domingo, 20 de fevereiro de 2011

divulgação: Políticas para Álcool e outras drogas: retrocesso para a Reforma Psiquiátrica?

O movimento antimanicomial, nascido no Brasil em 1987, trouxe transformações na concepção do atendimento às pessoas com transtorno mental e criou a base para a Reforma Psiquiátrica, que busca combater o modelo de tratamento hospitalocêntrico, baseado na internação. Nos últimos anos, a luta tem obtido ganhos, como o fechamento de leitos em hospitais psiquiátricos e mudanças na forma de atendimento aos usuários da rede de saúde mental.
Entretanto, retrocessos ainda precisam ser combatidos. Um exemplo é o anúncio, pelo governo Federal, em setembro deste ano, da abertura de 6.120 leitos previstos no Plano de Enfrentamento ao crack e outras Drogas. Desses, 2.500 serão abertos em Hospitais Gerais, 2.500 em Comunidades Terapêuticas, 600 em Centros de Atenção Psicossocial álcool e drogas (CAPS-AD) 24 horas e 520 em Casas de Acolhimento Transitório.
Para a conselheira do Conselho Federal de Psicologia, Elisa Zaneratto, o problema do plano é o retrocesso, pelo tema álcool e drogas, das conquistas da Reforma Psiquiátrica. “Levamos anos para fechar leitos e agora se abrem tantos para compensar”, destaca. Para ela, contudo, é positivo que entre os seis mil existam os destinados aos Caps-AD e a hospitais gerais para tratamento dos usuários.
Além disso, Elisa lembra que, em junho de 2010, foi realizada a IV Conferência Nacional de Saúde Mental – Intersetorial que, entre suas deliberações, votou contra o repasse de verba do Sistema Único de Saúde (SUS) para iniciativas privadas. “A criação de 2.500 leitos em Comunidades Terapêuticas é contrária a tudo que foi discutido na IV CNSM”, aponta.
Para o coordenador da área de Saúde Mental do Ministério da Saúde, Pedro Gabriel Delgado, as propostas contempladas com recursos do plano “não se tratam de terceirização da saúde mental, já que não fazem parte do sistema público de saúde, mas pertencem à rede de Proteção Social. O colegiado de coordenadores de Saúde Mental apontou que essas entidades não devem fazer parte da Rede SUS”, afirma, em resposta a entrevista via e-mail. Ainda de acordo com Delgado, as secretarias municipais de saúde são responsáveis pela indicação de leitos em comunidades terapêuticas, que devem ser habilitados para financiamento pelo SUS, segundo as condições do edital do plano.
A fiscalização, o monitoramento, a avaliação e a auditoria dos leitos em Comunidades Terapêuticas serão feitas, segundo Delgado, pela gestão local de saúde, apoiada pelo ministério e pela Secretaria Nacional sobre Drogas (Senad). A fiscalização será realizada com base em norma da Anvisa que define condições mínimas de funcionamento dessas entidades.
É a primeira vez que municípios receberão recursos para habilitação de leitos em Comunidades Terapêuticas – iniciativas do terceiro setor ou de igrejas – que visam à recuperação e à reinserção social dos usuários de drogas. O texto do edital do plano aponta que o paciente “não pode ser obrigado a participar de atividades de cunho religioso durante o período de acolhimento”.
Elisa Zaneratto destaca a gravidade de se reconhecer um dispositivo de tratamento que, como o próprio ministério coloca, não faz parte do SUS. E reforça as deliberações da IV CNSM, que, além de votar contra o repasse de verbas do SUS para Comunidades Terapêuticas, aprovou que todo o tratamento de usuários de álcool e de outras drogas esteja de acordo com os princípios da Reforma Psiquiátrica. “A conferência votou que todo o tratamento de álcool e drogas fosse realizado prioritariamente na rede substitutiva de saúde mental, fortalecendo os Caps-AD. Além disso, a CNSM não reconheceu as Comunidades Terapêuticas para tratamento dos usuários de álcool e drogas, pois não funcionam de acordo com as diretrizes da reforma psiquiátrica”, ressaltou.
A preocupação com o repasse de verbas do SUS para essas entidades também é colocada pela Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial (Renila). “O financiamento dos leitos em comunidades terapêuticas pode colocar em risco a implementação de uma rede de atenção para usuários de álcool e de outras drogas pautada pelos princípios do SUS, da redução de danos e da reforma psiquiátrica. Mais do que a oferta de leitos, oferta-se a possibilidade, no campo de álcool e outras drogas, de afirmação de concepções e propostas de assistência que mais contribuem para a segregação dos usuários”, afirma a secretária da Renila, Ivarlete França.
Para ela, o Ministério da Saúde não pode privilegiar a ampliação de leitos de internação. “Essa política pretende segregar, ‘tratar’ e devolver o usuário ‘curado’ para a sociedade”, disse. O momento, segundo Ivarlete, é uma oportunidade para ampliar o número de Caps II AD, para implantar Caps-AD III e outros dispositivos de cuidados, bem como envolver os três entes da Federação na construção de políticas públicas que possam alargar os horizontes desses usuários. “O fenômeno do crack coloca em xeque, permanentemente, a efetividade das políticas públicas de atenção integral à saúde mental e nos coloca o desafio de acolher o sofrimento dos usuários em dispositivos de cuidados que não os excluam do meio social”, indica.
O Ministério da Saúde estima que existam 600 mil dependentes de Crack no Brasil. Para o órgão, o fenômeno de uso de crack implica numa grande heterogeneidade, de acordo com o perfil do usuário e contexto de uso, além de apresentar desdobramentos clínicos e psiquiátricos. Por isso existe a necessidade de uma rede diversificada de atendimento, com diferentes dispositivos articulados entre si, complementares e de funcionamento coordenado. Assim, um mesmo usuário de crack pode, em determinado período, necessitar ser atendido diariamente em um CAPS e, em outro instante, necessitar de internação em hospital geral por apresentar alguma complicação decorrente do uso de drogas.
Avanço
Como avanço do plano, a conselheira Elisa Zaneratto aponta a implantação de CAPS-AD-III (24 horas), que inova ao trazer para o CAPS-AD o lugar do acolhimento à crise em tempo integral, ou seja, não apenas durante o dia, mas também o acolhimento noturno.

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