segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

de que interesses falamos? ou, para cantar a ética no SUS!

Dia desses, capturei uma matéria de zhonline sobre "clínicas populares" e guardei no bolso do casaco. Lá ficou. Hoje recebi duma parceria de trabalho e pensaduras, outra matéria sobre o SUS. Juntei as duas para a postagem, mas antes quero dizer umas coisinhas.
Na semana passada, ao participar de um dos encontros num espaço de discussão sobre os processos de trabalho no campo do SUS, discutíamos o organograma vigente num dado espaço de trabalho, contemplando sua verticalidade, os profissionais que lá atuam, suas cargas horárias e os modos de trabalho que operam. Para isso, desde o começo de tal processo de discussão, todas as pessoas vinculadas a tal espaço de trabalho foram convidadas... obviamente, nem todos participam, mas eis que sempre aparece um novo integrante e a coisa vai crescendo, se movimentando e se transversalizando. O referido espaço ainda não está com a gestão definida... ainda não sabemos se será unificada, rotativa ou compartilhada (ou de outra forma) e, por questões práticas e teóricas, por ora, estou, conduzindo o processo... eis que, hoje, para minha surpresa, uma colega que participou pela primeira vez do trabalho, abordou-me de forma muito agressiva, dizendo que EU teria agido sem ética ou de forma anti-ética (não sei se coloca o hífen ou não e nem se foi exatamente nesses termos)... algo assim, ao falar sobre o que falamos no encontro e sem a presença de todos os mencionados (como se o fato de serem trabalhadores do SUS, chamados para o encontro de trabalho, estando ausentes por um ou outro motivo, não poderiam ser mencionados! Talvez seja de se estranhar que sempre os mesmos não estejam nem nos encontros e muito pouco no trabalho!)... bá, gaúcho! me caiu os butiá dos bolso! Uma, que os assuntos foram definidos e discutidos pelo grupo, assim como, toda a abordagem foi feita por todos os presentes... a colega, durante o encontro, em dúvida sobre os propósitos do encontro, foi devidamente esclarecida, inclusive com relato escrito, do processo percorrido até ali; outra, que levou os butiá, foi essa adaga cravada na questão da ética!
De que ética mesmo a colega falava? Da ética da hipocrisia? Da ética do silenciamento diante os corporativismos? Da ética da usurpação do SUS, utilizando-o como cabide de emprego ou como bico? Da ética privatista? Da ética do atendimento negligente ao usuário do SUS? Da ética do descaso com a coisa pública? Da ética do emperramento dos processos de trabalho público, por seres feitos por ética interesseira, elitista e individualista? Da ética da ocultação dos acontecimentos ocorridos nos espaços de trabalho público?
Bueno! Sei que sou, na maioria das vezes, uma intolerante! Ouvindo o clamor ético da colega, meus pensamentos já borbotavam de minha cabeça alguns decibéis acima do aceitável e minha voz, então, nem se fale! Mas consegui, entre muitas outras coisas, dizer que a minha ética não é a ética hipócrita, assim como, que pelo visto, ela não havia entendido nada do que se discutiu! Se perdi a parceria, vejo que nunca a tive. Não estamos no mesmo barco! Não interessa-me essa abordagem pessoalizada dos processos de trabalho público! No mais, quem trabalha nos espaços públicos deve, no mínimo, problematizar práticas arraigadas, ultrapassadas e esgotadas... se essa problematização produzir novas práticas, a andança já está ganha!
Outra coisa que quero falar, é sobre essas tais de clínicas populares. Aqui em Cruz Alta isso não é de hoje. Tem vários anos que uma pessoa, particularmente, "investe" nessa idéia. É uma figura que já ocupou cargos públicos eletivos e que, nessa condição, em vez de fomentar o protagonismo dos usuários e o fortalecimento do SUS, "investiu" na constituição de um espaço de "clínica popular", agregando "voluntários", voluntaristas, voluntariosos e aproveitadores da passividade e assujeitamento popular!
Clínicas que não promovem saúde, mas vendem produtos e cobram "preços populares" para procedimentos que em outras circunstâncias custam os "olhos da cara" dos mesmos populares! Desvitalizam e despotencializam as gentes, apostam na inexistência de protagonismo, fomentam a medicalização da vida e combatem o SUS!
Vejam as duas abordagens:
Clínicas populares atraem usuários que cansaram de esperar atendimento público
Operadoras de saúde no país elegeram a classe C como alvo preferencial de seus produtos
por: Flávio Ilha - flavio.ilha@zerohora.com.br
De olho num mercado potencial de R$ 800 bilhões, as operadoras de saúde em todo o país elegeram a classe C como alvo preferencial de seus produtos. Com dinheiro no bolso, mas sem planos de saúde e sem paciência para esperar nas filas do Sistema Único de Saúde (SUS), muitos consumidores com até R$ 2,5 mil de renda familiar estão migrando para clínicas particulares em busca de serviços rápidos e baratos.
