quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

"condutas impróprias"!

Que coisa, né?! Ontem, quando passeava um pouco pelas notícias na internet, deparei-me com a manchete que anunciava uma decisão inédita no judiciário gaúcho. Corri a abrir o negócio, pois, além do dito juiz atuar na cidade vizinha à comunidade em que nasci e onde passei parte da minha adolescência, sou curiosa e acho bacana essa coisa do judiciário gaúcho ser vanguarda em tantas coisas importantes para a garantia formal da dignidade das gentes... mas eis que, para minha surpresa, tratava-se de uma das coisas mais estúpidas que já vi nas decisões do judiciário gaúcho! Estúpido, sim!
Assumo que não conheço nada sobre o juiz Marcelo Colombelli Mezzomo, assim como, não sei nada sobre porque "Mezzomo já havia sofrido censura por envolvimento em acidente de trânsito e era alvo de outros processos por conduta inconveniente" (ZHonline). Não pretendo defender nada de suas "condutas impróprias" e nem das condutas apropriadas. Só quero aproveitar o evento e rabiscar umas coisinhas!
Começo com a informação também inédita de que seja o primeiro juiz a ser exonerado no Brasil, por conduta imprópria! Mas o que é mesmo conduta imprópria para um juiz ou para qualquer outro profissional? Qual é a forma em que as pessoas se enforma ou se formatam para dizer o que é apropriado ou não?
Vemos, com isso, o quanto ainda somos reféns de uma cultura conservadora e ultrapassada que define o que se pode e o que não se pode fazer, sempre com ênfase naquilo que não se pode fazer, pensar, dizer, etc. Sempre o não, o não, o não. Sempre as identidades prontas e acabadas. Sempre as identidades, as identidades, as identidades. Nunca a vida, nunca a liberdade, nunca o protagonismo, nunca a autonomia, nunca o anarquismo, nunca a decomposição do velho, nunca as vitalidades, nunca as potências, nunca as singularidades, nunca dizer o que se pensa, nunca dizer o que se sente, nunca abrir espaço para o novo, nunca sublinhar as diferenças e a diversidade, nunca se desalinhar, nuncanuncanuncanuncanunca! Nãonãonãonãonãonão!
Além de não entrar nas questões de Mezzomo, não entrarei nas motivações da moça que reagiu diante de suas palavras... sem saber nada da situação, só quero dizer que me soa muito estranho alguém se ofender por ter suas belezas sublinhadas, mesmo que de forma "imprópria", porque acho que as belezas existem para serem vistas e ditas... acho estranho as pessoas se ofenderem tanto por terem as belezas, quanto por terem as feiezas evidenciadas e sublinhadas... se não é por um é por outro! Nem entrarei na pendenga de que a cultura machista dá permissões aos machos de saírem dizendo tudo o que lhes passa nas telhas da cabeça e nas teias do pensamento... acho que as mulheres também poderiam se dar essas liberdades de "condutas impróprias" e saírem a exaltar as belezas que lhes dilatam os olhos... eu própria sou pródiga nessas "condutas impróprias"... gosto dessas alegrias bobas do cotidiano... gosto dos sorrisos rasgados e dos pensamentos que se perdem de si quando lhes provocamos alegrias! Queria que o judiciário me condenasse ao exílio no sol ou na lua... que dissesse que minhas "condutas impróprias" não cabem nas molduras que são aceitas... estando no sol ou na lua, seria tão simples emitir raios de alegria... mas é claro, de forma apropriada, com a lua se manifestando durante a noite, respeitando suas fases, enquanto o sol, deveria se manter regulado para emitir seus raios durante o dia... de forma apropriada, sublinhe-se!
