sábado, 3 de dezembro de 2011

Convivialidade à mesa: degustar, saborear, viver


A boa cozinha e a gastronomia não são rejeitados pelo decrescimento. Ao contrário: “O decrescimento está muito ligado à alimentação”. 
Na tarde desta terça-feira, o economista francês Serge Latouche abordou a gastronomia, a alimentação e o decrescimento, em sua palestra intitulada Por outro modo de consumir: Descrição de algumas experiências alternativas, que integra o Ciclo de Palestras: Economia de Baixo Carbono. Limites e Possibilidades, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
A “luta contra o desperdício”, afirmou Latouche, visa a combater também a “doença contemporânea da má alimentação”. Mas o que isso teria a ver com o decrescimento? Segundo o professor da Universidade de Paris XI – Sceaux/Orsay, “a sociedade do crescimento afeta toda a produção agroalimentar”. É preciso sair da economia, do imperialismo econômico, romper com a relação quase religiosa com o crescimento: é isso que defende o “slogan blasfematório” do decrescimento. Pôr em prática esse “acrescimento” é tornarmo-nos “ateus do crescimento, agnósticos da economia e descrentes no progresso”, afirmou Latouche, em sua fala na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, na Unisinos.

O objetivo do decrescimento é alcançar uma “sociedade da abundância frugal”, defendeuLatouche. E aí voltamos às implicações sobre as práticas culinárias. Para o estudioso francês, ao promover uma mudança radical dos valores da sociedade do crescimento, o decrescimento também promove uma mudança na nossa relação com a natureza. “Não somos mais predadores, mas sim jardineiros” do ambiente. Valoriza-se mais a lentidão, contra a obsessão da velocidade. Busca-se mais qualidade, e não quantidade. Viver melhor com menos.
A divisão e a partilha, nesse sentido, são o segredo da convivialidade, afirmouLatouche. A convivialidade é “ter tempo simplesmente para viver, para saborear os produtos da terra, para preparar bons pratos, para degustá-los entre os amigos”, refletiu.
Por isso, também à mesa, é preciso “reconceitualizar a pobreza”, que está além da pobreza financeira. A pobreza na cozinha é “sobreviver com os meios que se dispõe”, tornando “comestíveis os produtos da natureza”. Sem, no entanto, abrir mão do “prazer biológico e estético, que só é igual à arte de amar”, ilustrou Latouche. Assim, chega-se à sobriedade, um valor que foi “negativado” na sociedade moderna, justamente para favorecer o consumo. E a sobriedade, explicou o economista, leva a limitar o que descartável e os desperdícios. Por isso, entre os camponeses, defendeu, a reutilização das sobras é uma arte. Reutilizar, na gastronomia, é justamente acomodar os restos, afirmou. E o que não pode ser reutilizado deve ser reciclado: na compostagem, como esterco, produzindo gás metano, sem poluir os lençóis freáticos.
Programa reformista
Para aprofundar a proposta do decrescimento, Latouche apresentou alguns pontos dos10 Rs do programa reformista do decrescimento, relacionando-os com a gastronomia e a alimentação:
  1. Reencontrar uma pegada ecológica sustentável;
  2. Reduzir os custos do transporte por meio de ecotaxas apropriadas;
  3. Relocalizar as atividades;
  4. Restaurar a agricultura camponesa;
  5. Redestinar os ganhos de produtividade em redução do tempo de trabalho e criação de empregos;
  6. Relançar a “produção” de bens relacionais;
  7. Reduzir o desperdício de energia a um fator 4 (é possível ter o mesmo conforto reduzindo por quatro o consumo de energia);
  8. Restringir fortemente o espaço publicitário;
  9. Reorientar a pesquisa tecnocientífica;
  10. Reapropriar-se do dinheiro
A partir de sua análise, Latouche defendeu que é preciso voltar aos níveis de produção-consumo da década de 1960-1970 – e não, como afirmam os críticos do decrescimento, a níveis pré-históricos. Por outro lado, é preciso valorizar a produção agrícola local, tradicional, sazonal. Além disso, é preciso diminuir drasticamente o nosso “consumo alimentar” de petróleo: “consumimos” petróleo nos pesticidas agrícolas, no transporte dos alimentos, na sua acomodação, nas suas embalagens, no seu cozimento.
Para Latouche, é preciso aumentar o tempo de lazer. É preciso resgatar o prazer de comer bem, de comer bons pratos, cozidos longa e lentamente. E, para isso, por outro lado, é preciso restringir a publicidade, que leva as pessoas a comer mal – especialmente as crianças –, criando necessidades fictícias.
Assim o economista chegou à questão da obesidade, o “símbolo do consumismo”, da “adição ao consumismo”. Na leitura de Latouche, o decrescimento quer nos libertar justamente da nossa toxicodependência da “droga do consumo” e da “droga do trabalho” (workaholic), que nos fazem reduzir a nossa atividade física, tornando-nos “turboconsumidores”. São esses fatores que levam ao fortalecimento cada vez maior de uma “indústria de bens de consolo”, comentou Latouche, como os antidepressivos em geral.
“O consumo se tornou o câncer da humanidade”, concluiu Latouche. Citando uma frase de Woody Allen, Latouche ilustrou, com bom humor, o que está em jogo na crítica do decrescimento ao consumo contemporâneo: “De onde viemos? Para onde vamos? O que vamos comer hoje à noite?”. A terceira questão, talvez, mereça mais atenção no atual estágio do planeta.
Assim, o decrescimento nos convida a optar e a escolher uma sobriedade que seja compatível com as limitações do planeta. Nesse contexto, comer é um ato agrícola, médico e político, afirmou. “Um gastrônomo que não é ecologista é um imbecil, e um ecologista que não é gastrônomo é uma pessoa triste”, afirmou Latouche, repetindo as palavras do seu amigo Carlo Petrini, fundador e presidente do movimento Slow Food.
Como prova concreta da sua busca por uma “convivialidade frugal”, Latouche quis colocar em prática este último pensamento, logo após sua palestra. Porém, teve que mudar de planos: o restaurante universitário onde ele pretendia jantar – embora com uma boa oferta de pratos – não servia “um bom vinho”.
(Por Moisés Sbardelotto | Fotos: Stéfanie Dal'Forno)

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