Dias desses, numa discussão banal, uma colega de trabalho tentava mostrar que determinadas pessoas são “politicamente poderosas” pelas articulações ardilosas que fazem em torno da bolinação e projeção da própria vaidade... uma vaidade cujo fundamento vazio se esgota na rarefação de sua inconsistência e no desvario narcisista que busca sempre um lugar em qualquer em que se possa refletir a própria imagem.
Tomarei dois pontos para presentificar essa questão: as noções de política e de poder.
Trago a definição abrangente do termo política, tecida por João Ubaldo Ribeiro: “’Política’, em qualquer de seus usos, na linguagem comum ou na linguagem dos especialistas e profissionais, refere-se ao exercício de alguma forma de poder e, naturalmente, às múltiplas conseqüências desse exercício”.
E de Foucault, vem a noção de poder: o poder é contemplado por ele em dois vieses condicionantes, um pela via da sujeição e da dominação, e outro pela via da produção de práticas de liberdade e autonomia. Para termos mais precisão aqui, trago as palavras do próprio autor: “Para certas pessoas, interrogar-se sobre o ‘como’ do poder seria limitar-se a descrever seus efeitos, sem nunca relacioná-los nem a causas nem a uma natureza. Seria fazer deste poder uma substância misteriosa que, sem dúvida, se evita interrogar a si mesma, por preferir não ‘colocá-la em questão’. Neste mecanismo, que não se explicita racionalmente, suspeita-se um fatalismo. Mas sua desconfiança não nos mostra que elas supõem que o poder é algo que existe com sua origem, sua natureza e suas manifestações? / (...) eu diria que começar a análise pelo ‘como’ é introduzir uma suspeita de que o ‘poder’ não existe; é perguntar-se, em todo caso, a que conteúdos significativos podemos visar quando usamos este termo majestoso, globalizante e substantificador; é desconfiar que deixamos escapar um conjunto de realidades bastante complexo, quando engatinhamos indefinidamente diante da dupla interrogação: ‘O que é o poder? De onde vem o poder?’/ (...) Deste ‘poder’ é necessário distinguir, primeiramente, aquele que exercemos sobre as coisas e que dá a capacidade de modificá-las, utilizá-las, consumi-las ou destruí-las – um poder que remete a aptidões diretamente inscritas no corpo ou mediatizadas por dispositivos instrumentais. Digamos que, neste caso, trata-se de ‘capacidade’. O que caracteriza, por outro lado, o ‘poder’ que analisamos aqui, é que ele coloca em jogo relações entre indivíduos (ou entre grupos). Pois não devemos nos enganar: se falamos do poder das leis, das instituições ou das ideologias, se falamos de estruturas ou de mecanismos de poder, é apenas na medida em que supomos que ‘alguns’ exercem um poder sobre os outros. O termo ‘poder’ designa relações entre ‘parceiros’ (entendendo-se por isto não um sistema de jogo, mas apenas – e permanecendo, por enquanto, na maior generalidade – um conjunto de ações que se induzem e se respondem umas às outras)”.
Para seguir: a história que justifica o título deste escrito.
Retomarei um leve retrato da vida vivida nos salões alimentados pela nobreza e pela burguesia européia no período identificado como libertino. Salvo todas as imprecisões históricas e teóricas (visto não ter me detido numa pesquisa que garantisse a precisão destas letras), trago esta lembrança para fazer um traçado do podre-poder e do popular-poder.
A vida, o espaço de visibilidade e de afirmação subjetiva/social era calcado no trânsito e nas vivências propiciadas pelos salões. A nobreza tinha seus espaços próprios, sustentado, é óbvio, pelos impostos cobrados da patuléia. Aos pobres era reservado o espaço das cantinas e das ruas. Assim como, havia os espaços propiciados pelas figuras que fomentavam o encontro das gentes que produziam a literatura, as artes plásticas e outros fatos da cultura. Mas o que mais pulsava e fervia, eram os espaços em que, gentes travestidas de uma imagem que reunia num único simulacro, nobreza, burgo e cultura, circulavam, se punham a ver, apareciam, projetavam uma imagem fantasiosa nas paredes da existência e faziam circular nos salões das “madames” (= cafetinas, intrigueiras, ardilosas, devassas) a efemeridade da própria vaidade e assim, amealhados pela ilusão de um pseudo-reconhecimento, eram enredados nas intrigas, nos favorecimentos sexuais, nas artimanhas que se teciam nesses lugares.
Esse dito poder que a colega situava em dadas pessoas, não passa dessa sedução barata que opera no imaginário dos afoitos e volúveis que buscam não mais que o reconhecimento dos salões e das colunas sociais. Em outro lugar não o teriam ou nada seriam.
O poder que emana das articulações políticas baseadas nos interesses coletivos e populares é absolutamente diverso do poder que emana dos interesses privados e das vãs-vaidades. O efeito que dado exercício do poder pode operar sobre os outros, depende da reação de sujeição, ou de indiferença ou de resistência que se esboça. Cada um escolhe em que barco navegar, segundo os referenciais que sustentam a madeira de seu remo.
RIBEIRO, João U. Política. Ed. Nova Fronteira.
FOUCAULT, M. O Sujeito e o Poder. In. Foucault – Uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Ed. Forense Universitária, 1995.
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