unidas, pediu aos países membros que sejam tomadas medidas urgentes para erradicar o trabalho infantil perigoso que, neste momento, afeta cerca de 115 milhões de crianças em todo o mundo. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) detectou a existência de mais de 4 milhões de brasileiros com idades entre 5 e 17 anos que trabalham, dos quais 30% têm uma jornada semanal superior a 40 horas.
Expedito Solaney, secretário nacional de Políticas Sociais da Central Única dos Trabalhadores (CUT), acaba de divulgar artigo seu, “Erradicar o trabalho infantil no Brasil!”, que contém dados e informações muito importantes sobre o assunto. O trabalho infantil não está restrito ao campo ou a carvoarias. Nas áreas urbanas ocorre muito trabalho de crianças, não raramente imposto por pais ou familiares ou por instituições tidas como respeitáveis. Vale a pena ler o artigo, que reproduzo a seguir (Pedro Pomar).
Contexto
“Preliminarmente, é importante contextualizar a questão do trabalho infantil no Brasil. Em que pese que essa exploração remonte ao processo de colonização e escravização no Brasil, sua manifestação atual adquire características próprias ao desenvolvimento do neoliberalismo.
No Brasil, em função do aguçamento da luta de classes no final da década de 1970 e durante a década de 1980, o neoliberalismo foi retardado em função da forte pressão popular e do período de transição democrática, o que não impediu um aumento da concentração de renda e de riqueza, agravando ainda mais as condições de vida da população durante todo esse período.
Nesse momento, enquanto a Constituição de 1988, resultado dos variados projetos em disputa, apontava para uma política de bem-estar social para o Brasil, a nova realidade econômica apontava para outros rumos. A acumulação do capital exigia medidas distintas das pretensões universalizantes de políticas públicas de saúde, educação, assistência social, entre outras.
Esse ajuste foi feito, principalmente, pelo governo de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), com as privatizações, a flexibilização das relações trabalhistas e a abertura comercial. As consequências desse novo modelo foram sentidas no agravamento dos conflitos sociais, na contínua concentração de renda e riqueza e no aumento do desemprego no país. Isso colocou o movimento sindical e o conjunto dos demais movimentos populares na defensiva”.
Descompasso
“Verifica-se, também na esfera das políticas públicas concernentes à erradicação do trabalho infantil, o referido descompasso. Havia toda uma perspectiva de garantia de direitos. A Constituição de 1988, no artigo 227, que é baseado na Declaração Universal dos Direitos das Crianças (1959), estabelece nova diretriz para o atendimento à infância e adolescência, institui a “Doutrina de Proteção Integral”, substituindo a “Doutrina da Situação Irregular” do Código de Menores, e coloca esse segmento na posição de absoluta prioridade:
Art. 227 – É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1998, p. 116).
Porém, o desenvolvimento econômico em curso exigia do Estado um novo papel. As esferas públicas tornaram-se novos espaços de lucratividade, as políticas públicas foram substituídas cada vez mais pelos serviços privados, como ONGs (organizações não governamentais), OSCIPs (organizações da sociedade civil de interesse público), OSs (organizações sociais), fundações e demais entidades de direitos privados. O controle social se “democratizou”, a sociedade civil e os interesses privados assumiram “suas” responsabilidades
Com a eleição de Lula, abriram-se novamente as perspectivas de enfrentamento do trabalho infantil no país. Em 2002, a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil (Conaeti) foi instituída com o objetivo prioritário de viabilizar o Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil, tendo como pontos de partida os trabalhos realizados pelo Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI). As ações do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) cumprem papel importante na garantia de direitos.
Retórica não basta
Diante de novas possibilidades abertas, é preciso fazer o enfrentamento sem retóricas, porque os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD/IBGE), de 2009, demonstram que a situação do trabalho infantil no Brasil ainda é grave. O estudo indicou que nesse ano 4,3 milhões de brasileiros com idade entre 5 e 17 anos estavam trabalhando, ainda que tenha representado uma queda em relação à amostra anterior.
Em relação ao número de horas trabalhadas, a maioria (30,5%) tinha uma jornada semanal de 40 horas ou mais. Em 2006, esse taxa era de 28,6%.
A PNAD também mostra que, quanto mais nova a criança, maior a chance de estar em atividades agrícolas (trabalho perigoso). Na faixa etária de 5 a 13 anos, 60,7% estão no setor, considerado o mais pesado devido ao manuseio de ferramentas de corte e aos riscos de contato com animais peçonhentos, além do problema da falta de fiscalização.
Considerando os dados da PNAD, o Brasil não cumprirá os compromissos assinados perante a ONU com objetivos do desenvolvimento do milênio com metas até 2015; uma delas é erradicar as piores formas de trabalho infantil.
A CUT é membro efetivo da Conaeti, coordenada pelo Ministério do Trabalho e Emprego; também do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), órgão da sociedade civil, com o objetivo de cobrar a aplicação das convenções 138 e 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT); e, além de ter contribuído na construção, acompanha a execução do II Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil.
Em Genebra, na leitura do Informe sobre o Trabalho Infantil na 100ª Conferência Internacional do Trabalho, a OIT pediu aos países membros que sejam tomadas medidas urgentes para erradicar o trabalho infantil perigoso que, neste momento, afeta cerca de 115 milhões de crianças em todo o mundo.
Em novo relatório divulgado por ocasião do Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil, que se comemora em 12 de junho, a OIT destaca que este número representa mais da metade de todos os trabalhadores infantis do mundo, estimados em 215 milhões.
O relatório “Crianças em trabalhos perigosos: o que sabemos, o que precisamos fazer”, cita estudos de países industrializados e em desenvolvimento, indicando que a cada minuto durante o dia, uma criança que trabalha em algum lugar do mundo sofre um acidente de trabalho, doença ou trauma psicológico.
O relatório também afirma que, embora o número total de crianças entre 5 e 17 anos em trabalhos perigosos tenha diminuído entre 2004 e 2008, o número de crianças entre 15 e 17 anos nestas atividades teve um aumento real de 20% no mesmo período, passando de 52 milhões para 62 milhões.
A campanha para erradicar o trabalho infantil de 2011 começa agora no lançamento aqui em Genebra, no Brasil e no mundo. No Brasil foi lançada também a campanha do Brasil sem Miséria, são campanhas que se somam. Estamos firmes na luta pela erradicação da miséria e do trabalho infantil. Vamos fazer o acompanhamento e o balanço das ações. Vamos à luta contra o trabalho infantil, a pobreza e a miséria!”
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