sábado, 20 de novembro de 2010

Outras coisas sobre os espaços de trabalho público

Já tem uma semana que aconteceu esse rebordeio, mas as coisas que se estiram em suas teias nunca deixam de acontecer, por isso, depois de ter perdido o texto de um comentário que postei no blog, reconstituo seu teor e faço a postagem em forma de texto.
Tomo como ponto de prosseguimento ao assunto, os dois comentários das colegas Liege e Ana Paula, que grafaram o que segue: “Maria Luiza, aplaudo em pé o texto que escreveste.
Estou indignada com a fala do Sr. Marcos, que satirizou e desrespeitou algumas classes de trabalhadores (psicólogos, promotores, policiais, assistentes sociais, entre outros), chamando-os de incompetentes e julgando-os prepotentes.
Ainda, repudio a maneira egocêntrica (dono da verdade) e superficial que dominou a fala deste palestrante, desdenhando as angústias e inquietações de professores, uma categoria tão desamparada em suas ações e fragilizada pelo desrespeito, pelo descaso e pelo abandono que assola a educação há muitas décadas.
Ressalto minha indignação pelo comentário infeliz e inconsequente do Sr. Marcos, que acabou por fomentar e incentivar a violência contra nossas crianças, dizendo que usar a varinha de marmelo na infância previne a formação de um jovem marginal no futuro. Lamentável que se gaste tempo e dinheiro com esse tipo de gente, sendo que o serviço público carece de formação e qualificação específica, com profissionais competentes, sensíveis ao sofrimento do outro e que conheçam o processo de construção do campo social e das políticas públicas.
Que bom que existe gente como você, que se indigna frente aos absurdos e consegue expressar isso tão bem, sem medo de retaliações.
Um grande abraço, da colega e amiga, Liege Suptitz - 16 de novembro de 2010 10:51”
“Maria Luiza cheguei a sonhar que fazia um manifesto repudiando a fala do senhor Marcos(pena eu não ter tanta coragem) por isso senti a tua falta e disse a mim mesma: "Maria Luiza não deixaria as coisas assim!".Ele com sua fala perpetua a cultura da violência, quando fala que a lei da palmada foi feita por psicólogos que não tem filhos e que "uma varinha de marmelo não mata ninguém" e pior que isso foi aplaudido por muitos daqueles que se dizem Conselheiros Tutelares. Meu sangue ferveu e ainda ferve. Que "sistema" de proteção é esse? Fica aqui o meu répúdio que não foi verbal, público mas que para escrever me encorajo. Um abraço! Ana Paula Furian - 16 de novembro de 2010 11:04” (na postagem de 15 de novembro de 2010: Algumas coisas sobre os espaços de trabalho público).
Novamente: bons ares as tragam por aqui! No mais, cumprimento-as pela manifestação pública sobre o que pensam. Recebi muitos contatos por telefone e por email, sobre essa situação e acho que se todos os que se manifestaram sobre o assunto, o fizessem publicamente, teríamos muito mais gente andando junto por essas paragens (mas isso não diminui o meu respeito por aqueles que ainda não conseguem ou que simplesmente não conseguem expressar publicamente o que pensam, seja por medo de represálias, por dificuldade para formular uma posição sobre o assunto, ou por outro motivo qualquer).
Fomos paridos e criados numa cultura do medo e isso se perpetua em muitas formas de sociabilidade tradicional e conservadora, desenhadas pelo sistema dominante que o faz, atendendo aos seus próprios interesses. O medo é uma forma de impedir os fluxos de vida. A vida é movimento, é produção de vitalidade que não cessa de acontecer. Assim, o medo gera paralisia e aborta a vida, transformando-a em tormento e covardia, exatamente para impedir que as gentes aconteçam.
Prefiro não me deter muito nas coisas que o Senhor Marcos Azeredo pronunciou, pois temos de convir que o mesmo, a partir das coisas que expressou publicamente, seja uma figura cuja limitação teórica, humana, social e política, o faz pensar e dizer as coisas que disse. O que temos que olhar com maior atenção, como já comentei, é o fato de que essas coisas foram aplaudidas por pessoas que deveriam combatê-las, assim como, o fato desse Senhor ter sido contratado para prestar um serviço público. No mais, aprecio muito que as críticas a qualquer coisa de interesse público, sejam feitas publicamente, mas que isso seja feito com consistência, com lucidez e com sabedoria. Tomar os preconceitos como referência de vida e de atuação profissional, somando à precariedade que foi manifestada, apenas produz verdades mais precárias do que as que já foram produzidas para engessar nossas existências.
Fomentar a acepção de que a educação deva ser feita através da violência, é tomar a barbárie como condição humana absoluta, principalmente se olharmos para o que já se constituiu na humanidade a partir do uso e das práticas de violência.
