sábado, 3 de dezembro de 2011

Ética e Política: “A corrupção é um dos esteios da nossa formação”


eis uma entrevista para se pensar um pouco nos emblemáticos casos de corrupção que temos assistido sob o frêmito palpitante de nossas narinas... é de perguntar: quem, no exercício de cargo público, nunca "presentou" usuários das políticas públicas com potes de plástico, usando do próprio dinheiro público como se fosse do seu próprio bolso, preparando a terra para vindouras campanhas eleitorais?
"Eu não tenho uma medida do que foi a corrupção no governo Lula, e também nos governos do PSDB e do DEM, porque todo mundo entra na mesma jogada, mas eu sei que a forma da corrupção entranhou o próprio ato do governo, entranhou a maneira pela qual se exerce o poder no Brasil, e não ao lado, marginalmente”. O comentário é de José Arthur Giannotti, professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP em entrevista para a BBC Brasil, 01-12-2011. O filósofo foi entrevistado a partir do estudo da ONG Transparência Internacional, divulgado nessa quarta-feira, que coloca o país em 73º lugar em um ranking de percepção de corrupção, dentre 182 nações pesquisadas.
Eis a entrevista.

Assim como o governo fala em ter como objetivo erradicar a pobreza extrema, o senhor acha possível que o Brasil possa erradicar a corrupção, ou pelo menos transformar este fenômeno em algo insignificante?
A corrupção sempre vai existir, esse é o argumento básico. No caso do Brasil, a corrupção é um dos esteios da nossa formação. O Brasil era terra de ninguém. Os governadores que vinham para cá enfiavam a mão nos cofres públicos, porque para eles interessava voltar a Portugal com dinheiro.
Os movimentos contra a corrupção se instalam no país sempre do ponto de vista moral e do ponto de vista da eficácia da máquina administrativa. O raciocínio é: se quisermos uma máquina administrativa e uma política eficaz, nós temos de reduzir ao máximo esse nível de corrupção. A corrupção no Brasil tem agora uma forma diferente. À medida em que as esquerdas, e principalmente o PT, vieram para o centro, a corrupção começa dizendo: "nós temos que nos apropriar de fundos públicos, ou receber propinas grandes de nossos companheiros capitalistas, para que nós possamos fazer a revolução".
Assim, na medida em que veio com a ideia de que vai realizar uma reforma social, uma coisa formidável que nunca foi realizada, que as elites sempre deixaram de lado, a corrupção vira, para o governo, um instrumento que certamente será apagado do curso da história.
Esta forma de corrupção que o senhor percebe é algo novo?
Isso é um fenômeno novo, é uma corrupção entranhada na prática de governar. A governança está corrupta, e isso se expandiu de tal maneira que vale para o governo, que é quase toda a política, e para alguns pedaços da oposição.
O Brasil é hoje um país mais corrupto do que já foi antes?
Se você quiser apontar corrupção, até nos chefes tupis você vai encontrar. Não é uma questão de eu ou aquela pessoa roubar, não é uma questão de haver maior ou menor número de ladrões, é uma questão da permeabilidade da corrupção no exercício da função pública. Eu não tenho uma medida do que foi a corrupção no governo Lula, e também nos governos do PSDB e do DEM, porque todo mundo entra na mesma jogada, mas eu sei que a forma da corrupção entranhou o próprio ato do governo, entranhou a maneira pela qual se exerce o poder no Brasil, e não ao lado, marginalmente.
É possível dizer que o Brasil é mais corrupto que outros países?
Eu acho que o Brasil é mais corrupto que outros na medida em que estamos passando por essa forma de fazer política. Mas (a corrupção) é um fenômeno geral. Na Europa, tem aumentado o número de governantes corruptos, e o (ex-primeiro-ministro italiano Silvio)Berlusconi é o exemplo máximo. Assim mesmo, a forma da corrupção no Brasil é diferente do que é na Itália. O Berlusconi aparece mais como uma espécie de grande empresário que, pelos seus feitos, encontra maneiras de ganhar dinheiro. Já aqui no Brasil, as pessoas estão chafurdando porque estão dirigindo o país.
Em um artigo publicado na Folha de S.Paulo em 2001, o senhor afirmava que era necessária ao jogo democrático uma "zona cinzenta de amoralidade", na qual os atores políticos articulam manobras em meio a falhas do sistema. O senhor não acha que, em termos práticos, a linha que separa a amoralidade da imoralidade é muito tênue?
Certamente a diferença entre imoralidade e amoralidade é tênue. A ação política implica certa aposta na amoralidade. Quando Napoleão se lança em uma luta para massacrar um povo, isso é imoral, mas depois, se ele tivesse conseguido construir a Europa, os próprios europeus diriam: "nós passamos por isso, foi imoral, mas foi algo importante, válido". Então, esta ação terá se constituído em algo amoral.
Na ação política, existem certas faixas em que não se distingue o que é amoral e imoral. O estadista entra nessa faixa: vai se decidir se a sua ação é amoral ou não de acordo com o êxito da sua política. O que acontece é que essa ideia passou para que qualquer vereador se veja na construção de um grande Brasil. Mas ele não constrói nada, apenas se aproveita do país, se dizendo acima do bem e do mal. Além disso, o êxito de uma política é extremamente relativo. Pode se dizer que (sem ações imorais) não teríamos feito a integração de tantas pessoas no mercado de trabalho e de consumo, mas não é porque isso foi feito que todas as imoralidades praticadas no governo possam ser justificadas.
Como o senhor vê a corrupção em sua manifestação mais cotidiana, como, por exemplo, os pequenos subornos, praticados por pessoas comuns? Pode se dizer que, em termos práticos, ela chega a ser aceitável?
Para mim, isso não é aceitável, isso vai ser sempre uma imoralidade. Mas quando os heróis nacionais são corruptos e a corrupção não chega à imagem deles, é natural que o guarda da esquina ache que vai acontecer o mesmo com ele.
Isso quer dizer que a corrupção do cidadão comum é resultado da corrupção no meio político?
(A corrupção do cidadão comum) não é resultado, mas é alimentada (pela corrupção na política). Ela sempre existe, óbvio, mas nós não temos a camisa da moralidade do Estado para segurar a sociedade hoje. Como essa camisa é esfarrapada, todo mundo acha legítimo burlar a lei. Aí você entra com a velha ideia brasileira de que, se você endurecer a lei, resolve o problema, mas é assim que as pessoas burlam a lei de vez. O político não é só aquele que faz acordos, que cria leis e que dirige o Estado: ele tem uma função normativa, como tem o padre, o professor e assim por diante. São pessoas que assumem funções normativas na sociedade contemporânea. Mas quando a imagem do político é de um corrupto, assim como quando os padres se apresentam como corruptores diante de seus fiéis, ou quando os professores não têm mais dignidade diante de seus alunos, naturalmente as normas passam a ser transgredidas em uma frequência muito maior.
Qual seria a maneira mais eficaz de se combater a corrupção?
Em primeiro lugar, é necessário o aumento da transparência. Em segundo lugar, quando o corrupto for pego, ele precisa ser punido de imediato. Ele não precisa ser preso, senão o Brasil vira uma enorme cadeia, mas (é preciso) que ele tenha ou uma punição financeira, ou que tenha a sua figura exposta em praça pública. Em terceiro lugar, eu creio que é preciso reformular as práticas políticas. Nós temos que mudar as nossas instituições políticas. Em um país democrático, é preciso haver governo e oposição, que a oposição não fique lambendo o rabo do governo e que o governo não incorpore a oposição, não liquefaça a oposição, ajudando a oposição a não ter discurso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário