segunda-feira, 8 de março de 2010

MULHER, UM OUTRO MUNDO E POSSÍVEL!

Nesta semana, uma amiga relembrava este texto que publiquei no Jornal Estilo (Cruz Alta/RS), em 2005. Retomo o texto e faço algumas revisões.
Dia 8 de março de 1857 marca a data que hoje lembramos: o Dia Internacional da Mulher, quando mulheres trabalhadoras, que foram agregadas como mão-de-obra barata para alavancar a industrialização e nesse dia, em Nova Iorque, se mobilizaram em protesto às precárias condições de trabalho e aos seus ínfimos salários.
Dia 25 de março de 1911 marca a data em que 146 mulheres morreram queimadas num incêndio numa fábrica em Nova Iorque, tendo sido vítimas das precárias condições e da falta de segurança no trabalho.
Historicamente, inúmeras mulheres foram mortas, acusadas de bruxaria e feitiçaria, condenadas pelo fato de formarem a resistência aos preceitos conservadores e por não se conformarem à discriminação à condição de gênero feminino.
Isto posto, 8 de março é um dia que merece muito respeito em memória à todas as mulheres que desenharam com a vida a luta de resistência que hoje nos permite ter um pouco mais de dignidade do que elas tiveram!
Tomo do ideário da construção de uma outra possibilidade de mundo, o mote para falar não somente das operárias ou dos soutiens queimados em tempos idos - as operárias, pelo exercício da opressão e do massacre à luta pelas condições de cidadania, e os soutiens, para simbolizar e plantar marcos de luta -, porque um outro mundo é possível se todos tecerem juntos as teias dessa luta, pois não podemos vislumbrar outra possibilidade de mundo se a mesma continuar a ser delineada pelo mesmo ideário que constituiu o sistema capitalístico, opressor e excludente no qual esperneamos todos os dias! Não é dos lugares marcados pelo elitismo, que se garante a dignidade de todas as gentes!
Portanto, quero falar das mulheres que são queimadas todos os dias em todos os momentos que lhes são podadas as condições de exercício dos sonhos que pulsam vivos ou adormecidos nos recantos mais superficiais ou mais profundos de suas subjetividades... também, daquelas que em outros tempos eram chamadas de bruxas e queimadas porque sabiam da luta que lutavam/ ou porque lidavam com o esmiuçamento das idéias que estavam abrigadas na sombra hermética do conhecimento... e, ainda, daquelas que eram massacradas porque adormeciam e acordavam/ adormecem e acordam todos os dias embaladas pela mais absoluta consciência da necessidade de empunhar as armas e a poesia para garantir a construção da igualdade, da solidariedade, da inclusão, da autonomia, da participação e da cidadania.
A tentativa que se fazia na Idade Média, de apagamento da singularidade dos lutadores/ da singularidade daqueles que compunham o canto do grito dos que buscavam um mundo que mais tarde foi embalado pelos ideais de efetiva liberdade, igualdade e fraternidade... ideário que, na verdade, originariamente, significou a luta dos burgueses pela tentativa de manter privilégios que a nobreza estava a lhes roubar e negar... essa tentativa de apagamento da singularidade dos lutadores, queimando-os, só fazia fortalecer a singularidade daqueles que carregavam e embalavam os tons do ideário que os opressores tentavam queimar, porque quando se mata um ser humano, ou se tenta desqualificar a solidez de seus referenciais éticos, ou abafar o som dos passos que dá, mesmo assim, não há como apagar a sua história!
Quero lembrar aqui, as mulheres que montaram os pilares de suas lutas alicerçados em referenciais que garantem, efetivamente, formas diferentes de fazer o mundo acontecer que não os mesmos instituídos historicamente pela cultura e ideologia machista. Quero lembrar das mulheres que não aprenderam a ler as letras do alfabeto, porque o pai, a mãe ou o marido entendiam que mulher não deve estudar ou, também, porque simplesmente tinham que trabalhar desde criança para ajudar a garantir o sustento das necessidades materiais básicas para a subsistência cotidiana, mas que aprenderam a ler as letras do mundo e, também, aquelas que não aprenderam a ler as letras do mundo.