Esperar que todos os trabalhadores públicos (inclua-se aí os Conselheiros Tutelares) tenham clareza sobre o que fazem e sobre as condições teóricas, humanas, sociais e políticas de suas práticas pessoais e profissionais, é querer o impossível.
Não podemos esquecer que as construções das linhas humanas, políticas e sociais, e, por sua vez, das normatizações orientações das políticas sociais, são produzidas, na maioria dos casos, pela coletividade (mesmo que de forma mais, ou menos democrática e participativa), mas isso não significa que todos os trabalhadores públicos participem desses espaços ou que acompanhem esses movimentos, assim como, que seus interesses estejam voltados para essas questões. E é por isso mesmo, que muitas vezes essas construções sejam apenas determinações verticais e hierárquicas. Por isso tudo, é fundamental que se produza nos espaços de trabalho público, as condições vitais ao debate, à reflexão e à transformação das práticas cotidianas em conhecimento reconhecido pelos trabalhadores e pela comunidade. Isto posto, é importante assinalar duas dimensões da formação dos trabalhadores públicos. Uma refere-se à necessidade de podermos contar com espaços de formação teórica orientados por pessoas cuja caminhada de produção de reflexão de suas práticas e de seus saberes possibilite trazer-nos mais elementos teóricos para podermos produzir pensamentos e reflexões a partir dos princípios e dos propósitos contemporâneos das políticas públicas; outra, refere-se à produção de espaços em que possamos problematizar, debater e redimensionar nossas práticas e os nossos saberes.
Sabemos que muitos gestores, nos mais diversos lugares, boicotam ou impedem a constituição desses espaços, pois, inseguros de suas intenções políticas e do lugar que ocupam, tratam de anular a possibilidade de vida e de movimento no trabalho público. Mas isso não deve nos impedir de ir, aos poucos, produzindo mobilização, potenciação e vitalidade... o medo que nos pregam em nossos imaginários só será senhor de nossa atuação se o deixarmos ali, pendurado, como está; do contrário, podemos e devemos modificar situações desse tipo.
É claro que também há gestores mais limitados ou paranóicos que tomam como ameaça, qualquer movimento que os trabalhadores produzam e isso, muitas vezes, gera uma divisão dicotômica do trabalho, pondo de um lado, os gestores e de outro, os trabalhadores. Tomar as coisas dessa forma, é muito perigoso, pois cria relações de forças que acabam sendo esterelizantes e paralisadoras. Mas, afora isso, é fundamental que nessas condições possamos produzir resistências e campos de luta, vitalizando nossa atuação e nossos enfrentamentos.
No mais, sabemos que ainda temos muito a produzir em nossa comunidade, no campo do trabalho público, para podermos dizer que temos um pouco de dignidade humana e profissional. Não podemos nos colocar na posição de espera pela boa vontade ou capacidade dos gestores, pois estes, sabemos, são substituídos ou remanejados a cada nova eleição. É claro que poder contar com um gestor com capacidade técnica, teórica, humana, social e política, constitui-se em parte do caminho a se andar, mas nem sempre isso é possível; por isso, é fundamental que nós trabalhadores atuemos com mais responsabilidade e comprometimento com o que fazemos, pois a produção e operação do trabalho depende basicamente de nossos fazeres e saberes, associados as fazeres e saberes da comunidade. Assim, temos o dever de sairmos de nossos casulos de acomodação, de desinteresse, de queixa e de irresponsabilidade, e passarmos a produzir movimento e vida em nosso trabalho.
Se conseguirmos fazer essas coisas, talvez possamos começar a tecer redes... redes de trabalho... redes de solidariedade... redes de vitalidade... pois, por ora, em nossa comunidade, ainda não conseguimos produzir, em nossas políticas públicas, nem o mais elementar do que possa se constituir numa possibilidade de trabalho em rede... ainda somos apenas uma imensidão de pontos de nó desconectados um do outro... ainda temos quase tudo por fazer e, quando já tivermos feito bastante, ainda haverá muito por fazer... e essas coisas dependem basicamente de nosso interesse e atuação.
Para finalizar, devo dizer que me sinto muito muito honrada em ser lembrada por tantas pessoas quando se trata de visualizar possibilidades de enfrentamento político e produtivo, mas ao mesmo tempo me sinto triste por saber que o medo de muitos colegas ainda é mais forte do que a coragem de falar e de fazer acontecer... mas isso, em vez de me desanimar, mobiliza muito mais para levantar poeira para que possamos retomar caminhos que abandonamos ao cuidado do medo e para construir outras potências... caminhar junto, ajuda a enfrentar o medo e, desfeito o medo, ajuda a produzir muito mais vida! A produção desses movimentos depende de nossos quereres, por isso, espero que não fiquemos por aqui!

