A reportagem é de Cam Simpson e está publicada no jornal espanhol El País, 17-12-2011. A tradução é do Cepat.
Esta é a segunda colheita de Clarisse. O algodão da primeira colheita passou por suas mãos para os caminhões de um programa de Burkina Faso que trabalha com algodão certificado como comércio justo e que, por conseguinte, deveria estar livre de semelhantes práticas. A fibra dessa colheita depois foi para fábricas na Índia e no Sri Lanka, antes de serem empregadas em lingeries da Victoria’s Secret – como os shorts com estampado zebra que são vendidos por 8,5 dólares em uma loja de lingeries de Chicago. “Fabricado com 20% de fibras orgânicas da Burkina Faso”, pode-se ler na etiqueta da roupa.
Plantada quando Clarisse tinha 12 anos, toda a colheita orgânica de Burkina Faso da última temporada foi comprada pela Victoria’s Secret, segundo Georges Guebre, líder do programa nacional orgânico e de comércio justo, e Tobias Meier, responsável pelo comércio justo na Helvetas Swiss Intercooperation, ONG que criou o programa e que contribuiu para a comercialização do algodão por parte de compradores globais. Meier disse que, em princípio, a Victoria’s Secret ficaria também com a maior parte da colheita orgânica deste verão.
Como sócia da Victoria’s Secret, a organização de Guebre, a Federação Nacional de Produtores de Algodão de Burkina Faso, é responsável por todos os aspectos do programa orgânico e comércio justo em Burkina Faso. Conhecida por suas iniciais francesas, a UNPCB (Union Nationale des Producteurs de Cotton du Burkina Faso), em 2008, copatrocinou um estudo no qual se indicava que centenas, talvez milhares, de crianças como Clarissepoderiam ser vulneráveis à exploração por parte de produtores e da Helvetas. A Victoria’s Secret diz que nunca viu esse relatório.
Uma executiva da matriz da Victoria’s Secret disse que a quantidade de algodão que a empresa compra de Burkina Faso é muito pequena, mas que leva a sério as acusações. “Nossas normas proíbem especificamente o trabalho infantil”, disse Tammy Roberts Myers, vice-presidente de comunicações externas da Limeted Brands Incorporated. “Estamos energicamente empenhados em investigar a fundo esta questão com as partes interessadas”.
O trabalho de Clarisse coloca em evidência as deficiências do sistema para certificar como comércio justo matérias-primas e produtos acabados em um mercado global que cresceu 27% em um ano até mais de 5,8 bilhões de dólares em 2010. Esse mercado se funda na noção de que as compras realizadas por empresas e consumidores não devem tornar estes cúmplices da exploração, sobretudo de crianças.
Em Burkina Faso, onde o trabalho infantil é endêmico, pagar sobrepreços lucrativos pelo algodão de comércio justo criou novos incentivos para a exploração. O programa atraiu agricultores que dizem não ter recursos para cultivar algodão com certificação de comércio justo sem violar um princípio central do movimento: obrigar crianças a trabalharem em seus campos.
Em propriedades menores como a de Kamboule espalhadas por todo o país, investigadores patrocinados pela federação de produtores constataram em 2008 que mais da metade dos 89 produtores pesquisados têm 90 menores que trabalham temporariamente e que não vão à escola. “Não, não nos disseram nada sobre crianças”, justificouLouis Joseph Kambire, de 69 anos, um robusto produtor de comércio justo que faz parte da comissão de auditoria da cooperativa Benvar, a aldeia de Clarisse.
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