domingo, 13 de novembro de 2011

RIZOMA [rizhome] - deleuze

"Subtrair o único da multiplicidade a ser constituída; es­crever a n-1. Tal sistema poderia ser chamado rizoma." (MP, 13).
 "Diferentemente das árvores ou de suas raízes, o rizoma conecta um ponto qualquer com outro ponto qualquer, e cada um de seus traços não remete necessariamente a tra­ços de mesma natureza, ele põe em jogo regimes de signos muito diferentes, inclusive estados de não-signos. O rizoma não se deixa reduzir nem ao Uno nem ao múltiplo... Ele não é feito de unidades, mas de dimensões, ou antes, de direções movediças. Não tem começo nem fim, mas sem­pre um meio, pelo qual ele cresce e transborda. Ele consti­tui multiplicidades" (MP, 31).

* Esse conceito, provavelmente o mais famoso de Deleuze e Guattari, nem sempre é bem compreendido. Por si só, é um manifesto: uma nova imagem do pensamento destina­da a combater o privilégio secular da árvore que desfigura o ato de pensar e dele nos desvia (a introdução de Mil platôs, intitulada "Rizoma", foi publicada separadamente alguns anos antes do livro; a noção surge pela primeira vez no Kafka). É flagrante que "muitas pessoas têm uma árvore plan­tada na cabeça" (MP, 24): quer se trate de se buscar raízes ou ancestrais, de situar a chave de uma existência na infân­cia mais remota, ou ainda destinar o pensamento ao culto da origem, do nascimento, do aparecer em geral. Genealo­gistas tradicionais, psicanalistas e fenomenólogos não são os amigos do rizoma. Além disso, o modelo arborescente submete, pelo menos idealmente, o pensamento a uma progressão de princípio a conseqüência, ora o conduzindo do geral ao particular, ora buscando fundá-lo, ancorá-lo para sempre num solo de verdade (mesmo as aplicações multi­mídia, de nossos dias, têm dificuldade para instaurar uma navegação transversal, limitando-se o mais das vezes ao vaivém entre um sumário e rubricas num beco sem saída). Essa crítica, em Deleuze, não exclui absolutamente a manu­tenção da distinção entre fato e direito, oriunda do questio­namento crítico ou transcendental. Convém aqui redobrar a atenção: se o empirismo tradicional consiste em pensar "con­dições maiores que o condicionado", não é mais evidente assimilar o direito ao originário e o fato ao derivado. Mas a coisa pode ser formulada de outra maneira: a origem, ela própria afetada pela diferença e pelo múltiplo, perde seu caráter de a priori englobante, ao passo que o múltiplo se subtrai à influência do Uno (n-1) e torna-se o objeto de uma síntese imediata, dita "multiplicidade"; doravante ela de­signa o que é primordial na experiência "real" (que nunca é "em geral" ou simplesmente "possível"), por oposição aos conceitos da representação. O rizoma diz ao mesmo tempo: nada de ponto de origem ou de princípio primordial co­mandando todo o pensamento; portanto, nada de avanço significativo que não se faça por bifurcação, encontro impre­visível, reavaliação do conjunto a partir de um ângulo inédi­to (o que distingue o rizoma de lima simples comunicação em rede - "comunicar" não tem mais o mesmo sentido, ver UNIVOCIDADE DO SER); tampouco princípio de ordem ou de en­trada privilegiada no percurso de uma multiplicidade (para estes dois últimos pontos, ver COMPLICAÇÃO e a definição aci­ma: "Ele não é feito de unidades, mas de dimensões").
O rizoma é portanto um antimétodo que parece tudo autorizar - e de fato o autoriza, pois este é o seu rigor, do qual seus autores, sob o termo "sobriedade", enfatizam de bom grado, pensando nos alunos apressados, o caráter ascético (MP,13,125, 342, 425). Não julgar previamente qual caminho é bom para o pensamento, recorrer à experimen­tação, erigir a benevolência como princípio, considerar en­fim o método uma muralha insuficiente contra o preconcei­to, uma vez que ele conserva pelo menos sua forma (verda­des primeiras): uma nova definição do sério em filosofia, contra o burocratismo puritano do espírito acadêmico e seu "profissionalismo" frívolo. Essa nova vigilância filosófica é aliás um dos sentidos da fórmula: "condições não maiores que o condicionado" (o outro sentido é que a condição se diferencia com a experiência). O mínimo que se pode dizer é que não é fácil manter-se nesse ponto: sob essa relação, o rizoma é o método do antimétodo, e seus "princípios" cons­titutivos são regras de prudência a respeito de todo vestí­gio ou de toda reintrodução da árvore e do Uno no pensa­mento (MP, 13-24).

** O pensamento remete portanto à experimentação. Essa decisão comporta pelo menos três corolários: 1) pensar não é representar (não se busca uma adequação a uma suposta realidade objetiva, mas um efeito real que relance a vida e o pensamento, desloque o que está em jogo para eles, os re­lance mais longe e alhures); 2) não há começo real senão no meio, ali onde a palavra "gênese" readquire plenamente seu valor etimológico de "devir", sem relação com uma origem; 3) se todo encontro é "possível" no sentido em que não há razão para desqualificar a priori certos caminhos e não ou­tros, todo encontro nem por isso é selecionado pela expe­riência (certas montagens, certos acoplamentos não produ­zem nem mudam nada). Aprofundemos este último ponto. Não nos iludiremos com o jogo aparentemente gratuito ao qual convida o método do rizoma, como se se tratasse de praticar cegamente qualquer colagem para obter arte ou fi­losofia, ou como se toda diferença fosse a priori fecunda, segundo uma doxa difundida. Decerto quem espera pensar deve consentir em uma parte de tateamento cego e sem apoio, em uma "aventura do involuntário" (OS, 116-9); e, apesar da aparência ou do discurso de nossos mestres, esse tato é a aptidão menos partilhada, pois sofremos de excesso de consciência e excesso de domínio - não consentimos de forma nenhuma no rizoma. A vigilância do pensamento nem por isso permanece menos requisitada, mas no próprio cerne da experimentação: além das regras mencionadas acima, ela consiste no discernimento do estéril (buracos negros, im­passes) e do fecundo (linhas de fuga). É aí que pensar con­quista ao mesmo tempo sua necessidade e sua efetividade, reconhecendo os signos que nos obrigam a pensar porque englobam o que ainda não pensamos. E eis por que Deleuze e Guattari podem dizer que o rizoma é questão de cartogra­fia (MPP,19-21), isto é, de clínica ou de avaliação imanente. Acontece, sem dúvida, de o rizoma ser imitado, representa­do e não produzido, e servir de álibi a amálgamas sem efei­to ou a logorréias fastidiosas: pois se acredita que basta que coisas não tenham relação entre si para que haja interesse em vinculá-las. Mas o rizoma é tão benevolente quanto se­letivo: ele tem a crueldade do real, e só cresce onde efeitos determinados têm lugar.

d'O VOCABULÁRIO DE DELEUZE, organizado por François Zourabichvili (Traduçao André Telles - Rio de Janeiro 2004).

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