domingo, 21 de março de 2010

Escritos à Toa

Este também é um escrito de tempos idos, mas agora revisado, que foi publicado no Jornal Estilo (Cruz Alta/RS).
AS PEDRAS SEMPRE ESTARÃO PELO CAMINHO!
Dia desses caminhava com minha mais freqüente parceria de caminhadas e, enquanto eu discursava relatando a ocorrência de três acidentes consecutivos envolvendo ambulâncias, ela tropeçou numa titica de pedrinha e foi-se ao chão, justificando a queda pela forma como pisa o chão, apoiando primeiro a ponta do pé e não o calcanhar... tropeçou numa pedra dum caminho pelo qual sempre passamos... perdi a parceria por duas semanas, sendo que renovada a tentativa de caminhada, essa minha amiga que já não é tão jovem, sentiu ainda os efeitos do tombo... o interessante é que depois de reerguida acusou-me: "e você não foi capaz de me segurar!", bueno, se eu tivesse tentado lhe segurar teria ido junto ao chão, mas de qualquer forma passei vários dias me sentindo culpada pela queda esparramada de minha amiga que, duas semanas depois, quase virou sereia, desabando num barranco do rio lá no Rincão do Ivaí.
Vivemos por aí de batucar palavras e compor idéias, de dedilhar sentimentos e cantarolar alegrias, de disfarçar dores e superar tristezas; sofremos do mal e do bem de fugas em fantasias inconseqüentes; ficamos a construir projetos que nunca realizaremos, mas que alimentarão os projetos que nunca deixaremos de desenvolver; no inverno sonhamos sonhos para os tempos frios e no verão sonhamos sonhos para os tempos de calor; labutamos mais tempo em vida de formiga e muito menos em vida de cigarra; vivemos o tempo todo a mastigar as injustiças que nos abalam e que abalam o mundo; idealizamos, diante de todas as curvas e de todas as pedras do caminho, múltiplas formas de ultrapassá-las; sintonizamos, em todas as ondas sonoras que nos transmitam os mais inusitados sons do mundo, as melodias que nos embalam o ouvido e a existência... quando olhamos o mundo escutamos o som ímpar de agulhas caindo ao chão e vemos até o movimento da flor que se abre na escuridão e que se fecha no amanhecer!
Ando querendo escrever contos para poder fazer mais ficção e assim dissimular umas idéias muito malucas que venho tendo desde os meus tempos de adolescência, porque essa coisa de fazer crônicas dá muito trabalho porque é uma coisa muito séria... e tem essa coisa das pessoas virem dizendo "você que escreve, poderia escrever sobre tal coisa" e eu acabo, com apenas uma crônica semanal, virando muito mais promessa do que abordagem efetiva dos assuntos que as pessoas gostariam de ver publicamente abordados e, também, às vezes, quero falar das bruxas que rondam meu mundo, dos amores que tive e do que tenho, das coisas que infernizam o mundo, dos sentimentos que não ousamos confessar, das brigas que temos com as coisas tradicionalmente convencionadas, das crenças que nos sustentam, das teias de aranha que deixamos serem tecidas na campainha de nossa porta para que as pessoas que ali tocarem pensem nos votos de respeito que temos para com o trabalho das aranhas, dos problemas inúmeros da pólis efervescente, das indignações das pessoas várias que nos cruzam na vida, das coisas que podemos falar somente por metáforas e das coisas que podemos dizer de cara limpa!
Olho no infindo dos limites do horizonte e vejo a lua cheia surgir imponente entre nuvens que insistem em contê-la... vem cheia para minguar logo depois... e essa lua imponente, essa lua insinuante e desviante me faz pensar num amor que tenho, e faço ensaios pensando e falando, neste instante, sozinha, que depois de todo esse tempo de convívio com o inusitado -ainda lembro o dia em que conversava e usei com propriedade, pela primeira vez, esta palavra: INUSITADO- dos encontros e desencontros com as dores e alegrias do amor... esses sentimentos e essa lua cheia me fazem pensar em Belchior e naquilo que dizia Como Nossos Pais, "Não quero lhe falar meu grande amor, das coisas que aprendi nos discos, quero lhe contar como eu vivi e tudo o que aconteceu comigo, viver é melhor que sonhar e eu sei que o amor é uma coisa boa, mas também sei que qualquer canto é menor do que a vida de qualquer pessoa, por isso cuidado meu bem, há perigo na esquina, eles venceram e o sinal está fechado prá nós que somos jovens, para abraçar meu irmão e beijar minha menina na rua, é que se faz o meu lábio o meu braço e a minha voz; você me pergunta pela minha paixão e eu digo que estou encantado por uma nova invenção, vou ficar nesta cidade e não vou voltar pro sertão, pois vejo vir vindo no vento o cheiro da nova estação e eu sinto tudo na ferida viva do meu coração, já faz tempo eu vi você na rua cabelo ao vento e gente jovem reunida, no quadro vivo da minha memória esse é o quadro que me dói mais, minha dor é percebe que apesar de termos feito tudo o que fizemos ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais, nossos ídolos ainda são os mesmos e as aparências não enganam não, você diz que depois deles não apareceu mais ninguém você até diz que eu estou por fora ou então que estou enganando, mas é você que ama o passado e não vê que o novo sempre vence; e hoje eu sei que quem me deu a idéia de uma nova consciência e juventude está em casa guardado por deus contando seus metais, minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais!"
Afora as ficções, os amores e as dores, os ideais e os sonhos, sabemos que as pedras -não importa como pisamos o chão- sempre estarão nos caminhos pelos quais andamos e isso talvez nos faça viver, com ou sem tropeços, mas sempre com novos movimentos que mexem conosco e com as coisas do mundo... um dia poderemos não ser como nossos pais, porque sonhar nos alimenta, mas viver é melhor que sonhar!

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