segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Poetagens Alheias - A Mesma Coisa

A MESMA COISA - por Felipe Fortuna
Eu sou igual a um anagrama. Meu
indeciso amor a Roma me
levou a confundir a imitação. E vou
pelo caminho bifurcado, que me basta
e me provoca.
Eu me repito
mesmo
quando não copio.
E o mesmo
acontece
quando me repito: precipício
arremessado ao precipício.
Eu sou o que sou, responde o Criador.
Portanto: não há limites. Esse infinito
se fez das coisas que já foram. Começarei
de novo, mas apenas começarei, porque
nada é novo para os que sabem o que ainda vem.
Valha-me a cópia, valha-me a implícita
repetição do meu arbítrio. Tudo o que aconteceu
está cercado no ciclo. Está entre as grades
verticalmente dispostas sobre o corpo horizontal,
e vice-versa: uma luta um combate uma contenda
que trançam metais continuamente, como os dias
sucessivos em que estamos.
Não me pergunte por que somos iguais:
mesmo nascer às vezes se proclama
reprodução. E morrer imita a vida
de modo tão brusco que nunca mais
será possível modo mais original.
Comece então a perguntar
se a gaguez permite esgueirar-se,
e se cada palavra
sempre suscita o terreno empecível que percorro.
Você veio juntar-se aos demais. Tudo se parece
ao rosto desdobrado em rosto estendido em rosto espelhado
em rosto rotativo, reagindo ao seu flagrante obsessivo:
matéria duplicante que adormece enquanto a lúcida
sombra das coisas existentes se demora.
Lassidão que custa a evaporar, apesar dos ponteiros que giram.
Tudo sofre em cada de um nós: somos siameses
em nossa camuflagem, e com os dedos de todas as mãos
apontamos o cúmplice no auto-retrato.
A nossa ventriloquia assusta qualquer um: o manequim
mal fica em pé no colo de alguém, e sempre se agita
cheio de som e fúria, significando a mesma citação.
Somos cópias. Fazemos clichês. Vendemos a mesma idéia
simultaneamente, com permanente disfarce.
Um livro fechado, depois de lido, parece novo: assim
o texto, quando assinado, é todo seu. Basta bradar
no amplo mercado, basta esbarrar em todos eles,
friccionando-se à multidão.
Ah, que horrorosa semelhança têm!
São um múltiplo mesmo que se ignora.
E, no entanto, eles sabem de você, criatura
similar. Falam o seu idioma e se perguntam
quantos mais virão à tona e proclamar ergo sum.
Querem roubar a sua oferenda, um rastro
que leva a você, sempre a você no meio da cidade.
Quando apurarem quem é, verão que estou só,
fingindo divertir-me com idéias,
saindo pela rua com meu rosto. Estou preparando
nova armadilha em cada esquina. Vou congregar
a ordem dos capazes de imitar. Falta bem pouco:
peço silêncio, para prestar atenção na resposta
que eu em uníssono posso dar.
Não me pergunte por que somos iguais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário