quarta-feira, 24 de março de 2010

Homenagem a alguns velhos da minha vida

No final de semana passado, visitei minha família em função do aniversário do meu pai. Completou 79 anos (dia 21) e me parece ainda um guri. Demoro a acreditar que esteja envelhecendo... talvez, assim, esteja evitando ver que eu também estou a envelhecer. Fico olhando incrédula para ele, quando diz que não pode ir pescar sozinho, as carpas que dão pinotes no açude, porque não consegue mais retirá-las da água... tenho a impressão de que ele esteja me contando uma de suas histórias!
Nessas andanças, aproveitei para visitar o compadre Homero e a comadre Maria (nem lembro o motivo do compadrio deles com meus pais, mas é de um tempo em que o termo se tornava adendo ao nome próprio), ele com 88 anos e ela com 84... foram duas figuras que desenharam muitas coisas em meu imaginário literário e infantil, e que estão quase se despedindo da existência física. Era na casa deles que eu ficava quando meu pai e minha mãe iam a alguma atividade em que eu não poderia acompanhá-los.
Foi o compadre Homero que me contou histórias de lobisomem e as contou tão bem que ainda hoje não sei se esse ser meio-homem meio-lobo, existe ou não, principalmente porque havia um vizinho que se transformava em lobisomem... quando ele ia ao bolicho lá de casa, eu ficava no balcão, fascinada, imaginando suas transformações. Foi ele, também, que me mostrou como “farquejar” a madeira... fazia banquinhos e gamelas... a vida toda andou de bombachas e camisa (a guaiaca ele já abandonou)... nunca o vi com outra roupa. Era um homem alto e forte, que agora me surpreendeu estando bem mais baixo do que eu, pois está definhando por uma doença “nas juntas dos joelhos”. Zoei muito com ele, dizendo que a comadre Maria estaria lhe deixando de pernas tortas e ele retrucou: “essa aí não serve mais nem pra se pendurar no pescoço” e ela emendou: “ele é que virou um vadio que não quer fazer mais nada... ta surdo e quer ficar só sentado”!
Moravam numa casa de madeira que ficava em meio ao “arvoredo”. Os cepos de sustentação da casa (os pilares) eram altos e assim podíamos brincar embaixo. Por ter muita sombra, a terra retinha bastante umidade e assim proliferavam os “pés” de beijo... me entretinha estourando aqueles casulos com sementes, que se formam depois de caída a flor do beijo... semeava as sementes por todos os lugares e quando lá voltava, ia conferir se já tinham nascido... ainda não tinha noção do tempo de plantar e do tempo de germinar. Lá havia muitos “pés” de butiá, onde aprendi a apreciar essa fruta.
A comadre Maria também me mostrou muitas coisas, entre elas, que o “pé” de butiá demora sete anos para dar frutos (até já escrevi um conto sobre isso)... eu sempre achei tempo demais pra esperar... quando soube disso, tinha 7 anos, então pensei que se plantasse um “pé” naquele ano, só veria os frutos aos 14... deixei a planta de lado, nos 14 posterguei novamente e nos 21 achei que já era um pouco tarde, mas nos 28, enfim, desisti... fui plantar outras coisas que trariam frutos mais rapidamente!
Foi com ela, também, que desenhei o encanto por cozinhar no fogão à lenha... quando cheguei em sua casa, no sábado, o almoço estava sendo feito nele... sua comida tem um cheiro que levarei em minha memória por toda a minha vida! É o cheiro da comida que reúne as gentes!
Sobre o fogão, além da comida e da chaleira, estava o ferro de passar roupas, daqueles de aquecer colocando as brasas dentro... deixou-me em herança! É sua animação que mais impressiona... quase cega, gosta de ir aos encontros de idosos... sofre de bronquite asmática que lhe tira o fôlego, mas não deixa de dançar e quando lhe falta o ar, corre ao banheiro e aplica a bombinha... diz que volta pro salão “novinha em folha” e segue o baile!
Encontrei, ainda, meu tio Joaquim (irmão de meu pai). Foi ele que ajudou a formar o fosso da pedreira em que hoje pesco... essa do retrato no início do blog. Conversamos bastante e contou-me que tem encontrado dificuldades para reter algumas informações na memória. Algumas vezes, lê as coisas e depois que contar, mas não as lembra. Fará 83 ou 84 anos neste abril... é idade pouca, também ainda parece o guri que pescava no Rio Toropi!
Saí desse final de semana, pensando nesses velhos e nas crianças da minha vida e nas coisas bonitas que deixarei plantadas no imaginário delas... outro dia falo disso!
Compadre Homero

Meu pai e Tio Joaquim
Comadre Maria

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