sábado, 26 de fevereiro de 2011

a liberdade é juliette binoche!

hoje, revendo "a liberdade é azul", de kieslowski, com juliette binoche, fiz muitas anotações para escritos que talvez nunca venha a escrever. faço dessas, às vezes, para simplesmente lembrar do que não quero esquecer.
binoche é a atriz que posso ver vezes infinitas e sempre que revejo a cena, tenho a sensação de que nunca tinha visto antes aquela nuance. ela é intensa. é precisa. é integral. é o que é. se emociona com as coisas que passam na cabeça do personagem. vive-o como se fosse o último dardo de vida a ser lançado na existência. fora da tela, no esbrugar de seu trabalho para ver o que há dentro, mostra-se muito mais impactante. é bonita como gente. é sábia. é linda. é despontuada de ponteios afixados em murais conservadores. é surpreendente. é surpreendente principalmente quando se permite fazer exatamente o que lhe dá nas telhas, sem se importar com qualquer quadro analítico ou policialesco da vida. ela sente, vai e faz.
binoche e kieslowski juntos, é algo mágico. ele mostra a leve pluma vibrando com a leve brisa, e binoche sente isso e atravessa o sentimento da pluma, para se mostrar com a mesma leveza. com ele, ela simplesmente sente e vai.
ela. a pessoa e a personagem. entende o outro. entende os movimentos dos sentimentos e vive. vive sem o fardo que a vida lhe deixou pra carregar. olha pra vida e vai se desfazendo daquilo que não tem porque carregar.
juliette é a leveza que seu olhar espalhado no horizonte estampa de forma precisa. ela não é uma alegria boba. é uma alegria consumada. uma alegria pontuada. destilada.
juliette é a densidade milimétrica de cada gesto, de cada afeto, de cada cena, de cada movimento, de cada sentimento.
juliette é a precisão feita do entendimento das coisas imprecisas. é o bater de uma porta em seu marco exato, não porque foi feita com exatidão, mas porque o vento simplesmente conduz aquilo que está nos movimentos de encaixe ou desencaixe.
juliette é o sussuro que, mesmo sem ser emitido, é ouvido. é o pensamento que corre solto no ambiente. é o olhar que atravessa as superfícies e as divisas, e olha o que deve ser olhado. é a encarnação do que se quer e espera que seja dito.
numa de suas falas, comenta o sentimento de, a partir de um recorte, poder viver uma vida dentro de uma vida. é como se esse recorte abrisse uma janela na vida oficial e corrente, e nos levasse a breves instantes de uma outra jornada, de um outro momento, de um outro existenciamento.
é como encontrar um fio de cabelo perdido em lençóis guardados, sentar num canto qualquer, entrar no fio e reviver a vida que se viveu com quem portava aquele pequeno fio.
é como me senti ontem, estando desabituada a ouvir coisas que já não se ouve mais e, em pleno século xxi, ouvir alguém dizendo que não vê problema em crianças e adolescentes entregarem jornais por alguns trocados, pois é melhor que façam isso, do que se porem a esmolar nas portas de um supermercado.
é como sentir uma leve brisa e em seu cheiro, você ser levado junto no imaginário da brisa.
é como a pessoa ter parado no tempo e ter ficado perdido, vinte anos atrás, e voltar hoje, pensando as mesmas coisas de antanho, supondo que isso é tudo o que o mundo viu e viveu.
é como ouvir uma música que nos leva para uma outra vida.
é como ver uma cena e reorganizar toda a existência, depois de ter entrado na janela dessa cena. mas juliette, desde "perdas e danos", mostra que ela vive tudo na janela da cena... nunca se permite transpor a janela e reorganizar a vida conforme às coisas que encontra depois do umbral. talvez esteja aí a sua sabedoria. como atriz. e como gente.

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