E estão encontrando. Com a concorrência em alta, hoje já é possível entrar num consultório médico sem temer o risco de contrair uma dívida impagável. Clínicas de Porto Alegre e da Região Metropolitana chegam a cobrar R$ 25 por uma consulta, mesmo que o usuário não seja coberto por nenhum convênio ou plano de saúde. Também é possível fazer uma ecografia de pré-natal por R$ 24, quando a maioria das clínicas particulares cobra entre R$ 65 e R$ 80, além de parcelar exames mais caros em até seis vezes.
Um diagnóstico complexo, como uma ressonância magnética, também pode custar até 65% mais barato que a média do que é cobrado nas clínicas particulares. A demanda da classe média por serviços de saúde fez aumentar o número de empresas que atuam no setor: apenas entre 2009 e 2010, três novas operações de grande porte foram criadas em Porto Alegre. As duas maiores clínicas populares da cidade recebem cerca de 200 pacientes por dia. Cada uma.
Como a auxiliar de serviços gerais Dionara Pedroso. Aos 42 anos, ela não tem cobertura de nenhum plano de saúde na loja em que trabalha e, cansada das filas do SUS, consultou pela segunda vez em uma das clínicas populares da cidade na sexta-feira, 21 de janeiro. Marcou a consulta para o mesmo dia e desembolsou R$ 30 pela dermatologista, em um consultório confortável no Centro de Porto Alegre. Se fosse depender do SUS, levaria pelo menos 30 dias para agendar um horário.
— Vim aqui por indicação de uma amiga e fui muito bem atendida. Se puder, nunca mais boto os pés num posto de saúde — conta Dionara.
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14/02/2011 - Jornal VS - Comunidade - Pág. 8 - Clipado em 14/02/2011 07:02:32 (sem link)
Aposta contra o SUS
por: Julio Dorneles (professor, especialista em administração pública e diretor executivo do Pró-Sinos)
Ganhou impressionante destaque na mídia uma séria aposta contra o SUS. Em matérias especiais na TV, em jornais de grande circulação regional e nacional, nas rádios, na internet, enfim, por onde foi possível, atacou-se duramente as mazelas do SUS. Mas a questão não analisada é: a saúde no Brasil é o caos ou isso seria se justamente não existisse o SUS? Além disso, de um modo geral, muitas matérias apostaram no acesso de novas camadas sociais a planos de saúde suplementar, privados. Sendo assim, procuraremos analisar o sério risco que representa esse equivocado ataque ao nosso sistema de saúde público.
A verdade é que os problemas enfrentados ou apresentados pelo SUS são os mesmos dos planos privados, só que o primeiro atende um universo enquanto que os segundos atendem a um microcosmo quando comparado àquele. Disso decorre a diferença quando se compara determinado plano de saúde privado com o SUS. Via de regra, vão dizer que o atendimento do privado foi mais rápido ou mais eficiente que o do SUS e por aí vai. Mas como comparar quem atende alguns que o escolheram e podem pagar com um sistema que não pode escolher nem discriminar a quem vai atender?
Nossa memória é curta, mas se nos esforçarmos vamos lembrar que há bem pouco tempo não havia o SUS e somente tinham algum tipo de atendimento de saúde aqueles cidadãos que dispunham de carteira assinada e contribuíam para o antigo INAMPS, hoje INSS, ou que contribuíam com plano privado. Realmente era o caos. E mais que isso, a imensa maioria dos cidadãos brasileiros não tinha qualquer garantia de acesso a serviços de saúde, por mais básicos que fossem. Para acabar com essa realidade é que surgiu o SUS, como um sistema único, universal, hierarquizado e que promove a equidade nos serviços de saúde do Brasil.
Parece estranho, mas é essa a verdade. A estrutura da rede privada depende do SUS. Não há um plano privado sequer no Brasil que disponha de tal estrutura capaz de atender a demanda por serviços de saúde sem acessar os equipamentos do SUS. São rarissimos os planos privados que dispõem, por exemplo, de um hospital próprio para atender seus clientes. E se o têm, são um ou outro hospital aqui ou ali e não uma rede de hospitais em cidades-pólo ou muito menos em cidades de médio e pequeno porte. Aliás, a maior parte dos serviços prestados por planos privados é realizado utilizando-se equipamentos, hospitais, laboratórios e profissionais sustentados pelo SUS.
Quando um plano de saúde privado qualquer lhe encaminha para uma cirurgia no hospital de sua cidade, ele está utilizando-se do bloco cirúrgico, da estrutura de apoio e do laboratório bancado pelo SUS. Enfim, quem aposta contra o SUS pode literalmente quebrar.