Isso me faz lembrar dos relatos que tenho ouvido de mulheres que foram alfabetizadas já nos idos de suas idades e que se encantam com fatos que nos parecem simples, mas que para quem não sabe ler é deverasmente complexo, que é a simples possibilidade de poderem ler o nome de uma rua; ou saberem identificar o destino de um ônibus em que embarcam, sem correrem o risco de embarcar num ônibus qualquer; ou de poderem ler o nome dos filhos nos documentos da escola; ou poderem assinar o próprio nome sabendo o que é que estão desenhando naquelas letras... encanta-me o encanto de alguém que aprende a decifrar as letras, mas me encanta muito mais o encanto de alguém que consegue também decifrar o conhecimento, o mundo e as coisas do mundo e, por ora, da condição política de cada cidadão, da condição de participação nos rumos e nas decisões da vida política da comunidade... encanta-me o encanto daqueles que fazem valer o conhecimento empírico que construíram e não se assustam com os que portam muito do conhecimento formal adquirido ou construído.
Enquanto ainda contamos com a maioria de mulheres dando o rumo da educação formal em nossas escolas/ enquanto o processo de partilha de responsabilidade na educação dos filhos ainda esta a ser construída, temos que ter a mais absoluta percepção da dimensão da responsabilidade que temos na condução da construção de uma outra possibilidade de mundo que não o modelo que vimos historicamente reproduzindo e sustentando... temos o dever de pensar, questionar e discordar desse modelo, porque esse movimento não irá acontecer por si só ou pela automaticidade de seu vencimento enquanto ideário de mundo... na medida em que construímos outras condições de existir e viver, nos descolamos daquilo que por muito tempo nos disseram que deveríamos fazer!
Uma outra história e um outro mundo serão possíveis somente na medida em que as gentes forem construindo outras formas de pensar, de conceber e de fazer o mundo acontecer.
Assim, talvez um dia, não nos venham mais com flores e homenagens estéreis para colocar a pontuação em discursos que encobrem o machismo, a violência contra a mulher, o assédio moral e sexual às cidadãs que são atendidas ou que trabalham no serviço público e privado... não nos venham com flores para encobrir aquilo que realmente se passa no imaginário e na prática cotidiana de alguns que as distribuem... não invoquem mais a poesia para ventres dilacerados por filhos cuja história nega a construção de um mundo mais justo, mais humano e melhor... não nos venham mais com o trinado do canto dos pássaros para nos dizerem que também estão na luta, quando o cotidiano nos mostra o contrário e, enquanto cantam em nossas janelas, estouram nossos tímpanos... talvez um dia, não nos venham mais aqueles que exploram a fragilidade em que muitas mulheres foram historicamente colocadas... nem aqueles que dizem lutar por coisas que todos os dias negam/ que afinam as cordas para melhor quebrar o violão em nossas cabeças/ nem aqueles que fazem pseudo-construções chamando grandes grupos para construir e logo depois esquecem tudo o que o coletivo definiu, e saem a tomar as próprias decisões, acreditando se constituírem na síntese do coletivo/ nem aqueles fazem discursos libertários e em suas práticas se reafirmam e se sustentam no lugar de covardia ou de opressores... talvez um dia, possamos ver superadas essas coisas e posturas herdadas da cultura opressora contra a qual lutamos todos os dias, essas não são praticas efetivadas somente por homens que se assumem na condição de opressores, mas também por mulheres e por homens que se anunciam defensores da promoção da autonomia, da democracia, da solidariedade, do protagonismo e da participação... essa é uma condição que ainda há de nos custar muita luta para ser superada!
Para mostrar caminhos ou ajudar os outros a verem e construírem melhor os seus caminhos é importante já termos vislumbrado qual seja o nosso próprio caminho/ caminho que não está predefinido, mas que deve ser delineado a partir da história de cada um/ caminho que diz dos referenciais éticos que construímos para conduzir os nossos passos... talvez assim possamos juntar passos para construir outros caminhos e outras caminhadas!

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