Dia desses, uma colega de trabalho relatou-me uma situação em que outras duas pessoas se colocaram a “avaliar” a sua atuação profissional em seu trabalho numa instituição pública, tomando para isso elementos pessoais e absolutamente precários, ponderando que seu trabalho seria bom, mas que ela sempre derrapa nas coisas que pensa, escreve e fala.
A pessoa que se outorgou a pretensão de avaliar a sua atuação, não tem nenhuma proximidade pessoal ou profissional com ela, assim como, isso jamais seria possível, pois suas visões de mundo, de gente e de política são absolutamente divergentes, e suas práticas profissionais são ancoradas em critérios e instrumentos radicalmente distintos.
Trago esse tema, pois num encontro que tive ontem à noite com um grupo de amigos que também atuam profissionalmente em instituições públicas, mais uma vez isso foi pauta de nossas conversas.
O primeiro ponto de discussão foi o fato de que seja muito difícil para alguns agentes e gestores políticos, lidar com o fato de que os trabalhadores públicos sejam sujeitos ativos e protagonistas na construção e consolidação da prática profissional e das políticas públicas, e que possam ter e expressar seus posicionamentos teóricos, técnicos e políticos.
Quando um trabalhador público faz uso dessas condições, isso geralmente é tomado como afronta ou de forma pessoalizada, provocando reações paranóides e consequentemente, de retaliação.
Na maioria das comunidades, até a algum tempo, o que predominava na condução da gestão e operacionalização do trabalho público, era uma prática centralizada e autoritária, em que alguns “pensavam” dentro dos limites dos gabinetes e outros faziam, reproduzindo a dicotomia histórica capataz/peão – isso ainda vigora principalmente nas comunidades em que há a ditadura daqueles que usurpam os espaços de poder formal e impõe a limitação e precariedade de suas concepções pessoais de trabalho e de política, em detrimento dos referenciais teóricos e técnicos.
Ainda é muito comum, gestores que, diante de técnicos que atuam com autonomia e protagonismo, perguntarem aos mesmos: quem você pensa que é pra ter tomado essa atitude? É claro que muitos trabalhadores têm como característica pessoal, uma atuação mais passiva ou subserviente, o que não cria dificuldades para gestores autoritários, centralizadores e cultuadores do hierarquismo nas relações de trabalho, em detrimento da democracia e da horizontalidade.
Mas é importante sublinhar que a prática da discussão, da conversa e da construção coletiva seja fundamental para o desenho de relações de trabalho democráticas e participativas, em que o trabalho de todos –dos gestores e dos trabalhadores que operacionalizam as políticas públicas- possa ser avaliado e redimensionado permanentemente, superando-se assim, a prática hierarquista e desrespeitosa em que alguns se põem a julgar o trabalho alheio, chamando isso de avaliação.
Esclareça-se, que a avaliação da atuação de todos é fundamental para a atuação profissional e para a operacionalização séria das políticas públicas, e se faz a partir de critérios e instrumentos claros, justos e objetivos, definidos a partir do debate coletivo e não entre poucas cabeças e quatro paredes. Já, o julgamento do trabalho alheio é aquilo que se faz pelos cantos e pelas costas, segundo os critérios que são traçados na cabeça daqueles que o fazem.
O que é determinante na dimensão e operacionalização do trabalho público é a seriedade e qualidade técnica, teórica e política com que gestores e trabalhadores atuam. E para isso é fundamental a capacidade de debater e pensar as práticas.
Para encerrar, pontuo que tudo isso só é possível se não formos todos tomados pela paralisia provocada pelo sofrimento, sendo fundamental, então, que a dimensão humana esteja em primeiro lugar nas relações de trabalho, sem o que, nada resta a pensar. Completo com as palavras de René Kaës : “É por isso que é importante deixar falar e ouvir o sofrimento e o mal, seja qual for a sua procedência e a sua razão de ser: a condição primordial é permitir que a sua representação aflore – pela palavra e pelo jogo. Então é possível confrontá-la com as formações míticas e rituais de que as instituições se dotam necessariamente para se defender contra o sofrimento e para representar a causa e o tratamento desse sofrimento, ou mesmo para evitar de ter essa representação. Trata-se de criar um dispositivo de trabalho e de jogo que restabeleça, numa área transicional comum, a coexistência das conjunções e disjunções, da continuidade e das rupturas, dos ajustamentos reguladores e das irrupções criadoras, de um espaço suficientemente subjetivizado e relativamente operatório”.
KAËS, R. Realidade Psíquica e Sofrimento nas Instituições. In. A Instituição e as Instituições. Ed. Casa do Psicólogo, 1991.
KAËS, R. Realidade Psíquica e Sofrimento nas Instituições. In. A Instituição e as Instituições. Ed. Casa do Psicólogo, 1991.
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