O que me parece evidente na situação da moça ofendida, é o fato dela ser posse de alguém e em sendo posse de alguém (o fato de ser posse de alguém parece que não é ofensivo!), não está disponível para o olhar, os pensamentos e os sentimentos alheios... se o juiz (sim, juiz! porque, no caso, ele não é visto como gente que pensa, sente e expressa isso! é só um uiz que deve ter condutas apropriadas!) tivesse olhado, pensado e se aquietado em condutas apropriadas, não seria mote de uma decisão inédita no campo do judiciário! Se a moça não fosse posse de alguém, talvez estaria honrada e ter tido sua beleza exaltada por um JUIZ!
Afora essas coisas, passei o dia martelando em meus ocos pensamentos, as muitas condutas impróprias que vemos acontecer no campo do judiciário (hoje falo só desse campo)... o fomento ao marasmo processual burocrático... a desconexão com a realidade das gentes... o descaso com as vidas... a exaltação das formas-formatadas... o culto ao ideário dominante... os olhos vendados aos aviltamentos das dignidades das gentes... as bem guardadas e cultuadas liturgias que ignoram movimentos... aqueles que vagueiam enquanto se faz tramitar a burocracia que justifica seus salários,  trabalhando com condutas apropriadas, com vagas, com números, com padrões, com normas, com fluxogramas, com o que a lei e com o que o escasso tempo permite fazer, com falas exatas, preparadas, comedidas, impositivas, engessadas, nocauteando o sujeito com que se trabalha, porque ele não cabe no tênue contorno que delimita a atuação técnica!
Essas coisas fizeram lembrar, também, de uma situação em que uma juiza determinou a doação das facas retidas em processos já encerrados, a um seu colega uiz e colecionador de facas... quando soube dessa história, incrédula, fui verificar sua veracidade... e é vero! Não sei se a doação foi feita por desconhecimento das "condutas impróprias", por uma ética "imprópria" ou sei lá porque... mas, na época, até fiz uma anotação sobre isso, para um escrito que ainda está por ser desenrolado... me fez pensar nessa coisa de se cultuar e por no altar da coleção, as facas que aviltaram vidas... com que prazer se faz isso? Parece-me que é como colecionar motes para a morte! Mas, enfim, a única condenção, nesse caso, foi o desfazimento da doação... ao que lembro!
Enfim, são tantas "condutas impróprias" que passam ao léu da exposição e da consideração púplica, que se fossem exonerar todos os juízes que as apresentam, não sei no que daria esse furdunço!
Afora essas questões, sublinho as palavras de Mezzomo, em ZHonline (ps: esqueci de copiar o link!):
RBS TV — O senhor vai recorrer da decisão?
Marcelo Colombelli Mezzomo — Não. Já havia dito à vice presidência do TJ, há alguns meses, que, pra mim, o que decidissem estava bem decidido. Não contratei advogado, e até deixei de me manifestar no processo. Não tenho nenhuma vontade de permanecer no Judiciário. Em dezembro, já havia pedido exoneração, e não foi pra escapar dos processos. É porque realmente não quero mais estar no Judiciário. É só um cargo público. Vivi antes dele e vou continuar a viver sem ele. Mas se é transparência que se busca com a divulgação da decisão, pergunto: por que não são divulgadas todas as punições e decisões sempre? Ou se divulga todas, ou nenhuma. Acho que todas deveriam ser divulgadas sempre. (grifo meu)
RBS TV — Qual a sua versão sobre o que ocorreu na sorveteria?
Mezzomo — A que está no processo. Agora que divulgaram quase todo, apesar de correr em sigilo, o que me causa estranheza, é fácil ir lá e ver.

