domingo, 13 de novembro de 2011

DESTERRITORIALIZAÇÃO (E TERRITÓRIO) [deterritorialisation (et territoire)) - deleuze

"A função de desterritorialização: D é o movimento pelo qual 'se' deixa o território." (MP, 634)
"O território não é primeiro em relação à marca qualitativa, e a marca que faz o território. As funções num território não são primeiras; elas supõem, antes de tudo, uma expressividade que faz território. É de fato nesse sentido que o território, e as fun­ções que aí se exercem, são produtos da territorialização. A territorialização é o ato do ritmo tornado expressivo, ou componentes de meios tornados qualitativos." (MP, 388)

* O termo "desterritorialização", neologismo surgido no Anti-Édipo, desde então se difundiu amplamente nas ciên­cias humanas. Mas ele não forma por si so um conceito, e sua significação permanece vaga enquanto não e referido a três outros elementos: território, terra e reterritorialização - o conjunto formando em sua versão acabada o conceito de ritornelo. Distingue-se uma desterritorialização relati­va, que consiste em se reterritorializar de outra forma, em mudar de território (ora, devir não é mudar, já que não há término ou fim para o devir - haveria talvez nesse ponto certa diferença com relação a Foucault); e uma desterrito­rialização absoluta, que equivale a viver sobre uma linha abstrata ou de fuga (se devir não é mudar, em contraparti­da toda mudança envolve um devir que, apreendido como tal, nos subtrai à influência da reterritorialização: cf. o con­ceito de "contra-efetuação" do acontecimento, LS, 21' sé­rie, e a questão "o que se passou?", MP, platô 8). Tal é o esquema aproximado que prevalece no Anti-Édipo, onde "desterritorialização" é sinônimo de "decodificação". En­tretanto, já se coloca o problema da "reterritorialização", que leva ao tema polêmico da "nova terra", sempre por vir e a ser construída, contra toda terra prometida ou ancestral, reterritorialização arcaica de tipo fascista (AŒ, 376­84,306-7).
Em Mí1 platôs, o esquema se complica e sofistica em tor­no de uma acentuação da ambivalência da relação com a terra - profundidade da terra natal e espaço liso do noma dismo - que, com isso, afeta também o território. Não ape­nas a rigidez do código não dá mais conta de todos os tipos de território, bem como a reterritorialização e doravante plenamente assumida como o correlato de qualquer dester­ritorialização, posto que ela não se efetua mais necessaria­mente sobre um território propriamente dito, mas, quando e absoluta, sobre uma terra não delimitada: agenciamento nomádico, deserto ou estepe como território paradoxal, onde o nômade "se reterritorializa sobre a própria desterritoria­lização" (MP, 473 - a diferença relativo-absoluto correspon­de à oposição entre a história e o devir, a desterritorializa­ção absoluta sendo o momento do desejo e do pensamento: QPh, 85). Esse deslocamento de ênfase abre caminho para o conceito de ritornelo.
** Inspirado antes na etologia do que na política, o con­ceito de território decerto implica o espaço, mas não con­siste na delimitação objetiva de um lugar geográfico. O valor do território é existencial: ele circunscreve, para cada um, o campo do familiar e do vinculante, marca as distân­cias em relação a outrem e protege do caos. O investimen­to íntimo do espaço e do tempo implica essa delimitação, inseparavelmente material (consistência de um "agencia­mento" - ver AGENCIAMENTO) e afetiva (fronteiras proble­máticas de minha "potência"). O traçado territorial distri­bui um fora e um dentro, ora passivamente percebido como o contorno intocável da experiência (pontos de angústia, de vergonha, de inibição), ora perseguido ativamente como sua linha de fuga, portanto como zona de experiência. No Anti-Edipo, o território não se distinguia do código, pois era antes de tudo um indício de fixidez e fechamento. Em Mil platôs, essa fixidez não exprime mais do que uma rela­ção passiva com o território, e eis por que este último se tornou nessa obra um conceito distinto (396): "marca cons­tituinte de um domínio, de uma permanência", não de um sujeito, o território designa as relações de propriedade ou de apropriação, e concomitantemente de distância, em que consiste toda identificação subjetiva - "um ter mais pro­fundo que o ser" (MP, 387). O nome próprio e o eu so as­sumem sentido em função de um "meu" ou de um "em minha casa" (MP, 393, 629). Esse valor de apropriação é solidário de um devir expressivo das qualidades sensíveis, que entram como variações inseparáveis na composição de um ritornelo, a marcação das distâncias - ponto decisi­vo - se mostrando, mesmo nos animais, anterior a toda funcionalidade (MP, 387,-97); QPh,174). O território é por­tanto a dimensão subjetivante do agenciamento - na me­dida em que não há intimidade senão do lado de fora, vin­culada a um exterior, oriunda de uma contemplação pre­via a qualquer divisão de um sujeito e de um objeto (ver CORTE-FLUXO e PLANO DE IMANÊNCIA). Deleuze tematizara, a princípio, esse ter primordial sob o nome de "hábito" ou "contemplação" (DIZ, 99-108). O conceito mudou, como atesta a distinção dos meios e dos territórios (MP, 384-6). Tomado na lógica do agenciamento e do ritornelo, o moti­vo do ter contribui agora para a definição do problema prático essencial, deixar o território: que relação com o es­tranho, que proximidade do caos suporta o território? Qual e seu grau de fechamento ou, ao contrário, de permeabili­dade (crivo) ao fora (linhas de fuga, pontas de desterrito­rialização)? Nem todos os territórios se equivalem, e sua relação com a desterritorialização, como vemos, não e de simples oposição.

d'O VOCABULÁRIO DE DELEUZE, organizado por François Zourabichvili (Traduçao André Telles - Rio de Janeiro 2004).

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