Eu só quero, antes de mais nada, a simplicidade. Só faço a simplicidade. Ando pelas ruas e pelo mundo com meus próprios pés. Vôo pelo mundo com minhas próprias idéias, atravessadas, é claro, pelos ideamentos alheios, daqueles com quem comungo a vida e os pensamentos. Tento cantar com minha voz precária, um canto bonito que a muitos de gosto em ouvir. Sonorizo meus dias com o canto desensaiado dos pássaros. Enfeito a casa com os restos que a natureza deporta de si. Não gosto de cidade grande. Uso as roupas e os sapatos até que o puído seja maior do que o inteiro. Gosto de cozinhar. Arrecado rejeitos para compor o fora do dentro. Enlaço-me no roto, pois porta a beleza de já ter sido. Meu pensamento anda feito lápis em papel prá escrita. Gosto de cachaça, palheiro e conversa fiada. Não sei pronunciar a letra R. Esqueço as palavras que muitas vezes quero expressar. Não uso cremes para rugas e nem para outras coisas. Não sigo modas feitas para ditar os tempos para as gentes trocarem de coisas. Gosto muito mais das noites do que dos dias. Não sei usar as regras da língua portuguesa, nem hífen, nem ponto, nem vírgula, nem acento tônico, nem outras coisas importantes para quem preza a língua (portuguesa). Invento minha própria língua. Fico vermelha por qualquer pensamento à toa (sério ou não-sério). Tenho dificuldades imensas para entender as coisas. Sou intolerante à muitas coisas. Perco o controle com facilidade. Gosto de contar causos e histórias. Não acredito em doenças e em patologias. Sou apaixonada. Não arrumo a cama todos os dias. Paro pra conversar com todos que me interpelam na rua. Pego carona em carroça e jardineira. Escrevo com lápis de carpinteiro. Faço anotações em papéis de embrulho amassados. No chuveiro, não sei cantar, apenas penso. Na patente, penso muito mais. Queria escrever como Guimarães Rosa e Manoel de Barros. Falo sozinha. Ouço vozes. Vejo coisas. Fico impressionada com caboclos. Acolho entidades que batem em minha porta durante a noite. Não falo com quem não me interessa falar. Gosto de viver em meio ao verde, ao verde da natureza e ao verde das coisas. Não ando de pé descalço porque tenho traumas estranhos com a poeira na sola dos pés. Sou meio surda. Já tive muito medo de andar de avião. Tenho orgasmos múltiplos com tudo o que gosto de ter orgasmos. Gosto de dizer coisas ao pé do ouvido. Prefiro palavras bonitas em vez de dizer coisas plastificadas... gosto de buceta em vez de vagina. Gosto de foda e trepada, em vez de relação sexual. Gosto do desavergonhamento das palavras, em vez de seus usos comedidos e arraigados. Gosto da poesia que brota das entranhas das gentes, em vez daquela feita para agradar aos tormentos hipócritas. Gosto disso que me disse, num sussurro dum livro, o Guimarães Rosa: “Sei que não atentaram na mulher; nem fosse possível. Vive-se perto demais, num lugarejo, às sombras frouxas, a gente se faz ao devagar das pessoas. A gente não revê os que não valem a pena. Acham ainda que não valia a pena? Se, pois, se. No que nem pensaram; e não se indagou, a muita coisa. Para quê? A mulher – malandraja, a malacafar, sua de si, misericordiada, tão em velha e feia, feita tonta, no crime não arrependida – e guia de um cego. Vocês todos nunca suspeitaram que ela pudesse arcar-se no mais fechado extremo, nos domínios do demasiado? (em: A benfazeja)”. Ah! Gosto da liberdade! E como gosto!
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do feitio e jeitinho maria luiza de ser...
ResponderExcluirbeijos
dani
Do pouco que conheço é tudo verdade ( até o lapiz de carpinteiro), e do resto, acredito! Devido a este pouco.
ResponderExcluirde umas coisas e de outras, a pessoa é feita... e o mais bonito é isso: quando as outras pessoas, sabem do que vc é feito! sem retoques, sem molduras, sem arroubos... simplesmente se é!
ResponderExcluirbeijo grande, para dani e para cláudio!