4 comentários:

  1. Diello, estive la por meia hora apenas, me senti mal e sai, foi vergonhoso. Reacionário é pouco para descrever a quele mal carater, safado. E´lamentavel que tenha se pago para este individuo falar tanta porcaria. Com certeza (Isto devido a pouca capacidade de analise que se observava nos participantes que o aplaudiam) causou um enorme estrago ao incentivar a violencia e o preconceito.
    Claudio Dos Santos.

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  2. olá, claudio!
    não podemos esquecer que nós trabalhadores públicos estamos falhando muito, quando nos abstemos de marcar posição e produzir as condições de trabalho de que necessitamos para atuar... enquanto nos abstemos, pessoas que não tem muita noção sobre os campos em que atuamos, buscam os referenciais teóricos de tipos como esse que nos brindou com sua ignorância... buscam esses referenciais que fazem parte das coisas em que acreditam!
    no mais, devemos andar mais fortes e firmes... ninguém pode fazer isso por nós e se não o fizermos, darão passos em nosso nome!

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  3. Diello, tu viu o convênio que a assistência fez com aquela ONG vinculada a uma igreja? Essa ONG é daquele cara daquela história cabeluda. Impressionante como gostam de sapatear em titica e achar que é perfume!

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  4. olá, maris!
    obrigada pela dica, fui verificar e realmente é como vc disse.
    inovando sempre, há uma sucessão de velhas repetições que reproduzem os modelos liberais de entregar as funções do Estado nas mãos daqueles que são da mesma igreja, do mesmo clero, dos mesmos interesses, do mesmo naipe!
    quando o Estado escolhe uma ONG para arar em suas searas, deve saber muito bem a quem está entregando a função, sob o risco de estar semeando as daninhas-ervas que podem acabar com seu solo!
    certa feita, numa escola da cidade, a diretora do educandário, tentando mostrar um espírito ecumênico, chamou um pastor para fazer uma fala de abertura do ano letivo (reordenando o rebanho!)... ele começou contando uma história que não lembro o conteúdo, mas lembro que lá pelas tantas falava sobre a irrupção abrupta de "uma malhada de elefantes"... isso ficou gravado para sempre em meu imaginário literário e sempre que vejo esse pastor, lembro que sua manada é malhada, que seu rebanho é usado para fins outros que não o de meros membros de sua igreja!
    isso não é uma coisa tão rara! e vê-se que é cada vez mais comum!
    as escolhas mostram os propósitos!

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