5 comentários:

  1. Diello, salve, salve, todos os que se encorajam a enfrentar essas hipocrisias que atravancam o SUS. Não pare e não deixe ninguém parar. Maris

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  2. Comungo com o teor e linha da materia exposta. Realmente, ao citar ..."abordagem personalizada dos processos dos trabalhos publicos"... voce disse tudo, cristalinizando a forma e a etica empregada na atuaçao de funcionarios despidos de etica e funçao.
    Logicamente sempre haverao frutas decadentes no balaio, pena que estas atrapalham e desvirtuam boas diretrizes e aprofundamentos em busca da nossa querida e tao necessaria qualidade.
    Desculpe as delongas, mas estas de parabens.
    Abraço, sigamos lutando.
    Airton Costa.

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  3. Não podemos mais nos amendrontar com o cheiro fedorento das frutas podres... elas podem ser retiradas do balaio!
    Não podemos esquecer, também, que as relações de poder são feitas dessas coisas e durante muito tempo a ética hipócrita, individualista, corporativista e interesseira ganhou de todos, mas não ganha mais... quem faz essa vitalidade e essa força, somos nós que não partilhamos dessa ética, pois não há quem seja sem ética... cada ética atende um ou outro interesse, seja do individualismo, seja do coletivo!
    um grande abraço e sempre grata às palavras generosas e à peleja de vcs, maris e airton!
    grande beijo!

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  4. Muito oportuno seu comentário sobre os funcionários públicos/ética (pois estamos rodeados de funcionários que não tem a mínima ética, pois hoje as repartições estão cheio de "repórteres" ou seja, passam uns cuidando a vida dos outros e não trabalham para o povo...

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  5. caro anônimo, com certeza, há muitos trabalhadores públicos que tem interesses somente individualistas e corporativistas, mas essa é uma situação que devemos trabalhar muito para amenizar!
    no mais, como sempre sublinho, não há como não ter ou ter pouca ética... cada um defende e produz a ética que lhe inderessa, seja dos interesses individualistas e cosporativistas, seja dos interesses coletivos... não há como ser imparcial!
    grande abraço.

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