terça-feira, 2 de março de 2010

Escriturário

Palavras e Retratos
Depois de muitos anos morando em apartamento, há algum tempo nos foi dado mudar para uma casa. Nessa mudança, um senhor que viera para montar as estantes perguntou por que tínhamos tantos livros, mostrando um espanto de quem classifica as coisas em dois campos: as necessárias e as desnecessárias.

Ri muito e respondi que era porque quando criança via e pensava muitas coisas, mas não tinha certeza de nada. Então sempre tive que ler muito. Mas foi pior. Em vez de certezas, construí mais dúvidas. Ele achou graça e só depois de terminada a mudança, pode dizer que entendeu para que serviam os livros, pois montou e consertou várias coisas e em todas essas ações, tive que ajudá-lo a pensar e construir a melhor forma para executá-las.
Nessa época, andava eu em meio à cosedura de minha dissertação de mestrado e aquela mudança de casa me colocou a pensar no fato de que sempre lera Foucault como ferramenta para minha prática profissional e, a partir de então, tive que além de estudar sua obra, entender seu pensamento.
Li Foucault com um defeito nos olhos. É o defeito nos olhos que formaram a íris lendo as letras dos poetas.
Para mim é tão comum ler, questionar e querer reinventar o mundo, que ler Foucault (e todos os outros como ele) é como que ler o meu duplo, na dobra do poema e na dobra da linguagem, e muito mais: na dobra do sujeito.
Não entendo nada da Língua Portuguesa. Não que não a preze, mas só entendo as coisas simples. Entendi isso em mim lendo Manoel de Barros e, desde então, deixei de me angustiar com essas coisas da Língua.
Reclamam muito que escrevo frases longas. Então passei a usar ponto. Nem sei se o texto continua tendo sentido, mas coloco ponto final em toda curva das idéias. Fiquei, então, sem curvas.
Não lia Foucault tentando entendê-lo. Acho que não há nada a entender em lugar algum. Penso que um autor serve para vestir nossas idéias para que elas possam sair a andar por aí com alguma vestimenta, ou não nos servem para nada. O que é complicado é largar as idéias a andarem peladas por aí, sem roupagem alguma.
Estudar a roupagem das idéias do autor, também é um trabalho que valha, mas só isso, de nada ajuda o mundo.
Quando deslizo em meio a essas leituras, o que penso, é nesses seres opacos e opacizados pela velocidade cega do cotidiano. Seres que andam à velocidade da luz e que esquecem de olhar para o caminho, olho fixo que estão, no ponto de chegada no horizonte. Ponto de chegada incerto. Ponto de chegada impreciso. Ponto de chegada que pode ser tão e tão somente a morte. Morte física. Morte em vida. Morte matizada pela olheira crônica que encarrega o semblante de mostrar o retrato do ser que a porta.
Há palavras que me fogem ao controle e sempre que tenho que escrevê-las, desisto, porque alguma coisa delas, que não sei o que é... se, uma letra... se, a pronúncia... se, o sentido... se, o excesso de sentido... alguma coisa há, que elas me saem em pinotes e escapam. Talvez, por isso, pensei e sempre quis ser retratista. Só a imagem. Sem uma palavra. Sem uma letra. Sem as novas regras da Língua Portuguesa. Visivelmente imagem, em qualquer Língua.

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