Dia desses, fui à videolocadora buscar três filmes que necessitava ver e, quando já me dirigia ao balcão de saída, meus olhos cruzaram com o filme “Uma carta ao pai”... como estou lendo alguns artigos relacionados ao Kafka, pensei: bá, que sorte encontrar esse filme... juntei-o aos demais, sem ler sua sinopse... quando cheguei em casa, foi o primeiro que coloquei pra rodar... comecei achando os atores um tanto estranhos e logo achei as falas mais estranhas, então detive-me na capa e vim a saber que não tinha nada a ver com Kafka, mas sim, com a publicidade do ideário mais conservador que existe... até com papo de “se guardar virgem” (tanto homem, quanto mulher) para o “casamento”. .. mas, mesmo com sofreguidão, vi a fita o final, só pelo exercício crítico.
Mas afora essa grande furada, vi um filme que há tempos estava em meus planos: “O Solista”, que é baseado na história do músico Nathaniel Ayers, esquizofrênico, que descompensou quando estudava numa escola de artes de Nova York, a Juilliard.
No filme, ele aparece depois que Steve Lopez - um jornalista cuja coluna no Los Angeles Times é muito lida – sofre um acidente bobo enquanto pedalava e, em seu retorno, sai à cata de um assunto que mantenha alimentadas as estranhas de seus ávidos leitores... o bobo acidente o recoloca de frente com sua própria vida.
Lopez encontra-se numa praça e é atravessado pelo som do instrumento tocado por Ayres. Aproxima-se aos poucos e, também, aos poucos, vai se aproximando de si próprio, enquanto conta, em sua coluna, a história do músico-prodígio e de sua relação com o mundo e com a rua.
Chega um dia em que olhamos para trás e não enxergamos nada, então na tentativa de nos salvarmos do nada que pode estar pela frente, nos agarramos à primeira prancha que encontramos abandonada na praia. Você olha, olha, olha e custa a acreditar que as coisas que moram dentro de suas tripas, façam parte do que você é. Era assim que Lopez encontrava-se. Um tanto desligado de si e dos outros, trabalha bastante e com afinco, fazendo aquilo que lhe dá um lugar de reconhecimento, ao mesmo tempo em que não consegue se comunicar com o filho e mal se comunica com a companheira de quem gosta, mas da qual se separou.
Na verdade são duas histórias que se encontram e, em vez de ganhar com isso, o filme acaba perdendo, pois não mergulha em nenhum dos territórios, mas mesmo assim, faz emergir questões muito interessantes... uma delas, é o fato de que, Lopez, tentando se desenterrar de sua própria existência, vai escavando terreno ao redor da existência de Ayres, tentando ajudá-lo, também, a se desenterrar. É claro que o jornalista demora em entender o mundo e a vida do músico, visto estar o tempo todo imbuído da intenção de moldá-lo aos referenciais desenhados por existências pré-moldadas... acha que ele deva ser medicado... acha que ele deve morar num apartamento e não na rua... acha que ele deve aceitar todas as “oportunidades” que lhe oferecem, como sendo a saída para sua vida... acha que ele deve ser grato aos lugares que o sistema lhe concede... e por aí vai.
No mais, afora a palhinha que a mídia dominante tira a partir da relação dos dois, remetendo a questão à situação dos moradores de rua de Los Angeles, é um filme bonito e que mostra o efeito que a existência de uma pessoa pode fazer sobre a de outra, ao se entrecruzarem, assim como, a responsabilidade que temos quando nos permitimos adentrar a vida de alguém com a releitura dos arquivos de nossa própria vida!
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