sábado, 3 de dezembro de 2011

Direito ao corpo e ao livre pensar


A liberdade de manifestação valeria apenas para as Marchas da Maconha, ou é direito fundamental de todxs, inclusive para manifestar discordância do atual estado de coisas?
No dia 23 de novembro último, o Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou por unanimidade que é livre a manifestação em defesa da legalização das drogas, referindo-se às marchas da maconha que foram proibidas por juízes estaduais e duramente reprimidas pela polícia militar. Em junho, o STF já havia decidido pela liberdade de manifestação, declarando que a marcha da maconha não constitui apologia — crime previsto no Código Penal. Agora, a corte julgou a causa tendo em vista a Lei de Drogas.

Não há surpresas na decisão acertada do STF. Afinal, a Constituição Federal prevê em seu artigo 5º o direito à livre manifestação e reunião, “sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização”. É próprio da democracia que as questões políticas e as leis vigentes sejam discutidas publicamente pela sociedade e, eventualmente, alteradas. Se assim não fosse, não haveria liberdade alguma, pois pensamentos divergentes do atual estado de coisas estariam proibidos.
Porém, em leitura desatenta das notícias que se referiam ao julgamento, me deparei com uma frase inquietante do excelentíssimo senhor Gilmar Dantas (ops! Gilmar Mendes). O ministro da suprema corte afirmou que, se fosse um ato em defesa da descriminalização do aborto, isso seria um perigo, um desrespeito aos direitos humanos [sic], e que a liberdade de reunião reafirmada pela corte seria exclusiva de manifestações em prol da legalização de drogas, não devendo se estender a manifestações pela descriminalização de outras condutas.
Gilmar Mendes parece desavisado, pois todos os anos, no dia 28 de setembro, há manifestações no Brasil e em toda América Latina pela legalização do aborto. No dia 8 de março, dia de luta das mulheres, o aborto é a principal bandeira, ao lado da não violência contra a mulher. O aborto clandestino, diga-se de passagem, é a terceira causa de morte materna no Brasil, e mata todos os anos milhares de mulheres. São mais de um milhão de abortos por ano no país. Por ser criminalizado, o aborto precário constitui grave problema de saúde, que atinge as camadas mais pobres da população, sem condições de praticá-lo de maneira segura — como o fazem as elites privilegiadas, a despeito da proibição. Mas isto é assunto para outro post. Fato é que a manifestação pela legalização do aborto, além de ser legítima por si mesma, é justa e urgente.
Ora, senhor ministro, como disse seu colega Celso de Mello, “são ideias inconiventes e conflitantes com o pensamento dominante, mas a mera expressão de um pensamento não pode constituir objeto de restrição pelo Estado.” Qualquer que seja o conteúdo da manifestação, ela deve ser livre, como determina a Constituição e as normas internacionais de direitos humanos das quais o Brasil é signatário. Não cabe, por óbvio, coibir pessoas no seu direito à livre expressão do pensamento, seja ele divergente, absurdo, inusitado ou utópico.
Inclusive, se fosse o caso hipotético de uma manifestação pela descriminalização da pedofilia, como sugeriu em seu devaneio moralista o respeitável ministro, caberia à sociedade e à opinião pública o repúdio. Assim foi quando jovens desmiolados se manifestaram a favor do nobre deputado Jair Bolsonaro e seus discursos fascistoides, homofóbicos e machistas de quinta categoria, em abril de 2011. Prontamente, um grupo muito maior de pessoas se manifestou em repúdio ao discurso de ultra direita, em umcontra-ato. Em seguida, na maior parada gay da história, 4 milhões de pessoas mostraram ao deputado e aos seus seguidores que não passarão. O próximo 8 de março, certamente, será uma ótima oportunidade para fazer valer a Constituição, apesar dos autoritários de toga que volta e meia acreditam ter o poder de proibir a liberdade.

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