Essas "condutas impróprias" fizeram-me buscar um contículo inspirado num moço inquieto que atendi na clínica, nos idos de 2003 ou 2004, que, a partir de alguns acontecimentos aos seus arredores, colocou-se a pensar nessas coisas sobre o que seja apropriado ou não na postura de uma pessoa, pois teria sido advertido por um grande crápula, sobre o que poderia ou não manifestar numa dada situação... isso o fez ficar muito indignado com o cara que se autorizou a advertír seus atos e pensamentos... a sua revisão sobre as "condutas apropriadas", inspirou-me, então o título "pessoas sérias e maduras não sentam no meio fio da calçada", que acabou ficando em "SENTADO NO MEIO-FIO"... apesar de ser um texto bobo, aí vai:
Andava demasiado ocupado com o excesso de trabalho, com compromissos vários, com descarregos não feitos, com contas a pagar, com tantas coisas a concluir e muitas mais a começar. Andava compenetrado. Sem tempo para perceber que o inverno se aproximava. Sem tempo para acompanhar os sôfregos passos dos filhos. Sem tempo para ficar com a bunda na janela. Quase nem sentiu quando o pai morreu. Só pensou que logo também a mãe se iria, sem avisar, sem se despedir.
Teve tempo de perceber que andava tendo alguns desencantos, que faziam balançar os encantos. Às vezes já não conseguia ver as idéias que se apresentavam em seu caminho, nem os sorrisos que iluminavam sua vida. Foi quando cruzou com aquele sujeito que há muito tempo estava sentado naquela mesma esquina. Naquele mesmo intervalo de meio-fio. Às vezes quieto. Às vezes gritando. Às vezes rindo. Às vezes chorando. Nos dias de chuva encharcava com os respingos da água deslocada pelos veículos conduzidos por motoristas apressados. Nos dias de sol escurecia com o pó que acordava na rua e adormecia sobre o seu corpo.
Passou a ficar mais atento com as amenidades e com as loucuras do mundo. Foi assim que encontrou outro sujeito que pensava, desde criança, que quando se tornasse adulto teria que deixar de fazer tantas coisas de que gostava e teria, ainda, que aprender a fazer tantas outras. Talvez pudesse desistir de crescer. Disse-lhe que já lera algo sobre isso. Sobre um menino que se rebelou contra o tempo e decidira não ficar adulto. Soube que ele pensava, também, que tendo se tornado adulto, teria que trabalhar. E se trabalhasse num cargo público não poderia praticar atos ilícitos ou maracutaias perniciosas com o fim de tirar proveito próprio, por exemplo, forjar um contrato de compra de carros que estiveram locados para o governo, ou desviar dinheiro, ou fazer lorotas para conseguir benefícios. Caso trabalhasse num cargo privado teria que aturar patrões, mostrar desempenho, cumprir metas, atingir objetivos. Preferia a loucura.
Deparou-se com outro que dizia não saber em que é que Vítor Ramil estava pensando quando fez Tambong. Que não sabia em que é que Fernando Pessoa pensava quando falava de seus "eus". Não sabia em que é que Borges pensava quando se perdia em seus labirintos ou alucinava com seus seres imaginários. Mas que tinha certeza de que quando Kafka escrevera Metamorfose, era nele que pensara. Pensava, na verdade, que era a barata. Acreditava que Saint-Exupéry se jogara com seu avião ao mar, pois fizera "O pequeno príncipe" inspirado nele. Aliás, acreditava, piamente, ser o Pequeno Príncipe. Quando via se formar uma poça d'água, nos dias de chuva, ou no esguichar de uma mangueira, pensava-se Narciso e achava-se o mais belo, o mais perfeito, o mais retumbante, o mais desejado, o mais cortejado.
Sentou com outro que acreditava-se vindo dos céus com a missão de unir-se a Jesus Cristo para salvar a humanidade de seus males e de suas chagas. Passava seus dias e suas noites a rezar pela humanidade. E a humanidade não fazia um movimento sequer para reconhecer o seu esforço. Isso o tirava dos eixos. Tanto que tinha que ser imediatamente internado. Até recomeçar a reza.
Entre tantos que ainda encontraria, houve um que pareceu-lhe o mais interessante de quase todos, pois era o mais genuíno. Esse dera para ler coisas em jornais, em revistas e em livros, e pensar que o que estava escrito era dirigido objetivamente para ele. Em uma ocasião fizera esgotar a edição de um jornal, no qual lera um conto que dizia falar somente e tão somente dele. Quem ainda não havia lido, foi a procura do texto para ler. Saiu a acusar e desqualificar autores outros que não quem havia escrito. Dizia ter constituído advogado para mover processos contra autores e jornais. E até encontrou advogados que o acompanharam na triste saga de prover que o pegajoso personagem do conto seria ele. Fez com que a editoria do jornal temesse que todos aqueles que se identificaram com o dito personagem, ou com outros personagens de ficção, fizessem o mesmo.
Enfim, quando deu-se por achado percebeu que ainda estava observando aquele sujeito sentado no meio-fio e lamentou não poder fazer o mesmo. Sentar no meio-fio e ficar a balbuciar a existência. Escorar os braços na janela e pôr-se a ver a vida passar. Chegou a sentar no meio-fio, mas percebeu que aqueles que passavam e que o conheciam, paravam e olhavam inquietos para a sua figura ali jogada.
Levantou-se e mandou à merda todas as convenções, mas se recompôs e seguiu firme para o trabalho. O dia estava por começar e a primeira caneca de café anunciaria o seu futuro breve. Quando retornou para casa, à noite, percebeu que algo novo circundava o entorno e a profundidade de seu olhar.

Um comentário:

  1. O caso do juís que tomei conhecimento só agora, exemplifica ou ilustra, no meu modesto entendimento, a sociedade individualista em que vivemos. Organizada sob o viés capitalista, somos cheios de "direitos".Estes direitos nos afastam do coletivo, assim um olhar, um comentário mesmo que vindo como um elogiu,quando direcionado a uma pessoa, afim de exercer seu direito ao isolamento pode acarretar num processo. A contradição diz respeito ao fato de que somos seres sociaveis, não conseguimos viver isolados, precisamos do outro, a té mesmo para termos à quem processar. De que adiantaria tantos direitos individuais se não tivermos a quem impor este individualismo?
    Os direitos coletivos, no entanto, Art.VI da constiutição federal foram esquecidos,pois neste individualismo o que tem valos é o eu, desta forma, "eu" podendo pagar escola, plano de saúde etc. o restante, e este é a imensa maioria da população, que se dane. Dentro desta lógica "burra" são culpabilizados pelas ausencias em suas vidas, isto enquanto o judiciário preocupa se com a moral e os bons costumes.

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